segunda-feira, 31 de maio de 2010

MODELOS DE AÇÃO PASTORAL E MODELOS ECLESIOLÓGICOS



Pe. Cristiano Marmelo Pinto

1. Introdução

A Igreja, embora seja uma instituição divina, é também um fator cultural. Conseqüentemente a ação pastoral é uma ação humana, que está sujeita as contingências de qualquer ação, realizada dentro de uma determinada realidade sócio-cultural. Conforme cada época, cada circunstância, a ação pastoral, bem como a própria Igreja será moldada por estes fatores. Do fator cultural e social surgirão “modelos eclesiológicos” e “modelos de ação pastoral” que corresponda à realidade concreta em que está inserida.

Estudaremos alguns modelos eclesiológicos com sua ação pastoral específica. Queremos com este estudo buscar caminhos para a nossa ação pastoral hoje, e podermos responder a nossa realidade de maneira eficaz.

2. Modelo normativo neo-testamentário

Este modelo neo-testamentário foi sendo tecido pela tradição apostólica, constituída pelas Escrituras e inspirada pelo Espírito Santo. Neste modelo, Espírito Santo e Igreja estão juntos indissoluvelmente. O tempo da Igreja é ao mesmo tempo do Espírito. A Igreja é uma instituição aberta para todos, pública, e não fechada sobre si mesma.

Podemos elencar sete elementos que caracterizam este modelo:

1º) A Igreja é apostólica. Não há Igreja sem apóstolos. Eles são as testemunhas vivas de Cristo Ressuscitado. Os apóstolos são os primeiros na missa e na pregação.

2º) A Igreja é uma. Esta unidade da Igreja vem de Deus – da Trindade. Vem também da sua constituição: “uma só fé, um só batismo e um só Espírito”. A Igreja constitui um só rebanho em torno de um só pastor.

3º) É Igreja da Palavra e dos Sacramentos. A Igreja da Palavra anuncia o Evangelho. Isto se dá principalmente pelo testemunho cristão. Pelo batismo, a Igreja faz acontecer a nova criação, pois ele insere o cristão no mistério pascal de Cristo. A eucaristia é o melhor exemplo de pertença ao Reino de Deus.

4º) A Igreja é regida pelos carismas e ministérios. No N.T. não há contraposição entre carisma e ministério. Não há duas classes de cristãos (clérigos e leigos), mas uma só comunidade, que é toda ela ministerial.

Embora os ministérios se distingam uns dos outros, eles não se separam. É uma Igreja da Palavra, da pregação. Também é uma Igreja do serviço (diaconia). Estas duas características da Igreja neo-testamentária são fundamentais.

5º) A Igreja é uma comunidade de convertidos. A fé é concebida como acolhida do Evangelho. A fé se faz concreta no amor simultâneo a Deus, a Jesus e aos irmãos.

6º) A Igreja está no mundo, mas não é do mundo. Ela está no mundo para ser sinal (sacramento) de salvação para o mundo. Embora esteja no mundo, a Igreja vem de Deus. Estando no mundo, a Igreja não partilha de sua mentalidade e tendências.

7º) A Igreja é uma realidade escatológica. A Igreja vive entre o já e o ainda não. Com sua missão e testemunho, a Igreja nos faz vislumbrar aquilo que esperamos no fim dos tempos.

3. Modelos históricos e sua trajetória eclesial

3.1. PASTORAL PROFÉTICA

I. Modelo Eclesial:

Em cada cidade havia uma única Igreja (ecclesia), unida em torno da celebração da eucaristia dominical e reunida ao redor de um colégio de presbíteros. Porém poderiam existir vários lugares para a celebração (domus ecclesiae). As pessoas que integravam a comunidade normalmente eram pessoas simples, pobres, da periferia das cidades. Há uma única categoria de cristãos: os batizados. Os catecúmenos ainda não faziam parte da comunidade, eles estavam se preparando para isto.

Neste modelo de Igreja, tudo é missão de todos. Havia co-responsabilidade. Somente a partir do século III é que vai se impor a tríade: bispo-presbítero-diácono, embora eles já existam desde o século II. Com Santo Inácio de Antioquia (107) vai surgir o termo “leigo” para distinguir do clero. Este termo já aparece na carta de Clemente Romano, no século I (anos 90).

É uma Igreja ministerial. Embora haja distinção entre leigos e clero, os leigos exercem importante papel na comunidade, inclusive na eleição dos bispos e presbíteros e na administração dos bens da comunidade. Haviam em muitas Igrejas o “conselho de leigos”. Na Igreja local se faz presente a Igreja universal. A Igreja geralmente é denominada mãe (mater ecclesiae), esposa de Cristo (sponsa Christi) e mistério de comunhão (koinonia). Ela se concebe como pequeno rebanho sem nenhum triunfalismo.

II. Modelo de ação

O modelo eclesial deste período é concebido a partir da ação. Três ações principais ocupam a vida dos cristãos desta época: 1º) O testemunho de vida (martyria); 2º) Proclamação da fé em Jesus Cristo (kerigma); 3º) Ensino da Palavra de Deus (didaskalia).

A Palavra e a pregação ocupam o lugar central, principalmente na vida dos que estão a frente da comunidade. A ação pastoral está centrada no testemunho e no anúncio, na celebração e na assistência aos pobres. O anúncio é feito pela pregação missionária, pela homilia e pela catequese. A reflexão teológica é basicamente bíblica.

Com a controvérsia dos lapsis (cristãos que tinham renunciado a fé por causa das perseguições) e dos traditori (responsáveis pela Igreja que, devido as perseguições, entregaram os livros sagrados ao Império Romano), a reconciliação e a penitência adquire grande importância. Havia grande resistência dos cristãos em integrar estruturas pagãs (como serviço militar, cargos públicos, comércio, etc.).

3.2. PASTORAL SACRAMENTAL (Igreja como mistério de comunhão)

I. Modelo eclesial

O modelo eclesial medieval está ligado ao conceito de cristandade, que tem conotação claramente estatal ou imperial. Isto acontece principalmente depois que Constantino no século IV deu liberdade de religião aos cristãos. A cristandade é vivida e entendida como uma realidade eclesial e política. Os dois poderes conjugam juntos: o poder sacerdotal e o poder político, sendo a autoridade máxima o sumo Pontífice. O papa adquire o perfil imperial. O povo se converte em povo cristão ou cristandade (populus christianus). O inimigo não é o mal espiritual, mas o inimigo do império. Não ser cristão é ser inimigo do império.

A imagem de Igreja desta época é de corpus Christi, não como referência á realidade misteriosa da Igreja inserida em Cristo – cabeça, mas na dimensão sociológica. Tornam-se evidentes os aspectos jurídicos. A Igreja tem a totalidade da ordem temporal e espiritual. Ela se apresenta como uma sociedade de poder. A missão da Igreja é ordenar o mundo segundo a “lei de Cristo”. A imagem de “Igreja mãe” (ecclesia mater) é substituída pela imagem de “Igreja imperial” (ecclesia regina). A imagem de Cristo bom pastor é substituída pela imagem do Cristo Rei.

Põe-se em evidência a soberania e o domínio do poder espiritual da Igreja sobre a humanidade. Concebe-se a Igreja originaria do poder de Cristo que é passado para os apóstolos e conseqüentemente aos bispos. Não há lugar neste modelo para o Espírito Santo. Tudo procede do direito divino, entregue por Cristo a hierarquia da Igreja.

II. Modelo de ação

A ação pastoral decorrente deste modelo é rural. Dar-se-á a passagem, na Idade Média, de um cristianismo bem estruturado socialmente ao redor do bispo a um cristianismo fragmentado em paróquias rurais distantes, organizado em torno do presbítero. O bispo terá seu papel pastoral diminuído e sua função sócio-política será valorizada.

O bispo assumirá a função de defensor da cidade, encarregado de responsabilidades temporais:

a) exercício do poder jurídico;
b) colaboração na administração e economia da região;
c) papel militar e conselheiro de príncipes.

