sábado, 30 de março de 2019



HOMILIA DO QUARTO DOMINGO DA QUARESMA
(Js 5,9-12; Sl 33; 2Cor 5,17-21; Lc 15,1-3.11-32)

A liturgia de hoje possui um tom de alegria. Por esse motivo, o quarto domingo da quaresma é chamado de “domingo da alegria”, porque, na travessia do deserto quaresmal, nos deparamos como que com um “oásis” e podemos vislumbrar as festas que se aproximam. É como rezamos na oração inicial da missa de hoje, pedindo a Deus que: “concedei ao povo cristão correr ao encontro das festas que se aproximam cheios de fervor e exultando de fé” (Oração da Coleta).

Mas poderíamos também chamar a celebração de hoje de: “domingo da reconciliação”, sim, porque os textos de hoje falam da misericórdia de Deus e da nossa reconciliação com ele. São Paulo na segunda leitura faz este apelo: “Deixai-vos reconciliar com Deus” (2Cor 5,20). Penso que a palavra que define a liturgia de hoje é: perdão! Deus nos perdoa e nós também devemos aprender a perdoar os nossos irmãos. Não importa o que tenham feito, é importante que aprendamos a nos reconciliar uns com os outros. E a maior lição de que temos que nos perdoar é o fato de que fomos reconciliados com Deus por meio de Jesus Cristo. São Paulo diz isso: “Por Cristo, Deus reconciliou o mundo consigo” (2Cor 5,19).

No evangelho, Jesus fala do perdão em meio as críticas que ele recebe dos fariseus, porque ele se aproxima dos pecadores. Neste contexto, Jesus conta uma das mais lindas parábolas dos evangelhos. Alguns a chama de “Parábola do filho pródigo”, outros de “Parábola do pai misericordioso”. Talvez este último seja o melhor título, isto porque, em meio ao pecado, o que deve sobressair é a misericórdia. Embora o filho mais novo tenha levado uma vida desenfreada e de esbanjamento, o que importa é seu retorno para seu pai. E a atitude do pai é de festa com o seu retorno. Esta parábola mostra a atitude de Deus conosco. Ele faz festa com o nosso retorno,  com a nossa conversão. Num dos versículos omitidos no evangelho de hoje Jesus diz que: “Há alegria diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende” (Lc 15,10).

Nós temos um pouco de cada um dos personagens desta parábola: somo um pouco do filho mais novo, quando levamos uma vida de esbanjamento e desenfreada, longe de Deus; somo um pouco do filho mais velho, quando não somos capazes de ver e agir com misericórdia como agiu aquele pai; e também, somos um pouco do pai, quando superando nossas limitações  nos tornamos capazes de agir com misericórdia e nos alegrarmos em nos reconciliarmos com aqueles que tenham nos ofendido. Em nós deve sobressair as atitudes do pai, agindo com misericórdia e alegria.

O que isso tem a ver com nossa vida pessoal, com nossa vida comunitária...? Creio que tudo. Às vezes precisamos passar pelo sofrimento, pela dor, para descobrirmos e valorizarmos Deus em nossa vida. Quantos conhecemos que só se reaproximaram de Deus depois de um grande sofrimento ou dor? Deus estará sempre a nossa espera, ele é paciente.

Mas quando se trata de outra pessoa a coisa muda de figura. Se demorarmos demais para nos reconciliar, para pedir ou dar o perdão, pode não haver mais tempo. E se a pessoa em questão morrer, é pior ainda. Perdoe, dê o seu perdão, seja a quem for, enquanto existe tempo para isso. Depois, quando o outro morre, o que fica é o sentimento de culpa. E contra isso quase nada se pode fazer.

Somos como o filho mais velho quando nos relacionamos com Deus por se fosse um patrão, fazendo as coisas por obrigação, esperando receber dele uma recompensa. Pode-se até fazer as coisas bem, com perfeição, mas ficará sempre esperando ser recompensado. São pessoas que cumprem as regras da Igreja, participam das missas, pagam dízimo, porém, faz tudo por obrigação, às vezes sem amor, e não consegue aceitar que alguém que tenha cometido algum erro possa ser readmitido na comunidade, no grupo, na pastoral... São pessoas que, embora façam as coisas bem feitas, não conseguem perdoar os outros.

