quinta-feira, 13 de maio de 2010


A Formação Litúrgica

Pe. Cristiano Marmelo Pinto


1. Introdução

A liturgia é uma realidade ligada a fé e a expressão pessoal e social da vida da Igreja. Ela é comporta um duplo movimento: 1º. auto manifestação de Deus em Jesus Cristo; 2º. ação / obra do homem em direção à Deus.

A liturgia não é algo fossilizado ou propriedade de algum povo ou cultura. Ela é antes, um fato vivo, dinâmico. Antes de ser ciência, saber humano, a liturgia é vida, é experiência de encontro com o Mistério do Senhor. Ela é antes de tudo intervenção de Deus na vida dos homens e resposta deste a Deus.

“Para celebrar a liturgia de maneira vital, é preciso não só conhecê-la teoricamente, mas experimentar o que significa a participação no mistério que nela se celebra e se comunica eficazmente.” (p. 299).

Para conhecer a liturgia é preciso recorrer ao seu ensino com todos os instrumentais metodológicos e didáticos de uma verdadeira ciência.

Para celebrá-la é necessário uma iniciação litúrgica, que no fundo está no processo de formação cristã. O caráter dinâmico e vital da celebração litúrgica condiciona a finalidade tanto da ciência litúrgica como da formação litúrgica.

“Toda iniciativa para aprofundar a fé cristã deverá ter a liturgia como um de seus aspectos e dimensões fundamentais. A liturgia é fonte e ápice da vida da Igreja” (cf. SC 10).

A formação litúrgica é uma das condições fundamentais para a renovação e vivência mais profunda da liturgia. O ensino de liturgia é apenas uma parte, embora importante, do processo de formação litúrgica. A ciência litúrgica como formação acadêmica deve orientar-se para a formação integral dos fiéis. Porém, a Formação Litúrgica não é privilégio de alguns, ou não pode ser. A Formação desejada pelo Concílio Vaticano II deve chegar a todos os membros do Povo de Deus, embora seja um dever para os candidatos ao sacerdócio ministerial (cf. SC 19, PO 5).

2. A necessidade da Formação Litúrgica

A Formação Litúrgica é um dos objetivos permanente da renovação da liturgia. Já em 1947, o papa Pio XII na encíclica Mediator Dei recomendava a formação litúrgica dos jovens candidatos ao sacerdócio ministerial.

Porém, foi o Concílio Vaticano II que fez da Formação Litúrgica um pressuposto para a participação plena na liturgia e objetivo da reforma e renovação litúrgica (cf. SC 14-19). Também as Instruções Inter Oecomenici de 1964 (cf. 5, 11-17) e Musicam Sacram de 1967 (cf. 52), fazem referência a necessidade de formação litúrgica do clero.

Em 1979 a Congregação para a Educação Católica publicou uma importante Instrução sobre a Formação Litúrgica nos seminários. Porém, constatou-se que nos últimos anos uma das lacunas na aplicação da renovação litúrgica do Concílio Vaticano II foi exatamente a Formação Litúrgica tanto do clero como dos fiéis.

A Renovação Litúrgica foi o fruto mais visível do Concílio Vaticano II e, de modo geral, foi bem aceita. Esta renovação não visa apenas mudanças externas nos ritos e textos, mas principalmente a participação plena, consciente e ativa da comunidade celebrante no mistério pascal de Cristo. Porém, ainda resta fazer a renovação da mentalidade. Uma renovação que permite penetrar no espírito proposto pelo Concílio. No fundo ainda falta levar o povo até o coração da liturgia, para viver em profundidade o mistério celebrado por ela.

Onde se promoveu a participação do povo na liturgia percebe-se seus frutos. Peça fundamental no incentivo do povo para participar de liturgia, evidentemente são os pastores e agentes bem formados. O que a renovação litúrgica propõe não é somente uma mudança nos ritos externos, mas de assegurar uma verdadeira experiência do mistério celebrado na liturgia.

“Cuidem, pois, os pastores que, além de se observar as exigências de validade e liceidade das celebrações, os fiéis participem da liturgia de maneira ativa e frutuosa, sabendo o que estão fazendo” (SC 11).

“A Igreja deseja ardentemente que todos os fiéis participem das celebrações de maneira consciente e ativa” (SC 14)

O papa João Paulo II, na Carta Apostólica Vicesimus Quintus Annus, na celebração dos 25 anos da constituição conciliar sobre a liturgia, afirma a necessidade urgente de uma formação bíblica e litúrgica do Povo de Deus. Esta formação deve ser dada a começar pelos Seminários, Casas Religiosas, na formação Permanente dos Padres e também aos leigos e leigas, enfim, a todo o Povo de Deus.