A identidade antes eucarística e sacramental das comunidades, agora está em torno do presbítero. O bispo terá muito da figura do príncipe e o presbítero do senhor feudal. A Igreja em lugar de encarnar-se na história, irá absolver o mundo, pelo poder recebido. O clero será associado ao espiritual e os leigos ao temporal. Também passa a fazer parte do cristianismo uma visão pejorativa do mundo. Vê-se nas tarefas seculares dos leigos um perigo para a autonomia espiritual e para a liberdade da Igreja diante do mundo. Por isso o modelo de vida perfeitamente cristã desta época será a monástica e celibatária, longe do mundo (fuga mundi). Na Igreja medieval haverá um forte declíneo cultural do clero. Irá surgir o “alto” e o “baixo” clero. O primeiro urbano e erudito. O segundo, malformado e disperso. Geralmente sem acesso a escrita, analfabetos.

A pregação ficará a cargo das ordens mendicantes, criadas com essa finalidade, para cobrir a lacuna, pois o clero não tinha nenhuma formação. Progressivamente se dará a separação entre clero secular (diocesanos) e clero regular (religiosos). Enquanto os diocesanos são iletrados e rurais, os religiosos freqüentam as universidades, prestam importantes serviços aos papas, como as cruzadas, a inquisição, etc. Um fato grave no modelo medieval é o fim da catequese de adultos – o catecumenato. A conversão em massa ao cristianismo, sem nenhuma catequese, reduz a qualidade dos cristãos.

3.3. PASTORAL COLETIVA (Igreja como sociedade perfeita)

Neste período podemos perceber dois momentos distintos. O primeiro faz frente à Reforma Protestante, com a contra-reforma. O segundo, toma posição contra a Modernidade, que por sua vez promoverá a emancipação da pessoa humana e do mundo (A Igreja vai perdendo campo). Neste período aconteceram dois concílios: primeiro período: Concílio de Trento; segundo período: Concílio Vaticano I.
I. Modelo eclesial

O modelo eclesial dos dois períodos é o da neocristandade, alicerçada no teocentrismo e no eclesiocentrismo, o dualismo espiritual-temporal e clero-leigo. A Igreja é vista como instituição, com seu caráter universal, acentuando a hierarquia sobre os leigos e os sacramentos como único meio de salvação.

O único vigário de Cristo na terra é o Papa. A Igreja é compreendida como “sociedade perfeita”. Questionada a autoridade do papa (modernidade), vai-se criando dispositivos de defesa. No Concílio Vaticano I, vai-se definir o primado do papa e sua infabilidade, acirrando a centralização romana. Cresce o papel da nunciatura e sua ingerência na nomeação dos bispos.

II. Modelo de ação

No primeiro momento da Igreja na modernidade, a ação pastoral será sacramentaria, seguindo o modelo medieval, acentuando o valor dos sacramentos em si mesmo. A Igreja se compreende como única depositária de todos os meios de salvação. Para ir contra a reforma protestante, a vida católica irá girar em torno da presença real de Jesus no Santíssimo Sacramento, com suas especificações: adoração ao Santíssimo; missa como sacrifício; devoção à Virgem Maria, etc.

Enquanto os protestantes colocam a Bíblia nas mãos do povo, da parte católica ela é tirada. Procura-se suprir a ignorância do povo com os “catecismos”, contendo as verdades católicas. Trento centraliza o culto, de forma que a liturgia por quatro séculos não sofrerá alteração nenhuma até o Vaticano II.

A ação pastoral é de cunho apologético, ou seja, de defesa do catolicismo e contra o protestantismo. Enquanto os protestantes valorizam a Palavra, os católicos valorizam a fé devocional. Enquanto os protestantes procuram a simplicidade, da parte católica busca-se a exuberância e a ostentação (templos barrocos, a liturgia, etc.). A pastoral continua centrada na paróquia, com mentalidade rural, agora até mesmo nas grandes cidades.

Num segundo momento da Igreja na modernidade, a ação da Igreja que continua apologética, passa da cristandade para a neo-cristandade. Este modelo vai se tecendo por meio da busca da Igreja em se fazer publicamente presente nos meios sociais, configurado no denominado catolicismo social. Se a ação pastoral pós-tridentina era contra a reforma protestante, agora será contra a modernidade nascente. Tudo isto vai desembocar no Concílio Vaticano I. A postura apologética da Igreja Católica procura defender-se de dois inimigos: o liberalismo e o socialismo. O primeiro atenta contra a Igreja Católica como única religião verdadeira e contra o Magistério. O segundo, atenta contra a propriedade privada que é um direito natural, e reduz a pessoa a uma igualdade que fere as diferenças. O catolicismo social é uma reação contra anti-moderno, anti-revolucionário, anti-liberal e anti-socialista. Ele inscreve-se num contexto de restauração católica.

3.4. PASTORAL DE CONJUNTO (a Igreja como Povo de Deus)

A pastoral de conjunto e a eclesiologia “povo de Deus” é uma característica do Concílio Vaticano II. O papa Pio X (1903-1914), apesar do seu conservadorismo, tinha uma grande preocupação pastoral e marcou o início do processo de renovação da Igreja com o princípio de “volta às fontes”. Com isto surgiram teólogos com uma grande preocupação pastoral.

O Concílio Vaticano II foi sendo preparado aos poucos pelos diversos movimentos de renovação que surgiram, tais como: movimento bíblico, movimento litúrgico, movimento catequético, movimento eclesiológico, movimento ecumênico, movimento leigo, etc.

I. Modelo eclesial

O Concílio Vaticano II, sem deixar de ser teológico, foi principalmente um concílio pastoral. Os padres do concílio desdobrando-se sobre a Igreja, buscaram uma auto-compreensão da mesma, frente aos novos sinais dos tempos. Estabeleceram um diálogo com o mundo moderno numa atitude de solidariedade e cooperação.

Os principais elementos do modelo de Igreja estabelecido pelo Concílio Vaticano II são:

1º. A Igreja é entendida como comunhão (LG, 8-9)
a) A Igreja é sacramento de unidade;
b) Os ministérios são expressões da diversidade de dons;
c) Elabora uma nova teologia dos ministérios ordenados;
d) Os leigos recuperam sua identidade e lugar na Igreja;
e) A comunhão não é mera unidade ou obediência, mas a unidade na diversidade de seus membros.

2º. A Igreja é entendida como Povo de Deus (LG 9-13)
a) Povo de Deus são todos os batizados;
b) Todo o povo de Deus é santo, pecador, ungido, profético, carismático, serviçal, e participa da mesma missão de Jesus Cristo;
c) A Igreja é sacramento (sinal – instrumento) do Reino de Deus.

3º. A Igreja entendida como sacramento de salvação (LG 48)
a) Supera a idéia de que fora da Igreja não há salvação;
b) A Igreja é compreendida como sacramento de uma salvação universal;
c) O mistério de Cristo ultrapassa as fronteiras da Igreja;
d) Mesmo que não haja salvação fora de Jesus Cristo, ela pode acontecer de forma implícita fora da Igreja;
e) A verdadeira Igreja de Jesus Cristo subsiste na Igreja Católica e não somente nela.

4º. A Igreja é entendida como servidora do Reino de Deus no mundo (GS 1)
a) A Igreja não existe para si mesma, mas para o Reino de Deus;
b) O Reino de Deus não se esgota na Igreja;
c) A Igreja é sinal, sacramento do Reino de Deus na história;
d) Ela deve ter uma atitude de serviço, de cooperação ao mundo.

5º. A Igreja universal presente na Igreja particular (LG 23, AG 20,38)
a) O Concílio redescobriu a universalidade de Igreja na particularidade das Igrejas locais (dioceses);
b) Para o Concílio, catolicidade não é uniformidade generalizada;
c) A universalidade da Igreja não se deve a uma única forma de ser, mas a mesma fé, a mesma fonte trinitária e ao dom da salvação de Deus oferecido a todo o gênero humano;
d) Na Igreja local está toda a Igreja de Cristo;
e) A Igreja quanto mais inculturada, mais ela será universal.

II. Modelo de ação

Neste período a ação pastoral está voltada para a reflexão, assim como a Igreja primitiva e antiga, que foi se configurando a partir das exigências e necessidades da evangelização. Toma-se respeito pela autonomia das ciências. É preciso buscar uma nova forma de presença da Igreja na sociedade e no mundo. Um espírito de diálogo e serviço.

