sexta-feira, 4 de março de 2011

O TEMPO COMUM


Fernando Silva
Revista Celebração Litúrgica - Portugal

«A santa mãe Igreja considera seu dever celebrar, em determinados dias do ano, a memória sagrada da obra de salvação do seu divino Esposo. Em cada semana, no dia a que chamou domingo, celebra a da Ressurreição do Senhor, como a celebra também uma vez no ano na Páscoa, a maior das solenidades, unida à memória da sua Paixão.» (CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II, Const. Sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, nº 102).

Na verdade, a Igreja distribui todo o mistério de Cristo pelo ano, da Incarnação e Nascimento à Ascensão, ao Pentecostes, à expectativa da feliz esperança e da vinda do Senhor. Com esta recordação dos mistérios da Redenção, a Igreja oferece aos fiéis as riquezas das obras e merecimentos do seu Senhor, a ponto de os tornar como que presentes a todo o tempo, para que os fiéis, em contacto com eles, se encham de graça.

Nunca será demasiado sublinhar que, ao celebrarmos um mistério na Liturgia, vencemos a distância do tempo e do espaço, de tal modo que participamos verdadeiramente nesse acontecimento salvífico, participando das suas graças. Não se trata, pois, de uma simples comemoração ou evocação.

Há, pois, na vida litúrgica da Igreja, à semelhança do que acontece numa família, festas com importância de diversos graus, e há, com predomínio, o tempo comum. Naquelas saímos do ritmo habitual e tranqüilo, da boa rotina de cada dia; neste, vivemos um período do Ano litúrgico de trinta e três ou trinta e quatro semanas nas quais celebramos, na sua globalidade, os Mistérios de Cristo. Comemora-se o próprio Mistério de Cristo na sua plenitude, principalmente aos domingos.

Tempo Comum e "tempos fortes"

Não se podem contrapor os chamados "tempos fortes" ao Tempo Comum, como se este tempo fosse um tempo fraco, inferior, ou de menor importância. É como que o tecido concreto da vida normal do cristão, fora das festas, e pode ver-se nele a comemoração da presença de Cristo na vida quotidiana e nos momentos simples da vida dos cristãos.

Duas fontes são importantes para a espiritualidade cristã e força do Tempo Comum: Os Domingos e os tempos fortes. O Tempo Comum pode ser vivido como prolongamento do respectivo tempo forte. Vejamos: a primeira parte do Tempo Comum, iniciada após a Epifania e o Baptismo de Jesus, constitui tempo de crescimento da vida nascida no Natal e manifestada na Epifania.

Esta vida para crescer e manifestar-se em plenitude e produzir frutos, necessita da acção do Espírito Santo que age no Baptismo do Senhor. A partir daqui Jesus começa a exercer seu poder messiânico. Também a Igreja: fecundada pelo Espírito ela produz frutos de boas obras.

A composição dos anos em "A", centrado em Mateus; "B", centrado em Marcos; "C", centrado em Lucas, com inserções de João presente nos diversos ciclos especiais, ajuda enormemente a magnitude do Tempo Comum.

No Tempo Comum temos algo semelhante ao recomeçar por volta do 9º Domingo, imediatamente depois de Pentecostes: a vida renasce na Páscoa e desenvolve-se através do Tempo Comum, depois de fecundado pelo Espírito em Pentecostes. A força do Mistério Pascal é vivida pela Igreja através dos Domingos durante o ano que amadurece os frutos de boas obras, preparando a vinda do Senhor.
O Tempo Comum é o período mais extenso do ano litúrgico: 33 - 34 semanas distribuídas entre a festa do Baptismo de Jesus até o começo da Quaresma e as outras semanas entre a segunda-feira depois de Pentecostes e o início do Advento.

O calendário do tempo comum

Começa logo após a festa do Baptismo do Senhor e interrompe-se na terça-feira antes da Quarta-feira de Cinzas, para recomeçar depois, na segunda-feira após Pentecostes e ir até o sábado antes do primeiro domingo do Advento.

A cor litúrgica deste tempo é a verde. É um tempo em que não se comemora nada de especial. Quando viajamos, a cor verde domina a paisagem: nos campos, na folhas das plantas. E mesmo quando há flores, a cor verde lá se encontra misturada, a lembrar-nos que a esperança, que a cor verde simboliza, deve de acompanhar-nos em toda a caminhada.

