terça-feira, 16 de novembro de 2010


A melhor catequese: uma liturgia bem celebrada
Elementos para reflexão pessoal e em grupos



Frei José Ariovaldo da Silva, OFM


Sendo a liturgia uma preciosa “fonte da Catequese”, um “lugar privilegiado de educação da fé”, como proclama o Diretório Nacional de Catequese” , ou ainda, sendo ela “a santa mistagogia permanente da Igreja”, como a define o teólogo liturgista Tommaso Federici , isso deve aparecer na própria maneira como é celebrada. Caso contrário, é como se os canais ficassem entupidos e a fonte estagnada. A beleza encantadora e contagiante do mistério escondido nos ritos e nos símbolos deve poder expressar-se com toda a sua pujança, naturalmente educadora, na maneira como os ritos e símbolos são trabalhados .

A harmonia dos ritos, das vestes litúrgicas, da decoração e do espaço litúrgico, tudo isso educa para o sentido do mistério e sua repercussão para a vida concreta. Igualmente importante “é a atenção a todas as formas de linguagem previstas pela liturgia: palavra e canto, gestos e silêncios, movimento do corpo, cores litúrgicas dos paramentos. Com efeito, a liturgia, por sua natureza, possui tal variedade de níveis de comunicação que lhe permitem cativar o ser humano na sua totalidade” .

O Diretório Nacional de Catequese fala da necessidade de “liturgias vivas e dinâmicas” : Vivas, porque expressam a vida de Jesus mergulhada nos acontecimentos de nossa vida, e vice-versa; dinâmicas, porque celebradas na força (dynamis) do Espírito, isto é, com espiritualidade.

Espaço litúrgico

O próprio espaço litúrgico , quando, pela beleza de sua forma arquitetônica, pela harmonia de sua disposição interna (altar, mesa da Palavra, espaço da assembléia, cadeira da presidência, fonte batismal etc.) e sua iconografia, tudo em “nobre simplicidade” (cf. SC 34), quando assim se cria o ambiente próprio para os fiéis se sentirem de fato “igreja”, assembléia celebrante, pedras vivas do templo (cf. 1Pd 2,5), e poderem participar ativamente da celebração dos mistérios da fé, especialmente a Eucaristia, então o espaço goza de significativa força catequética: o espaço educa a uma fé que se traduz em espiritualidade comunitária. Para tanto, como orientam as Diretrizes Gerais para a ação Evangelizadora no Brasil (2008-1010), da CNBB, “o espaço (litúrgico) deve ser funcional, favorecer o encontro entre as pessoas e o encontro com Deus, e ser sinal do mistério que ali se celebra”. Sua arte, arquitetura, disposição e ornamentação a serviço da liturgia “contribuem para que a Igreja celebre e se manifeste como povo sacerdotal, ministerial, congregado e convocado pelo Senhor Jesus. A beleza, a dignidade e simplicidade do espaço devem estar em sintonia com a beleza do Mistério pascal de Cristo” . Se há um “lugar” profundamente modelador de todo um imaginário, uma identidade, uma interioridade e postura cristãs de uma comunidade é o espaço em que ela freqüenta. Dependendo do espaço litúrgico, assim vai ser em grande parte a fé e espiritualidade da comunidade: mais ou menos comprometida com o projeto de Deus, mais ou menos alienada dele; mais ou menos unida neste projeto, mais ou menos dividida por interesses egoístas.

Música litúrgica

O mesmo vale para o canto e música, criteriosamente escolhidos, correspondendo ao sentido do mistério celebrado, às várias partes do rito e aos diferentes tempos litúrgicos . Como parte integrante e significativa da ação ritual, “ela tem a especial capacidade de atingir os corações e, como rito, grande eficácia pedagógica para levá-los a penetrar no mistério celebrado. Para isso, ela precisa estar intimamente vinculada ao rito, ou seja, ao momento celebrativo e ao tempo litúrgico. Vale dizer, sua função ritual deve estar organicamente inserida no contexto da grande tradição bíblico-litúrgica da Igreja, bem como da vida e da cultura da comunidade celebrante” . Assim, expressando em vibrações sonoras o mistério que a liturgia celebra, a música verdadeiramente litúrgica leva o coração da comunidade a bater no compasso do coração amoroso de Deus e, assim, faz com que todos(as) se juntem e se unam no grande mutirão cristão em favor da verdade e da vida, da santidade e da graça, do amor e da paz .