Os leigos encontram seu lugar na Igreja e assumem o seu protagonismo. Nascem com isto novos ministérios leigos, não somente para dentro da Igreja, mas também para fora dela.

Surge a catequese renovada, a liturgia ligada a vida e a pastoral social, fruto da consciência de uma vivência mais radical do tríplice ministério do batismo (ministério profético, litúrgico e da caridade).

O sujeito da ação da Igreja deixa de ser o clero para ser toda a comunidade de batizados, toda ela ministerial, fundada no mesmo batismo e no mesmo sacerdócio comum, cuja fonte é Cristo.

A missão não será tanto ir ao encontro dos afastados para trazê-los de volta para a Igreja, mas de anunciar o Evangelho gratuitamente e encarná-lo na história.

Supera-se o paroquialismo pastoral e redescobre-se a dimensão diocesana da ação pastoral.

3.5. PASTORAL DE COMUNHÃO E PARTICIPAÇÃO

Este modelo de Igreja desenvolveu-se no contexto de América Latina, na perspectiva de uma melhor recepção do Concílio Vaticano II. Os bispos da América Latina não deram grandes contribuições para o Concílio, por outro lado, souberam assimilar seu espírito e fizeram dele o ponto de partida para a ação pastoral da Igreja latino-americana. A luz da opção preferencial pelos pobres, a Igreja latino-americana aprofundou as intuições do Concílio conforme a realidade do continente.

I. Modelo eclesial

O modelo de Igreja na América Latina adquiriu um rosto próprio, uma Igreja com o rosto dos pobres, comunidade de comunidades. Dela nasceram pequenas comunidades inseridas no contexto de exclusão social.

No Concílio de Jerusalém, a Igreja nascente abre-se para os pagãos. No Concílio Vaticano II, a Igreja abre-se para o mundo. Em Medellín, a Igreja abre-se para os pobres, e em Puebla a Igreja abre-se para ás culturas.

O Concílio Vaticano II acena para uma Igreja Povo de Deus. A Igreja na América Latina irá situar o Povo de Deus no contexto histórico de toda a humanidade, partilhando do seu mesmo destino.

O Concílio Vaticano II conclama todos os batizados para a missão no mundo. Na América Latina esta missão se dará num compromisso de transformação da sociedade atual em uma nova sociedade, uma ação não meramente religiosa, mas em todos os campos da vida do povo latino-americano.

O papa João XXIII desejava uma Igreja dos pobres. Na América Latina isto se dará na opção preferencial pelos pobres contra toda forma de pobreza e exclusão seja ela política, social, econômica e religiosa. Esta opção preferencial dá-se: na inserção nos meios populares (Medellín, 14,7-10); na transformação das estruturas (Santo Domingo, 4,8-17); numa atitude profética; numa Igreja mártir, a exemplo de Jesus Cristo.

II. Modelo de ação

A ação pastoral derivada deste modelo de Igreja está vinculada ao protagonismo dos leigos e pobres. Os leigos são vistos como sujeitos, com ministérios próprios, com formação bíblica, teológica e pastoral. Também é dado aos leigos um importante papel nas decisões.

Quanto aos pobres, eles passam de objeto de caridade, para sujeitos de um mundo solidário e fraterno. Além de assumir sua causa, a Igreja também assume seu lugar social, numa perspectiva de libertação.

Nascem serviços de pastoral com espiritualidade e fundamentação própria. Surgem entre outras as: pastoral operária, pastoral da terra, pastoral da saúde, pastoral dos direitos humanos, pastoral da criança, pastoral da ecologia, pastoral da consciência negra, pastoral da mulher marginalizada, pastoral do menor, pastoral dos indígenas, etc.

Para isso, a Igreja é organizada em pequenas comunidades de base, onde acontece uma leitura popular da Bíblia. Esforça-se para formar uma Igreja com rosto próprio, encarnando na cultura dos povos latino-americano os ritos e símbolos da fé cristã.

A reflexão teológica é contextualizada, seja no âmbito acadêmico como popular. A catequese privilegia a experiência e inserção comunitária no processo de educação na fé. A liturgia faz interação entre a páscoa de Jesus e a páscoa do povo.

4. Conclusão

Em nosso estudo vimos que em diferentes épocas a Igreja se deparou com desafios novos e procurou respondê-los do melhor modo possível. É difícil fazer um julgamento sobre qual deles está certo ou não, pois a Igreja buscou responder aos desafios dentro das condições possíveis de cada época. Porém, podemos dizer que a rigor há um único modelo de Igreja e de ação pastoral, que foi se configurando de modos distintos, conforme os diferentes períodos em que a Igreja se encontrava. É este modelo normativo que, com roupagem nova em épocas diferentes, faz com que a Igreja seja a Igreja de Jesus Cristo.

Vimos pelo menos cinco modelos de ação pastoral em diferentes épocas: a pastoral profética; a pastoral sacramental; a pastoral coletiva; a pastoral de conjunto e a pastoral de comunhão e participação.

É difícil hoje distinguir separadamente cada um deles no interior de nossas comunidades. Numa mesma comunidade podem estar presentes diferentes modelos de ação pastoral e eclesial. O importante é fazermos uma boa síntese de todos os modelos presentes nas comunidades, para subtrairmos deles o que há de melhor, visto que todos possuem vantagens e desvantagens.




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Aula de Teologia Pastoral ministrada no Curso Básico de Teologia para Leigos e Leigas da Região Utinga – Santo André – SP no ano de 2009.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

O padre, presidente da liturgia.

Por Pe Vitor Feller


O Sumo Sacerdote, Jesus Cristo, não pertencia à classe sacerdotal. Mas, como todo bom judeu, desde os doze anos visitava o templo de Deus, para orar e oferecer sacrifícios ao Pai celeste. Em seu ministério de pregação do Reino e na sua predileção pelos últimos, Jesus de Nazaré fez de si mesmo o novo templo de Deus. No episódio da expulsão dos vendilhões, o evangelista João atesta que “ele falava do santuário de seu corpo” (Jo 2,21). A Carta aos Hebreus, ao falar do sacerdócio de Cristo, insiste que ele é o único e eterno sacerdote, porque entrega a sua vida, é capaz de se compadecer das fraquezas humanas e nos convida a seguir o seu exemplo, vivendo a vida cristã na obediência à vontade do Pai e na entrega total até a morte. Como Jesus, todo presbítero deve também fazer de sua vida uma liturgia, isto é, deve sacrificar-se pelo Reino, na fidelidade ao Pai e no empenho pela salvação da humanidade. Deve fazer de seu corpo, isto é, de todo o seu ser e agir, um templo para Deus. Neste sentido de uma vida sacrificada, o presbítero é o homem da liturgia. Por isso, é o homem do templo, do tabernáculo. Lugar por excelência em que ele exerce essa missão é a presidência das celebrações litúrgicas, sobretudo da Missa.

A poesia da missa
A poeta Adélia Prado, uma das mais conhecidas escritoras brasileiras da atualidade, em um encontro sobre canto e liturgia, em Aparecida, falou sobre linguagem poética e linguagem litúrgica. Ao propor um resgate da beleza simples e sóbria da liturgia católica, ela cunhou a seguinte frase, que já se tornou clássica: “Missa é como um poema, não suporta enfeite nenhum”. Ela se referia ao péssimo costume de muitos padres e auxiliares da celebração da missa (comentaristas, leitores, cantores) que não respeitam a linguagem poética da missa, a linguagem do sagrado. Fazem da missa um acúmulo de acessórios e ruídos: comentários, explicações, gritos, gestos incontidos, cartazes de todo tipo, avisos infindos. Usam instrumentos musicais inadequados para o canto litúrgico, como as estridentes baterias, mais apropriadas para shows e espetáculos do mundo. Servem-se de coisas impróprias para a santidade da liturgia: cantos barulhentos, microfones altíssimos, papéis e mais papéis jogados sobre o altar, bordados e rendas nas alfaias e nas vestes do padre. Tudo coisas que desrespeitam a sobriedade da Missa. Acham que a Tradição da Igreja é ignorante em matéria de liturgia e, por isso, arvoram-se em criadores de coisas novas. Não para louvar a Deus, que é simples na sua unidade, bondade e beleza, mas para agradar aos homens e, talvez, para se autoglorificarem. Com isso, perdem uma grande oportunidade, a única oportunidade, de fazer da Missa o cartão de visitas da comunidade cristã. A história do cristianismo testemunha que muita gente se converteu à fé católica ao participar de uma Missa bem celebrada, com unção e poesia, com simplicidade e beleza.

