terça-feira, 2 de abril de 2019


O SACERDOTE:
SUA CRUZ, INCOMPREENSÕES E FIDELIDADE

São João Maria Vianney, presbítero e padroeiro dos padres foi um homem que se destacou pela simplicidade e pelo zelo pastoral. O Senhor disse: "Eu vos darei pastores segundo o meu coração, que vos conduza com inteligência e sabedoria" (Jr 3,15). São João Maria Vianney certamente foi um desses. É dele aquela frase que diz: "O sacerdote é o amor do Coração de Jesus".

Ele também diz que: "O sacerdote só será bem compreendido no céu. Se o compreendêssemos na terra, morreríamos, não de pavor, mais de amor". De fato, o mistério do sacerdócio é tão grande que dificilmente alguém conseguirá compreendê-lo. E se o compreendesse, certamente os que amam seus sacerdotes o amariam mais, e os que odeiam, odiariam menos.

Por outro lado, não devemos condicionar o ministério sacerdotal baseado na compreensão ou no reconhecimento. Não nos cabe este mérito. Cabe-nos tão somente cumprir nossa missão, ora doce, ora amarga. E no grande leque dos fiéis, haverá sempre os que nos amarão e os que nos odiarão.

Todos os que se dispõe a seguir Jesus Cristo tem a sua cruz. Ele mesmo foi quem disse que: "Todo aquele que não carrega a sua própria cruz e segue após mim não pode ser meu discípulo" (Lc 14,27). Todos nós temos as nossas cruzes. Talvez uma delas na vida de cada sacerdote seja a de caminhar nesta vida, exercer seu ministério sem ser compreendido. É por isso que Jesus diz que devemos renunciar a nós mesmo (cf. Mc 8,34; Lc 9,23).

Dentro deste contexto, o evangelho de Mt 16,13-23 é extremamente didático para o caminho espiritual e ministerial dos sacerdotes. Jesus está conversando com seus discípulos e quer tirar a prova dos nove acerca de algumas coisas. Primeiro pergunta o que dizem sobre Ele. A resposta é frustrante, mas, creio que esperada, visto que muitos faziam confusão a respeito d'Ele, de sua pessoa e de seu ministério. Diziam que era João, Elias, Jeremias ou outro profeta qualquer (cf. Mt 16,14). Mas Jesus é pedagógico e quer saber na verdade o que seus discípulos pensam sobre Ele. No fundo esta é uma situação humana. Todos nós a certo ponto gostaríamos de saber o que os outros pensam da gente. Isto revela o grau de envolvimento, de comprometimento. Então resolve perguntar o que eles, seus discípulos, pensam sobre Jesus. Pedro responde: "Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo" (Mt 16,16). E Jesus surpreende revelando que Pedro não o conhece porque um ser humano o revelou, mas o próprio Pai (cf. Mt 16,17). É claro que Pedro não teve uma revelação divina a respeito de quem é Jesus, nem mesmo o Pai apareceu para ele e disse. Mas sua resposta brotou de uma experiência pessoal e profunda com Jesus que o fez conhecê-lo plenamente. E isto deu a Pedro a convicção de que Jesus é o Messias, o Filho de Deus e de quem ele estava seguindo.

Após dar a Pedro um encargo sobre a Igreja, Jesus manda que seus discípulos não revelassem para outros quem Ele é. Ao dar esta ordem, Jesus deixa claro que cada um deve fazer a sua experiência pessoal com Ele e não acreditar porque outro falou. Nós apenas devemos apontar para Jesus, mostrar o caminho que leva a Ele. Mas cada um deve dar os seus próprios passos em direção a Jesus. Isto é pessoal. Não podemos forçar, muito menos carregar alguém até Ele.

Na vida de cada sacerdote esta convicção é extremamente necessária. É preciso que nós façamos por primeiro a experiência de encontro com Jesus para que dela nasça a convicção de nossa vocação, de nosso ministério. Só assim, seja pelo que os outros dizem, seja pelas adversidades encontradas no exercício do ministério sacerdotal, nos manteremos sempre fixos na meta, não se desviando e nem desanimando.

É necessário notar que, logo em seguida, Jesus fala aos discípulos do seu sofrimento. De como Ele haveria de sofrer nas mãos dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos mestres da lei (cf. Mt 16,21). Pedro o chama de lado e o repreende na tentativa de afastar d'Ele tal destino. Jesus o manda se afastar, chamando-o de satanás. E diz que Pedro não pensa as coisas de Deus, mas sim as coisas dos homens, e o chama de pedra de tropeço (cf. Mt 16,23). Todo sacerdote tem também seus sofrimentos, seus dramas. Mas não podemos nos deixar iludir ou convencer por aqueles que acham que não devemos passar por estas situações. Elas são consequências de nossa missão. Fugir delas é abandonar a cruz.

É interessante que antes, Jesus chama Pedro de "pedra", sobre a qual edificaria sua Igreja. Depois o chama de pedra de tropeço, porque deixou de pensar as coisas de Deus e sim, as coisas dos homens. Pode haver várias interpretações a respeito desta afirmação de Jesus. Uma das possíveis, e que acho mais sensata, é que a pedra serve para dar solidez, firmeza. Por exemplo, uma pedra colocada no caminho é para torná-lo mais firme e seguro. Mas quando esta pedra sai do lugar, ela se torna perigosa, uma pedra por onde quem passar pode tropeçar e se ferir. Quando baseamos nosso ministério no que os outros dizem ou querem de nós, atendendo a demanda das necessidades pessoais de cada um ou de certos grupos ou ideologias, com muita facilidade nos deslocamos de nossa missão e nos tornamos pedra de tropeço. Ao invés de darmos segurança para quem passa, tornamos o caminho perigoso onde os transeuntes podem se ferir.

Outro ponto curioso é o fato de Jesus chamar a Pedro de "Satanás". José Antônio Forte diz em sua "Summa Daemoniaca" que "Satã" ou "Satanás" é o mais poderoso, o mais inteligente e o mais belo dos demônio. Satanás significa aquele que acusa, que ataca, é o adversário, o inimigo, o opositor (cf. Summa Daemoniaca, p. 23). Não se enganem: Satanás nos ilude com sua beleza e inteligência. E de fato, o mau se apresenta como algo bom, belo e correto. E nos iludimos com suas ideias. Isto pode ser uma pessoa, uma ideologia, ou outra coisa qualquer. Ou nos deixamos guiar pelas coisas de Deus, ou nos iludimos com as coisas dos homens. Se for a última, já sabemos no que vai dar, vamos viver nosso ministério a partir dos que os outros pensam e falam de nós. Se conduzido pelas coisas de Deus, viveremos nosso ministério consciente de nossa cruz, mas sempre com os olhos fitos no Senhor, e poderemos dizer com São Paulo: "O que desejo e espero é não fracassar, mas, agora como sempre, manifestar com toda a coragem a glória de Cristo em meu corpo, tanto na vida como na morte. Pois para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro" (Fl 1,20-21).

Paz no coração!
Pe. Cristiano Marmelo Pinto
Mestre em Teologia Sistemática com Especialização em Liturgia pela PUC-SP