Porém, todos nós precisamos ser mais como o pai misericordioso, que espera o retorno do filho, que perdoa e faz festa, se alegra. Somos um pouco desse pai quando nos alegramos com a volta de alguém que se afastou da comunidade, quando não ficamos olhando para seus pecados, mas o que eles têm de bom, quando enxergamos com misericórdia.

Para terminar, como dizia Machado de Assis: “Nunca levante a espada sobre a cabeça de quem te pediu perdão.” Em outras palavras, seja misericordioso. Não negue seu perdão a quem te pedir. Não seja orgulhoso. Negar o perdão nunca trouxe nada de bom para quem o nega. E como Vinícius de Moraes diz numa de suas canções: “Quem não pede perdão, não é nunca perdoado.” Seja humilde para reconhecer que errou e pedir perdão de suas faltas.

Paz no coração de todos!
Pe. Cristiano Marmelo Pinto




OBRAS DE MISERICÓRDIA CORPORAIS

Pe. Cristiano Marmelo Pinto

Foi-me proposto conversar sobre as obras de misericórdia corporais. O Papa Francisco nos convida para nos tornarmos uma Igreja da misericórdia. A proposta para a reflexão é bem simples, de modo que, veremos quais são as obras de misericórdia corporais e quais suas implicações na vida concreta, seja pessoal e comunitária, ou seja, como cada um de nós devemos praticá-las e como a comunidade também deve colocá-las em prática na sua vivência pastoral.

Quais são as obras de misericórdia corporais?
1ª) Dar de comer a quem tem fome;
2ª) Dar de beber a quem tem sede;
3ª) Vesti o nu;
4ª) Acolher o forasteiro;
5ª) Assistir os enfermos;
6ª) Visitar os presos;
7ª) Enterrar os mortos.

Antes de falarmos de cada uma destas obras acho oportuno entendermos o que quer dizer “misericórdia”, e por que das “obras de misericórdia”?

Misericórdia tem a ver comportamento. Ela diz respeito ao comportamento de quem é altruísta, sensível e preocupado com a condição de miséria do outro, e se compromete em buscar soluções. Poderíamos dizer que a misericórdia é tudo que humaniza. Como o próprio significado da palavra diz: “Ir ao encontro das misérias do coração do outro, para ajudá-lo a se libertar!”  Misere (miséria) / cordis (coração). O coração misericordioso é cordial, benevolente, compassivo, não olha para trás, mas para frente, em busca de novos caminhos, novos horizontes. Quem olha para trás não vê o caminho que se abre à frente. Isto é muito comum em pessoas rancorosas. Não conseguem se libertar do passado, e por isso a vida para em torno do que aconteceu. Daí gera-se sentimentos de vingança, ódio, falta de esperança e de perdão.

1ª obra de misericórdia corporal
“Dar de comer a quem tem fome”

Jesus ao falar de sua volta e reunir a sua direita as ovelhas diz: “Eu estava com fome e me deste de comer” (Mt 25,35). Estamos tratando de uma das mais duras realidades humanas: a fome. Segundo dados do IBGE de 2014, cerca de 7,2 milhões de brasileiros passam fome. Segundo a ONU, dados de 2015, embora no mundo a fome tenha diminuído, ela ainda atinge cerca de 805 milhões de pessoas. É um número alarmante. Como se sabe, a fome é uma realidade que atinge particularmente os pobres. Quando Jesus opta por anunciar a Boa Notícia as pobres, ele está também denunciando estar triste realidade vivida por eles. É por isso que ele diz em Mateus 5,6: Felizes os que tem fome e sede de justiça, porque serão saciados”. E ele mesmo apresenta-se como pão, como alimento descido do céu. É nosso dever como comunidade cristã empreender ações de combate à fome.