O mistério da missa
A liturgia, sobretudo a Missa, celebra o mistério pascal, o mistério da morte e da ressurreição do Senhor. É a ocasião em que o fiel se prostra diante de Deus, o humano diante do divino. É a hora do silêncio, do vazio interior, para se ouvir a voz de Deus. Outra bela frase de Adélia Prado é: “a palavra foi inventada para ser calada”. O ritual da Missa foi elaborado por especialistas em liturgia, gente que entende do jogo simbólico entre palavra e silêncio. Todas as palavras do ritual da Missa – as saudações e orações do presidente, as súplicas do Ato Penitencial, a linda oração do Hino de Louvor, as leituras bíblicas, a oração eucarística etc. – estão fundamentadas na Palavra de Deus. Na forma de um jogo simbólico que se reveza entre o presidente e a assembleia, todo o ritual litúrgico é também Palavra de Deus. Daí a necessidade de proclamá-la com unção, de ouvi-la no silêncio do coração, de fazer momentos de silêncio para deixar que essa Palavra divina – na escritura e na liturgia – penetre todos os meandros de nosso ser pessoal e de nossas relações comunitárias. O mundo de hoje tem horror ao silêncio, ao vazio. Parece haver um medo de que no silêncio Deus nos fale! Tudo tem que ser preenchido com palavras e barulhos e ruídos humanos.

O ministério do padre
Como presidente da assembleia litúrgica, o presbítero deve ter consciência de que está fazendo as vezes de Cristo, o único Cabeça da Igreja. Cabe a ele garantir a santidade e a sobriedade da liturgia. Para tanto, deve fazer da liturgia o centro de seu ministério. Junto com o múnus da liturgia, o múnus da profecia e o da caridade constituem o essencial da missão da Igreja. Nesses três ministérios, que ao final se auto-implicam, temos toda a vida cristã e, por excelência, a vida do presbítero. O padre existe para isso. Nesse sentido, ele é o homem do templo, do tabernáculo, do altar. Ele é o homem da Missa, enquanto esta se entende como celebração da paixão, da morte e da ressurreição do Senhor. Assim, na Missa o padre celebra também sua paixão pelo Povo de Deus e pelo Reino de Deus, realiza sua morte – a morte de seus sentimentos, pensamentos, desejos, preocupações etc. – como oferta da vida, e festeja sua ressurreição, sua transfiguração como um outro Cristo, o único sacerdote que, efetivamente, preside a assembleia cristã.

Convido, pois, os leitores para que orem, pelos seus sacerdotes para que sejam homens do templo, do tabernáculo, do altar, para que presidam a liturgia com a unção e a santidade do único e eterno sacerdote, Jesus Cristo.

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Pe. Vitor Galdino Feller
Diretor e professor de teologia no ITESC - Instituto Teológico de Santa Catarina.

Fonte:
http://www.anosacerdotal.org.br/ (Arquidiocese de Florianópolis)

terça-feira, 25 de maio de 2010


A Liturgia como Celebração

Pe. Cristiano Marmelo Pinto


As ações litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da Igreja,
que é o ‘sacramento da unidade’, isto é,
o povo santo, unido e ordenado sob a direção dos bispos
” (SC 26).


1. O conceito de Celebração

Para a Teologia e Antropologia Litúrgica, o conceito de celebração é de suma importância. Esta palavra tem sido muito usada ultimamente pela linguagem litúrgica. Embora as palavras liturgia e celebração tem sido usada indiscriminadamente, elas não se correspondem. Possuem concepções diferentes e importantes para a compreensão da Teologia Litúrgica.

Liturgia é o culto cristão concebido em termos da teologia bíblica, como expressão de uma atitude vital. Celebração é o momento em que essa atitude vital se torna ato simbólico, ritual e festivo.

A liturgia como culto cristão é uma atitude de uma vida de escuta fiel e de adesão a Palavra de Deus, no seio da aliança estabelecida por Cristo e realizada na Igreja sob a ação do Espírito Santo.

A celebração é o aspecto celebrativo da liturgia, essencial e destinado a inserir o homem no Mistério de Cristo e da Igreja, ou seja, na Salvação.

A liturgia é uma realidade mistérica, ou seja, continuação, prolongamento da obra da salvação na história. Mas ela é também ação, no tempo e no espaço, lugar do exercício sacerdotal que Cristo confiou a Igreja para a santificação do homem e glorificação (culto) de Deus.

A liturgia abarca toda a vida da Igreja, como culto a Deus. A celebração é a sacramentalização dessa vida oferecida como culto espiritual da Deus.

A celebração se dá num momento histórico, num determinado tempo e espaço, expressivo, ritual e simbólico. Na celebração a oferenda se torna eficaz, agradável e aceita por Deus pela mediação de Jesus Cristo no Espírito Santo. Para que o culto cristão seja sacramentalmente eficaz, a celebração é imprescindível.

Os atores da celebração são a Assembléia Litúrgica e os Ministros que nela desempenham papéis e funções.

“A celebração é a forma característica que reveste toda ação litúrgica”.

Celebrar ou celebração está imerso na vida do homem e na história da humanidade. Celebramos tudo aquilo que nos toca profundamente. O sujeito da celebração não é uma só pessoa, mas um grupo, uma comunidade, uma assembléia. Celebrar e celebração correspondem a uma noção de liturgia como ação de toda a Igreja (cf. SC 26).

2. Celebrar e celebração

Devido a importância que a categoria celebração adquiriu para a liturgia, precisamos compreender melhor o significado do conceito. Vamos partir da etimologia da palavra celebrar e de seus derivados.

Celebrar e celebração vem do latim celebrare e celebratio. Estes termos se completam com o adjetivo célebre (celeber). Célebre (celeber) – se aplica ao lugar freqüentado por muitas pessoas. Celebrare – significa o mesmo que freqüentar, que designa a ação de reunir-se. Etimologicamente celebrar equivale a reunir-se num lugar, juntar-se, acorrer em massa. Celebração – é a reunião numerosa, o ato de reunir-se e o momento de estar congregados. Célebre – designa o lugar da reunião ou o lugar freqüentado, e o tempo ou momento da reunião.
Num segundo momento da ação de reunir-se, passa-se ao objeto (motivo) da reunião. Este objeto pode ser uma festa, os mistérios, o culto, etc. Cada um desses objetos da celebração tornam-se celebritas, ou seja, celebridade, um momento solene.

Num terceiro momento passa-se para o nível das manifestações externas ou do ritual desenvolvido na reunião.

3. O uso do termo no latim cristão

No final do século II, o latim começa a ser cristianizado. Ela passa a ser usado na tradução da Bíblia, na catequese e na liturgia. Esta cristianização do latim provoca um alargamento no significado do termo, de modo que celebrare e celebratio adquire novos matizes. O uso do latim no cristianismo facilitou sua comunicação e a liturgia no mundo greco-romano.

Nas traduções latinas da Bíblia, celebrar e celebração estão ligados a termos muitos variados.

1. Traduzindo o verbo poeio (fazer) – tem sentido exclusivamente cultual e se refere aos diferentes objetos designados - páscoa, rito dos ázimos, etc. (cf. Ex 12,48; 13,5; Dt 16,10-13).
2. Traduzindo eortázo (fazer festa) – alude a popularidade da festa. Neste sentido celebrar é sempre uma ação comunitária (cf. Ex 12,14; 23,14; Lv 23,39.41).

Traduzindo caléo (convocar) – acentua o aspecto do chamado de Deus para que o povo se reúna a fim de celebrar (cf. Lv 23,24).

Traduzindo sabbatízo (guardar o sábado) – indica reinteração e continuidade na ação celebrativa, para que o povo se lembre de tudo o que foi feito e ordenado pelo Senhor (cf. Lv 23,32; 2Cr 36,21).