A esperança vive-se tendo em nossos planos a meta para onde nos dirigimos e a confiança de a alcançar. Faz parte desta esperança procurar orientação e alimento enquanto caminhamos, para que realizemos o nosso desejo. Acolhemos atentamente a Palavra de Deus e participamos nos Sacramentos.

Nesse período do Tempo Comum, após o Natal, o clima é de alegria e esperança, pois Cristo anunciou o seu reino de amor. A Igreja apresenta-nos Cristo na sua missão global, Deus e homem verdadeiro, convidando-nos para uma vida de santidade.

O Domingo

«A santa mãe Igreja considera seu dever celebrar, em determinados dias do ano, a memória sagrada da obra de salvação do seu divino Esposo. Em cada semana, no dia a que chamou domingo, celebra a da Ressurreição do Senhor, como a celebra também uma vez no ano na Páscoa, a maior das solenidades, unida à memória da sua Paixão.» (Const. Sacrosanctum Concilium, nº 102).

Ela Distribui todo o mistério de Cristo pelo correr do ano, da Incarnação e Nascimento à Ascensão, ao Pentecostes, à expectativa da feliz esperança e da vinda do Senhor. Com esta recordação dos mistérios da Redenção, a Igreja oferece aos fiéis as riquezas das obras e merecimentos do seu Senhor, a ponto de os tornar como que presentes a todo o tempo, para que os fiéis, em contacto com eles, se encham de graça.

Este tempo existe não para celebrar algum aspecto particular do mistério de Cristo mas para celebrá-lo em sua globalidade, especialmente em cada Domingo (cf. NALC 43: Normas gerais sobre o Ano litúrgico e o Calendário); durante este tempo se aprofunda e se assimila o mistério de Cristo que se insere na vida do povo de Deus para torná-la plenamente pascal.

O elemento principal e mais forte do Tempo Comum é o Domingo, que surgiu antes mesmo da celebração anual da Páscoa. Era o único elemento celebrativo no correr do ano: a grande celebração semanal do Mistério Pascal de Cristo. É, pois, um tempo marcadamente caracterizado pelo Domingo, quer pela teologia, quer pela espiritualidade.
Os meses temáticos do Ano Litúrgico não fazem parte do calendário e nunca as suas celebrações se sobrepõem às que estão contidas no Domingo.

Os meses Vocacional, da Bíblia, das Missões, a Campanha da Fraternidade e outras comemorações ajudam na madura adaptação e criatividade nas celebrações mas nunca são superiores à mística da liturgia dominical.

Todo o ano litúrgico gira em torno de um único mistério: a morte e ressurreição de Jesus em sua plenitidade. No tempo comum, como nos demais tempos litúrgicos, damos continuidade à celebração desse mistério de Cristo. Em cada domingo, fazemos memória dos relatos da vida pública de Jesus. Celebrando diferentes acontecimentos narrados na Sagradas Escrituras, vamos nos aproximando mais e mais do mistério de amor de Deus pela humanidade.
Tendo como ponto de referência a Páscoa, cada domingo é o fundamento e o núcleo do próprio ano litúrgico (SC 106). Até porque de acordo com o testemunho das Escrituras, a assembleia cristã de culto acontece no primeiro dia da semana (1 Cor 16,2; At 20,7).

«Por tradição apostólica, que nasceu do próprio dia da Ressurreição de Cristo, a Igreja celebra o mistério pascal todos os oito dias, no dia que bem se denomina dia do Senhor ou domingo. Neste dia devem os fiéis reunir-se para participarem na Eucaristia e ouvirem a palavra de Deus, e assim recordarem a Paixão, Ressurreição e glória do Senhor Jesus e darem graças a Deus que os «regenerou para uma esperança viva pela Ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos» (1 Pedr. 1,3). O domingo é, pois, o principal dia de festa a propor e inculcar no espírito dos fiéis; seja também o dia da alegria e do repouso. Não deve ser sacrificado a outras celebrações que não sejam de máxima importância, porque o domingo é o fundamento e o centro de todo o ano litúrgico.» (Const. Sacrosanctum Concilium, nº 102).