O papa emérito Bento XVI na Encíclica Caritas in veritate, diz que: “Dar de comer a quem tem fome é uma responsabilidade da Igreja, que deriva da ação de Jesus”. O papa Paulo VI diz que dar de comer aos famintos é um imperativo ético para toda a Igreja. É por isso que nós cristãos, temos que alimentar os pobres, temos que partir o “pão”, temos que assistir os famintos.

Em muitas comunidades católicas existem grupos que atuam nesta realidade. Temos os vicentinos, a pastoral da caridade, existem os grupos que cuidam dos moradores de rua levando comida, o famoso “sopão”, e com certeza vocês aqui também tem algum grupo que assiste as famílias. Cabe a cada um da comunidade duas atitudes: primeira: dar comida a quem bate à sua porta e segunda: dar condições aos grupos ou pastorais da comunidade que cuidam dos famintos, trazendo na igreja alimentos para estas famílias. Sejam generosos com os irmãos famintos. Mesmo que a situação esteja difícil, não deixem de ajudar a quem tem fome.


2ª obra de misericórdia corporal

“Dar de beber a quem tem sede”

Ainda em Mateus 25,35, Jesus dirá: “Eu estava com sede, e me deram de beber”. Esta é outra
realidade de carência humana. A água é vital para a vida no planeta. Poucos anos atrás o Estado de São Paulo passou por uma profunda crise hídrica. Todos fomos afetados pela seca que diminuiu os nossos reservatórios, nos privando de um dos bens mais vitais para a vida como um todo. A falta de água atinge várias coisas: a sede, afeta a plantação de alimentos, e o próprio meio ambiente é afetado. A escassez de água afeta cerca de 40% da população mundial. Presume-se que em 2032 cerca de 5 bilhões de pessoas serão afetadas pela escassez de água. Cerca de 60% da água potável está em apenas nove países, o Brasil é um deles. Enquanto que, em 80 países há escassez. E poderíamos ir além com os dados. 


Diante da ameaça da falta d’água, e do que isso pode acarretar para a vida no planeta, é importante colocarmos em prática esta segunda obra de misericórdia corporal. Podemos dar de beber a quem tem sede de vários modos: não negando um copo d’água a quem nos pede; economizando a água que usamos em casa; colaborando com comunidades afetadas por catástrofes naturais, por exemplo, doando água, pois uma das primeiras necessidades é a água para beber.

3ª obra de misericórdia corporal
“Vesti o nú”

No evangelho Jesus diz: “Eu estava sem roupa, e me vestiram” (Mt 25,36). Conta-se que São Martinho de Tours no inverno de 337, ao encontrar perto da porta da cidade um homem com frio, rasgou-lhe o manto e deu a metade para aquele homem. Na noite seguinte, Jesus apareceu para ele vestido com a metade do mando dada, para lhe agradecer o gesto. Conta-se também que no grupo dos companheiros de São Francisco de Assis, havia um frei chamado Junípero, que todas as vezes em que ia na cidade, voltava nu, sem o hábito franciscano, porque o dava para alguém mais pobre do que ele. Um antigo frei dizia para nós no seminário franciscano que, as roupas guardadas em nosso guarda-roupas por mais de dois meses, já não nos pertence mais, e sim, aos pobres. Vestir o nu nos questiona duas posturas frequentes: a primeira é a necessidade ilusória de possuir e possuir mais roupas. Tem gente que falta espaço para tanta roupa. Por que isso se nos basta o necessário? A segunda coisa é o apego as roupas que não nos serve mais. Por que guardá-las? Tem gente que fica esperando emagrecer e nunca emagrece, e a roupa estraga guardada a espera de tal “milagre”. Se não nos serve, se não usamos mais, precisamos aprender a doar para os maltrapilhos. E como tem gente precisando de roupas.