Traduzindo ágo (levar a efeito) – significa a ação celebrativa, o ritual, a conduta dos participantes (cf. 2Mc 2,12; 6,11).

Nos Padres latinos da Igreja, as palavras celebrare e celebratio são usadas algumas vezes para se referir às festas e aos espetáculos, sempre em sentido coletivo e popular, e outras aplicando-as aos atos próprios dos cristãos.

Tertuliano transfere esse vocabulário aos sacramentos cristãos e Santo Ambrósio atribui um conteúdo mais especificamente litúrgico ao verbo celebrare.

São Cromácio de Aquiléia, oferece uma idéia da celebração como representação aqui e agora de toda a salvação anunciada no Primeiro Testamento e realizada por Cristo.

4. Aproximação do conceito de celebração

Para alguns antropólogos, celebração é um meio interpessoal de relação e de encontro, ou seja, uma manifestação comunitária. A celebração congrega os indivíduos constituindo-os num organismo, numa comunidade. A celebração afeta as pessoas e seus sentimentos, de modo que o acontecimento celebrado se transforma numa expressão religiosa. A celebração polariza a totalidade da pessoa em torno de um determinado valor religioso.

A celebração, ao transformar o significado de todos os elementos integrantes (espaço, tempo, símbolos, etc.), transmite a mensagem religiosa. Ela tem o poder de unificar um grupo, de formar uma comunidade com as pessoas que se reúnem para compartilhar a experiência religiosa. A celebração pode atuar como um catalisador moral do grupo, como instrumento educativo.
Ainda na linha antropológica, outros põem ênfase na linguagem celebrativa e definem a celebração pela linguagem e pela expressão.

Celebração é uma linguagem onde pulsa uma misteriosa expressão,
dificilmente explicável
”. - V. Martín Pindado (1979)

Isto significa que a celebração é uma realidade não reduzível a conceitos, a termos racionais, a normas lógicas, mas é fundamentalmente ação, vida. Quando a ênfase é conceitual, lógica e racional, temos como resultado uma celebração fria, verbalista, apagada e sem expressividade.

Dentro desta linha antropológica, há autores que afirmam que celebrar é brincar, folgar, fazer festa.

1. Celebrar é brincar, ou seja, atividade lúdica do cristão;
2. Celebrar é folgar, é lazer, é intuição, gozo, antecipado da eternidade;
3. Celebrar é fazer festa, com tudo o que festa significa, é deleite do espírito, é liberdade, é contemplação da beleza, etc.

A celebração é uma categoria que pertence à dimensão sensível e visível da liturgia cristã.

Odo Casel, primeiro teólogo da liturgia, diz que a celebração é uma epifania, uma manifestação do divino na ação ritual.

Para a fenomenologia, a celebração é uma hierofania, ou seja, uma mediação que torna possível a comunicação entre o mistério e o homem, e a participação deste na energia salvadora que se faz presente.

Para O. Casel, o elemento principal da celebração é a presença-atualização da salvação na ação ritual.

Na celebração cristã o ato sacramental é sempre o mesmo, ainda que o aspecto do mistério comemorado seja diferente. A celebração é atualização a obra da nossa Redenção (cf. SC 2). O hoje da celebração e da presença renovadora do mistério da salvação confere à liturgia cristã um valor escatológico, ou seja, põe o homem em contato com a eternidade.

5. O que é uma celebração?

Devemos antes afastar duas eventuais confusões: a primeira que identifica liturgia com celebração, sem mais nem menos, e a segunda que confunde celebração com cerimônia.

Liturgia é o culto da vida inteira dos crentes, e celebração é o momento simbólico, ritual e festivo. Celebração é um acontecimento sacramental. Não é a mesma coisa que cerimônia. Cerimônia é um elemento da celebração, uma ação externa sujeita a uma norma ou costume. Infelizmente por muito tempo se identificou liturgia com rubrica e com cerimônia a tal ponto, de bastar que se saiba apenas as rubricas da cerimônia liturgia.

Podemos definir a celebração como o momento expressivo, simbólico, ritual e sacramental, ou seja, um ato que evoca e torna presente, mediante palavras e gestos, a salvação realizada por Deus em Jesus Cristo, com o poder do Espírito Santo. A celebração tem o caráter de ato, ação expressiva, ritual, torna presente a salvação. Na celebração produz-se um diálogo entre Deus e o homem, entre Cristo e a Igreja.

A celebração possui três dimensões:

a) Dimensão mistérica;
b) Dimensão ritual;
c) Dimensão existencial.

A dimensão mistérica: é intervenção, presença e atuação de Deus na vida de seu povo e na vida pessoal de cada participante da ação litúrgica. É o mistério de Cristo, núcleo da liturgia cristã. A dimensão ritual: a celebração é ação de uma assembléia reunida, que através de ritos e de fórmulas manifestam e realizam aquilo que se está celebrando.

A celebração consiste na evocação e no anúncio de um fato de salvação e na atualização desse fato aqui e agora. Nela a Igreja atua como intercessora e mediadora da salvação.

A celebração como ação concreta de uma assembléia, compreende quatro elementos:

1) Um acontecimento que motiva a celebração;
2) Uma comunidade que se faz assembléia;
3) Uma situação festiva que envolve a todos;
4) Um ritual que é executado.

A comunidade, no ato de se reunir, se converte em assembléia cultual – Igreja corpo de Cristo. A situação festiva é algo mais que o momento em que se celebra o acontecimento – o dia festivo, é, antes de tudo, um ambiente que impregna e caracteriza tanto a comunidade que celebra como os atos rituais da ação comum e que se exterioriza nos gestos, nos cantos, nas vestes...

O ritual é o conjunto de gestos, palavras, ações e objetos que intervém na ação celebrativa tendo em vista a evocação e a atualização do acontecimento celebrado. O que está em jogo no ritual celebrativo da liturgia não é a expressividade ou a mensagem de alguns ritos e gestos, mas a correspondência do ritual com o acontecimento que se está celebrando.

O acontecimento celebrado é sempre Cristo, sua vida e sua obra, especialmente sua morte e ressurreição; a comunidade é sempre a Igreja; a situação festiva é a alegria de saber que o Senhor está presente e atuante, o ritual é sempre uma ação sacramental.

A dimensão existencial: a celebração não apenas leva a comunidade reunida a participar do acontecimento salvífico, mas se torna um programa de vida, manifesta-se como um motivo de compromisso de vida. Os crentes devem viver o que celebram. A celebração deve fazer com que a Igreja e seus fiéis continuem sendo no mundo um sinal sagrado. A liturgia se caracteriza por fazer da vida cristã um ato permanente de culto ao Pai, cujo momento culminante é o momento celebrativo.

6. Estrutura da celebração

A celebração é uma ação e uma possibilidade de encontro com o mistério da salvação. Ela deverá reunir uma série de condições espirituais e funcionais que possibilitem a participação no mistério e no fruto da celebração. A estas condições estão: o ritmo da ação, a participação ativa e consciente de toda a assembléia, o exercício de todas as funções e ministérios no interior da celebração.

De todas as condições, vamos nos ater no ritmo da celebração enquanto expressão da estrutura interna da ação celebrativa. Chamamos de ritmo da celebração a organização dinâmica e harmoniosa de todos os elementos que intervêm na celebração, o que dá unidade, equilíbrio de todas as partes e progressão dos diferentes momentos.

Os livros litúrgicos se limitam a assinalar os diferentes passos da celebração no ordo ou ritual. Porém o ritmo não depende dos livros, mas sim dos que celebram, seguindo fielmente o ritual, com todas as indicações e rubricas. A estrutura da celebração sustenta todo o conjunto da ação celebrativa e coordena os diferentes elementos e partes. O ritmo da celebração deve deixar evidente a estrutura prévia que é dada pelo ritual.

7. Estrutura lógico-teológica da celebração

Vamos agora destacar os principais elementos que estão entranhados em toda ação litúrgica cristã e que vêm à tona em determinados momentos da celebração. São eles:

a) Anamnese;
b) Epiclese permanente;
c) Doxologia;
d) Mistagogia contínua.

A) ANAMNESE

Toda celebração é uma lembrança sagrada do acontecimento salvífico. Neste sentido é anamnese permanente.