Proclamação da Palavra de Deus

A proclamação da Palavra de Deus na liturgia , quando feita por leitores bem preparados e com a consciência de que, “quando na igreja se lê a Sagrada Escritura, é o próprio Deus que fala ao seu povo, é Cristo presente na sua palavra que anuncia o seu Evangelho” , tal proclamação tem um imenso poder educativo da fé, pois faz com que a assembléia, ao ouvir a Palavra, viva uma profunda experiência do mistério de Deus. A maneira de proclamar a Palavra é o que mais move e convence. Como ensina a Igreja: “O que mais contribui para uma adequada comunicação da palavra de Deus à assembléia por meio das leituras é a própria maneira de proclamar dos leitores, que devem fazê-lo em voz alta e clara, tendo conhecimento do que lêem” . Por quê? Porque, assim, fazemos a experiência de ouvir não mais um texto apenas, mas Alguém em pessoa, um Amigo que nos fala, nos confia seu segredo .

Homilia

O mesmo vale, com certeza, para a homilia como parte integrante a liturgia . Na homilia, sobretudo na maneira espiritual e orante com que é proferida, explicando a palavra de Deus e atualizando-a para o nosso agora (na celebração e na vida), o povo tem o direito e dever de sentir a voz do próprio Deus ecoando em seus ouvidos e corações. Por isso, Bento XVI faz este apelo aos homiliastas: “de modo particular, peço aos ministros para fazerem com que a homilia coloque a Palavra de Deus proclamada em estreita relação com a celebração sacramental e com a vida da comunidade, de tal modo que a Palavra de Deus seja realmente apoio e vida da Igreja. Tenha-se presente, portanto, a finalidade catequética e exortativa da homilia” . “Finalidade catequética e exortativa”, entendido no contexto da função catequética da própria liturgia enquanto celebração. Pois a homilia é uma ação litúrgica, uma forma de celebrar a liturgia.

Gestos, símbolos, ações simbólicas

Todos os gestos, símbolos e ações simbólicas na celebração litúrgica quando ‘trabalhados’ e realizados conscientemente, com autenticidade, de forma verdadeira, com amor, com espiritualidade e bom gosto , gozam de alto poder comunicativo com o mistério celebrado e, por isso mesmo, contribuem para uma viva experiência do mistério: educam a fé. Assim, cada gesto, cada movimento, cada ação, tudo pode contribuir para a educação e crescimento na fé. Da boa ou má qualidade das celebrações litúrgicas depende em grande parte a boa ou má qualidade da vivência da fé cristã.

Presidência litúrgica

Enfim, uma das mais significativas forças mistagógicas da arte de celebrar pode residir no exercício da presidência da liturgia, sobretudo a Eucaristia . Presidir a liturgia significa estar diante da assembléia como sinal, ou, como dizem nossos irmãos orientais, como “ícone” do Cristo bom Pastor. Bom Pastor que congrega e une a todos num só corpo em torno da mesa da Palavra e da Eucaristia; bom Pastor que comunica não “palavras” mas a Palavra (Cristo vivo): proclamando o Evangelho, distribuindo o Pão da vida; bom Pastor que, unido à assembléia e em nome dela se comunica com o Pai na comunhão do Espírito: louvando, agradecendo, intercedendo, ofertando. Valendo também para os demais sacramentos e sacramentais, isso aparece quando a presidência é exercida de maneira simples, serena e alegre (mas sem espalhafatos), de maneira convicta e orante (mas sem ser piegas), de forma verdadeira. No modo de o(a) presidente proclamar o Evangelho e fazer a homilia (como quem, de fato, anuncia uma boa notícia); no modo de distribuir o Pão da vida (como quem, de fato, junto também se entrega à pessoa que recebe); no modo de proclamar as orações (como quem, de fato, se dirige a Deus em nome de todos); no modo de saudar a assembléia (como quem de fato faz a ponte entre Deus e seu povo); no modo de impor as mãos, ungir, abençoar, derramar água etc. (como quem de fato se coloca como instrumento de Deus), a assembléia pode experimentar uma profunda comunhão com o mistério pascal e, assim, ter a chance de crescer enormemente na fé. O tom de voz, o olhar, o jeito de andar, a postura do corpo, os gestos das mãos e dos braços – ao se dirigir à assembléia e ao se dirigir a Deus -, podem expressar bem a qualidade espiritual e a força catequética da arte de presidir a liturgia. O formalismo frio, a rotina cansativa, a autoritarismo opressor e, no outro extremo, o estilo show man, prestam um triste desserviço à educação da fé pelo rito, pois bloqueiam ou desviam nossa atenção do essencial, que é a presença do mistério de Cristo.

