sábado, 19 de abril de 2008

Bases Eclesiológicas para uma Igreja no Terceiro Milênio

Pe. Cristiano Marmelo Pinto


Antes de traças o perfil da Igreja do Terceiro Milênio, é preciso levantar alguns aspectos da situação atual na qual a Igreja se encontra e tem como desafio na sua evangelização. Segundo Agenor Brighent, a “Igreja do futuro depende da sua capacidade e audácia em ser de fato uma Igreja do futuro”. Vivemos uma grande crise que obriga as instituições a se re-situarem diante deste novo contexto. E a instituição que não for capaz disto corre o risco de não mais corresponder as necessidades e anseios de seus membros. O mesmo vale para a Igreja.

Atualmente estamos diante de dois fenômenos que estão interligados entre si: a globalização e a re-descoberta das culturas. A globalização rompe com o nacionalismo. Ela nos leva a uma consciência global, planetária. Faz-nos sentir parte integrante do todo, do cosmo. A globalização rompe com as fronteiras e com todas as barreiras que possa se impor a ela. Também vivemos uma re-descoberta e abertura para o diálogo com as culturas. Este diálogo por sua vez nos leva ao diálogo inter-religioso, uma vez que a religião é a alma da cultura. Isto nos desperta enquanto Igreja para uma maior inculturação da fé, que possa responder adequadamente as expectativas de cada cultura. A Igreja hoje, esbarra com um grande desafio que é a questão urbana. Como dialogar nos centros urbanos, onde todas as culturas se encontram? Diante disto tudo, fica o desafio maior que é o de “ser Igreja no novo milênio”. Que tipo de Igreja queremos ser, para que, permanecendo fiel a sua vocação e missão, corresponda aos anseios das pessoas neste terceiro milênio. A Igreja se encontra numa encruzilhada: é preciso optar por um caminho que seja coerente com o projeto de Deus, e ao mesmo tempo responda a cada cultura no que é específico de cada povo.

Em primeiro lugar, devemos resgatar o modelo de Igreja do Concílio Vaticano II, ainda pouco vivenciado. Uma Igreja de comunhão e participação, Igreja Povo de Deus. O modelo da koinonia (cf. LG 8). Sabemos que o Concílio Vaticano II teve uma preocupação eclesiológica. A Constituição Dogmática Lumen Gentium, no artigo 9, fala do Povo de Deus. A Igreja é a comunidade dos crentes em Jesus Cristo, novo povo de Deus. Ela se torna, portanto sacramento da unidade. A constituição configura o povo de Deus com o mistério da Trindade. Isto nos leva a resgatar a dimensão mística e mistérica da Igreja. Neste terceiro milênio a Igreja será mística e mistérica. A dimensão mistérica da Igreja é derivada da Santíssima Trindade. A Igreja será impregnada da irradiação do Espírito Santo e deverá viver sua dimensão sobre-natural e sacramental, porém sem descuidar de ser uma Igreja voltada para o cuidado com os pobres. Deverá ser uma Igreja militante. A Igreja deverá se re-orientar para sua missão original de criar comunhão entre Deus e os homens e dos homens entre si. A missão da Igreja é de inclusão e não de exclusão. Ela deverá incluir no projeto do Reino de Deus todos os homens e mulheres na sua diversidade, porém, criando unidade em Jesus Cristo, único Senhor e Mestre. Como sacramento, ela deve dar testemunho de Jesus Cristo ao mundo. Jesus foi testemunha do Pai e depois ordenou aos apóstolos e por conseqüência a todos nós, que sejamos também suas testemunhas.

Na Sagrada Escritura podemos buscar bases para uma eclesiologia para o terceiro milênio. Em Mt 18, a Igreja é sinal do Reino e este constitui a sua meta principal. Rejeita uma Igreja triunfalista e faz a opção por uma Igreja dos pequeninos. O poder na Igreja segundo Mateus, é uma Igreja que está a serviço.

O maior desafio porém, para a Igreja de hoje, é o de como anunciar o Evangelho e cumprir sua missão de promover a unidade do gênero humano, diante de um sistema político e econômico que gera uma multidão de miseráveis. Para isso ela deverá colocar-se numa postura de diálogo e abertura com o mundo em constante mudanças, com as instituições, com as demais denominações cristãs e com as religiões. Deverá formar uma rede de pequenas comunidades, onde será possível criar relações afetivas entre seus membros, compromisso e solidariedade com os mais necessitados. Também terá que se questionar e deixar-se ser questionada nas suas posturas para que possa ser cada vez mais coerente com sua missão e vocação. A Igreja do futuro, ou seja, a Igreja deste terceiro milênio terá que ser uma Igreja em diálogo com as culturas, com as religiões e com seus próprios membros, e deverá buscar sempre na fonte primordial, a Sagrada Escritura e na Tradição seus fundamentos para anunciar ao mundo e as culturas a Boa Notícia de Jesus Cristo.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

A Caridade Pastoral do Padre Diocesano

A espiritualidade do padre diocesano é um mosaico composto por diversos elementos: a fé, esperança, pobreza evangélica, celibato, a oração, disponibilidade, apostolicidade, opção pelos pobres. Mas dentre todos estes elementos, um é central e se destaca dos demais, dando a todos o seu colorido. Estamos falando da caridade pastoral. É ela quem cria unidade entre todos os elementos acima citados, formando o rosto do padre diocesano. João Paulo II diz que: “O princípio interior, a virtude que anima e guia a vida espiritual do presbítero, enquanto configurado com Cristo cabeça e pastor, é a caridade pastoral” (Pastores dabo vobis - PDV, 23). Ela é central na vida e na espiritualidade do padre diocesano.