• É anamnese de Deus para com seus filhos, porque lembrou-se da sua misericórdia (cf. Lc 1,54);
• É anamnese de Cristo para com o Pai, porque intercede em nosso favor (cf. Hb 7,25);
• É anamnese do Espírito Santo, que nos recorda todas as coisas ditas pelo Senhor (cf. Jo 14,26).

A Igreja, na celebração, faz o memorial e recorda os principais fatos salvíficos que culminam no mistério pascal. O acontecimento da páscoa do Senhor, objeto da anamnese recíproca entre Deus e os homens, ocorreu uma vez para sempre. O ritmo da celebração permite apreciar os momentos com intensidade da anamnese. A celebração, por outro lado, situa-se no centro do tempo litúrgico.

B) EPICLESE PERMANENTE

Em toda celebração litúrgica está presente o Espírito Santo, enviado por Cristo. Toda celebração é epiclese, isto é, invocação da presença santificadora da Santíssima Trindade e não somente do Espírito Santo. O momento cume da epiclese é a invocação da oração eucarística ou das demais orações sacramentais.
A epiclese é:

a) A invocação trinitária que abre a celebração;
b) A proclamação da Palavra de Deus acompanhada de aclamações e orações;
c) A súplica da assembléia (oração dos fiéis);
d) A invocação sacerdotal da oração eucarística e de outras fórmulas;
e) O gesto da paz;
f) Os gestos sacramentais (imposição das mãos, a unção, etc.).

B) DOXOLOGIA

A celebração é doxológica, ou seja, é louvor, culto, adoração, glorificação,reconhecimento e ação de graças, resposta de fé. A doxologia como elemento estrutural e básico está presente em toda e qualquer ação litúrgica. A doxologia é sempre proclamação da glória do Pai mediante Jesus Cristo no Espírito Santo. Toda celebração é louvor ao Pai por Jesus Cristo no Espírito.

A doxologia pode ser notada especialmente:

a) No hino ou canto inicial que abre a celebração, especialmente a Liturgia das Horas;
b) No hino de louvor, ou Glória;
c) No salmo responsorial e em algumas ocasiões no canto do aleluia;
d) Nas aclamações que acompanham as preces ou fórmulas (oração eucarística, bênçãos, etc.);
e) Na grande doxologia que encerra a oração eucarística;
f) Na ação de graças depois da participação eucarística e nas aclamações em alguns ritos (consentimento matrimonial, etc.).

D) MISTAGOGIA CONTÍNUA

A liturgia é iniciadora na ação celebrativa, nas atitudes com as quais é preciso celebrar. Por meio da liturgia a Igreja procura introduzir os fiéis na vivência interior e profunda da salvação. A mistagogia, como já vimos, é a iniciação no mistério celebrado, através dos ritos.

A celebração é toda ela mistagógica, no sentido de que é uma ação que leva todos os participantes a viver o mistério de Cristo. A celebração na perspectiva da mistagogia, possui um ritmo na condução da assembléia ao interior do mistério celebrado. A celebração possui uma dinâmica que leva a comunidade celebrante a vivenciar o mistério por meio dos ritos, dos gestos, das palavras, dos símbolos, etc.

Alguns elementos particulares significativos do ponto de vista mistagógico:

a) As saudações litúrgicas;
b) Os momentos penitenciais;
c) A liturgia da Palavra;
d) A homilia;
e) Bênção da água ou do óleo, etc.;
f) Os cantos que acompanham determinados momentos;
g) As admoestações presidenciais; etc.

A mistagogia ajuda a executar o que o Senhor mandou: “Fazei isto em memória de mim”.

8. Conclusão

A celebração é atualmente um dos conceitos mais ricos da liturgia. Há nos elementos da celebração uma relação que os une:

a) O acontecimento;
b) A reunião da assembléia;
c) O clima festivo;
d) A escuta da Palavra;
e) Os cantos e orações;
f) A ação celebrativa com sinais, gestos e símbolos;
g) O espaço e o tempo.

A celebração se desenvolve seguindo um ritmo de acordo com as estruturas que sustentam toda ação celebrativa. Existe um fio condutor em toda celebração:

1. A memória do acontecimento;
2. A súplica da presença e ação de Deus;
3. O louvor e a ação de graças;
4. E a iniciação ao mistério celebrado.

Foi o que vimos quando tratamos da anamnese, epiclese, doxologia e mistagogia. Dentro dessa estrutura fundamental inserem-se as formas litúrgicas concretas: leituras, cantos, preces, aclamações, gestos, ritos, etc.

O conjunto de todas elas e seu funcionamento, descritos nos rituais, não são mais que um meio ao serviço dos fins da celebração, ou seja, dos fins da própria liturgia.


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Bibliografia Básica:

MARTÍN, Julián López. No espírito e na verdade: introdução teológica à liturgia. Vol. 1. Petrópolis: Vozes, 1996, pp. 178-201.

SODI, Mânlio. Celebração. In: TRIACCA, A. M. e SARTORE, D. Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulinas, 1992, pp. 183-196.

MARTÍN, Julián López. A liturgia da Igreja: teologia, história, espiritualidade e pastoral. São Paulo: Paulinas, 2006, pp. 137-148.

MINISTÉRIO DE ANIMAÇÃO
DO CANTO LITÚRGICO



Pe. Cristiano Marmelo Pinto*


Começando a nossa conversa...

O Concílio Vaticano II deu um grande passo ao restaurar os ministérios, redescobrindo sua teologia e a noção de serviço. A partir desta renovação deu-se o florescimento de novos ministérios, principalmente a valorização dos ministérios leigos, realçando o protagonismo do leigo e leiga na ação evangelizadora da Igreja. Sem dúvida nenhuma, isto constitui uma grande riqueza para a própria Igreja.

Mas precisamos esclarecer bem o conceito de ministério para não corrermos o risco de erros ou até mesmo de seu mau uso. O desempenho no ministério depende da consciência da missão que a cada um foi confiada pelo próprio Senhor, que chama.

Mas afinal, o que significa “ministério”?

A palavra “ministério” vem do latim (ministérium) e significa “ofício próprio do servo”. Resumindo, significa serviço. Esta palavra é a tradução de uma outra palavra da língua grega “diakonia”. Podemos dizer que os ministérios eclesiais são todos os serviços prestados em favor do Povo de Deus, tendo em vista a Obra da Salvação, realizada pelo Senhor Jesus Cristo, no exercício de seu ministério público.

O próprio Senhor que veio, não para ser servido, mas para servir (cf. Mt 20,28), nos envia, para que façamos o mesmo. Mas na Igreja, nenhum ministério é pessoal, possuem um caráter comunitário: serviço da comunidade. Assim sendo, quando um membro da comunidade eclesial é chamado para servir, deve deixar de lado sua própria vontade para assumir a vontade de Deus. Não é um serviço a si mesmo, mas aos irmãos, principalmente aos mais necessitados, preferidos de Deus. Esta compreensão nos ajudará em muito a atingirmos a gratuidade no serviço e a não fazermos nossa própria vontade, projetos e caprichos em detrimento do bem maior da comunidade e da Igreja.

Mas nem tudo é ministério na Igreja

Embora haja uma variedade de ministérios na Igreja, precisamos saber que nem tudo é ministério, dentro de uma compreensão teológica. Há diferenças mesmo na terminologia para designarmos os serviços na Igreja. Existem os ministérios de fato, e para tal é necessário uma designação das autoridades eclesiais. E temos ainda os serviços que não precisam de uma designação eclesial, e, portanto, não devem ser chamados de ministérios de fato. Ainda em relação à liturgia temos as funções litúrgicas (leitores, acólitos, cantores, etc.).

Hoje é muito comum chamar todo serviço de “ministério”. Precisamos tomar cuidado para não esvaziarmos o seu verdadeiro significado dentro da ministerialidade da Igreja. Mesmo que seja usado, é ainda necessária uma correta compreensão, para que possa ser exercido como tal.

