OBRAS DE MISERICÓRDIA CORPORAIS
Pe. Cristiano Marmelo Pinto
Foi-me proposto conversar sobre as obras de
misericórdia corporais. O Papa Francisco nos convida para nos tornarmos uma
Igreja da misericórdia. A proposta para a reflexão é bem simples, de modo que,
veremos quais são as obras de misericórdia corporais e quais suas implicações
na vida concreta, seja pessoal e comunitária, ou seja, como cada um de nós
devemos praticá-las e como a comunidade também deve colocá-las em prática na
sua vivência pastoral.
Quais são as obras de misericórdia corporais?
1ª) Dar de comer a quem tem fome;
2ª) Dar de beber a quem tem sede;
3ª) Vesti o nu;
4ª) Acolher o forasteiro;
5ª) Assistir os enfermos;
6ª) Visitar os presos;
7ª) Enterrar os mortos.
Antes de falarmos de cada uma destas obras acho
oportuno entendermos o que quer dizer “misericórdia”, e por que das “obras de
misericórdia”?
Misericórdia tem a ver comportamento. Ela diz
respeito ao comportamento de quem é altruísta, sensível e preocupado com a
condição de miséria do outro, e se compromete em buscar soluções. Poderíamos
dizer que a misericórdia é tudo que humaniza. Como o próprio significado da
palavra diz: “Ir ao encontro das misérias do coração do outro, para ajudá-lo a
se libertar!” Misere (miséria) / cordis
(coração). O coração misericordioso é cordial, benevolente, compassivo, não
olha para trás, mas para frente, em busca de novos caminhos, novos horizontes. Quem
olha para trás não vê o caminho que se abre à frente. Isto é muito comum em
pessoas rancorosas. Não conseguem se libertar do passado, e por isso a vida
para em torno do que aconteceu. Daí gera-se sentimentos de vingança, ódio,
falta de esperança e de perdão.
1ª obra
de misericórdia corporal
“Dar de comer a quem tem fome”
Jesus ao falar de sua volta e reunir a sua
direita as ovelhas diz: “Eu estava com
fome e me deste de comer” (Mt 25,35). Estamos tratando de uma das mais
duras realidades humanas: a fome. Segundo dados do IBGE de 2014, cerca de 7,2
milhões de brasileiros passam fome. Segundo a ONU, dados de 2015, embora no
mundo a fome tenha diminuído, ela ainda atinge cerca de 805 milhões de pessoas.
É um número alarmante. Como se sabe, a fome é uma realidade que atinge
particularmente os pobres. Quando Jesus opta por anunciar a Boa Notícia as
pobres, ele está também denunciando estar triste realidade vivida por eles. É
por isso que ele diz em Mateus 5,6: “Felizes
os que tem fome e sede de justiça, porque serão saciados”. E ele mesmo
apresenta-se como pão, como alimento descido do céu. É nosso dever como
comunidade cristã empreender ações de combate à fome.
O papa emérito Bento XVI na Encíclica Caritas in veritate, diz que: “Dar de comer a quem tem fome é uma
responsabilidade da Igreja, que deriva da ação de Jesus”. O papa Paulo VI
diz que dar de comer aos famintos é um imperativo ético para toda a Igreja. É
por isso que nós cristãos, temos que alimentar os pobres, temos que partir o
“pão”, temos que assistir os famintos.
Em muitas comunidades católicas existem grupos que
atuam nesta realidade. Temos os vicentinos, a pastoral da caridade, existem os
grupos que cuidam dos moradores de rua levando comida, o famoso “sopão”, e com
certeza vocês aqui também tem algum grupo que assiste as famílias. Cabe a cada
um da comunidade duas atitudes: primeira: dar comida a quem bate à sua porta e
segunda: dar condições aos grupos ou pastorais da comunidade que cuidam dos
famintos, trazendo na igreja alimentos para estas famílias. Sejam generosos com
os irmãos famintos. Mesmo que a situação esteja difícil, não deixem de ajudar a
quem tem fome.
2ª obra
de misericórdia corporal
“Dar de beber a quem tem sede”
Ainda em Mateus 25,35, Jesus dirá: “Eu estava com sede, e me deram de beber”.
Esta é outra
realidade de carência humana. A água é vital para a vida no
planeta. Poucos anos atrás o Estado de São Paulo passou por uma profunda crise
hídrica. Todos fomos afetados pela seca que diminuiu os nossos reservatórios, nos
privando de um dos bens mais vitais para a vida como um todo. A falta de água
atinge várias coisas: a sede, afeta a plantação de alimentos, e o próprio meio
ambiente é afetado. A escassez de água afeta cerca de 40% da população mundial.
Presume-se que em 2032 cerca de 5 bilhões de pessoas serão afetadas pela
escassez de água. Cerca de 60% da água potável está em apenas nove países, o
Brasil é um deles. Enquanto que, em 80 países há escassez. E poderíamos ir além
com os dados.
Diante da ameaça da falta d’água, e do que isso
pode acarretar para a vida no planeta, é importante colocarmos em prática esta
segunda obra de misericórdia corporal. Podemos dar de beber a quem tem sede de
vários modos: não negando um copo d’água a quem nos pede; economizando a água
que usamos em casa; colaborando com comunidades afetadas por catástrofes
naturais, por exemplo, doando água, pois uma das primeiras necessidades é a
água para beber.