Concluindo

Para terminar, podemos dizer: Não é à toa que Bento XVI, fazendo-se porta-voz do Sínodo sobre a Eucaristia, afirma categoricamente que “a melhor catequese sobre a Eucaristia é a própria Eucaristia bem celebrada”; o que vale, com certeza, também para os outros sacramentos e toda a vida litúrgica. Se assim se proceder nas nossas comunidades eclesiais, então a liturgia contribuirá enormemente para a formação da personalidade cristã e, consequentemente, para a construção de uma sociedade justa e fraterna.

Enfim, vão aqui algumas perguntas para reflexão pessoal e em grupos: O que é uma liturgia bem celebrada? Em que sentido uma liturgia bem celebrada é a melhor catequese? As celebrações litúrgicas de sua comunidade contribuem eficazmente para a educação da fé? Se sim, por quê? Se não, por quê? O que está precisado melhorar nas celebrações litúrgicas de sua comunidade para serem de fato lugar privilegiado de educação da fé? Por quê?


______________________
Cf. CNBB. Diretório Nacional de Catequese (= Documentos da CNBB 84). São Paulo, Paulinas, 2006, n. 115-122, p. 109-116,
FEDERICI Tommaso. La santa mistagogia permanente de la Iglesia. In: Phase, Barcelona, n. 193, 1993, p. 9-34.
Cf. BENTO XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Catitatis” (= A Voz do Papa 190). São Paulo, Paulinas, 2007, n. 38-65, p. 64-65; ALDAZÁBAL José. Gestos e símbolos. São Paulo, Loyola, 2005; PARÉS Xavier. Ars celebrandi. La mejor catequesis, una buena celebración. In: Phase, Barcelona, n. 274, 2006, p. 411-418; BIANCHI Enzo. Ars celebrandi. L’eucaristia, fonte di spiritualità del presbítero. In: La Rivista del clero italiano n. 5, 2007, p. 325-339. Resumo: In: La Maison-Dieu, Paris, n. 253, 2008/1, p. 116-117.
BENTO XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”, n. 40.
Diretório Nacional de Catequese, n. 302c.
Cf. BENTO XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”, n. 41.; SILVA José Ariovaldo da. Os elementos fundamentais do espaço litúrgico para a celebração da missa: sentido teológico; orientações pastorais (= Celebrar a fé e a vida, 9). São Paulo: Paulus, 2006; Cf. ALDAZÁBAL José. El espacio de la iglesia y su pedagogia mistagógica. In: Phase, Barcelona, n. 193, 1993, p. 53-68; ID. O edifício da Igreja. In: Gestos e símbolos. Op. cit., p. 283-290; CARPANEDO Penha. Mistagogia do espaço litúrgico. In: Revista de Liturgia, São Paulo, n. 205, 2008, p. 4-7.
CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (2008-2010) (= Documentos da CNBB 87). São Paulo, Paulinas, 2008, n. 77, p. 66. Daí resulta ser de fundamental importância “dar especial atenção à formação na área da arte sacra e do espaço litúrgico, tanto nos seminários quanto entre os profissionais das artes e construção civil, para que os espaços correspondam à dimensão simbólica e funcional da liturgia. É urgente, também, nos regionais e nas dioceses a implementação das comissões de espaço litúrgico, compostas, preferencialmente, por especialistas nas diferentes áreas (artistas, arquitetos, engenheiros, liturgistas)” (ibid.).
Cf. BENTO XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”, n. 42; FONSECA Joaquim (Org.). Princípios teológicos, litúrgicos, pastorais e estéticos. In: Revista de Liturgia, São Paulo, n. 194, p. 21-23.
CNBB. Diretrizes... Op. cit., n. 76. Daí ser “urgente atentar para a qualidade de nosso cantar litúrgico, para a importância dos vários ministérios litúrgico-musicais e, mais que urgente, para a formação e capacitação de todos, especialmente das pessoas e equipes que os exercem” (ibid.).
Cf. Prefácio da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo.
Cf. DEISS Lucien. A Palavra de Deus celebrada. Petrópolis, Vozes, 1998; FERNANDES Veronice. O diálogo entre os parceiros da Aliança. A palavra de Deus a partir da Sacrosanctum Concilium. In: Revista de Liturgia, São Paulo, n. 179, 2003, p. 4-9; GONZÁLEZ GOUGIL Ramiro. La proclamación litúrgica de la Escritura. Sus principios teológicos. In: Phase, Barcelona, 2008/2, p. 125-142.
Cf. BENTO XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”, n. 45, citando Instrução Geral sobre o Missal Romano, n. 29.
Introdução Geral ao Elenco das Leituras da Missa (Lecionário), n. 14.
Cf. COFFY Robert. La celebración, lugar de la educación de la fe. In: Phase, Barcelona, n. 118, 1980, p. 273-274.
Cf. DEISS Lucien. A homilia. In: A Palavra de Deus celebrada. Op. cit., p. 75-108; BECKHÄUSER Alberto. A homilia á luz da Sagrada Liturgia. In: HACKMANN Pe. Geraldo L. B. (Org.). Sub umbris fideliter. Festschrift em homenagem a Frei Boaventura Kloppenburg. Porto Alegre, EDIPUCRS, 1999, p. 11-39; SILVA José A. Sentir Deus falando. Um direito do povo, um desafio para o homiliasta. In: Mundo e Missão, São Paulo, n. 83, 2004, p. 34-35; ALDAZÁBAL Jose. La homilia, educadora de la fe. In: Phase, Barcelona, n.126, 1981, p. 447-459.
BENTO XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”, n. 46.
Como: acolher quem chega, reunir-se em assembléia, andar, caminhar em procissão, dirigir-se ao altar, voltar-se à assembléia, tocar um instrumento (violão, teclado, órgão, acordeão, violino, atabaque etc.), olhar, saudar a assembléia, cantar salmos e cânticos espirituais, proclamar uma leitura, proclamar uma oração, ouvir, falar, silenciar, abençoar, ungir, impor as mãos, abençoar, mergulhar na água, derramar água, o gesto de “tocar”, lavar as mãos, lavar os pés, acolher as ofertas, dar o abraço da paz, partir o pão da vida, distribuir a comunhão, receber a comunhão na mão, comer e beber juntos, o beijo, o sinal-da-cruz, a linguagem das mãos, os gestos de humildade (bater no peito, inclinações, genuflexão, rezar de joelhos, prostração, o gesto e a atitude interior), o óleo, a água, a luz, as vestes, as imagens, as cores, as flores, o fogo, o incenso, a água, as cinzas, o jejum, os sinos, o pão e vinho na Eucaristia, a água e o vinho no cálice, as posturas do corpo etc....
ALDAZÁBAL José. Elogio da estética. In: Gestos e símbolos. Op. cit., p. 292-300.
Cf. SMOLARSKI Dennis C. Como no decir la misa (= Dossiers CPL 41), Centre de Pastoral Litúrgica, Barcelona 1989; SORRENTINO Antonio. Las oraciones presidenciales. In: Actualidad Litúrgica, México, n. 148, 1999, p. 7-11; ID. L’arte de presiedere le celebrazioni liturgiche. Suggerimenti ai sacerdoti, San Paolo, Cinisello Balsamo (Milão) 1997; BECKHÄUSER Alberto. Comunicação litúrgica. Presidência, homilia, meios eletrônicos. Petrópolis, Vozes, 2003; ALDAZÁBAL José. A postura e os gestos do presidente. In. Gestos e símbolos. Op. cit., p. 279-82; DE PEDRO Aquilino de. El arte de presidir y animar la celebración In: Phase 172 (1989), p. 317-320; INIESTA Alberto. El arte de presidir la asamblea. In: VV.AA., Presidir la Eucaristia (= Cuadernos Phase 19), Barcelona, Centre de Pastoral Litúrgica, 1990, p. 57-74; BUYST Ione. Presidir a celebração do dia do Senhor (Coleção Rede Celebra 6). São Paulo, Paulinas, 2004, p. 11-32;
Nas saudações, na proclamação da Palavra, na homilia, na distribuição da comunhão, nas monições etc.
Nas orações, sobretudo na oração eucarística e outras orações de bênção.
BENTO XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”, n. 64.
ALDAZÁBAL José. La liturgia construye la persoalidad cristiana. In: Phase, Barcelona, n. 209, 199, p. 411-417.
Eurivaldo Silva Ferreira*


Ao participarmos da dinâmica do Ano Litúrgico, nos colocamos numa atitude de devida reverência com o mistério pascal de Cristo. Este mistério pode ser vivido ao longo do próprio Ano Litúrgico, com suas festas e seus tempos, suas celebrações, seus cantos e suas orações.

Um pequeno gesto ou rito nos introduz nesse mistério, no qual o Espírito é o grande ‘despertador’ da ação que o próprio mistério propõe a fazer em nós. Esta ação, própria do Espírito, provoca em nós uma abertura à força sacramental, força que o próprio tempo ou Ano Litúrgico traz em si. Conduzir-se a isso é propor nossas vidas ao que o mistério quer realizar em nós: fazer-nos seres de esperança, em atitude à vinda do Reino de Deus, Reino este que pode ser já vivido no Hoje da nossa história. O Tempo do Advento tem essa característica, é um tempo em que nos colocamos em atitude de alegre e piedosa expectativa pela vinda do Reino entre nós. Foi assim que viveram os personagens bíblicos, dentre eles Zacarias, Maria, João Batista, Simeão e o próprio Jesus Cristo, protagonista do Reino de Deus.

Ao desenvolver meu trabalho de conclusão de curso de Teologia na Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção/PUC-SP, decorri sobre o Tempo do Advento. Com este trabalho não tive o intuito de dar a receita certa para a equalização da realização deste Reino entre nós, do qual falei na introdução deste artigo, mas visa mostrar através dos sinais que são próprios do Tempo do Advento, que, com seu sentido próprio, a música litúrgica, o cântico de Zacarias e outros elementos podem contribuir para se viver o Tempo do Advento e dele tirar proveito espiritual para as nossas vidas e atitudes cristãs, fazendo com que essas atitudes se revertam em exercício para a convivência com o mundo cada vez mais sem esperança e impedido de dar continuidade à realização da vontade de Deus.

O Tempo do Advento, apresentado no início do ano litúrgico, relaciona-se com a proposta da Igreja que se faz presente no mundo. Ela anseia pela vinda do Senhor, mas enquanto sua vinda não se faz plenamente, celebra, louva e distribui os sacramentos, na esperança de sua plena concretização. Por isso este tempo, em preparação ao Natal do Senhor, suscita o desejo de que o Senhor venha. Tanto no Tempo do Advento como no Natal, dá-se a realização plena do mistério pascal de Cristo, tudo pela ótica do seu nascimento e de sua concepção terrena. Eis o sinal sacramental próprio do tempo.

No trabalho também avaliei a proposta da música litúrgica própria to tempo, tendo como subsídio o Canto de Zacarias, que considero como protótipo de música ritual, já que seu texto bíblico canta a espera e a presença do Senhor. Parti do ponto de vista do que a Igreja diz sobre a música litúrgica, também chamada de música ritual (aquela que é o rito ou que acompanha o rito litúrgico). Busquei nas fontes primitivo-cristãs uma análise criteriosa, apoiando-a na Sagrada Escritura e na Tradição. Tomando como referência o próprio Cântico de Zacarias, abordei seu sentido bíblico, destacando elementos exegéticos e de caráter da sua concepção, a fim de que este se torne um canto ritual modelo para outros.