Os chamados “Ministérios de Música”

Os documentos da Igreja que tratam da liturgia não falam de um “ministério de música”. Falam que, a música e o canto possuem um caráter ministerial na liturgia, ou seja, estão a serviço da própria liturgia. Ela, a música, é um meio, não o fim. Porém a Instrução Geral sobre o Missal Romano diz: “Entre os fiéis, exercem sua função litúrgica o grupo de cantores ou coral” (cf. IGMR, nº. 103). A função deste grupo, segundo a IGMR é de executar as partes do canto que lhe cabe e promover a participação da assembléia celebrante no canto. Portanto, a prática pastoral diz que é necessário um grupo para a animação do canto na liturgia. Mas não devemos esquecer que, este grupo faz parte da assembléia, por isso, constitui parte celebrante também. Quem deve cantar é a assembléia, o grupo ajuda, anima, sustenta, mas nunca devem sobressair as vozes dos fiéis, e nem transformar a assembléia em platéia. O grupo de cantores cumpre sua função quando faz a assembléia participar de forma ativa, plena e consciente na liturgia, conforme pede a renovação conciliar sobre a liturgia.

Em muitas comunidades, hoje, é comum encontrarmos os “ministérios de música”. Penso que deveríamos chamá-los de “ministérios de animação do canto litúrgico”. É mais adequado para a função litúrgica que exercem. Muitos destes grupos provem de movimentos eclesiais. Mas, é importante lembrar que, quando um grupo de determinado movimento atua na celebração, ele deve adaptar-se a liturgia da Igreja, onde os cantos devem ser litúrgicos e não simplesmente do movimento a que pertencem, ou de louvor. Estes podem ser usados em outros momentos, como encontros, grupos de oração, etc., mas não na liturgia. É preciso respeitar esta orientação da Igreja.

O que vemos por ai, é que, alguns destes grupos chamados “ministérios de música” não se adaptam as normas litúrgicas, ignorando-as e às vezes desobedecendo ao próprio pastor (presbítero), para impor suas canções à liturgia. Quando um grupo age assim, está deixando de ser um verdadeiro ministério. Uma das qualidades que o “ministério de animação do canto litúrgico” deve ter é a obediência a Igreja. Obediência significa “saber ouvir”. Como uma criança que ouve os ensinamentos dos pais atentamente para saber enfrentar a vida. Saber ouvir o Magistério da Igreja que nos diz como devem ser os cantos na liturgia. Saber ouvir os entendidos em liturgia e música litúrgica para exercer o ministério cada vez melhor. Saber ouvir os Documentos da Igreja que nos dão as normas para a celebração litúrgica. Saber ouvir a voz do pastor. Esta é a verdadeira obediência!

O animador, animadora do canto

A função do animador do canto é uma das mais antigas. Já existia nas sinagogas. Ao cantor cabe a função de animar a assembléia para que ela possa exercer sua participação na celebração através do canto. Deve ter uma boa voz, ouvido musical, senso rítmico e saber comunicar-se com a assembléia celebrante. “Animar o canto da assembléia, de modo que a faça vibrar em uníssono ao cantar estribilhos e refrões ou hinos, ao responder, ao aclamar, com prazer à proclamação das Escrituras, e ainda leva-la a sintonizar profundamente com a Oração Eucarística, dela participando mediante as aclamações, sobretudo o ‘santo’” (CNBB, A Música Litúrgica no Brasil, Estudo 79). Esta função é de suma importância na celebração. É o cantor quem irá coordenar o canto, o grupo de cantores e reger a assembléia, motivando-a para cantar.

Algumas dicas para que o cantor possa exercer bem seu ministério:
• Nunca dizer para a assembléia que o canto é difícil ou feio.
• Fazer uma breve introdução ao canto, destacando o que há de importante na letra, sua função litúrgica, etc.
• Fazer o ensaio dos cantos com a assembléia antes do início da celebração.
• Nunca cantar mais alto que o povo. Sua voz não pode sobressair a voz do povo.
• Elogiar a assembléia. Elogio faz bem a qualquer pessoa.
• A expressão facial deve ser de alegria, incentivadora...
• Não se canta apenas com a boca, mas com todo o ser. Postura conta muito.
• É o animador do canto quem anuncia os cantos na celebração e não o comentarista.
• A comunicação com a assembléia é sumamente importante para o bom desempenho de sua função.
• Nunca cantar de costas para o povo. Sempre de frente.
• Deve estar sempre atento ao presidente da celebração e demais ministros.

O grupo de cantores

Os documentos da Igreja usam vários nomes para designar o grupo de pessoas encarregadas de animar o canto na assembléia. Coro, Coral, Schola Cantorum, Capela Musical, Grupo de Cantores... É verdade que hoje os corais tentam sobreviver a onda das bandas musicais que tocam e cantam na liturgia. Há também grupos de pessoas que cantam nas celebrações que nós designamos simplesmente de grupo de canto. Estes são mais freqüentes hoje em dia. Não são grupos tão especializados como um coral, uma schola cantorum, etc., mas não podemos negar sua função ministerial e a contribuição que estes grupos dão a própria liturgia. A função destes grupos de canto é a de garantir a sustentação do canto do povo. Nunca deve substituir o canto que é próprio do povo. Devemos lembrar que o verdadeiro protagonista do canto é a assembléia celebrante. Mesmo que o grupo de canto ou coral execute uma música sozinhos, não deve ser freqüentes. O grupo faz parte da assembléia, não é um grupo a parte. É importante que, como parte desta assembléia, esteja próximo dela. Nunca num lugar distante. Deve ser como os pulmões, que no meio do povo o incentive a cantar os louvores de Deus. A função do grupo de canto é prestar um serviço ou ministério litúrgico em favor da comunidade que está celebrando.

Alguns lembretes para os grupos de canto:
• A ação litúrgica é essencialmente comunitária. Da mesma forma o canto. Por isso, o canto não é algo exclusivo do grupo, é do povo que celebra.
• Vivemos numa sociedade do espetáculo. Todo mundo quer dar o seu show. Contudo, a liturgia não existe para isso. Portanto, não é lugar de show. A assembléia não é platéia.
• O grupo de canto faz parte da assembléia. Não é um grupo a parte. É importante o sentimento de pertença a comunidade, de comunhão com os irmãos. Devemos estar unidos em harmonia e cordialidade. A unidade deve ser visível no grupo de canto.
• O grupo de canto não é dono da liturgia. Ela pertence ao povo, a Igreja. Por isso, não temos o direito de mudar as coisas conforme nossos próprios interesses, caprichos, ou sentimentos. Seja obediente!
• Ter um profundo respeito e obediência ao pastor de tua comunidade. Lembre: em nome do bispo, é ele quem rege a liturgia na tua comunidade. Saiba ouvir a voz do teu pastor!
• Procure aprender bem os cantos para as celebrações. Não deixe para aprendê-los na hora da missa.
• Lembre-se: respiração é a alma do bem cantar.

Os instrumentistas na liturgia

A questão dos instrumentos na celebração tem sido um ponto de constante desgaste em muitas comunidades. Principalmente com o surgimento das “bandas”. Estas, muitas vezes, na liturgia têm produzido mais ruídos sonoros do que expressão do sagrado. O excesso de volume dos instrumentos, abafando a voz da assembléia, o monopólio do canto, ficando apenas para os cantores da banda, a não compreensão das regras litúrgicas e o não conhecimento do canto litúrgico, tem feito de muitas celebrações momentos de desavenças e desgosto.

Os instrumentos são de muita utilidade na liturgia, desde que esteja a serviço da própria liturgia, da Palavra, do rito e da própria comunidade que celebra. Não há uma classificação dos instrumentos quanto ao uso na liturgia. Seu uso vai depender do contexto no qual se insere na celebração. Os documentos da Igreja abriram espaço para uma inculturação dos instrumentos musicais. Para isto deve-se levar em conta o gênio, a tradição e a cultura de cada povo. Alguns radicais tentam satanizar certos instrumentos. Mas na verdade não existe uma classificação entre instrumentos sagrados ou profanos. É verdade que os documentos da Igreja classificam o órgão de tubo como sendo o mais adequado para o uso na liturgia, mas é igualmente verdade que a diversidade de instrumentos tem valorizado muito o canto e a música litúrgica. Isto não podemos negar. Entre os instrumentos musicais mais usados em nossas comunidades podemos destacar: o violão, os instrumentos de percussão, o acordeão, o órgão, teclado, as flautas, os metais, entre tantos outros. Os instrumentos devem ser tocados de forma adequada ao momento celebrativo e a natureza da própria assembléia. Eles não podem abafar a voz do povo, nem a do grupo de canto.
O instrumentista deve também estar profundamente envolvido na ação litúrgica por sua atenção e participação. Vale aqui o mesmo que foi dito para o grupo de canto.