Mas o que vem a ser a Caridade Pastoral? É a participação do padre na caridade pastoral do próprio Cristo Pastor. Na vida do padre diocesano, podemos dizer que ela é o amor de Cristo encarnado, prolongado, atualizado no amor concreto do padre em relação à comunidade a ele confiada, onde ele exerce o seu ministério. Não é um sentimento que nasce do temperamento afetivo do padre, mas tem sua origem fundante na própria caridade de Cristo. Ela é o amor primeiro, é uma opção originária que o padre faz por Cristo Pastor. O padre diocesano não está subordinado em sua vida a nenhum outro amor, seja de amizade, sexual, familiar ou político, mas está ligado diretamente ao amor de Cristo por seu povo. Todos os demais interesses e valores do padre diocesano estão sim, subordinados a este amor.

Os destinatários imediatos da caridade pastoral são a comunidade eclesial para a qual o padre diocesano foi designado pelo bispo. A comunidade e cada um de seus membros. Nenhum outro interesse ou opção poderá vir antes desta. Também tem como destinatários a Diocese e a Igreja Universal. O padre diocesano ama sua paróquia, ama a sua diocese e ama toda a Igreja de Cristo com o mesmo amor pastoral.

A caridade pastoral é o amor com o qual o padre diocesano ama sua paróquia e a Cristo Pastor. João Paulo II diz que “é a virtude com a qual imitamos Cristo em sua entrega de si e em seu serviço” (PDV, 23). Existem dois tipos de amor, segundo a psicologia: o amor identificação, com o qual tendemos a apropriar e a encarnar em nosso ser as atitudes, os comportamentos e as opções de quem amamos. E o amor objetal, ou amor adesão, através do qual nos comunicamos com a pessoa amada e nos entregamos a ela e esperamos reciprocidade. A caridade pastoral do padre diocesano está ligada ao amor identificação. Primeiro ele se identifica com a caridade pastoral de Cristo e por conseqüência com sua comunidade. Não é por menos que ouvimos dizer que “a comunidade é a cara do padre”. Mas seria correto dizer que o padre é a cara da comunidade, porque ele, pela caridade pastoral, vai se identificando com a mesma. O amor de Jesus se torna visível por meio do amor do padre por sua comunidade.

Tudo na vida do padre diocesano é direcionado para a caridade pastoral. Suas opções, suas atividades, seu cuidado pelos fiéis, sua vida pessoal, devem ser meios de exercer a caridade pastoral. As predileções, as amizades, as relações inter-pessoais, as ocupações, a forma de vida, tudo deve estar de acordo com as exigências da caridade pastoral. Tudo na vida do padre diocesano terá matizes na caridade pastoral, que fará com que o padre diocesano seja presença viva e atuante de Cristo Bom Pastor, na sua comunidade paroquial. A caridade pastoral vai unificar e potencializar todas as atividades do padre. Todas as atividades pastorais, todas as relações do padre diocesano é expressão da caridade pastoral. Quando faltam estes elementos, há dispersão, desassossego, esterilidade.

A fonte originária e permanente da caridade pastoral é a caridade pastoral de Cristo e o amor de Deus Pai pelo seu povo. Mas a fonte mais próxima é o carisma presbiteral recebido na ordenação. Este carisma nos é dado pelo Espírito Santo para amar pastoralmente a comunidade. Nos faz pessoas diferentes. Graças a este carisma temos a capacidade de investir, cada um com seu temperamento, na comunidade paroquial.

A caridade pastoral encontra seu alimento na Eucaristia. Ela é a atualização da entrega de Cristo ao Pai pela humanidade. Em outras palavras, a Eucaristia é a atualização da caridade pastoral de Cristo. Quando na Eucaristia se diz: “Isto é o meu Corpo que é dado por vocês...”, também o padre diocesano é chamado a dar sua vida, seu corpo pela comunidade. Na Eucaristia temos a oportunidade de vivenciar “in persona Christi”, mas também na própria pessoa do padre, este mistério de amor e entrega da própria vida em favor da comunidade e principalmente em favor dos mais necessitados.

O Concílio Vaticano II, na Presbiterorum ordinis, 13, relaciona as diversas atitudes derivadas da caridade pastoral.

A Abnegação: o amor abnegado do padre diocesano faz com que ele suporte com firmeza a dificuldade, o sacrifício, o sofrimento em seu ministério pastoral. Não deixa que ele desista de seguir vivendo o seu amor pela comunidade.

A Esperança Pastoral: a caridade pastoral permite que o padre não perca a esperança em relação a sua comunidade de fiéis. Quem ama tem esperança em Deus e também em sua comunidade paroquial. “Confiar nas pessoas é a melhor maneira de despertar nelas o melhor e adormecer o pior”.

Atitude Consoladora e Alentadora: o padre diocesano tem a capacidade de consolar e alentar aqueles que vivem em qualquer “aperto”. Pela caridade pastoral o padre estará sempre à disposição para animar os desanimados, estar junto das pessoas abatidas. O padre prestará às pessoas o serviço do consolo e do alento.

Crescimento Pastoral: o padre diocesano deve procurar realizar sua tarefa pastoral sempre com mais perfeição. Guiado pelo Espírito Santo, estará disposto a encontrar novos caminhos pastorais. A Presbiterorum ordinis diz que o desejo de melhorar nosso serviço pastoral deriva da caridade pastoral.

Este é o rosto do padre diocesano que vive integralmente a caridade pastoral. Configura-se com Cristo Bom Pastor e ama com o mesmo amor sua comunidade paroquial, tornando-se presença viva e atuante do próprio Cristo na vida da comunidade e de cada pessoa.