sábado, 1 de novembro de 2014


UNIDADE NA DIVERSIDADE

 

Pe. Cristiano Marmelo Pinto

 

 

Hoje vivemos numa sociedade plural, diversa. Há por todo canto reivindicações pelo direito a diversidade em suas mais diferentes expressões. E isto constitui uma riqueza para toda a humanidade. O fato é que somos diferentes. As culturas são diferentes. E na diferença podem e devem se complementar. Deus criou o ser humano diferente, os fez homem e mulher (cf. Gn 1,27). Os fez assim para se complementarem. É o que afirma São Paulo quando diz que “Assim como num só corpo temos muitos membros, e os membros não tem todos a mesma função, de modo análogo, nós somos muitos e formamos um só corpo em Cristo” (Rm 12,5). São Paulo ressalta que os membros são diferentes, não possuem as mesmas funções, porém, formam uma unidade, um só corpo.



A pluralidade ou, a diversidade, não pode ser vir como divisor que nos separa uns dos outros, mas sim, que nos aproxima, que nos une, formando uma unidade no todo. Isto equivale dizer que na sociedade a diversidade se for vista na ótica da unidade e não da uniformidade, é uma riqueza para todos, pois, na complementaridade o benefício é de todos. O mesmo podemos dizer sobre a Igreja. A complementaridade na diversidade deve nos levar a unidade e não a uniformidade. A unidade enriquece, a uniformidade empobrece.



Olhando para a história da Igreja, vê-se claramente como a diversidade enriqueceu a fé cristã, aproximou povos, culturas, etc. O surgimento das ordens religiosas, cada qual diferente uma das outras, com espiritualidade própria, formou um leque de opções na busca da vivência da perfeição evangélica. Ainda hoje, o Senhor faz despertar diferentes movimentos, grupos e comunidades, todos diferentes, porém, unidos na busca de viver mais perfeitamente o Evangelho de Jesus. O Evangelho, levado pelos missionários, vai se inculturando nas mais diferentes culturas e povos, falando novas linguagens e enriquecendo todo o corpo, que é a Igreja.



No campo do pensamento cristão, surgem diferentes escolas teológicas, cada qual, lendo o Evangelho a partir de uma realidade concreta, promovendo a adesão ao Projeto de Jesus e a transformação da sociedade, implantando o Reino de Deus.



Tudo isso é sadio e necessário. A uniformidade só nos trás prejuízo. É como disse o papa Francisco em sua homilia de hoje que, a ditadura de um pensamento único mata a liberdade e a consciência dos povos. O papa adverte que o erro dos fariseus foi o de se terem fechado o coração para a novidade de Jesus. E num coração fechado nada entra, nem Deus. Como disse o papa: “É um pensamento fechado que não está aberto ao diálogo, à possibilidade de que haja uma outra coisa, à possibilidade de que Deus nos fale, nos diga como é o seu caminho, como fez com os profetas. Esta gente não tinha escutado os profetas e não escutava Jesus.” E o papa vai além, dizendo que nessa ditadura do pensamento único “Não há possibilidade de diálogo, não há possibilidade de abrir-se às novidades que Deus trás com os profetas. Fecharam os profetas, esta gente; fecham a porta à promessa de Deus. E quando na história da humanidade vem este fenômeno do pensamento único, quantas desgraças. No século passado nós vimos todos as ditaduras do pensamento único que acabaram por matar tanta gente...”



É o que se vê acontecer na Igreja nestes últimos tempos com grupos cada vez mais fechados, considerando-se donos de uma “verdade única”, não dispostos ao diálogo, muito menos a diversidade de pensamentos. E segundo o papa Francisco, este fenômeno do pensamento único é uma desgraça. Estes grupos são mais focados na doutrinação do que na evangelização. E nós sabemos, isto comprovado na história, o que a doutrinação pura criou na Igreja: uma massa de cristãos que até conhecem as normas da Igreja e sua doutrina, mas que não vive o Evangelho. É por isso que nos últimos tempos fala-se tanto de re-evangelização, ou de nova evangelização. Esta nova evangelização é direcionada em primeira instância aos cristãos que não vivem sua fé, tanto os que estão fora, como os que estão dentro da Igreja. Não é justo falar somente nos cristãos afastados da vivência comunitária, pois sabemos que, muitos que permanecem na comunidade ainda estão longe de viver plenamente o Evangelho de Jesus Cristo.



A teologia nas suas mais diferentes expressões e escolas, procura responder a necessidade desta nova evangelização. Enriquece a Igreja e a fé, encarnando o Evangelho nas diferentes culturas, elaborando novas linguagens para a compreensão da fé em Jesus Cristo, e respondendo aos anseios e aos clamores dos povos. Uniformizar isto é criar uma “ditadura de um pensamento único”. É empobrecer a experiência de fé que se dá de modo diferente em todas as culturas.



Por isso, a unidade deve levar em conta a diversidade de pensamentos teológicos, e a diversidade deve levar a unidade na fé. Abrir-se a novidade de Deus que fala de modos diferentes (cf. Hb 1,1). E como diz certa canção: “Nós somos muitos, mas formamos um só corpo, que é o Corpo do Senhor, a sua Igreja, pois todos nós participamos do mesmo pão da unidade, que é o Corpo do Senhor, a comunhão” (letra de Pe. José Weber).

O CRISTÃO E A RESPONSABILIDADE SOCIAL

 
Pe. Cristiano Marmelo Pinto

 

Hoje é crescente a preocupação quanto à fome. Prevê-se que em algumas poucas décadas o número dos famintos aumentará consideravelmente no mundo. É já sabemos que a fome está presente em muitas realidades. Isto levanta um sério questionamento: o porquê da fome no mundo se existe tantas terras a serem cultivadas. O Brasil é um dos grandes produtores de alimento no mundo e como ainda existe gente passando fome entre nós? Há uma resposta simples: a má distribuição de renda; e outra resposta mais complexa e profunda que leva a resposta da primeira: a ganância, a concentração desonesta nas mãos de uns poucos faz com que os famintos desta terra não tenham acesso ao necessário para viver com dignidade. É aí que entra a liturgia da Palavra de hoje.