“A tarefa que se apresenta mais urgente é a da formação bíblica e litúrgica do povo de Deus: dos pastores e dos fiéis” (VQA, 15).

Continua o papa afirmando da Carta Apostólica, que é uma obra de grande amplitude e que deve durar a vida inteira. Isto para afirmar que a Formação Litúrgica é uma tarefa permanente, principalmente na vida dos padres e religiosos. Da formação dos padres depende a formação de todo o Povo de Deus.

3. O problema da Formação Litúrgica

Como vimos, é urgente a Formação Litúrgica tanto dos padres como também de todo o Povo de Deus. Esta questão tem levantado calorosas discussões nos cursos de graduação em Teologia. Uma das questões de fundo é: qual o lugar da formação litúrgica nos cursos de teologia? Infelizmente, muitas vezes a Ciência Litúrgica é vista em segundo plano.

Há uma séria preocupação para que os candidatos ao ministério ordenado, sejam verdadeiramente iniciados na vivência litúrgica. Em algumas faculdades isso já está mudando, dando maior espaço na grade curricular aos temas relacionados a liturgia. Porém, ainda falta muito a fazer. Visto que o problema já vem desde a catequese que não iniciam na vivência litúrgica.

Também em nossas comunidades percebe-se uma deficiência em relação a Formação Litúrgica de nossas equipes de Pastoral Litúrgica e de maneira geral de toda a comunidade. A Pastoral Litúrgica muitas vezes se preocupa mais com execução e pouca formação. Por isso tudo, nós que temos a oportunidade de estudar a liturgia nos tornamos multiplicadores.

4. O que é a Formação Litúrgica?

O que então é Formação Litúrgica? O que entendemos por Formação? O termo “formação” costuma designar uma ação que dá forma, plasma o caráter, a mentalidade, a atuação e o conhecimento de uma pessoa ou grupo. A formação pressupõe um processo de aprendizagem. A formação deve ser abordada como uma realidade que diz respeito à totalidade da pessoa (Gravissimum Educationis 2).
A formação deve conferir à pessoa uma “forma vital” unitária, que permita a pessoa explicitar e pôr em prática suas capacidades e potencialidades, ou seja, adquirir capacidade teórica para agir e assumir determinados comportamentos.

Neste sentido a Formação Litúrgica é um componente fundamental da formação da pessoa cristã na sua integralidade. As vezes a Formação Litúrgica é entendida apenas como intelectual, transmissão de conteúdos.

A Formação Litúrgica compreende aspectos científicos que podem ser assimilados pelo estudo, como qualquer outro tipo de conhecimento, mas permanece sempre algo que vai além desta possibilidade. Ou seja, antes de ser ciência, objeto de estudo, ela será sempre vivência celebrativa.

Por esse motivo, a Formação Litúrgica não pode ser apenas uma disciplina científica, mas antes de tudo uma experiência celebrativa. A Formação Litúrgica introduz as pessoas na vivência do mistério celebrado. Ela funda e anima a fazer da vida uma oferenda agradável a Deus através de uma participação plena, consciente e ativa na liturgia.

“A liturgia transforma-se assim em “fonte primeira e necessária na qual devem os fiéis beber para assimilar o espírito verdadeiramente cristão” (SC 14).

No processo de Formação Litúrgica deve haver um equilíbrio entre formação sistemática e formação para a ação. Deste modo, as celebrações litúrgicas são, como diz a SC, fonte primeira de iniciação no mistério de Cristo. Em outras palavras, antes de estudar sistematicamente a liturgia, deve-se vivê-la, experimentá-la.

A matéria da Formação Litúrgica é a própria celebração. A Formação Litúrgica não é privilégio de alguns. Todo fiel deve receber uma adequada formação. No caso dos pastores e responsáveis pela liturgia, a formação deve ter um caráter pedagógico e pastoral. A Formação Litúrgica constitui um direito de todo membro do Povo de Deus em razão de seu batismo. A Formação Litúrgica é parte essencial no processo de educação (iniciação) cristã.

5. A Formação Litúrgica nos Padres da Igreja (A Catequese Mistagógica)

A Catequese Mistagógica está sendo redescoberta nos dias de hoje. Este método era utilizado pelos Padres da Igreja nos primeiros séculos cristão. Podemos encontrar o método mistagógico nas Catequeses Mistagógicas de:

1. Santo Ambrósio,
2. São Cirilo de Jerusalém,
3. São João Crisóstomo,
4. Teodóro de Mopsuéstia, entre outros.

Mistagogia é o que os documentos e os papas chamam de iniciação ao mistério da salvação, ou seja, uma introdução progressiva e gradual na vida litúrgica da comunidade cristã. A catequese mistagógica não é uma simples doutrinação do iniciado, mas, uma experiência vital e concreta da iniciação na vida cristã em toda a sua realidade (fé, celebração, caridade, testemunho).