Também me ative na análise do conjunto das leituras das celebrações dos quatro domingos do Tempo do Advento, extraindo delas seu conteúdo pedagógico e de esperança que ajuda as comunidades cristãs a renovar seu fervor missionário de anunciadores do reino messiânico, cujo ápice se mostra com seu natal.

Apresentei como proposta atributos de busca de uma espiritualidade própria do Tempo do Advento, que podem levar os cristãos a vivenciarem melhor esse tempo com sinais de que suas certezas não são em vão, e de que o Reino de Deus, ainda que demore, pode ser uma realidade do hoje, vivendo-se a tensão do “já” e do “ainda não”, como afirma São Bernardo. As atitudes de expectativa, de espera e de esperança da firme concretização do Reino de Deus são índoles da própria Igreja, como já disse, que vive neste mundo sob o influxo do domínio do mal, mas que ‘geme e sofre como que em dores do parto’, esperando a segunda vinda daquele que um dia veio na carne humana, ocasião em que se dará a feliz realização do reino.

Portanto, viver o Advento é viver com uma alegre espera, na feliz expectativa da realização do Reino de Deus entre nós. Mas essa espera é revestida de uma esperança escatológica (escathom, do grego = fim último), em meio a tribulações e sofrimentos, assim como viveu o “Filho do Homem” (Lc 21,27), e que se torna sinal de esperança, sinal de que a salvação de Deus prometida desde a Primeira Aliança (AT) está inserida na história humana, conforme a profecia de Daniel que fala da instauração do Reino de Deus, com a vinda de Jesus.

No Tempo do Advento, nossa atitude é de termos a cabeça erguida, de estarmos despertos e acordados, como diz São Paulo na Carta aos Romanos, a fim de que percebamos no decorrer da história os sinais de libertação, sobretudo nos acontecimentos históricos, cujas imagens simbólicas próprias do tempo nos ajudam a compreender como é que se deu no passado, trazendo para o ‘hoje’, tendo como atitudes os princípios da vigilância e da oração, conseqüência da santidade (frutos próprios do tempo). Essas atitudes preparam o coração para a grande vinda, a escatológica (última vinda), e nos conforta sua presença misteriosa através da ação litúrgica (memória da primeira vinda) e através dos pequenos gestos realizados em prol do/a outro/a (vinda intermediária de Cristo), mas que com o auxílio de Deus, isso é possível.

A segunda vinda de Cristo nos concede os bens prometidos na plenitude. Essa salvação é concedida a todas as pessoas, ao mundo, ao cosmos, por isso homem/a mulher são os responsáveis por acolherem a salvação, primeiro ‘abrindo o coração’, ‘aplainando os caminhos’, ‘abaixando as montanhas’. As leituras deste tempo mostram isso, a alegria do povo que se volta, que espera, que permanece fiel, na expectativa da vinda do Messias.

Por isso, posso dizer que celebrar no Tempo do Advento é manifestar no rito e na vida um momento novo para a humanidade nova, para o mundo novo. De fato, a Igreja diz que é necessário se viver num eterno advento, afastando o mal, pois Deus age como um agricultor que recolhe os grãos no celeiro, ou como um lenhador, que coloca o machado ao toco, pronto para cumprir sua missão.

Maria, a imagem da Igreja é a portadora da Arca da Aliança, no seu ventre, sinal da salvação, por isso se entrega totalmente ao projeto de salvação de Deus. Os personagens deste tempo nos ajudam a compreender como é que Deus age em prol da humanidade a fim de salvá-la, guardando-a do mal, mostrando a todos o verdadeiro Sol do Oriente, que ilumina todos os povos que andam por entre as trevas, conforme canta Zacarias.




___________
*É teólogo, formado pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção/PUC-SP, músico e atua na Rede Celebra de animação litúrgica.

http://euriferreira.blogspot.com/