 

A princípio podemos dizer que São Tiago faz uma dura crítica aos ricos que concentram os bens e não se importam com os pobres. Mais também aqueles que se dizem cristãos, porém, vivem num individualismo cruel e muitas vezes são causadores de tantas injustiças. E como tem gente que se preocupam com seus bens e não se importam com os outros, com os famintos, com os pobres. No dia do juízo, seus próprios bens, tomados pela ferrugem e pelas traças (cf. Tg 5,2-3), serão seus acusadores. Tiago não chama a atenção apenas para a questão da injustiça social, mas, junto com ela, também caminha a omissão de muitos que relutam em promover um mundo mais justo e solidário. Ai todos nós entramos. Se nossa atitude for de passividade, de irresponsabilidade, de recusa de serviço ao necessitado, também incorreremos as consequentes penalidades, no dia do juízo. Em sintonia com o a liturgia de hoje, o Concílio Vaticano II insiste na urgência em socorrer os necessitados e famintos desde mundo (cf. GS 69). Não podemos jogar a culpa somente nas autoridades públicas que deveriam prover melhores condições de vida para o nosso povo, mas também nós somos culpados, visto que, além de nossa omissão, também somos nós que escolhemos nossos políticos.

 

A incoerência cristã leva a morte de muitos. É o que nos chamou a atenção o papa Francisco em sua homilia de hoje. E esta incoerência não se dá apenas no campo moral entendido na área da sexualidade, como muitas vezes nos atemos, mas principalmente no campo social. Infelizmente hoje na Igreja perdemos o senso de pecado social. Consideramos somente o pecado do indivíduo no sentido moral e não nos preocupamos com nossa possível contribuição para a desgraça de muitos em nossa sociedade. Isto é o que Jesus no evangelho chama de escândalo. Diz Ele: “Se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada no pescoço” (Mc 9,42). Estes pequeninos são os pobres e famintos. São aqueles que são feitos “invisíveis” aos olhos de nossa sociedade e de nós cristãos. Por que ainda temos que insistir em nossas igrejas para que a comunidade traga alimentos para serem destinados aos famintos? E mesmo assim, muitos não trazem! É sério o que Jesus está dizendo: “melhor ser jogado no mar”, ou seja, atirado fora, porque não vale pra nada. Uma fé egoísta, individualista, insensível ao sofrimento do outro não serve para nada. Melhor mesmo que seja jogado fora, porque isto é escandaloso diante do projeto de Deus, que deseja vida para todos. É escandaloso dizer-se cristão, e permanecer com o coração fechado para as necessidades dos pobres. É escandaloso um cristão não partilhar. Certa vez foi perguntado para uma pessoa de “igreja” o que ela poderia fazer se um pobre lhe pedisse ajuda. E ela respondeu que só poderia rezar. Isto é escandaloso e esta oração não vale nada. Não vale nada ter as duas mãos elevadas para os céus, enquanto ao nosso lado os famintos morrem de fome e de sede de justiça.

 

Precisamos ser sal, como diz Jesus (cf. Mc 9,50). Sal que dá sabor ao mundo. Sal que transforma a realidade injusta de nossa sociedade num mundo melhor e mais justo para todos. Cristão de verdade possui um profundo senso de responsabilidade social, senão, nossa fé é em vão, pois o mesmo São Tiago nos diz que, sem as obras nossa fé é morta (cf. Tg 2,17).

“VAI FRANCISCO, E RESTAURA A MINHA IGREJA EM RUÍNAS.”
 
Pe. Cristiano Marmelo Pinto
 
Esta foi a mensagem que São Francisco de Assis, no século XIII, recebeu diante da cruz na velha e em ruínas capelinha de São Damião, em Assis na Itália. Inicialmente ele pensou que se tratava de reconstruir a antiga igreja caindo aos pedaços. Com esse pensamento ele restaurou três igrejas. Mais tarde São Francisco se deu conta de que não se tratava de reformar igrejas em ruínas, mas a própria Igreja, que estava distante de sua vocação, imersa em escândalos. E ele levou sua missão a cabo, buscando sempre com docilidade e prudência, resgatar a alegria de viver o Evangelho como forma de vida para o cristão. Logo ganhou adeptos e o número de seguidores de sua proposta foi aumentando consideravelmente. Da iniciativa de Francisco de Assis gerou a vasta família franciscana, hoje espalhada por todos os cantos.
 
Nos últimos tempos, Deus, por meio do Espírito Santo, nos providenciou outro Francisco. Não o de Assis, mas com o espírito de Assis. Hoje, ele completa um ano de pontificado e toda a Igreja se alegra e celebra esta data como verdadeira obra do Espírito Santo de Deus. Os tempos são outros, os apelos são muitos, e a situação semelhante a da época do Francisco de Assis.
 
Mas, diante dos fatos de ontem e de hoje, devemos nos perguntar: a Igreja está em ruínas mesmo? O que de fato está em ruína na Igreja, para que Deus suscitasse em nossa época um “outro” Francisco? A Igreja em si não pode estar em ruínas, nem ontem e nem hoje. Ela é constituída por pessoas humanas, mas não podemos esquecer que também é de origem divina. E Deus não deixa que sua obra caia em ruínas. O que está em ruínas então? Muitos membros da Igreja. Às vezes acusamos os outros, o mundo moderno de seu afastamento de Deus e, não percebemos que também nós podemos nos afastar de seus planos. São Francisco de Assis ao redigir a regra de vida dos frades, inicia dizendo que “a regra de vida do frade menor é viver o Evangelho”. Ai está o problema. Muitas vezes falamos do Evangelho nos esquecendo de vivê-lo. Pregamos o Reino de Deus e vivemos os “reinos” deste mundo. Ao invés de nos tornarmos homens e mulheres de Deus, nos tornamos, sim, homens e mulheres do mundo. É nesse ponto que entra o Francisco de hoje, nos chamando a um retorno as nossas origens: uma Igreja seguidora de Cristo e não voltada para as coisas do mundo. Recuperar a alegria de viver o Evangelho e anunciá-lo com a vida. Não adianta uma reforma das estruturas se não houver simultaneamente uma conversão pessoal a Cristo e ao seu Evangelho. Muito mais do que mudar as estruturas, às vezes caducas, é preciso mudar a mentalidade. E o papa Francisco tem demonstrado isso em suas falas e comportamentos. Francisco de Assis compreendeu isso e promoveu uma mudança tão radical que dura séculos na Igreja. A meu ver, o papa Francisco também entendeu de que ruína se trata. E nós? Será que também estamos entendendo?
 