A palavra “mistagogia” vem da composição de duas palavras gregas: “myst” (mistério) e “ agogein” (conduzir, guiar). Literalmente significa: conduzir, guiar para dentro do mistério. Antes de tudo, é a própria liturgia que nos guia para dentro do mistério que celebramos. Ela nos leva à participação do mistério pascal de Cristo, nos insere neste mistério. Mistagogia quer conduzir os iniciados a viver inteiramente o dom recebido, o mistério da salvação.

A meta da catequese mistagógica é a comunhão com Cristo por meio de sua Palavra e da Eucaristia, o que acontece naturalmente no interior da liturgia, segundo o rito da celebração. Esta comunhão com o corpo do Senhor deve levar a participação na vida divina (o que chamamos de deificação).

Hoje se volta a estudar o método mistagógico, não para aplicá-lo tal qual como antes, mas para servir de inspiração e modelo à formação cristã em geral, na catequese, na liturgia e na própria teologia.

A Catequese Mistagógica nos oferece os elementos para entender, intuir o que acontece conosco na ação litúrgica. A Catequese Mistagógica consiste em abrir (ensinar) a mergulhar no mistério celebrado a partir dos sinais sensíveis. Ela nos ajuda na simbolização, nos guia na passagem do sinal material “significante” (objetos, gestos, leituras, ritos, etc.), para a realidade “significada” e realizada pelo sinal. Em outras palavras, nos leva para dentro, para o interior dos sinais e ritos, nos fazendo entrar em contato com o que significa, ou seja, com o próprio mistério celebrado.

Evidentemente que o lugar privilegiado para a Catequese Mistagógica é a própria liturgia, segundo o exemplo dos Padres da Igreja. Há três elementos no método mistagógico:

• A valorização dos sinais sacramentais (gestos, palavras, ritos);
• A interpretação dos ritos à luz da Sagrada Escritura;
• Abertura ao compromisso cristão e eclesial.

É necessário revalorizar a dimensão mistagógica da formação litúrgica. Não podemos permanecer na simples transmissão de conhecimentos, de noções sobre a liturgia. Se queremos de fato promover a participação ativa e consciente é preciso iniciar os fiéis na celebração litúrgica. Enquanto isso não for feito, continuaremos com a mera participação externa na liturgia.

6. Objetivos da Formação Litúrgica

A Formação Litúrgica significa aprofundar na própria realidade litúrgica. É um fato progressivo e permanente. Ela deve estar orientada para os seguintes objetivos: 1. objetivo Global ou Geral; 2. objetivo Eclesial; 3. objetivo Sacramental.

6.1. Objetivo Global

A Formação Litúrgica deve orientar-se para conferir a pessoa uma forma vital, unitária e equilibrada, ajudando-a a assumir o projeto de Jesus em sua vida. Ela não pode ser considerada como um componente isolado da formação cristã. Na vida cristã existem vários níveis: espiritual, religioso e sacramental. A Formação Litúrgica tenderá de preferência para o nível sacramental.

Porém não significa que a Formação Litúrgica deixará de considerar os demais níveis da vida cristã. O nível espiritual se manifesta na reflexão e meditação; o nível religioso é a abertura para o transcendente, sagrado; o nível sacramental realiza uma síntese dos anteriores na busca e abertura para Deus por meio da Palavra proclamada e da ação ritual.

6.2. Objetivo Eclesial

A Formação Litúrgica deve enfatizar que a grande mediadora entre Deus e os homens é a Igreja, a comunidade cristã (cf. LG 1). A liturgia por sua vez é uma ação eclesial – comunitária, de modo que seus participantes fazem parte de um Corpo, que é a Igreja. A Formação Litúrgica deverá educar para a consciência de pertença a Igreja.

Na celebração litúrgica o fiel deve sentir membro da comunidade – assembléia celebrante. Ao mesmo tempo que a Formação Litúrgica deve criar a consciência de pertença a comunidade, o fiel deverá saber que também faz parte de um povo maior – a Igreja Universal.
A Igreja é depositária de tudo o que se vive e celebra na ação litúrgica. Esta convicção garante a unidade e a comunhão. Por isso, a Formação Litúrgica deve ser fiel aos componentes essenciais da liturgia, onde se destaca o caráter eclesial da celebração litúrgica. A comunidade é uma das principais chaves da celebração (cf. SC 26-27, 41-42, 100).

6.3. Objetivo Sacramental

Na liturgia os ritos, gestos e símbolos ocupam uma parte importante, própria da natureza da ação litúrgica. Quem participa da celebração deve estar iniciado na compreensão do significado do símbolo, do rito e do gesto litúrgico. A expressão simbólica e ritual não é um elemento peculiar da liturgia, mas faz parte da própria realidade existencial humana.

