terça-feira, 22 de junho de 2010


Espiritualidade: A busca da Santidade


Todos somos chamados à santidade. Mas, para compreender o que significa ser santo, precisamos nos clarear do modo como entendemos por muito tempo a vocação a santidade. A Igreja em sua longa história, sempre nos colocou exemplos de pessoas que alcançaram à santidade de vida, para que pudéssemos seguir seus passos, e nos animarmos a fazer o mesmo.

Quando recorremos aos santos apenas com a intenção de obter deles favores, estamos, de certo modo, desviando o sentido de seu papel na Igreja, que certamente não é o de alcançar milagres para nós, mas sim, de servir de modelos para ser seguidos. Infelizmente, e não de hoje, muitos recorrem desesperadamente a intercessão dos santos para alcançar graças, tais como saúde, emprego, um bom casamento, entre outras... Mas somente poucos vêem nesses nossos irmãos, incentivo para alcançar a santidade de vida.

Geralmente encontramos essas pessoas pertencentes as mais variadas ordens religiosas, que seguindo os passos de seus fundadores, muitos deles canonizados pela Igreja, buscam a vivência dos conselhos evangélicos, conformando suas vidas ao Evangelho de Jesus Cristo.

A essa altura podemos nos perguntar: o que é ser santo? O que significa santificar-se? Segundo o dicionário, santificar-se significa elevar(-se) pelo ensino e prática dos princípios religiosos; edificar, confortar, conduzir(-se) pelo caminho da salvação, da bem-aventurança; elevar(-se) na prática severa dos princípios religiosos; moralizar(-se).

Ainda para o dicionário, santo é aquele que vive conforme a Lei de Deus e a moral religiosa; que é dotado de santidade, que é puro, isento de culpas, pessoa virtuosa, bondosa, de conduta exemplar, irrepreensível...

Podemos deduzir, com o auxílio dessas definições dos dicionários, que santidade é um caminho a ser percorrido, um projeto de vida... Isto coloca a santidade ao alcance de todos nós. Tornar-se santo é pois, deixar-se conduzir pelo caminho da salvação, conformando nossa vida aos ensinamentos do Senhor, colocando em prática tudo aquilo que Jesus nos ordenou em seu Evangelho.

Quando falamos de santidade, imediatamente vem em nossa mente a idéia de “perfeição”. O próprio Jesus nos manda ser “perfeitos”. Mas nossa compreensão de perfeição precisa ser clareada, pois entendemos a perfeição como algo acabado. Precisamos entender a perfeição no sentido de per-fazer-se, ou seja, fazer de nodo, quantas vezes for necessário, para alcançarmos a perfeição. Mais uma vez, vemos a idéia de caminho, de itinerário... e não de ponto final. Daí podemos também buscar a idéia de a-per-feiçoar-se, ou seja, de tornar melhor, aprimorar, levar a cabo o que está incompleto, im-per-feito.

Temos consciência de que Deus não nos fez acabado. Deus nos fez “im-per-feitos”, no sentido próprio do termo, não como algo defeituoso, mas inacabado, que precisa melhorar, aprimorar. Daí a necessidade de buscarmos a santidade, de deixar-se conduzir pelo caminho da salvação, para alcançarmos a per-feição, para aprimorar, melhorar, alcançarmos a meta a qual Deus espera de nós.

Para isso, Jesus nos deixou uma regra de vida, um projeto a ser seguido: o seu Evangelho. Nele encontramos os meios para alcançarmos a santidade, a per-feição. Por isso, o melhor meio para sermos santos é sem dúvida alguma viver o Evangelho de Jesus Cristo.

Para vivermos o Evangelho podemos nos apoiar também na idéia de salvação. O que é salvação? Como ela acontece em nossa vida? Lucas, em seu evangelho, coloca a salvação acontecendo no cotidiano da vida do povo. “Hoje a salvação entrou em vossa casa!” Isso significa que a salvação é algo que vai acontecendo no dia-a-dia, não é algo que ocorrerá no fim do caminho, mas durante o percurso.