3ª obra
de misericórdia corporal
“Vesti o nú”
No evangelho Jesus diz: “Eu estava sem roupa, e me vestiram” (Mt 25,36). Conta-se que São
Martinho de Tours no inverno de 337, ao encontrar perto da porta da cidade um
homem com frio, rasgou-lhe o manto e deu a metade para aquele homem. Na noite
seguinte, Jesus apareceu para ele vestido com a metade do mando dada, para lhe
agradecer o gesto. Conta-se também que no grupo dos companheiros de São
Francisco de Assis, havia um frei chamado Junípero, que todas as vezes em que
ia na cidade, voltava nu, sem o hábito franciscano, porque o dava para alguém
mais pobre do que ele. Um antigo frei dizia para nós no seminário franciscano
que, as roupas guardadas em nosso guarda-roupas por mais de dois meses, já não
nos pertence mais, e sim, aos pobres. Vestir o nu nos questiona duas posturas
frequentes: a primeira é a necessidade ilusória de possuir e possuir mais
roupas. Tem gente que falta espaço para tanta roupa. Por que isso se nos basta
o necessário? A segunda coisa é o apego as roupas que não nos serve mais. Por
que guardá-las? Tem gente que fica esperando emagrecer e nunca emagrece, e a
roupa estraga guardada a espera de tal “milagre”. Se não nos
serve, se não usamos mais, precisamos aprender a doar para os maltrapilhos. E
como tem gente precisando de roupas.
4ª obra
de misericórdia corporal
“Acolher o forasteiro (estrangeiro)”
No evangelho Jesus diz: “Eu era estrangeiro, e me receberam em sua casa” (Mt 25,35). Conheci
uma senhora em Curitiba, que quando íamos almoçar na casa dela, sempre havia um
prato a mais na mesa. Certa vez resolvi perguntar por que daquele prato. Ela me
respondeu que era para Jesus que poderia chegar a qualquer momento. São Bento
na sua regra para os monges dizia que: “Todo
hóspede deve ser acolhido como Cristo, porque Ele um dia nos dirá: ‘Era
peregrino e me hospedastes’”. Acolher o estrangeiro tem a ver com a nossa
hospitalidade. Devemos receber quem nos visita, como que recebendo o próprio
Cristo que nos vem. Também cabe aqui a questão dos refugiados. Estamos vivendo
uma crise de refugiados sem precedentes no mundo,
seja por causa das guerras, seja por causa da
perseguição religiosa. E por outro lado, nos deparamos com atitudes de
fechamento em recebê-los. Vejam a Europa. Mas também aqui no Brasil. Temos
gente de todas as partes do mundo. Como são recebidos? Como vivem?
5ª obra de
misericórdia corporal
“Assistir os doentes - enfermos”
Jesus diz: “Eu
estava doente, e cuidaram de mim” (Mt 25,36). A doença e o sofrimento estão
entre os problemas mais graves que afligem a vida humana. A saúde pública está
em crise, principalmente em lugares mais pobres e menos atendidos. Além do
sistema de saúde ineficiente também temos os doentes que estão em casa. Muitos
deles vivem só. A obra de misericórdia: “assistir
os doentes” começa na família quando se lida com doenças prolongadas e, às
vezes irreversíveis. Seja em qualquer idade, e por qualquer problema de saúde que
podem ser, entre tantos: o câncer, as paralisias, a anencefalia, e socorrer sem
preconceito os portadores do HIV.
Trata-se também de um trabalho voluntário em
hospitais, asilos, e casas de recuperação. Estende-se a uma pastoral que visite
e acompanhe aqueles que, vivem a dor de sua enfermidade na solidão, e no
esquecimento. Não deixe de visitar, de assistir alguém doente. Não deixe de
visitar e de se reconciliar, seja um familiar, um amigo... Faz bem pra ele e
faz bem pra gente também.
6ª obra
de misericórdia corporal
“Visitar os presos – os encarcerados”
Ficará à direita de Deus, no grupo dos
bem-aventurados, aquele que visitou os que estavam na
prisão (Mt 25, 36). Hoje
o acesso nos presídios não é livre, há um certo rigor e triagem para visitas presidiários.
Porém, nossas dioceses ainda são deficientes em se tratando de uma pastoral
carcerária efetiva, e dinâmica. É claro que nem todo mundo tem jeito para estar
num ambiente deste. Deus entende. Mais também, tem muitas outras ações que a
comunidade pode realizar para ajudar os que estão presos. Por piores que tenham
sido os crimes praticados, é nosso dever cuidar dos presos. As visitas
normalmente são realizadas pela pastoral carcerária. Mais também, podem
acompanhar a família. Assistindo em suas necessidades, combatendo o preconceito
que essas famílias são submetidas...
7ª obra
de misericórdia corporal
“Enterrar os mortos”
Crer na ressurreição da carne, na vida eterna, faz
parte da oração pela qual professamos nossa fé. No Livro de Tobias encontramos
o seguinte: Tobias com uma solicitude
toda particular, sepultava os defuntos e os que tinham sido mortos (Tb 1, 17ss).
O Novo Catecismo da Igreja Católica, assim diz: “Os corpos dos defuntos devem ser tratados com respeito e caridade, na
fé e na esperança da ressurreição. O enterro dos mortos é uma obra de
misericórdia corporal que honra os filhos de Deus, templos do Espírito Santo”
(CIC n. 2300). Cada pessoa é templo do Espírito Santo e mesmo depois de morta,
seu corpo merece respeito. A Igreja permite a cremação do corpo, desde que não
seja um ato que se faça numa manifestação de contrariedade à fé na ressurreição
dos mortos (CIC n. 2301). A doação gratuita de órgãos não é um desrespeito ao
corpo quando desejada pela própria pessoa, é uma pratica legitima, incentivada
pela Igreja. É importante recuperarmos o respeito pelos mortos. Enterrá-los com
dignidade e respeito.
Por fim, coloquemos em práticas as obras de
misericórdia, pois, essa é a vontade de Deus.
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