Rezo para que Deus continue lhe dando saúde e coragem para mudar o que for necessário na Igreja. E que possamos, a seu exemplo, seguir o mesmo caminho, voltando nosso coração para Deus.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014


A CELEBRAÇÃO LITÚRGICA DO MATRIMÔNIO

 

By Pe. Cristiano Marmelo Pinto[1]

 

1. Introdução

 

            A celebração litúrgica do matrimônio foi se desenvolvendo ao longo dos séculos na Igreja. Muitos de seus elementos foram absorvidos da celebração social do matrimônio nas culturas, principalmente da cultura greco-romana com alguns elementos do judaísmo, no que diz respeito ao caráter eucológico.

 

            Tendo já abordado sobre o processo de desenvolvimento histórico da celebração do matrimônio, pretendemos agora refletir sobre as partes que constituem a celebração litúrgica do matrimônio na Igreja.

 

            O Ritual do Matrimônio prevê duas situações para a celebração do matrimônio: a normal, que seria dentro da celebração da missa, e outra fora da missa. Iremos trabalhar a celebração dentro daquilo que seria sua normalidade, porém, não desconsiderando a possibilidade de sua realização fora da missa. Aliás, esta tem se tornado a maneira mais comum em nossas igrejas. Evidente que, no acompanhamento dos noivos, o sacerdote deve julgar sobre a conveniência de realizar uma ou outra forma do matrimônio.

 

2. O Ritual do Matrimônio (segunda edição típica)

 

            A segunda edição típica do Ritual do Matrimônio apresenta uma introdução geral bem elaborada. Nesta introdução geral, também chamada de praenotanda, estão consignadas as orientações doutrinais e pastorais acerca do matrimônio e sua celebração. Nesta introdução, a parte doutrinal aparece bem mais desenvolvida e enriquecida.

 

De forma bem concisa e vibrante, faz-se uma apresentação do matrimônio, à luz da história da salvação, expondo os diversos aspectos antropológicos, bíblicos, teológicos, morais e espirituais do matrimônio (n. 1-11). Destacam-se nela as alusões à aliança de Cristo com a Igreja e à ação do Espírito Santo, fonte da caridade, da qual brotam o amor indiviso e a mútua doação dos esposos[2].

 

Ela dá uma devida atenção aos aspectos práticos, relacionados com a preparação e celebração do matrimônio. No tocante às orientações para a preparação da celebração, a introdução fala que deve ser cuidadosa a celebração litúrgica e criteriosa a modalidade a ser utilizada, conforme a realidade pastoral (Cf. RM 29-31).

 

O Ritual do Matrimônio situa a sua celebração no contexto da celebração da eucaristia, atendendo a solicitação do próprio Concílio Vaticano II, que afirma na constituição Sacrosanctum Concilium que “habitualmente, celebre-se o matrimônio dentro da missa, após a leitura do Evangelho e homilia, antes da oração dos fiéis” (SC 78).

 

No rito latino, a celebração do matrimônio entre dois fiéis católicos normalmente ocorre dentro da santa missa, em vista do vínculo de todos os sacramentos com o mistério pascal de Cristo. Na eucaristia se realiza o memorial da nova aliança, na qual Cristo se uniu para sempre à Igreja, sua esposa bem-amada pela qual se entregou. Portanto, é conveniente que os esposos selem seu consentimento de entregar-se um ao outro pela oferenda de suas próprias vidas, unindo-o à oferenda de Cristo por sua Igreja, que se torna presente no sacrifício eucarístico[3].

 

Deste modo, o Ritual do Matrimônio põe em relevo a relação entre a celebração da eucaristia, memorial da nova aliança, onde Cristo se une a Igreja, sua esposa, e a mútua entrega dos esposos por meio do consentimento mútuo.

 

            O novo ritual dá igual relevo à liturgia da Palavra. Ele é enriquecido com diversas opções de leituras, aplicando a prescrição conciliar de ampliar as leituras dos lecionários. A constituição SC diz: “Nas celebrações litúrgicas restaure-se a leitura da Sagrada Escritura mais abundante, variada e apropriada” (n. 35). O Ritual do Matrimônio é acompanhado de um lecionário (ver capítulo V do ritual), no qual são reunidas diversas leituras tanto do Antigo como do Novo Testamento, bem como salmos e versículos para a aclamação.

 

            O novo Ritual do Matrimônio procura revisar os ritos próprios da celebração do matrimônio. O ato mais importante é o consentimento dos esposos. O ritual destaca o papel dos contraentes, afirmando que está acima da função de quem preside a celebração. O rito do consentimento é precedido de um breve interrogatório acerca dos requisitos básicos para a validade do consentimento.

 

Os esposos celebram a sua aliança com Deus e entre eles. Manifestam o seu consentimento absolutamente livre, o seu amor em todas as circunstâncias, o seu desejo de fecundidade e o seu compromisso como pais e educadores; comprometem-se a partilhar todos os bens e a formar uma comunidade que tenha um só coração, uma só alma, tudo em comum, e a ser um só corpo[4].

 

            No número 35, a Introdução Geral do Ritual do Matrimônio destaca os principais elementos da celebração do matrimônio. São eles: a liturgia da Palavra; o consentimento; a bênção sobre os esposos e finalmente a comunhão eucarística.

 

            Entre os elementos principais da celebração do matrimônio está a benção dos esposos (bênção nupcial), na qual se invoca a bênção de Deus sobre os esposos[5]. Esta bênção é o elemento mais antigo e original da liturgia do matrimônio cristão. Tem raiz na tradição oriental e a liturgia ocidental a incorporou à missa nupcial, depois do Pai-nosso. Sobre a bênção nupcial falaremos mais adiante.

 

            Quando uma das partes não é católica, porém batizada, a introdução indica o rito do matrimônio sem missa (nn. 79-117). Quando uma das partes é um catecúmeno, ou seja, alguém que está se preparando para ser batizado, ou então entre uma parte não cristã, o rito a ser usado é o da celebração do matrimônio entre uma pessoa católica e outra catecúmena ou não cristã (nn. 152-178).