Jesus, em seu ministério pastoral, traduz a salvação de maneira concreta, na realidade social, cultural e religiosa do povo de Israel. Salvação significa, traduzida no cotidiano da vida, fazer surdos ouvir, mudos falar, coxos andar, cegos enxergar... Salvação se traduz em justiça para todos, partilha com todos, solidariedade com os mais necessitados, etc.

Muitas vezes ouvimos Jesus dizer no Evangelho: “sua fé te salvou!” Fé, dentro do conceito bíblico e teológico, significa adesão ao projeto de Jesus, significa compactuar com ele de seu ideal, e mais, fazer acontecer entre nós o Reino de Deus. Ter fé é aderir ao projeto de Jesus, tornar-se companheiro dele, levando adiante sua proposta de uma nova sociedade, transformada pelo Evangelho, onde todos têm dignidade e respeito. Quando realizamos essa missão, podemos dizer: “tenho fé”.

Podemos ainda dizer que a fé salva quando realizamos a missão que Jesus nos confiou. Como cristãos, temos um dever moral de dar testemunho concreto dessa fé. O povo espera de nós um comportamento coerente com o que professamos. Por essa razão, podemos concluir que ser “santo”, “ter fé” e “ser salvo”, significa viver concretamente em nosso dia-a-dia o projeto de Jesus. É isso que nos justifica, que dá a ele legitimidade.

Ora, sabemos das nossas im-per-feições. Nem sempre conseguimos realizar coerentemente o que Jesus nos mandou. As vezes deixamos falar mais alto nossos de-feitos. Podemos entender de-feito como algo que não funciona bem, inacabado, com mau funcionamento, falta de algo necessário... De-feito deriva do verbo latino “deficère”, que significa deixar, faltar, abandonar...
Por outro lado, a definição de “feito” é entre outras, segundo os dicionários: adulto, amadurecido, maduro, constituído, decidido, resolvido, etc. Quando deixamos sobressair nossos de-feitos, é porque não damos à devida atenção aos nossos feitos... Deixamos, abandonamos atitudes maduras, decididas, comportamentos adultos, etc.

O problema não é ter de-feitos, ter im-per-feições... O problema está em deixar-se conformar com eles, em abandonar o caminho da salvação, atitudes muitas vezes escondidas em expressões como: “Sou assim mesmo, fazer o que?!”

Todos nós, por razão do nosso batismo temos a obrigação de procurar nos transformar para melhor, de buscar a per-feição, ou seja, aprimorar, melhorar... Ser per-feito, adulto, maduro, resolvido...

Como vimos, não significa ser acabado, pronto, de modo que não tenha mais nada a ser feito... Mas procurar crescer cada vez mais na fé. Deus nos fez homens e mulheres capazes. Não acreditar nisso é não acreditar no que Deus nos dotou.

Por isso, Deus nos dá sempre a oportunidade, de rever nossa caminhada, nossa vida, e fazer o propósito de sermos melhores, e as pessoas com quem convivemos poderão dizer: “Essas pessoas são pessoas de fé!”

Que Maria, nos ajude na busca da santidade! Que o Senhor Jesus, que nos deu seu Espírito, nos capacite cada vez mais, para realizarmos a missão de promover uma profunda transformação em nossa vida e em nossa sociedade, para que o Reino de Deus aconteça já, aqui na terra.


Fraternalmente,
Pe. Cristiano Marmelo Pinto

Carta aos agentes
de música litúrgica do Brasil

A liturgia ocupa um lugar central em toda a ação evangelizadora da Igreja. Ela é o “cume para o qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte de onde emana toda a sua força” (SC 10). Nela, o discípulo realiza o mais íntimo encontro com seu Senhor e dela recebe a motivação e a força máximas para a sua missão na Igreja e no mundo (cf. DGAE nº 67).