Falar do tempo comum, é, na verdade, ressaltar cada domingo como memorial da ressurreição. Reunindo-se no primeiro dia da semana para celebrar o Mistério Pascal, a comunidade expressa a essência da sua fé e a certeza de sua esperança. Por isso, o domingo é dia de festa primordial que deve ser lembrado e inculcado à piedade dos fiéis (SC 106).

Actualizando o mistério, a comunidade celebra sua própria ressurreição na vida nova que o Senhor lhe comunica, através da Palavra e do Sacramento do Sacrifício do seu corpo e Sangue. O primeiro dia da semana é também o oitavo (Sc 106) porque antecipa o último, a ressurreição definitiva, colocando-nos na tensão para o futuro do Reino e do retorno do Senhor.

A celebração das festas de Nossa Senhora

«Na celebração deste ciclo anual dos mistérios de Cristo, a santa Igreja venera com especial amor, porque indissoluvelmente unida à obra de salvação do seu Filho, a Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, em quem vê e exalta o mais excelso fruto da Redenção, em quem contempla, qual imagem puríssima, o que ela, toda ela, com alegria deseja e espera ser.» (Const. Sacrosanctum Concilium, nº 103).

Num ritmo que nos lembra a presença maternal de Maria na caminhada do tempo comum, o calendário litúrgico vai celebrando os grandes acontecimentos da sua vida. Não vem para aqui descrever como cada uma destas celebrações entrou na liturgia, mas sublinhar a missão importante que elas têm: Maria vai connosco a caminho, como a melhor das mães, para nos animar, dialogar connosco, ajudar nas dificuldades e encher de alegria e generosidade os nossos passos vacilantes. Maria revela o mistério de Cristo e da Igreja de maneira forte e eficaz. Seu culto não é algo paralelo e independente; está integrado ao Mistério Pascal; em Maria a Igreja vive o mistério de Cristo.

A celebração das festas dos santos

«A Igreja inseriu também no ciclo anual a memória dos Mártires e outros Santos, os quais, tendo pela graça multiforme de Deus atingido a perfeição e alcançado a salvação eterna, cantam hoje a Deus no céu o louvor perfeito e intercedem por nós. Ao celebrar o «dies natalis» (dia da morte) dos Santos, proclama o mistério pascal realizado na paixão e glorificação deles com Cristo, propõe aos fiéis os seus exemplos, que conduzem os homens ao Pai por Cristo, e implora pelos seus méritos as bênçãos de Deus.» (Const. Sacrosanctum Concilium, nº 104).

Durante o Ano Litúrgico o culto de Nossa Senhora e dos Santos é integrado na Liturgia, enriquecendo a participação dos fiéis. É claro que toda acção litúrgica é dirigida ao Pai, por Cristo, que é o centro. É sempre o Mistério Pascal que se conta e evidencia. Deus fez maravilhas através dos Santos e de Maria que depois do Senhor ocupa um especial lugar na vida da Igreja e em seu culto.
Cada celebração deve ter como centro a Santa Missa, possivelmente mais solenizada, partindo da Palavra de Deus para ajudar os fiéis a compreenderem que neles celebramos o triunfo de Cristo ressuscitado, sendo animados a imitá-los.

Dentro destes parâmetros se deve desenrolar toda a alegria cristã das nossas festas, de tal modo que nos aproximem de Cristo. A alegria só tem sentido quando se manifesta como haurida desta Fonte inesgotável.

Realizar festas pagãs sob a capa do nome de um santo não faz sentido.
É necessária uma acção esclarecida e corajosa dos fiéis para inverterem um movimento que via destruindo a verdadeiro sentido das festas dos santos. Os primeiros cristãos foram capazes de cristianizar muitas das festas pagãs. Hoje devemos conservar este património e dá-lo a conhecer.
Com um pouco de imaginação e generosidade, muitas iniciativas podem ser tomadas para fazer frente a esta onda avassaladora de paganismo. Podemos e devemos perguntar: os jovens das nossas comunidades paroquiais (Corpo Nacional de Escutas e outras associações juvenis), que são capazes de organizar uma festa de campo, serão capazes também de organizar e executar um programa que, sem deixar de ser alegre divertimento, se integrem perfeitamente na vivência das festas dos santos?