A celebração está cheia de gestos que correspondem à dimensão corporal do homem. Isto exige uma iniciação na compreensão da gestualidade e ritualidade litúrgica, e nos diferentes gestos e ritos na liturgia. A Formação Litúrgica deve cuidar da educação para a expressão corporal e para o comportamento ritual, pois gestos e ritos tornam externos atitudes internas.

7. Características da Formação Litúrgica

7.1. Formação Litúrgica Unitária

A Formação Litúrgica tem como tarefa articular a pessoa do aluno em sua situação concreta e o mistério de Cristo presente e atuante na celebração. A pessoa deverá amadurecer em si uma unidade profunda entre liturgia e oração pessoal, entre momento celebrativo e caráter cotidiano. Em outras palavras, quem participa da liturgia é a pessoa na sua totalidade do ser, com sua vida e seu mundo.

A Formação Litúrgica deverá provocar na pessoa uma sincera e total adesão ao Pai, por meio de Jesus Cristo, impulsionado pelo Espírito. Deve considerar que tem diante de si pessoas concretas, com sua realidade. O ponto de partida da é que a própria pessoa que está sendo formada é protagonista da sua formação.

Na Formação Litúrgica o mistério de Cristo deve ser apresentado de maneira sintética e global. Uma visão unitária do mistério de Cristo parte tanto da realização histórica da salvação, como da centralidade da Páscoa de Jesus na história da salvação – tudo tem seu centro no mistério pascal de Cristo. A Formação Litúrgica tem que articular estes dois pólos: o homem em sua realidade concreta de vida e o mistério pascal presente na ação litúrgica.

7.2. Formação Litúrgica adaptada a pessoa

A Formação Litúrgica deve centrar-se antes na pessoa e no sentido dos ritos do que nas formalidades e aspectos estéticos da celebração. Deve levar em conta o processo de desenvolvimento da personalidade cristã de cada pessoa (idade, nível de fé, situação eclesial, etc.).

“Com empenho e paciência procurem os pastores de almas a instrução litúrgica e também promovam a ativa participação interna e externa dos fiéis, segundo a idade, condição, gênero de vida e grau de cultura religiosa” (SC 19).

A Formação Litúrgica não pode apenas referir-se as ações litúrgicas, mas deve orientar e inspirar a vida espiritual. A iniciação na vida litúrgica deve começar no âmbito familiar, continuando depois na catequese comunitária. Por outro lado, os diferentes níveis de fé exigem uma cuidadosa preparação da liturgia e dos que irão dela participar. É preciso formar liturgicamente os fiéis.

Embora a liturgia não deve ser entendida como catequese, ela é um lugar privilegiado para os fiéis receber uma boa formação. No fundo, para a maioria dos cristãos, o momento celebrativo é o espaço que possuem para receber devidas instruções tanto para melhor celebrar como para viver no cotidiano o Projeto de Jesus.

7.3. Formação Litúrgica Mistagógica

Embora já tenhamos falado da Formação Litúrgica mistagógica, daremos mais um espaço á este modelo catequético. Como vimos, mistagogia significa levar os iniciados a viver o mistério da salvação, de modo particular presente na celebração litúrgica. A ação mistagógica é a característica mais significativa da ação litúrgica enquanto ação comunitária. A mistagogia transcende a finalidade meramente educacional, e atende ao objetivo essencial da liturgia.

Ela é mais do que um conjunto de instrumentos e elementos pedagógicos, é a própria ação celebrativa, que nos introduz, nos insere no mistério celebrado. A mistagogia visa formar a partir da própria celebração litúrgica, a partir do rito. Na prática vem a ser o modo pleno de celebrar a liturgia.

Existem apoios que ajudam neste modo pleno de celebrar que configura uma espiritualidade e um estilo de vida. São eles:

1. A comunidade – assembléia litúrgica;
2. O bispo – mistagogo por excelência;
3. A Escritura – Palavra celebrada;
4. A oração e o gesto litúrgico.

8. A Ciência Litúrgica

Depois de percorrermos o tema da Formação Litúrgica, creio ser importante refletirmos sobre o que vem a ser a Ciência Litúrgica. Isso porque no nosso caso, queremos nos formar na Ciência Litúrgica. Porém não vamos aprofundar muito o tema. Uma importante indicação é o texto de Ione Buyst: Como estudar Liturgia (1990), citado na bibliografia básica.

8.1. O que significa fazer Ciência Litúrgica

Ciência é um termo que vem do latim e significa: saber, conhecer, aprender. Podemos interpretar o “conhecer” como “saber fazer”. Conhecer a liturgia, saber liturgia significa “saber fazer” a liturgia, saber celebrá-la. Este saber fazer diz respeito ainda à dimensão teológico-pastoral e mistagógica da liturgia. Trata-se de saber fazer, organizar, preparar e celebrar a liturgia de modo que introduza a pessoa no mistério celebrado.