Há uma relação muito profunda entre beleza e liturgia. Beleza não como mero esteticismo, mas como modalidade pela qual a verdade do amor de Deus em Cristo nos alcança, fascina e arrebata, fazendo-nos sair de nós mesmos e atraindo-nos assim para a nossa verdadeira vocação: o amor (cf. SCa 35). Unida ao espaço litúrgico, a música é genuína expressão de beleza, tem especial capacidade de atingir os corações e, na liturgia, grande eficácia pedagógica para levá-los a penetrar no mistério celebrado.

Acompanhamos, com entusiasmo e alegria, o florescer de grupos de canto e música litúrgica, grupos instrumentais e vocais, que exercem o importante ministério de zelar pela beleza e profundidade da liturgia através do canto e da música. Sua animação e criatividade encantam muitos daqueles que participam das celebrações litúrgicas em nossas comunidades. Ao soar dos primeiros acordes e ao canto da primeira nota, sentimos mais profundamente a presença de Deus.

Lembramos alguns aspectos importantes que contribuem para a grandeza do mistério celebrado.

1.A importância da letra na música litúrgica - a letra tem a primazia, a música está a seu serviço. A descoberta da beleza de um canto litúrgico passa necessariamente pela análise cuidadosa do conteúdo do texto e da poesia. A beleza estética não é o único critério. Muitas músicas cantadas em nossas liturgias estão distanciadas do contexto celebrativo. “Verdadeiramente, em liturgia, não podemos dizer que tanto vale um cântico como outro; é necessário evitar a improvisação genérica e o canto deve integrar-se na forma própria da celebração” (SCa 42). Não é possível cantar qualquer canto em qualquer momento ou em qualquer tempo. O canto “precisa estar intimamente vinculado ao rito, ou seja, ao momento celebrativo e ao tempo litúrgico” (DGAE 76). Antes de escolher um canto litúrgico é preciso aprofundar o sentido dos textos bíblicos, do tempo litúrgico, da festa celebrada e do momento ritual.

2.A participação da assembléia no canto - o Concílio Vaticano II enfatiza a participação ativa, consciente, plena, frutuosa, externa e interna de todos os fiéis (cf. SC 14). O canto litúrgico não é propriedade particular de um cantor, animador, ou de um seleto grupo de cantores. A liturgia permite alguns momentos para solos (tanto vocais quanto instrumentais), porém a assembléia deve ter prioridade na execução dos cantos litúrgicos. O animador ou o cantor tem a importante missão, como elemento intrínseco ao serviço que presta à comunidade, de favorecer o canto da assembléia, ora sustentando, ora fazendo pequenos gestos de regência, contribuindo para a participação ativa de toda a comunidade celebrante.

3.Cuidado com o volume dos instrumentos e microfones - em muitas comunidades, o excessivo volume dos instrumentos, como também a grande quantidade de microfones para os cantores, às vezes, não contribuem para um mergulho no mistério celebrado, antes, provocam a agitação interior e a dispersão, além de inibir a participação da assembléia no canto. Pede-se cuidado com o volume do som, a fim de que as celebrações sejam mais orantes , pois tudo deve contribuir para a beleza do momento ritual.

4.Cultivar uma espiritualidade litúrgica - os cantores e instrumentistas exercem um verdadeiro ministério litúrgico (SC 29). A celebração não é um momento para fazer um show, para apresentação de qualidades e aptidões. Os cantores e instrumentistas devem, antes de tudo, mergulhar no mistério, ouvir e acolher com a devida atenção a Palavra de Deus e participar intensamente de todos os momentos da celebração. Música litúrgica e espiritualidade litúrgica devem andar juntas, são duas asas de um mesmo vôo, duas nascentes de uma mesma fonte.
Invocamos as luzes do Espírito Santo sobre todos os agentes de música litúrgica de nosso país. Reconhecemos o valoro do ministério exercido a serviço de celebrações reveladoras da beleza suprema do Deus criador e da atualização do Mistério Pascal de Jesus Cristo.


D. Joviano de Lima Júnior, SSS
Arcebispo de Ribeirão Preto e
Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia