terça-feira, 14 de setembro de 2010


A prece dos fiéis na Eucaristia
e nas demais celebrações litúrgicas


Eurivaldo S. Ferreira*

Tenho sempre recebido e-mails de pessoas e amigos/as que desejam algum esclarecimento sobre algum assunto acerca da celebração da Eucaristia. Uma última pergunta era sobre a prece dos fiéis nas celebrações. Acho interessante esse tipo de questionamento, pois me leva a pesquisar sobre a questão, o que agora publico neste espaço como fruto de minha pesquisa, pensando que ajudará os leitores a compreenderem o aspecto de súplica, dentre outros, presentes em nossas celebrações.

Celebração: uma ação de louvor e de súplica

Pra começo de conversa, é importante lembrar que toda e qualquer celebração é um louvor dirigido ao Pai, pelo Filho, no Espírito Santo. Os ritos contidos nas celebrações são meios condutores do louvor, ou sejam mediadores. Os símbolos e os gestos nos ajudam a compreender e a vivenciar os ritos mais plenamente (pão, vinho, mãos que se erguem, ficar de pé, andar em procissão, cantar, escutar uma leitura bíblica, sentir o cheiro de um incenso, abraçar-se etc.). Mas a celebração não é só louvor, nem pode ficar no âmbito do louvor. O documento conciliar Sacrosanctum Concilium diz que celebramos a liturgia com ritos e preces, por isso a súplica faz parte do processo de transcendência, pela qual nos divinizamos através da liturgia. Na liturgia, Deus vem até nós e nós vamos até ele, através da força mediadora do rito, dos gestos e dos símbolos.

A Palavra: a motivadora da súplica

Na Eucaristia, quando nos reunimos no Dia do Senhor para louvar seu nome, aproveitamos para também suplicar por nós e pelo mundo. É aqui que entram as súplicas da comunidade, pois, um povo reunido para ouvir a Palavra de Deus quer que esta Palavra se torne presente em sua vida. A Palavra de Deus proclamada nas leituras e atualizada na homilia gera na assembléia um grito, uma súplica a Deus, por isso a comunidade faz suas preces. Esta assembléia atenta também se preocupa com a vinda do Reino em sua realidade e se pergunta a si mesmo: como fazer para seguir e praticar o que acabamos de ouvir? Mas, como somos fracos e pecadores, pedimos que Deus nos ajude a fazer com que sua Palavra penetre nossos corações e nossas consciências, alargando também essa possibilidade ao universo, por isso o caráter universal das preces dos fiéis. É bom lembrar que a súplica é elemento comum a todas as crenças e religiões. A prece dos fiéis na Eucaristia é também uma herança recebida do judaísmo. Na carta aos filipenses, Paulo recomenda: “...apresentai a Deus todas as vossas necessidades pela oração e pela súplica, em ação de graças” (Fl 4,6). Jesus Cristo, quando ensina seus discípulos a rezar, apresenta sete súplicas ao Pai na oração do Pai Nosso.

O sentido teológico dos pedidos na Eucaristia

Nas instruções litúrgicas encontramos uma orientação na qual diz que as preces da Igreja, seja pela Celebração eucarística, seja pelo Ofício Divino (Liturgia das Horas), se dirigem a Cristo e por Cristo ao Pai em nome de toda a humanidade. Desta forma, as preces são dirigidas ao próprio Cristo, que "se encarrega" de levá-las ao Pai. Não há nada de errado nisso, sobretudo, porque entendemos que o conteúdo de glorificação nas celebrações é Cristo.

Num dos prefácios da Oração Eucarística encontramos a expressão: Ele é a oferta verdadeira que se dá continuamente ao Pai. O prefácio é a grande condensação do louvor ao Pai, pela glória do Filho, que culmina com o canto do Santo, Santo, Santo... Esta expressão também se encontra presente em outros prefácios, principalmente nos das Festas do Senhor (Cristo, Rei do Universo, por exemplo). Bem, a compreensão então de que é Cristo, o sacrifício, a vítima e o sacerdote na celebração deve ser alargada. Trata-se aqui de compreendermos o caráter escatológico de nossas celebrações. A Escatologia nos ajuda a compreender que aquilo que celebramos aqui esperamos que se concretize com a vinda do Senhor, no final dos tempos. Esta afirmação nós a fazemos em todas as missas na "Aclamação Memorial" (Eis o mistério da fé). O alargar de nossa compreensão se dá no sentido de "quando Deus for tudo em todos". Quem fará isso? O próprio Cristo, que assumindo nossa humanidade, quis que nos elevássemos à condição divina. E, no final dos tempos, entregará toda a humanidade ao Pai. É claro, que ele já fez isso, por sua morte. Mas, Paulo diz que falta completar em nós a obra começada. Paulo fala da escatologia, do final dos tempos. É Cristo quem fará, na verdade, à imagem e semelhança do homem novo, da Trindade, ou seja, dele mesmo. Quando estivermos configurados a Cristo, a humanidade, junta com toda a criação será entregue ao Pai. Portanto, Cristo é o Mediador do louvor e da prece, da oração e da súplica que o povo faz ao Pai. A este povo, a Igreja quer que cresça na unidade, por meio das palavras de Cristo, em sua oração antes da entrega no Getsemani, e participe consciente, ativa e frutuosamente do mistério eucarístico, que é a missa.