Este tipo de “saber fazer” com seus aspectos técnicos, estéticos, teológicos, pastorais e mistagógicos, não é o tipo que chamamos de científico, mas como habilidade ou arte. Mais então o que é Ciência Litúrgica? O que é conhecer cientificamente a liturgia?

“A Ciência Litúrgica trata-se de fazer um estudo planejado, ordenado e crítico da liturgia, dos vários tipos e formas celebrativas, elementos, estrutura, dinâmica, etc.”.

Trata-se ainda de aprender o sentido da liturgia como um todo e de cada uma de suas partes. A Ciência Litúrgica é aquisição de um saber, aperfeiçoamento de uma metodologia para se obter este saber e a elaboração de uma norma. Porém, temos que considerar que nenhuma teoria é capaz de esgotar todo o sentido da liturgia.

Entre as várias disciplinas teológicas, a Ciência Litúrgica tem um papel específico, ditado pela especificidade da própria liturgia. Ela não se limita a conhecer a liturgia como está sendo celebrada, tem preocupação com a renovação da liturgia, de modo que a Igreja se realize melhor em sua liturgia. Porém, a Ciência Litúrgica não pode ser confundida com a liturgia nem com a pastoral litúrgica.

A liturgia ou prática celebrativa é a celebração do mistério da salvação através de ação ritual. É realizada pelo liturgo, ou seja, pelo povo celebrante. A pastoral litúrgica trabalha com elementos rituais, pedagógicos e organizacionais. Ela é realizada pelos agentes de pastoral. A teologia litúrgico-pastoral acompanha criticamente, sistematiza e teoriza sobre a celebração. É feita pelo pastoralista.

A Ciência Litúrgica acompanha criticamente a vida e a pastoral litúrgica. Realiza pesquisas, sistematiza e teoriza sobre elas, tendo com referência fundamental o dado da Tradição, estabelecendo critérios teológicos para a pastoral e para a celebração. É realizada pelo liturgista.

A Ciência Litúrgica trabalha com categorias, leis e teorias. Deve elaborar métodos e técnicas de abordagem e verificação. Não trabalha diretamente com o fenômeno, com o objeto real, mas com o objeto científico.

9. A modo de Conclusão

Estamos iniciando um Curso de Teologia Litúrgica. É importante concentrarmos nosso aprendizado em vista de uma melhor participação no mistério celebrado, e depois, nos tornamos formadores de comunidades celebrantes conscientes.

Tudo que aprendermos em nosso curso não pode ficar guardado para nós mesmos, tem que ser compartilhado. É lógico que não faremos Ciência Litúrgica como tal, ela fica para os que se especializam em liturgia, mas queremos aprofundar a Teologia Litúrgica, para melhor compreender a liturgia da Igreja e ajudar nossas comunidades para participar plena, consciente, ativa e frutuosamente de nossas celebrações.

O mais importante é celebrar bem. Não adiante conhecermos as leis, normas da liturgia se não participamos dela. A Formação Litúrgica é condição indispensável para a renovação da vida cristã na Igreja, impulsionada pelo Vaticano II. João Paulo II nos convida, pastores e fiéis, a adquirir esta formação, que com certeza será garantia de uma vida litúrgica mais frutuosa para a Igreja.

Esta formação compreende vários aspectos: conhecimento da liturgia, vivência espiritual e atuação prática. Estes três elementos devem estar presentes na Formação Litúrgica de pastores e fiéis. Na sua globalidade, a Formação Litúrgica será o melhor meio de encontrar na liturgia a fonte de espiritualidade cristã.



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BIBLIOGRAFIA BÁSICA:

MARTÍN, Julián López. No Espírito e na verdade: introdução antropológica à liturgia. Vol. 2. Petrópolis: Vozes, 1997, pp. 299-326.

BUYST, Ione. Como estudar Liturgia. São Paulo: Paulus, 2007.

PETRAZZINI, Maria Luísa. Formação Litúrgica. In: TRIACCA, A. M. e SARTORE, D. Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulinas, 1992, pp. 480-495.

A Sacramentalidade da Liturgia

Pe. Cristiano Marmelo Pinto

1. Introdução

Ao refletirmos sobre a sacramentalidade da liturgia, não queremos estudar os sacramentos em particular, mas buscar compreender o que os leva a ser um sacramento. Segundo D. Borobio, o conceito de sacramento deve ser deduzido da própria experiência celebrativa do mesmo. Os sete sacramentos estão inseridos numa realidade sacramental que vai além do septenário sacramental.