O Canto Litúrgico no Tempo Comum

«Dentro do Ano Litúrgico, o Tempo Comum ocupa grande parte dos domingos e semanas. São 34 domingos do Tempo Comum. Quando falamos em “comum” não significa que não tenha importância. No Tempo Comum celebramos outros aspectos da vida e da missão de Cristo e seus discípulos. Cada domingo do Tempo Comum celebra-se a Páscoa semanal dos cristãos. Neste tempo celebramos algumas festas importantes: Apresentação do Senhor. Santíssima Trindade; Corpus Christi; Sagrado Coração de Jesus; a Transfiguração; Exaltação da Santa Cruz, Finados, Todos os Santos e outras festas em honra a Nossa Senhora e aos santos, etc. Os cantos litúrgicos no Tempo Comum vão nos ajudar a vivenciar a totalidade do Mistério de Cristo. Para que não cometamos erros, é necessário observar algumas regras.

1. Os cantos devem expressar a realidade celebrada – o Mistério. Este mistério se desdobra nas passagens da Sagrada Escritura ao longo do Ano Litúrgico.
2. Dar atenção a função ritual de cada canto em seus momentos específicos.
3. Ser fiel as características próprias do tempo litúrgico e da festa celebrada.

Vale lembrar a orientação dos Documentos da Igreja. Não é por que o tempo é “comum” que posso colocar qualquer canto na liturgia. Ele deve estar em sintonia com o que celebramos. Ele é parte integrante da liturgia. Está a serviço da acção ritual. Não cabe aqui cantos que possam levar ao subjetivismo, ao intimismo religioso. Celebrar é sempre uma acção comunitária, nunca individual. É conveniente registrar uma palavrinha a respeito dos meses temáticos. Em alguns meses do ano a Igreja nos convida a reflectirmos sobre um determinado tema. Temos assim o Mês de Maria; o Mês Vocacional; o Mês Missionário, etc. Isto não significa que os cantos devam necessariamente tratar destes temas. Lembre, os cantos devem aludir ao Mistério celebrado. Deste modo, no mês de Maria não se deve cantar cantos de Nossa Senhora, ou missas completas. O importante é cantar o Mistério que a liturgia do dia nos propõe. Por fim, vale lembrar que mesmo celebrando Nossa Senhora e os Santos no decorrer do Ano Litúrgico, sempre se evoca a acção redentora do Senhor Jesus em Maria e nos Santos. É a obra do Senhor que celebramos e cantamos não a pessoa dos santos e de Maria.»(PE. CRISTIANO MARMELO PINTO).

O Concílio enaltece a contribuição do canto Litúrgico para o enriquecimento duma celebração:
«A tradição musical da Igreja é um tesouro de inestimável valor, que excede todas as outras expressões de arte, sobretudo porque o canto sagrado, intimamente unido com o texto, constitui parte necessária ou integrante da Liturgia solene.
Não cessam de a enaltecer, quer a Sagrada Escritura (42), quer os Santos Padres e os Romanos Pontífices, que ainda recentemente, a começar em S. Pio X, vincaram com mais insistência a função ministerial da música sacra no culto divino.

A música sacra será, por isso, tanto mais santa quanto mais intimamente unida estiver à acção litúrgica, quer como expressão delicada da oração, quer como factor de comunhão, quer como elemento de maior solenidade nas funções sagradas. A Igreja aprova e aceita no culto divino todas as formas autênticas de arte, desde que dotadas das qualidades requeridas.

O sagrado Concílio, fiel às normas e determinações da tradição e disciplina da Igreja, e não perdendo de vista o fim da música sacra, que é a glória de Deus e a santificação dos fiéis, estabelece o seguinte:
A acção litúrgica reveste-se de maior nobreza quando é celebrada de modo solene com canto, com a presença dos ministros sagrados e a participação activa do povo.» (Const. Sacrosanctum Concilium, nº 112 e 113).

Nem sempre é fácil dar corpo a estas recomendações, mas vale a pena tentá-lo gradualmente, para que também o canto se integre no mistério celebrado, em vez de nos distrair dele, como, por vezes, pode acontecer.

Em suma: cada celebração da liturgia tem de ser cuidadosamente preparada, sem improvisações, para que nos ajude nesta caminhada do tempo comum.


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