4ª obra de misericórdia corporal
“Acolher o forasteiro (estrangeiro)”

No evangelho Jesus diz: “Eu era estrangeiro, e me receberam em sua casa” (Mt 25,35). Conheci
uma senhora em Curitiba, que quando íamos almoçar na casa dela, sempre havia um prato a mais na mesa. Certa vez resolvi perguntar por que daquele prato. Ela me respondeu que era para Jesus que poderia chegar a qualquer momento. São Bento na sua regra para os monges dizia que: “Todo hóspede deve ser acolhido como Cristo, porque Ele um dia nos dirá: ‘Era peregrino e me hospedastes’”. Acolher o estrangeiro tem a ver com a nossa hospitalidade. Devemos receber quem nos visita, como que recebendo o próprio Cristo que nos vem. Também cabe aqui a questão dos refugiados. Estamos vivendo uma crise de refugiados sem precedentes no mundo,
seja por causa das guerras, seja por causa da perseguição religiosa. E por outro lado, nos deparamos com atitudes de fechamento em recebê-los. Vejam a Europa. Mas também aqui no Brasil. Temos gente de todas as partes do mundo. Como são recebidos? Como vivem?

5ª obra de misericórdia corporal
“Assistir os doentes - enfermos”

Jesus diz: “Eu estava doente, e cuidaram de mim” (Mt 25,36). A doença e o sofrimento estão entre os problemas mais graves que afligem a vida humana. A saúde pública está em crise, principalmente em lugares mais pobres e menos atendidos. Além do sistema de saúde ineficiente também temos os doentes que estão em casa. Muitos deles vivem só. A obra de misericórdia: “assistir os doentes” começa na família quando se lida com doenças prolongadas e, às vezes irreversíveis. Seja em qualquer idade, e por qualquer problema de saúde que podem ser, entre tantos: o câncer, as paralisias, a anencefalia, e socorrer sem preconceito os portadores do HIV.

Trata-se também de um trabalho voluntário em hospitais, asilos, e casas de recuperação. Estende-se a uma pastoral que visite e acompanhe aqueles que, vivem a dor de sua enfermidade na solidão, e no esquecimento. Não deixe de visitar, de assistir alguém doente. Não deixe de visitar e de se reconciliar, seja um familiar, um amigo... Faz bem pra ele e faz bem pra gente também.

6ª obra de misericórdia corporal
“Visitar os presos – os encarcerados”

Ficará à direita de Deus, no grupo dos bem-aventurados, aquele que visitou os que estavam na
prisão (Mt 25, 36). Hoje o acesso nos presídios não é livre, há um certo rigor e triagem para visitas presidiários. Porém, nossas dioceses ainda são deficientes em se tratando de uma pastoral carcerária efetiva, e dinâmica. É claro que nem todo mundo tem jeito para estar num ambiente deste. Deus entende. Mais também, tem muitas outras ações que a comunidade pode realizar para ajudar os que estão presos. Por piores que tenham sido os crimes praticados, é nosso dever cuidar dos presos. As visitas normalmente são realizadas pela pastoral carcerária. Mais também, podem acompanhar a família. Assistindo em suas necessidades, combatendo o preconceito que essas famílias são submetidas...

7ª obra de misericórdia corporal
“Enterrar os mortos”

Crer na ressurreição da carne, na vida eterna, faz parte da oração pela qual professamos nossa fé. No Livro de Tobias encontramos o seguinte:  Tobias com uma solicitude toda particular, sepultava os defuntos e os que tinham sido mortos (Tb 1, 17ss). O Novo Catecismo da Igreja Católica, assim diz: “Os corpos dos defuntos devem ser tratados com respeito e caridade, na fé e na esperança da ressurreição. O enterro dos mortos é uma obra de misericórdia corporal que honra os filhos de Deus, templos do Espírito Santo” (CIC n. 2300). Cada pessoa é templo do Espírito Santo e mesmo depois de morta, seu corpo merece respeito. A Igreja permite a cremação do corpo, desde que não seja um ato que se faça numa manifestação de contrariedade à fé na ressurreição dos mortos (CIC n. 2301). A doação gratuita de órgãos não é um desrespeito ao corpo quando desejada pela própria pessoa, é uma pratica legitima, incentivada pela Igreja. É importante recuperarmos o respeito pelos mortos. Enterrá-los com dignidade e respeito.

Por fim, coloquemos em práticas as obras de misericórdia, pois, essa é a vontade de Deus.