Para estudar a sacramentalidade da liturgia deve-se unir liturgia e sacramentologia fundamental, partir da realidade dada e da experiência celebrativa. Deste modo não corre-se o risco de considerar comum o que é particular, ou submeter a um conceito aprioristico o que é experiência plural e concreta.

A sacramentalidade da liturgia deve ser tratada levando em conta quatro elementos:

1. O Organismo sacramental pleno, ou seja, tentar situar os sacramentos no contexto da realidade sacramental total, o sacramento visto a partir de Deus e de seu plano;
2. O homem e os sacramentos, situando os sacramentos na ordem dos símbolos, a partir da natureza simbólica do homem, ou seja, o sacramento visto a partir do homem;
3. A origem, a diversidade e a estrutura dos sacramentos, ou seja, ver os sacramentos a partir da sacramentalidade da Igreja;
4. Os sacramentos como encontro de graça e liberdade, procura-se compreender o como, o para que e o quando dos sacramentos. Sua eficácia simbólica e resposta de fé.

A Igreja deve se perguntar o que é, na verdade, um sacramento? Ele é uma realidade pluridimencional, comportando diversos elementos (Deus-homem-Igreja) e se realiza em diferentes contextos e situações (históricas, culturais e pastorais).

Embora a essência dos sacramentos continua a mesma, haverá sempre a exigência de uma interpretação conforme as circunstâncias dos diversos elementos.

Há diferentes razões para fazer uma nova síntese sacramental. As principais são:

1. Razão teológica: Deus é o mesmo, mas nem todos os homens crê da mesma forma;
2. Razão cristológica: Cristo é o centro dos sacramentos;
3. Razão pneumatológica: qual o lugar do Espírito Santo nos sacramentos e como se relacionam;
4. Razão eclesiológica: o conceito de sacramento depende do conceito de Igreja que temos;
5. Razão escatológica: os sacramentos são a celebração do “já” e do “ainda não” – dimensão escatológica dos sacramentos;
6. Razão antropológica: leitura antropológica dos sacramentos, sua origem, diversificação e eficácia;
7. Razão sociocultural: o sacramento é sempre celebrado a partir de uma realidade concreta;
8. Razão pastoral: a pastoral sacramental é decisiva na vida da Igreja.

2. Realidades sacramentais e dimensões do sacramento

Por muito tempo o conceito de sacramento ficou restrito aos sete sacramentos da Igreja ou aos ritos sacramentais.

Existem outros centros de sacramentalidade, não é nenhuma novidade. Nos doze primeiros séculos do cristianismo a palavra mistério – sacramento era empregada para designar diversas realidades, tais como Cristo, a Igreja, a Escritura, etc.

A fixação do septenário sacramental (os sete sacramentos) se dá a partir do Concílio de Trento e da controvérsia com os protestantes. A partir de então limita-se aos seguintes requisitos:

1. Instituição por Cristo;
2. Estrutura de forma e matéria;
3. Eficácia;
4. Intenção por parte do ministro e disposição do sujeito.

O Concílio Vaticano II utiliza o termo sacramento no sentido mais amplo, aplicando-o a Cristo, a Igreja, a Palavra, ao homem, ao cosmo, a história, etc. Trata-se de reconhecer a essência sacramental das diversas realidades, reconhecendo seus elementos comuns e diferentes.

Esta visão parte do conceito mais amplo de sacramento, que significa a manifestação da visibilidade histórica do dom invisível da graça de Deus.

A história da salvação é história humana enquanto plena da presença de Deus e suas intervenções, tendo como ápice a encarnação de Jesus Cristo. O que dá a estrutura sacramental a história é o estar de Deus nela. Cristo, por sua encarnação é o ponto culminante da sacramentalidade da história. Os sacramentos atualizam, realizam a história da salvação na Igreja.

3. Cristo, sacramento original

A fonte, o sentido e o centro da sacramentalidade é Cristo. Ele entra na história como sinal-sacramento. Cristo é sacramento porque a salvação tomou figura humana e se manifestou visivelmente.

A presença de Cristo na história não é um acréscimo a presença pré-existente de Deus na história, mas ponto culminante. A encarnação é a sacramentalização radical da presença de Deus na história humana.

Cristo é o “proto-sacramento”, ou seja, o sacramento original, que torna visível o amor e a graça de Deus. Ele é a origem, o sentido e o centro da sacramentalidade.

4. A Igreja como sacramento principal e o homem como sacramento existencial

Cristo é a única origem dos sacramentos, mas precisa de um prolongamento na história. A Igreja é esse prolongamento. Ela é sinal-sacramental da graça redentora. Por ser o sacramento principal, a Igreja revela a dimensão eclesial dos sacramentos.

No homem há também uma realidade sacramental. Ele é sinal-sacramental de Deus e de Cristo. Foi criado a imagem e semelhança de Deus. Por isso, todo homem, pelo fato de existir é sinal, imagem de Deus.

