O SACERDOTE:
SUA CRUZ, INCOMPREENSÕES E
FIDELIDADE
São
João Maria Vianney, presbítero e padroeiro dos padres foi um homem que se
destacou pela simplicidade e pelo zelo pastoral. O Senhor disse: "Eu vos darei pastores segundo o meu coração, que vos conduza com
inteligência e sabedoria" (Jr 3,15). São João Maria Vianney
certamente foi um desses. É dele aquela frase que diz: "O sacerdote é o amor do Coração de Jesus".
Ele
também diz que: "O sacerdote só será bem compreendido no céu.
Se o compreendêssemos na terra, morreríamos, não de pavor, mais de amor".
De fato, o mistério do sacerdócio é tão grande que dificilmente alguém
conseguirá compreendê-lo. E se o compreendesse, certamente os que amam seus
sacerdotes o amariam mais, e os que odeiam, odiariam menos.
Por
outro lado, não devemos condicionar o ministério sacerdotal baseado na
compreensão ou no reconhecimento. Não nos cabe este mérito. Cabe-nos tão
somente cumprir nossa missão, ora doce, ora amarga. E no grande leque dos fiéis,
haverá sempre os que nos amarão e os que nos odiarão.
Todos
os que se dispõe a seguir Jesus Cristo tem a sua cruz. Ele mesmo foi quem disse
que: "Todo aquele que não carrega a sua própria
cruz e segue após mim não pode ser meu discípulo" (Lc 14,27).
Todos nós temos as nossas cruzes. Talvez uma delas na vida de cada sacerdote
seja a de caminhar nesta vida, exercer seu ministério sem ser compreendido. É
por isso que Jesus diz que devemos renunciar a nós mesmo (cf. Mc 8,34; Lc
9,23).
Dentro
deste contexto, o evangelho de Mt 16,13-23 é extremamente didático para o
caminho espiritual e ministerial dos sacerdotes. Jesus está conversando com
seus discípulos e quer tirar a prova dos nove acerca de algumas coisas.
Primeiro pergunta o que dizem sobre Ele. A resposta é frustrante, mas, creio
que esperada, visto que muitos faziam confusão a respeito d'Ele, de sua pessoa
e de seu ministério. Diziam que era João, Elias, Jeremias ou outro profeta
qualquer (cf. Mt 16,14). Mas Jesus é pedagógico e quer saber na verdade o que
seus discípulos pensam sobre Ele. No fundo esta é uma situação humana. Todos
nós a certo ponto gostaríamos de saber o que os outros pensam da gente. Isto
revela o grau de envolvimento, de comprometimento. Então resolve perguntar o
que eles, seus discípulos, pensam sobre Jesus. Pedro responde: "Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo" (Mt 16,16). E
Jesus surpreende revelando que Pedro não o conhece porque um ser humano o
revelou, mas o próprio Pai (cf. Mt 16,17). É claro que Pedro não teve uma
revelação divina a respeito de quem é Jesus, nem mesmo o Pai apareceu para ele
e disse. Mas sua resposta brotou de uma experiência pessoal e profunda com
Jesus que o fez conhecê-lo plenamente. E isto deu a Pedro a convicção de que
Jesus é o Messias, o Filho de Deus e de quem ele estava seguindo.
Após
dar a Pedro um encargo sobre a Igreja, Jesus manda que seus discípulos não
revelassem para outros quem Ele é. Ao dar esta ordem, Jesus deixa claro que
cada um deve fazer a sua experiência pessoal com Ele e não acreditar porque
outro falou. Nós apenas devemos apontar para Jesus, mostrar o caminho que leva a
Ele. Mas cada um deve dar os seus próprios passos em direção a Jesus. Isto é
pessoal. Não podemos forçar, muito menos carregar alguém até Ele.
Na
vida de cada sacerdote esta convicção é extremamente necessária. É preciso que
nós façamos por primeiro a experiência de encontro com Jesus para que dela
nasça a convicção de nossa vocação, de nosso ministério. Só assim, seja pelo
que os outros dizem, seja pelas adversidades encontradas no exercício do
ministério sacerdotal, nos manteremos sempre fixos na meta, não se desviando e
nem desanimando.
É
necessário notar que, logo em seguida, Jesus fala aos discípulos do seu
sofrimento. De como Ele haveria de sofrer nas mãos dos anciãos, dos sumos
sacerdotes e dos mestres da lei (cf. Mt 16,21). Pedro o chama de lado e o
repreende na tentativa de afastar d'Ele tal destino. Jesus o manda se afastar,
chamando-o de satanás. E diz que Pedro não pensa as coisas de Deus, mas sim as
coisas dos homens, e o chama de pedra de tropeço (cf. Mt 16,23). Todo sacerdote
tem também seus sofrimentos, seus dramas. Mas não podemos nos deixar iludir ou
convencer por aqueles que acham que não devemos passar por estas situações.
Elas são consequências de nossa missão. Fugir delas é abandonar a cruz.
É
interessante que antes, Jesus chama Pedro de "pedra", sobre a qual edificaria sua
Igreja. Depois o chama de pedra de tropeço, porque deixou de pensar as coisas
de Deus e sim, as coisas dos homens. Pode haver várias interpretações a
respeito desta afirmação de Jesus. Uma das possíveis, e que acho mais sensata,
é que a pedra serve para dar solidez, firmeza. Por exemplo, uma pedra colocada
no caminho é para torná-lo mais firme e seguro. Mas quando esta pedra sai do
lugar, ela se torna perigosa, uma pedra por onde quem passar pode tropeçar e se
ferir. Quando baseamos nosso ministério no que os outros dizem ou querem de
nós, atendendo a demanda das necessidades pessoais de cada um ou de certos
grupos ou ideologias, com muita facilidade nos deslocamos de nossa missão e nos
tornamos pedra de tropeço. Ao invés de darmos segurança para quem passa,
tornamos o caminho perigoso onde os transeuntes podem se ferir.
Outro
ponto curioso é o fato de Jesus chamar a Pedro de "Satanás". José
Antônio Forte diz em sua "Summa
Daemoniaca" que "Satã" ou "Satanás" é o mais
poderoso, o mais inteligente e o mais belo dos demônio. Satanás significa
aquele que acusa, que ataca, é o adversário, o inimigo, o opositor (cf. Summa
Daemoniaca, p. 23). Não se enganem: Satanás nos ilude com sua beleza e
inteligência. E de fato, o mau se apresenta como algo bom, belo e correto. E
nos iludimos com suas ideias. Isto pode ser uma pessoa, uma ideologia, ou outra
coisa qualquer. Ou nos deixamos guiar pelas coisas de Deus, ou nos iludimos com
as coisas dos homens. Se for a última, já sabemos no que vai dar, vamos viver
nosso ministério a partir dos que os outros pensam e falam de nós. Se conduzido
pelas coisas de Deus, viveremos nosso ministério consciente de nossa cruz, mas
sempre com os olhos fitos no Senhor, e poderemos dizer com São Paulo: "O que desejo e espero é não fracassar, mas, agora como sempre,
manifestar com toda a coragem a glória de Cristo em meu corpo, tanto na vida
como na morte. Pois para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro"
(Fl 1,20-21).
Paz
no coração!
Pe.
Cristiano Marmelo Pinto
Mestre
em Teologia Sistemática com Especialização em Liturgia pela PUC-SP