O que tudo isso tem a ver com a prece dos fíéis?

Quis resgatar o sentido teológico de nossas celebrações enquanto estamos aqui na terra. Por isso nós pedimos ao Cristo, que entregue nossos pedidos, nossas súplicas ao Pai. É ele o sacerdote verdadeiro. Todos os outros são imitação de Cristo (nós também somos sacerdotes), mas não temos a dignidade de fazer tal intento, a de entregar o próprio Cristo ao Pai. É ele mesmo quem se entrega, nós, os sacerdotes, somente fazemos memória dessa entrega única, num sentido ritual. De fato, podemos dizer que na Missa "pegamos carona" na entrega de Cristo, que ele faz de si mesmo. Embora todos exerçam igual sacerdócio, um é o que preside em nome de Cristo, a celebração da Missa, por conseqüência do ministério dos apóstolos que Cristo confiou e instituiu na última ceia. Porém, os sacerdotes (não-ordenados), por força de seu batismo, também são convidados a realizarem o sacrifício espiritual, em união com os que possuem sacerdócio ordenado, unindo-se a Cristo, único Mediador, dando graças e Ele e oferecendo a Deus seu sacrifício. A Instrução Geral do Missal Romano diz que a oração dos fiéis é oração do povo que exerce sua função sacerdotal, ou seja, os sacerdotes que celebram (nós todos), entregamos toda a nossa súplica ao Sacerdote por excelência, Cristo, que trata de levá-las ao Pai das súplicas. Um exemplo claro disso está no Ofício Divino (Liturgia das Horas). Nesta modalidade de oração da Igreja as preces terminam com o Pai Nosso a fim de dizer que o Pai Nosso é a prece das preces, é a síntese de todas as preces, ensinada pelo próprio Jesus.

Dois tipos de preces

A comunidade reunida suplica ao Pai através de duas formulações: a sacerdotal e a diaconal. A sacerdotal é quando dirigimos os pedidos ao próprio Cristo, e a diaconal é quando suplicamos pelas instâncias às quais queremos que ele interceda (governantes, Igreja, sofredores, mundo, bem-estar do ser humano etc). Para cada prece há uma resposta adequada e diferenciada, “Senhor, escutai a nossa prece” é a mais comum. Um exemplo claro de súplicas por várias instâncias encontramos na Liturgia da Sexta-feira Santa, na Oração Universal, em que a Igreja, reunida para fazer memória da cruz do Senhor intercede por todos, até por aqueles que ainda não reconhecem Cristo como Senhor. Eis aqui o seu sentido universal. A fundamentação bíblica encontramos na Carta de São Paulo a Timóteo, quando diz: "Acima de tudo recomendo que se façam preces, orações, súplicas e ação de graças por todos os homens..." (1Tm 2,1).

Preces de batizados que entoam um canto de súplica ao Pai

A prece dos fiéis é de todos os batizados que são solidários com o universo e as necessidades da humanidade inteira. Através da oração dos fiéis, todo o povo de Deus exerce sua função sacerdotal, intercedendo pelas súplicas do mundo inteiro. Por ocasião de celebrações especiais como Matrimônio, Exéquias, as intenções podem referir-se estreitamente àquelas circunstâncias. Nesse sentido aqueles fiéis batizados reunidos na memória da ceia do Senhor transcendem seus próprios horizontes tornando-se solidários com toda a humanidade, com suas dificuldades, suas alegrias e esperanças. Quando cantada, a prece dos fiéis atribui-se de um significado mais profundo e mais eclesial do que uma oração simplesmente falada. O canto atinge todo o nosso ser, nos une mais intimamente uns aos outros e com Deus na oração, ainda mais pelo aspecto comunitário do canto, uma vez que esta é a oração da comunidade dos fiéis, que canta e ora ao Senhor das súplicas.

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Eurivaldo Ferreira, São Paulo, SP, Brazil. É agente da pastoral litúrgica na Paróquia Santo Antonio do Bairro do Limão, Arquidiocese de São Paulo, Região Espicopal Sant’Anna; formado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP; músico, compositor e membro da Rede Celebra.
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Pe. Cristiano Marmelo Pinto