O homem é chamado a tornar Deus presente no mundo e a colaborar com ele na obra da criação. Portanto, todo homem, batizado ou não, é sacramento de Cristo.

Jesus Cristo, com sua encarnação, assumiu a natureza humana, fazendo de todo homem um sinal privilegiado seu. Cristo potencializou a imagem de Deus no homem. Por isso, podemos dizer que onde há uma existência humana, há igualmente a presença de Deus. Mesmo não havendo fé, há uma existência não explícita da graça de Deus. O que a Igreja nos oferece de forma explícita nos sacramentos, já está de forma implícita na existência humana.

O cristão por sua vez é sinal-sacramental de Cristo e da Igreja. Tudo o que foi dito sobre a existência humana, é aplicado de modo rígido ao cristão. Ele, o cristão, vive sua sacramentalidade de forma eclesial, no interior da comunidade dos crentes. O cristão é sacramento de Cristo e da Igreja ao mesmo tempo.

5. Os sacramentos da Igreja como concentração simbólica de uma sacramentalidade plural

Os sacramentos da Igreja concentram tudo o que foi dito até agora. Para D. Borobio os sacramentos só são explicados se neles se integram diversas realidades e dimensões sacramentais.

O Concílio Vaticano II avançou na síntese em que palavra e sinal são dois aspectos integrantes e necessários dos sacramentos.

Os sacramentos como concentração simbólica deve ter um caráter sensível e visível. Esta compreensão dos sacramentos enquanto sinal sensível tem seu ponto de partida de renovação no movimento litúrgico e da sacramentologia geral.

A estrutura dos setes sacramentos, de toda a Igreja, é a própria estrutura da história da salvação. Essa estrutura sacramental manifesta e presentifica o mistério invisível de Deus.

6. O caráter simbólico da sacramentalidade

Não há uma noção uniforme de símbolo. Etimologicamente a palavra símbolo – simbólico vem do grego e significa por algo em relação, juntar, unir, articular, etc.

As diversas ciências, tais como a psicologia, a filosofia, a teologia, a semiótica, entre outras, contribuem destacando diversos aspectos do símbolo. O símbolo é uma realidade humana, de ordem externa e visível, que tem uma função mediadora e comunicadora ao remeter ao que é simbolizado.

Como já vimos, a história da salvação tem uma estrutura sacramental. É através dessa estrutura é que se explica a diversidade de realidades simbólicas.

Tudo o que se diz do símbolo pode-se dizer do sacramento. O sacramento é uma imagem ou símbolo eficaz a medida que significa o que é significado. O símbolo é um signo – sinal no qual o significado torna-se presente pela referência simbólica. A essência dos sacramentos consiste em mostrar, expressar, revelar... o seu significado.

D. Borobio assim descreve a liturgia e os sacramentos:

Devemos entender a liturgia e os sacramentos como a expressão simbólica de Deus, da Igreja e do homem. E isso porque Deus, a Igreja e o homem são realidades simbólico-sacramentais e, enquanto tais, precisam expressar-se e se expressam pelos símbolos sacramentais que fazem parte de sua realidade e a ela remetem (p. 337).

Os sacramentos são expressões simbólicas das situações fundamentais da vida humana. Essas situações são: nascimento, morte, responsabilidade, doença, pecado, escolha, etc. Dentro dessas situações fundamentais da vida, os sacramentos são ponto de partida para um novo futuro.

7. Origem, diversidade e estrutura do sinal sacramental

Os sacramentos tendo sua origem e fundamento em Cristo, sua diversidade entende-se a partir da Igreja. Sua estrutura encontra-se em Cristo, mas a determinação dessa estrutura é compreendida mediante a explicação histórica da Igreja.

A instituição dos sacramentos deve ser explicada a partir da Escritura. Sua origem deve compreender-se a partir do mistério salvífico de Cristo, os sacramentos não podem ter outra origem senão Cristo.

A própria Igreja, embora seja a primeira sacramentalização, precisa de um desdobramento sacramental (por exemplo os sete sacramentos). O mistério pascal não é origem somente da Igreja, mas também dos sinais sacramentais.

O sacramento tem uma estrutura de aliança, ou seja, dialogal, de encontro inter-pessoal, de inter-relação comunicativa entre Deus e o homem. Possui uma estrutura mais dinâmica, ou seja, entende-se o sacramento como processo e movimento, e não somente como ato celebrativo.

8. Eficácia e graça sacramental

A questão da eficácia sacramental é importante, visto que estão envolvidos a verdade, a plenitude, o efeito e o fruto do sacramento. As celebrações dos sacramentos s]ao salvíficas, atualizadoras do mistério, santificadoras e eficazes.

Tomas de Aquino pensa os sacramentos como sinais eficazes de graça, porque significa, contém a graça e causam a santificação. Trento não entra na questão da eficácia u causalidade dos sacramentos, procura apenas corrigir alguns erros.

A expressão “graça sacramental” surge na escolástica. É considerada como um elemento constitutivo da estrutura do sacramento, que indica sua meta, objetivo. Para Tomas de Aquino, graça sacramental é a graça produzida pelo sacramento. Para E. Schillebeeckx é a graça santificadora. Sua centralidade é o mistério pascal de Cristo.

A centralidade do mistério pascal na graça sacramental significa que sendo presença e atualização da história da salvação, os sacramentos são de igual modo, presença e atualização do centro da história da salvação: o mistério pascal de Cristo.

A graça sacramental é pascal e pneumatológica, ou seja, é também ação do Espírito Santo.

9. O caráter sacramental

A doutrina tradicional da Igreja fala de dois efeitos da graça sacramental: o caráter sacramental (sacramentum et res) e a graça sacramental (res tantum). Trento afirma que caráter é um sinal espiritual e indelével que se imprime no batismo, na confirmação e na ordem.

O termo “character” procede da cultura profana antiga e significa sinal de reconhecimento, de distinção, de pertinência ou propriedade. Ser marcado significa começar a fazer parte, pertencer a um grupo, a uma comunidade determinada.

Será no decorrer do século XII que vai se firmando e organizando a doutrina do caráter como algo irrepetível e permanente, principalmente em relação ao batismo. O Concílio Vaticano II irá situar a questão do caráter dentro de uma nova eclesiologia e pneumatologia.

10. A resposta de fé como elemento constitutivo do sacramento

Na ação sacramental são dois os sujeitos que intervem de maneira direta: o ministro e o sujeito.

Quanto ao ministro, a verdade santificadora do sacramento parte de Deus, sua origem. O ministro só tem o poder de administrar os sacramentos, mas não de conceder a graça. Quanto a intenção do ministro exige-se que seja a intenção da Igreja. O Concílio Vaticano II vai falar do ministro como presidente e não com administrador.

A validade do sacramento não está vinculada ao ministro. A função do ministro é de serviço. Ela é necessária a ação sacramental pois, os sacramentos tem uma estrutura ministerial.

O fato do sujeito ter que participar com sua fé dos sacramentos, sempre foi uma verdade para a Igreja. Mas foi o Concílio Vaticano II quem recuperou o lugar do sujeito nos sacramentos.

Os sacramentos destinam-se a santificação dos homens. Eles não só supõem, mas também a alimentam e a exprimem. A fé e o homem é parte constitutiva do sacramento. A fé pessoal é elemento constitutivo e necessário para a plenitude do sacramento.

11. Conclusão

O batismo é o sacramento que sela a primeira fé, a conversão primeira, ou seja, a opção por Jesus Cristo e a sua salvação. A fé que se expressa no sacramento é a própria fé vivida. A fé sacramental não é apenas a fé batismal, é também a fé vivida.

A fé precisa ser celebrada para afirmar-se. Só quem vive pode celebrar e só quem celebra pode viver. Essa fé batismal vivida deve ser fé eclesial, ou seja, deve coincidir com a fé da Igreja.

A fé do sacramento deve ser uma fé pessoal, ou seja, quem recebe o sacramento deve ser uma pessoal fiel, que vive a sua fé batismal em sintonia com a fé da Igreja.

O sacramento só pode realizar-se quando há um livre acordo entre Deus que oferece gratuitamente, e o homem que acolhe livremente. O risco de Deus é a liberdade do homem, pois o exercício da liberdade é parte fundamental do sacramento.

Deus está sempre presente no sacramento. Sua ação é absolutamente livre e gratuita. Mas o homem é chamado para colaborar na ação sacramental e participar dela. A fé é ao mesmo tempo um ato do homem e uma dádiva de Deus.

Por outro lado, pode-se dizer que a resposta de fé da Igreja e do homem é a possibilidade de realização da graça de Deus no sacramento.


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Bibliografia:

BOROBIO, Dionísio. Da Celebração à teologia: que é um sacramento? In: BOROBIO, D. (org.). A Celebração na Igreja I: Liturgia e sacramentologia fundamental. São Paulo: Loyola, 1990, pp. 283-424.

FERNÁNDEZ, Conrado. A Sacramentalidade da Liturgia. In: CELAM. Manual de Liturgia II. São Paulo: Paulus, 2005, pp. 85-110.

DA SILVA, José Ariovaldo. Sacramentalidade da Liturgia. In: COSTA, Paulo Cezar (org.). Sacramentos e Evangelização. São Paulo: Loyola, 2004, pp. 13-31.