 

            Outra peculiaridade do novo Ritual do Matrimônio é a possibilidade do matrimônio ser assistido por uma testemunha leiga, na falta do presbítero ou do diácono.

 

Onde faltam sacerdotes e diáconos, o bispo diocesano, com a prévia aprovação favorável da Conferência dos Bispos e obtida a licença da Santa Sé, pode delegar leigos para assistirem aos matrimônios. Escolha-se um leigo idôneo, que seja capaz de formar os noivos e de realizar convenientemente a liturgia do matrimônio[6].

 

            A reforma do Ritual do Matrimônio, aplicando os princípios e determinações do Concílio Vaticano II, deu passos importantes e positivos para a celebração do matrimônio. Deu uma concepção geral da liturgia sacramental, tendo em conta os frutos obtidos anteriormente ao Vaticano II. Como afirma G. Flórez,

 

a aproximação às fontes bíblicas, patrísticas e litúrgicas, a tradução dos textos litúrgicos para as línguas vernáculas, a participação ativa da comunidade cristã nas celebrações, a valorização e utilização da Palavra de Deus para alimentar a fé no significado dos sacramentos e em geral nos aspectos teológicos da ação litúrgica são passos importantes para o desenvolvimento do sentido litúrgico dos fiéis[7].

 

            A reforma do Ritual do Matrimônio o enriqueceu grandemente. Deu unidade à ação litúrgica, fazendo com que a celebração do matrimônio seja composta com todos os elementos litúrgicos que têm significado importante na tradição litúrgica e na realidade antropológica e sacramental do matrimônio, podendo adotar elementos culturais que valorizem a própria celebração.

 

            A celebração do matrimônio, tal como é ordenada no novo Ritual do Matrimônio põe em relevo dois elementos que ao longo da história da celebração do matrimônio tiveram importância diferente: o primeiro é o consentimento dos esposos, elemento imprescindível da celebração, e o segundo é a bênção nupcial, que é o mais firme elo da tradição litúrgica do matrimônio.

 

            É evidente que a celebração litúrgica do matrimônio, tal como é disposta no novo ritual, exige uma boa preparação de todas as partes e, principalmente, dos noivos. “A preparação da celebração do sacramento deve ser feita com cuidado, enquanto possível, com a presença dos noivos”[8]. O pároco deve analisar as condições para propor a melhor forma de celebração, se dentro ou fora da missa; juntamente com os noivos, caso seja possível, escolher bem as leituras, que serão comentadas na homilia; a maneira dos noivos exprimirem o consentimento; a fórmula da bênção das alianças; a bênção nupcial, as preces e os cantos e até mesmo o modo da ornamentação (Cf. RM 29-31).

 

3. Características da liturgia do matrimônio

 

            A celebração dos sacramentos, em particular a eucaristia, constituem a expressão máxima da oração da Igreja. Conforme afirma o Concílio Vaticano II: “A liturgia é o cume para o qual tende a ação da Igreja, e, ao mesmo tempo, é a fonte donde emana toda a sua força” (SC 10). Por meio dos sacramentos, Cristo se une à Igreja para realizar nela sua obra de salvação. Sendo pois, oração de Cristo e da Igreja, os sacramentos expressão e comunicam por meio de palavras e símbolos e com uma ação litúrgica, o que a graça de Cristo quer realizar na Igreja e em seus membros.

 

            Para comunicar o mistério da graça de Deus, a liturgia sacramental busca, nos textos da Sagrada Escritura, sua fonte primordial, pois é nela que contém por excelência a revelação de Deus, mas também, recorre a tudo o que pode contribuir para expressar de maneira clara e objetiva o mistério celebrado.

 

            No que diz respeito à celebração litúrgica do matrimônio, a liturgia da Igreja recorre em primeiro lugar aos textos bíblicos em que se revela o projeto de Deus a respeito do matrimônio. Mas a liturgia sacramental não se limita apenas aos textos específicos, vai além, buscando em outros textos da Sagrada Escritura tudo o que pode ser útil para promover uma plena e frutuosa celebração do sacramento.

 

            Além dos textos bíblicos, a liturgia sacramental também fundamenta-se nos sinais, pois eles são meios para expressar, representar e comunicar as realidades significadas pelos sacramentos. G. Flórez afirma que:

 

o sinal entra pelos sentidos até o interior do espírito humano e tem uma força de projeção comunitária que a palavra nem sempre pode alcançar por si só. O sinal tem uma capacidade especial para fazer chegar à comunidade uma mesma mensagem, para significar, representar e comunicar a unidade e a universalidade da graça de Jesus. Porém, tem também suas limitações próprias. Precisa do concurso da palavra para poder expressar com clareza e luminosidade o que quer significar e comunicar[9].

 

            Na celebração do matrimônio cristão se encontra uma variedade de ritos, que procederam das mais diferentes culturas e tradições. Eles ajudam a sua celebração, porém, o mais essencial é a decisão dos noivos de se unirem. A identidade teológica do matrimônio está na decisão dos noivos de contraírem matrimônio perante Deus e a Igreja.

 

As palavras do consentimento matrimonial exercem a função de sinal no sacramento do matrimônio. Diferentemente de outros sacramentos, não se trata, nesse caso, de um elemento material, que se toma como meio de representação do que o sacramento significa e realiza, mas de um compromisso que os noivos contraem livremente e que os transforma em esposos[10].

 

            Embora a celebração do matrimônio tenha elementos da tradição bíblica e de diferentes culturas, a liturgia do matrimônio não é simplesmente um aglomerado de elementos ou ritos tirados dessas culturas e tradições, mas possui uma estrutura própria, que faz parte do culto da Igreja. Por meio da liturgia sacramental, a Igreja exerce sua missão de santificar os fiéis e de oferecer a Deus um culto agradável e verdadeiro.

 

Através da liturgia cristã do matrimônio, o Pai manifesta seu amor aos esposos, membros do corpo de Cristo, e a Igreja oferece ao Pai aquilo que mais lhe agrada, o amor de seu Filho, que se revela e manifesta no amor que os novos esposos sentem entre si[11].

 

            Deste modo, a união dos esposos se torna um sinal da união de Cristo com sua Igreja e como obra do Espírito Santo para enriquecer a Igreja com seus dons.

 

4. O lugar da celebração do matrimônio

 

            A Introdução Geral do Ritual do Matrimônio, bem como a Constituição Conciliar sobre a Liturgia Sacrosanctum Concilium, afirmam que o lugar normalmente do matrimônio é dentro da celebração da eucaristia. Porém, por motivos pastorais, há a possibilidade de ser celebrado fora da missa[12].

 

            Mas a celebração do matrimônio hoje esbarra em grandes dificuldades que devem nos questionar em relação ao modo de preparação para a sua celebração. Vê-se que os noivos, que procuram a Igreja para a celebração do matrimônio, encontram-se despreparados com uma fraca iniciação cristã, em alguns caso praticamente ausente. Como afirmo no meu recente livro,

 

outro problema que encontramos quando casais de noivos procuram a Igreja para pedir o sacramento do matrimônio é a falta de fé. Este constitui um dos mais graves problemas por revelar que o processo de iniciação cristã tem se mostrado ineficiente, não despertando em nossos jovens uma fé madura e responsável[13].

 

            Enquanto o processo de iniciação cristã não levar os jovens à maturidade da fé, parece que a melhor forma para a celebração do matrimônio é fora da missa. É inadmissível a celebração do matrimônio na missa em que os noivos não possam participar plenamente, inclusive da mesa eucarística.

 

            O Ritual do Matrimônio apresenta três possibilidades para a sua celebração: celebração do matrimônio dentro da missa; celebração do matrimônio fora da missa; e celebração do matrimônio entre uma pessoa católica e outra catecúmena ou não-cristã.             

 

5. As partes da liturgia do matrimônio

 

            As partes da liturgia do matrimônio são as seguintes:

a)      Ritos Iniciais (entrada e acolhida)

b)      Liturgia da Palavra

c)      Rito Sacramental do Matrimônio

d)      Liturgia Eucarística (quando celebrado dentro da missa)

e)      Rito Finais

 

Não faremos aqui um tratado sobre cada parte da celebração litúrgica do matrimônio. Mas queremos traçar alguns elementos dos ritos que compõem a celebração do matrimônio. Não consideraremos a princípio a celebração dentro da missa, embora seja o seu lugar por excelência, mas explanaremos o que é próprio do sacramento do matrimônio.

 

a) Ritos Iniciais (entrada e acolhida)

 

            Os ritos iniciais são compostos pelas seguintes partes: entrada dos noivos e acolhida, admoestação.

 

            O Ritual do Matrimônio prevê duas modalidades para ser feita à acolhida dos noivos na igreja. Na primeira modalidade o sacerdote dirige-se à porta da igreja e acolhe os noivos, mostrando que a Igreja participa da sua alegria. Em seguida faz-se a procissão para o presbitério[14]. A segunda modalidade dá-se da seguinte forma: o sacerdote dirige-se ao seu lugar no presbitério. Quando os noivos chegam ao seu lugar, o sacerdote os acolhe e cordialmente os saúda, mostrando que a Igreja participa da alegria deles[15].

 

            No entanto, é costume que a entrada dos noivos aconteça da seguinte forma: entra os padrinhos e madrinhas seguidas do noivo acompanhado da sua mãe. Aos pés do presbitério ele espera a chegada da noiva. A noiva entra conduzida pelo pai e encaminha lentamente até o noivo que está à sua espera. Estando próxima do presbitério, o pai a entrega para o noivo e os dois se dirigem para seu lugar, onde são acolhidos pelo sacerdote.

 

            O Conselho Pontifício para a Família orienta que:

 

com uma particular e concreta atenção aos nubentes e à sua situação, o celebrante, evitando de modo absoluto as preferências de pessoa, deverá, ele mesmo, interrogar-se sobre a verdade dos símbolos que a ação litúrgica usa. Assim, ao acolher e saudar os nubentes, os seus pais, se presentes, as testemunhas e a assembleia, será o intérprete vivo da comunidade que acolhe os nubentes[16].

 

            Terminada a acolhida o sacerdote faz o sinal da cruz e, em seguida, voltado para o povo, de braços aberto, saúda com uma das fórmulas propostas pelo Ritual do Matrimônio.

 

            Após esta saudação, o Ritual do Matrimônio propõe duas fórmulas de alocução para dispor os noivos à celebração do matrimônio. Na primeira fórmula o sacerdote dirige-se aos presentes convidando-os a participar e acompanhar os noivos com a amizade e a oração fraterna. Faz um esboço da celebração, convidando a todos para ouvir atentamente a Palavra de Deus e em seguida elevar as orações, por meio de Jesus Cristo, a Deus Pai, para que ele acolha, abençoe e mantenha os noivos sempre unidos. Na segunda, o sacerdote dirige-se diretamente aos noivos, mostrando a eles que a Igreja participa da alegria deles e os recebe de coração, bem como aos pais, parentes e amigos.

            Omite-se o ato penitencial. Se o matrimônio for celebrado dentro da missa, o Ritual do Matrimônio prevê que nos dias em que se permite as missas rituais, seja utilizada a missa de casamento com suas leituras próprias. Nos dias assinalados pela Tabela dos dias litúrgicos, usa-se a missa do dia, conservando a bênção nupcial e a fórmula própria da bênção final. Quando o matrimônio acontecer em dia de domingo, e é participado por toda a comunidade paroquial, deve-se celebrar a missa do dia, seja nos domingos do tempo de natal ou do tempo comum[17].

 

            No rito previsto para a celebração do matrimônio fora da missa, prevê-se uma oração para encerrar os ritos iniciais[18].

 

b) Liturgia da Palavra

 

            Após os ritos iniciais, realiza-se a liturgia da Palavra. Pode-se escolher três leituras para a celebração do matrimônio, sendo a primeira do Antigo Testamento, mas no tempo pascal, esta deverá ser tirada do Apocalipse.

 

            O Ritual do Matrimônio foi enriquecido imensamente com um conjunto de textos bíblicos que exprimem mais peculiarmente a importância e a dignidade do matrimônio no mistério da salvação[19]. Os textos selecionados para compor o lecionário do matrimônio são abundantes e adaptam as diversas situações.

 

            A liturgia da Palavra é parte integrante e essencial da liturgia. Ela é de grande importância para uma celebração digna e proveitosa para o matrimônio, tanto para os noivos como para toda a comunidade reunida.

 

            Após a proclamação do Evangelho faz-se a homilia. O sacerdote expõe o mistério do matrimônio cristão, a dignidade do amor conjugal, a graça sacramental e os deveres dos esposos.

 

Após a leitura do Evangelho, o sacerdote exponha, partindo do texto sagrado, o mistério do matrimônio cristão, a dignidade do amor conjugal, a graça do sacramento e os deveres do casal, levando sempre em conta a situação das pessoas[20].

 

            A Palavra de Deus proclamada na celebração do matrimônio expressa o sentido do amor humano revelado na história da salvação. No amor entre um homem e uma mulher revela-se o amor de Deus pelo povo da Aliança e de Jesus Cristo por sua Igreja. São Paulo irá dizer que “este mistério é grande” (Ef 5,32).

 

            c) Rito Sacramental do Matrimônio

 

            Terminada a liturgia da Palavra com a homilia, inicia-se o rito sacramental do matrimônio. Este rito é composto das seguintes partes: diálogo antes do consentimento, consentimento, aceitação do consentimento, bênção e entrega das alianças e preces dos fiéis.

 

Estando todos de pé, e tendo se colocado as testemunhas em lugar adequado, o sacerdote dirige aos noivos algumas palavras sobre a grandeza do sacramento do matrimônio conforme propõe o Ritual do Matrimônio ou usando outras palavras. Na fórmula proposta pelo ritual recorda-se a ligação existente entre o batismo e o matrimônio. Pelo batismo os noivos foram consagrados e agora com o sacramento do matrimônio, serão enriquecidos e fortalecidos por Cristo com a finalidade de que sejam fiéis um ao outro e assumam com responsabilidade os deveres do matrimônio.

 

            Diálogo antes do consentimento

 

            Os noivos são interrogados sobre a sua liberdade, a fidelidade e a aceitação de assumirem a educação dos filhos, dom de Deus para o casal. A este interrogatório cada um deve responder pessoalmente diante de todos.

 

N. e N., viestes aqui para unir-vos em matrimônio. Por isso, eu vos pergunto perante a Igreja: é de livre e espontânea vontade que o fazeis? (cada um responde: Sim!)

 

Abraçando o matrimônio, ides prometer amor e fidelidade um ao outro. É por toda a vida que o prometeis? (cada um responde: Sim!)

 

Estais dispostos a receber com amor os filhos que Deus vos confiar, educando-os na lei de Cristo e da Igreja? (cada um responde: Sim!)[21]

 

            Este interrogatório feito aos noivos sobre a liberdade, fidelidade e o desejo de terem filhos e os educarem na lei de Cristo e da Igreja, tem hoje grande importância, considerando que vivemos numa sociedade contrária em contrair compromissos permanentes, uma mentalidade divorcista e anti-natalidade. O interrogatório pretende proclamar publicamente durante a ação litúrgica do matrimônio e diante da comunidade reunida as condições necessárias para tornar possível o sacramento do matrimônio.

 

Os esposos celebram a sua aliança com Deus e entre eles. manifestam o seu consentimento absolutamente livre, o seu amor em todas as circunstâncias, o seu desejo de fecundidade e o seu compromisso como pais e educadores[22].

 

            Consentimento e aceitação

 

            O consentimento pode ser realizado de dois modos: uma fórmula dialogal onde os nubentes se declaram um ao outro dando o seu consentimento em receber a outra parte por esposa ou esposo. Sem dúvida que a primeira fórmula é a mais apropriada.

 

O noivo diz: Eu, N., te recebo, N., por minha esposa e te prometo ser fiel, amar-te e respeitar-te na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias de nossa vida.

 

A noiva diz: Eu, N., te recebo, N., por meu esposo e te prometo ser fiel, amar-te e respeitar-te na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias de nossa vida[23].

 

Na segunda fórmula, os noivos respondem as perguntas do sacerdote dando o seu consentimento. Esta segunda é proposta caso haja algum motivo pastoral.

 

Não há dificuldade de observar que o consentimento, expresso em forma de diálogo, é muito mais vívido para significar a parte dos esposos no sacramento, sem que seja obstáculo a questão teológica sobre o ministro do sacramento[24].

 

            O consentimento mútuo dos noivos é ponto essencial da celebração do matrimônio. Por isso, deve-se destacar bem a grandeza do gesto e suas palavras. Os noivos se doam e aceitam mutuamente diante de toda a comunidade reunida e diante de Deus.

 

            Após o consentimento mútuo, dá-se a aceitação do consentimento por parte do sacerdote que o acolhe “por uma frase deprecativa que coloca mais em destaque a ação de Deus do que o papel do ministro”[25].

 

Deus confirme este compromisso que manifestastes perante a Igreja e derrame sobre vós as suas bênçãos! Ninguém separe o que Deus uniu[26]!

 

Bênção das alianças

 

            O matrimônio possui um símbolo muito rico: as alianças. Como todo símbolo na liturgia, elas querem trazer à memória, tornar presente o que significam: o amor e a fidelidade que os nubentes prometeram um ao outro. Elas realçam este aspecto que deve ser lembrado pelos novos esposos por toda a vida. Porém, como todo símbolo utilizado na liturgia, elas devem também remeter os esposos para aquele que é o significado maior de sua união, que torna-se também, símbolo da união de Cristo com sua Igreja. Os esposos cristãos vivem seu matrimônio em Cristo e dele devem dar testemunho, expressando no amor humano o amor que fez com que Cristo entregasse sua vida incondicionalmente pela sua Igreja. Um amor que se doa constantemente, sem limites. A aliança é um dos elementos fundamentais na revelação de Deus com o povo de Israel, que encontra sua expressão definitiva em Jesus Cristo. Deste modo, a aliança estabelecida pelos esposos também possui um caráter definitivo e indissolúvel. Para viver o amor e a fidelidade simbolizados pelas alianças, os esposos invocam a ajuda de Deus.

 

            O sacerdote abençoa com uma das fórmulas propostas pelo Ritual do Matrimônio.

 

Deus abençoe estas alianças que ides entregar um ao outro em sinal de amor e fidelidade. Amém[27].

 

            Em seguida dá-se a entrega das alianças. Os esposos colocam as alianças no dedo anular um do outro dizendo a seguinte fórmula:

 

N., recebe esta aliança em sinal do meu amor e da minha fidelidade. Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo[28].

 

            É importante lembrar que durante a bênção e a entrega das alianças não deve haver música, pois neste momento, assim como no consentimento, a palavra tem a primazia. Todos devem ouvir bem o que os nubentes estão dizendo.

 

            Preces dos fiéis

 

            O rito sacramental do matrimônio é concluído com a oração da comunidade.  “A oração dos fiéis que se segue quer recolher a oração dos próprios esposos e de toda a assembleia por aqueles que se uniram em matrimônio”[29]. O matrimônio estabelece um novo lar e enriquece a comunidade dos fiéis. Por este motivo, todos elevam a Deus suas preces em favor dos esposos, do novo lar.

 

Mas, porque todos sabem o que a experiência humana revela todos os dias: que é grande a dificuldade que há de viver o amor na fidelidade, na generosidade, na unidade de um só coração, eis que a assembleia inteira elevará a Deus sua oração, para que a graça se faça tão imperativa que possa surpreender estas duas liberdades e não lhes permita se desligarem nunca[30].

 

            d) Liturgia Eucarística (quando celebrado dentro da missa)

 

            A forma ordinária ou normal para a celebração do matrimônio é dentro da missa[31]. Embora a forma corrente a que nos acostumamos celebrar este sacramento seja fora da missa, isto por diversas razões. A partir do Concílio Vaticano II, a liturgia eucarística para o matrimônio ficou muito enriquecida. O missal romano apresenta três opções de formulários para a celebração do matrimônio dentro da missa.

 

Para a liturgia eucarística do sacramento do matrimônio faz-se tudo segundo o rito da missa; destacando três momentos: a participação dos esposos na apresentação dos dons, a introdução da recordação dos esposos na oração eucarística, a comunhão sobre as duas espécies[32].

 

            Apresentação dos dons

 

            Na apresentação dos dons, o Ritual do Matrimônio propõe que o casal possa levar até o altar pão e vinho[33]. Este gesto deve ressaltar a íntima união entre o matrimônio e a eucaristia.

 

            Oração sobre as oferendas e Prefácios

 

            O Missal Romano apresenta três opções de oração sobre as oferendas. Porém, seu conteúdo não se difere muito. Para a oração eucarística, o missal apresenta três prefácios que são de livre escolha. Estes prefácios apresentam toda a teologia do matrimônio. Os três situam o matrimônio na perspectiva da economia da salvação, inserida no mistério pascal de Cristo.

 

O primeiro é gelasiano e o texto do sacramentário foi integralmente copiado. Vê na união conjugal a multiplicação dos filhos adotivos, de forma que a Igreja cresce graças ao matrimônio; o segundo destaca a aliança de Deus com seu povo; o terceiro exalta o amor de Deus que consagra o amor humano[34].

 

            Bênção nupcial

 

            Certamente o elemento mais característico do matrimônio dentro da liturgia eucarística é a bênção nupcial.

 

A importância dessa bênção é ressaltada pelo contexto do lugar em que se situa: logo depois do Pai nosso, e substituindo a oração seguinte ao Pai nosso e à da paz; isso põe esta oração numa clara relação com a comunhão eucarística, expressamente mencionada[35].

 

Como afirma Valter M. Goedert:

 

A bênção nupcial está inserida no contexto das bênçãos bíblicas, lembrando a fecundidade matrimonial como expressão da bênção divina e da aliança de Cristo com a Igreja, que fundamenta e dá sentido à fecundidade sacramental[36].

 

            O Ritual do Matrimônio apresenta três fórmulas para a bênção nupcial. A primeira encontra-se no n. 74. As demais fórmulas estão nos nn. 242-244 do ritual. A primeira fórmula já aparece no Sacramentário Gregoriano e foi muito usada na Igreja latina durante muitos séculos. As outras duas são de formação mais recentes. Por este motivo, daremos preferência à primeira fórmula para a bênção nupcial.

 

            Na segunda edição típica do Ritual do Matrimônio, a primeira fórmula passou por importantes mudanças ao final do texto, fazendo menção mais explícita ao Espírito Santo.

 

            G. Flórez afirma que, o novo ritual na sua segunda edição típica,

 

introduz novidades oportunas na fórmula litúrgica da bênção nupcial. Em primeiro lugar, na exortação inicial, o sacerdote pede à comunidade que ore para que Deus derrame a bênção de sua graça sobre os novos esposos, não somente sobre a esposa (n.73). A oração que figura no texto da missa consta de uma tríplice invocação e de uma tríplice prece e termina pedindo pelos dois esposos (n. 74). A tríplice oração atende primeiro a ambos os esposos, depois à esposa e em terceiro ao esposo[37].

 

            As mudanças mais importantes são as seguintes: introduz-se um parágrafo sobre o esposo, de modo que não somente a esposa é destinatária da bênção, mas ambos; resume-se o elenco das santas mulheres que a Sagrada Escritura apresenta como exemplo de esposa e mãe, por motivo catequético; e a conclusão, praticamente nova.

 

            Acrescentou-se ao ritual, como já havíamos dito, outras duas fórmulas para a oração da bênção nupcial. A primeira faz uma tríplice invocação em favor dos esposos (n. 242). A segunda, mais breve, intercede numa mesma prece sobre ambos os esposos (n. 244).

 

            Nos três formulários de bênção aparece uma invocação a Deus pedindo que envie sobre os esposos o Espírito Santo. “Enviai sobre eles a graça do Espírito Santo, para que, impregnados da vossa caridade, permaneçam fiéis na aliança conjugal” (primeiro formulário); “infundi em seus corações a força do Espírito Santo” (segundo formulário); e “que a força do Espírito Santo inflame, do alto, os seus corações” (terceiro formulário).

 

            Quanto ao conteúdo do primeiro formulário, diz G. Flórez:

 

A bênção nupcial começa evocando três dados que são decisivos para a compreensão do sacramento do matrimônio: a união do primeiro casal querida por Deus, a união de Cristo com a Igreja significada no matrimônio e a bênção que Deus faz do matrimônio. As preces que prolongam a bênção nupcial pedem a graça e a fidelidade para os esposos; o amor, a paz e as virtudes das santas mulheres da Bíblia, para a esposa; e um coração cheio de confiança, respeito e amor por sua esposa, para o esposo. A bênção conclui pedindo a unidade dos esposos na fé e na obediência a Deus, na fidelidade conjugal e na integridade dos costumes, a fim de que possam dar testemunho de Cristo e alcançar a bem-aventurança dos santos[38].

 

            A bênção nupcial vem ganhando notável importância nas adaptações do Ritual do Matrimônio, que pede para que ela não seja omitida e que se faça com a mais devida solenidade. Deste modo procura-se recuperar e revalorizar um dos elementos mais característicos da celebração do matrimônio.

 

            A comunhão

 

            É previsto que o casal possa comungar sob as duas espécies, juntamente com seus pais, testemunhas e parentes. Também no rito fora da missa, o casal poderá receber a comunhão eucarística. Deve-se, porém, observar a conveniência de haver ou não a comunhão.

 

e) Ritos finais

 

            A celebração do matrimônio é concluída com uma última bênção. Esta bênção pode ser simples, caso seja celebrado fora da missa, ou então, uma das bênçãos proposta pelo Ritual do Matrimônio[39].

 

6. Conclusão

 

            A celebração litúrgica do matrimônio se transformou num grande desafio pastoral e litúrgico para nossa Igreja. A liturgia do matrimônio tem se distanciado da sua finalidade tanto pelo despreparo dos noivos, que desconhecem o verdadeiro sentido sacramental do matrimônio e de sua celebração, como também por parte daqueles que deveriam zelar pela celebração digna do sacramento.

 

            A celebração do matrimônio deve expressar sua natureza e sacramentalidade, obedecendo aos requisitos litúrgicos para a realização da celebração. Com a renovação conciliar da liturgia, a celebração do matrimônio foi imensamente enriquecida. Para resgatar sua celebração como prescreve as normas e a própria natureza da liturgia, é preciso empenhar-se para promover uma adequada e correta preparação dos noivos.

 

            É evidente que o problema tem sua origem já na ineficiente iniciação cristã a que muitos têm recebido em nossas igrejas. Porém, é dever nosso, nos preocupar com a preparação e celebração do matrimônio.  Os documentos da Igreja falam de uma preparação remota (que tem início na catequese), uma preparação próxima (durante o noivado) e uma preparação imediata (em vista da celebração litúrgica do matrimônio). Esta preparação imediata é aquela que precede imediatamente à celebração do sacramento e se distingue das demais, porque agora tem lugar uma catequese mais diretamente litúrgico-sacramental sobre o batismo, sobre a confirmação [...], sobre a penitência, sobre a eucaristia e sobretudo sobre o sacramento do matrimônio[40].



[1] Presbítero da Diocese de Santo André, São Paulo. Mestre em Teologia Sistemática com Especialização em Liturgia pela PUC-SP. Membro da coordenação do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Liturgia, Ciência e Cultura da Faculdade de Teologia da PUC-SP. Coordenador da Comissão Diocesana de Liturgia da Diocese de Santo André.
[2] CLEMENTE, José Carlos Isnard, “Apresentação”. In: Ritual do Matrimônio. São Paulo: Paulus, 1993.
[3] Catecismo da Igreja Católica, n. 1621.
[4] PAREDES, José Cristo Rey García. O que Deus uniu... p. 412.
[5] FLÓREZ, Gonzalo. Matrimônio e família... p. 289.
[6] RM, n. 25; CIC, cânon 1112.
[7] FLÓREZ, Gonzalo. Matrimônio e família... p. 291.
[8] RM, n. 29.
[9] FLÓREZ, Gonzalo. Matrimônio e família... p. 277.
[10] Ibidem, p. 277.
[11] Ibidem, p. 278-279.
[12] Cf. RM. n. 29; SC 78.
[13] PINTO, Cristiano Marmelo. Celebrar o matrimônio hoje. p. 44-45.
[14] RM, nn. 45-47.
[15] RM, nn. 48-51.
[16] CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A FAMÍLIA. Preparação para o sacramento do matrimônio, n. 67.
[17] Cf. RM, n. 54.
[18] Cf. RM, n. 89. Ver também outras orações propostas nos números 223 a 228.
[19] Cf. RM, nn. 179-222 (vários textos a serem usados no rito do matrimônio e na missa “pelos esposos”).
[20] RM, n. 57.
[21] RM, n. 60.
[22] PAREDES, José Cristo Rey García. O que Deus uniu..., p. 412.
[23] RM, n. 62.
[24] FERNÁNDEZ, Conrado F. Matrimônio. In: CELAM. Manual de liturgia III. São Paulo: Paulus, 2005, p. 282.
[25] ÉVENOU, J. O matrimônio. In: MARTIMORT, A. G. A Igreja em oração. Vol. 3. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 178.
[26] RM, n. 64. O Ritual do Matrimônio propõe ainda uma outra fórmula. Cf. n. 64, segunda fórmula.
[27] RM, n. 66. Outras fórmulas propostas pelo Ritual do Matrimônio, ver os nn. 229-230.
[28] RM, n. 67.
[29] BOROBIO, Dionisio. Celebrar para viver: liturgia e sacramentos da Igreja. São Paulo: Loyola, 2009, p. 382.
[30] CHARBONNEAU, Paul-Eugène. Curso de preparação ao matrimônio. São Paulo, Herder, 1971, p. 147-148.
[31] Cf. RM, n. 29.
[32] DANNA, Valter. Due cuori, una Chiesa: percorso per la preparazione dei fidanzati alla vita cristiana nel matrimonio. Torino: Effata Editrice, 2004, p. 101.
[33] Cf. RM, n. 70.
[34] NOCENT, Adrien. O matrimônio cristão. In: NOCENT, A. Os sacramentos: teologia e história da celebração. (Anamnesis 4), São Paulo: Paulinas, 1989, p. 400-401.
[35] FLÓREZ, Gonzalo. Matrimônio e família... p. 283.
[36] GOEDERT, Valter Maurício. Casamento: fidelidade na esperança. São Paulo: Paulinas, 2005, pp. 80-81.
[37] FLÓREZ, Gonzalo. Matrimônio e família... Nota 43. p. 290.
[38] Ibidem., Nota 44. p. 290.
[39] Cf. RM, nn. 77.249-250.
[40] BOROBIO, Dionisio. Patoral dos sacramentos. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 251.