O papel do instrumentista na celebração é de fundamental importância. Eles têm a função de criar um clima de oração e meditação. Além disto, são os instrumentos que sustentam o canto do povo, determinam em que ritmo serão cantados, o tom, etc.

Os instrumentistas de preferência deveriam acompanhar o andamento do povo e não tocar de tal forma que o povo tenha que correr atrás do instrumento.

A afinação dos instrumentos nunca deve ser feita na igreja, enquanto o povo está chegando, ou quase na hora de começar a celebração. É preciso respeitar quem chega antes na igreja para fazer sua oração pessoal.

Profissionalismo é muito bom na hora de tocar. Mas lembre: você também é um ministro, está a serviço da comunidade. Não se imponha e nem dê show.

O cantor do salmo – o salmista

Sobre o ministério do salmista já dedicamos um artigo inteiro. Quero apenas dar alguns toques para este integrante do canto litúrgico. Por muito tempo o salmista foi um mero desconhecido de todos nós. Porém nos últimos tempos, esta figura está voltando e retomando o seu lugar na ação litúrgica. O salmista é a pessoa encarregada de entoar o salmo responsorial nas celebrações litúrgicas. É importante lembrar que o Salmo é Palavra de Deus. Por isso merece, como as demais, igual respeito e atenção. O salmista pode ser considerado como um cantor-leitor da Palavra de Deus. Precisa ter uma boa formação bíblico-litúrgica, espiritual, musical, aprender as melodias dos salmos, uma formação prática, saber quando subir na estante de leituras, como se comunicar com a assembléia, como usar o microfone, etc. Existem muito material disponível sobre os salmos musicalizados. Merece atenção o livro de partituras “Cantando os Salmos e Aclamações” de Ir. Míria T. Kolling, acompanhado de 3 cds duplos. Também foram publicados dois volumes com os salmos do Ofício Divino das Comunidades. Todo este material foi publicado pela Paulus. Sobre o ministério do salmista, vale a pena dar uma lidinha no livrinho da Ione Buyst “O ministério de leitores e salmistas”, das Paulinas. Existem também muitos livros editados sobre os salmos. Fica também a indicação para ler o artigo publicado por mim sobre o “ministério do salmista”.

O coral

O coral não foi abolido pela reforma litúrgica do Concílio Vaticano II. Ele exerce um verdadeiro ministério quando auxilia a assembléia celebrante a cantar. O coral pode valorizar muito a liturgia cantada. Sua função ministerial é: enriquecer o canto do povo; criar espaços de descanso que fomentem a contemplação em celebrações festivas e animar o canto da assembléia. É importante lembrar que o coral faz parte da assembléia celebrante. Ele não pode eliminar o canto do povo, pois este é quem deve cantar. O papa Pio XII na encíclica “Mediator Dei”, nº. 189, diz: “Tenham em conta as exigências da comunidade cristã, mais do que o critério e o gosto pessoal dos artistas”. Portanto, não se trata de cantar belas peças musicais, mas em primeiro lugar de ajudar o povo a cantar a liturgia, podendo executar algumas partes sozinho, intercalar com a assembléia, mas nunca ignorá-la, transformando os fiéis em meros ouvintes. Podem contribuir em muito cantando a vozes com arranjos, enquanto o povo faz a parte dele. Com a renovação litúrgica o lugar do coral é próximo do povo, nunca distante. Deveríamos evitar o “coro”. Os documentos recomendam que as novas igrejas ao serem construídas pensem num lugar próximo a assembléia, um lugar reservado, mas não distante. O coral faz parte do corpo da assembléia. Assim como os demais ministros da música litúrgica, os membros do coral devem receber uma formação técnico-musical e um preparo litúrgico-espiritual. Devem ser incentivados à participação plena na celebração.

Sobre os ensaios de canto com a assembléia

Não é possível cantar bem sem ensaiar tanto quanto necessário, tomando em consideração a característica de cada povo, as possibilidades de cada assembléia e a importância de cada canto na celebração, sua função ritual. Deve-se conduzir o povo a uma participação gradual dos cantos até atingir a participação plena. Para isso é preciso ser constante em ensaiar, todos os domingos, cinco ou dez minutos antes da celebração. Quem vai dirigir o ensaio deve ser discreto, comunicativo e deve incentivar a assembléia a aprender o canto mostrando sua beleza e o Mistério que é expresso através do canto. O dirigente do ensaio deve conduzir de tal modo o povo ao canto, com gestos naturais, dinâmicos, criativos, envolventes e acolhedor. O grupo de canto já deve ter ensaiado os cantos da celebração antes. Não é o momento do grupo aprender, mas da assembléia.

O ensaio deve ser preparado com antecedência. É preciso levar em conta as pessoas que irão cantá-los: crianças, jovens, adultos, idosos... É importante localizar antes do ensaio as dificuldades mais freqüentes que um canto possa apresentar. Pode-se ensaiar os cantos por trechos. Isto facilita o aprendizado. Uma forma muito boa para ensaiar os cantos é o animador cantar o canto três vezes sozinho, antes de pedir que a comunidade comece a cantar junto com ele. Após ter cantado três vezes, ele pedirá para que a comunidade comece a cantar. Após o cantor e a comunidade ter cantado pela primeira vez juntos, é hora de um bom elogio a assembléia. Isto motivará mesmo os desafinados.


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Bibliografia

DOCUMENTOS SOBRE A MÚSICA LITÚRGICA. São Paulo: Paulus, 2005.
CNBB. Estudo sobre os cantos da missa. Estudo 12. São Paulo: Paulinas, 1978.
ALCALDE, Antonio. Canto e Música Litúrgica. São Paulo: Paulinas, 1998.
GELINEAU, J. Canto e Música no culto cristão. Petrópolis: Vozes, 1968.
FREI FABRETI. Dinâmica para a Equipe de Liturgia. Petrópolis: Vozes, 1991.
BUYST, Ione. Equipe de Liturgia. São Paulo: Paulinas, 2006.
BUYST, Ione. O ministério de leitores e salmistas. São Paulo: Paulinas, 2001.
REVISTA DE LITURGIA. Números: 187,188, 189, 190, 191, 192.






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* Presbítero da Diocese de Santo André, Especialista em Liturgia pelo Centro de Liturgia e Mestrando em Liturgia pela PUC-SP.


CANTO E MÚSICA LITÚRGICA
princípios teológicos,
litúrgicos, pastorais e estéticos


Pe. Cristiano Marmelo Pinto


Esquentando a nossa conversa...

O saudoso papa João Paulo II, na carta que escreveu aos músicos, diz o seguinte: “O aspecto musical das celebrações litúrgicas, portanto, não pode ser relegado nem à improvisação nem ao arbítrio de pessoas individualmente...” Podemos notar uma preocupação do papa para que seja levado a sério a função ministerial do canto e música na liturgia. Para isto, é importante que os músicos e animadores do canto na liturgia, procurem aperfeiçoar seus conhecimentos tanto litúrgicos, como musicais. É igualmente importante que se dedique tempo para que não haja improvisações. Outra questão importante, está ressaltada no mesmo parágrafo, o caráter comunitário do canto litúrgico. Não é feito de um indivíduo, mas da comunidade. Por isso, deve-se levar em conta este aspecto do canto litúrgico, para não corres o risco do gosto pessoal do cantor, ou do grupo de canto.

Continua dizendo o papa: “...mas há de ser confiado a uma direção harmoniosa, no respeito pelas normas e as competências, como significativo fruto de uma formação litúrgica adequada.” A música possui uma sacramentalidade. O documento do Concilio Vaticano II, sobre a liturgia, Sacrosanctum Concilium, 112, afirma que a música é parte integrante da liturgia. Ela está inserida na ação litúrgica. O papa Pio X vai dizer no Motu proprio Tra Le Sollecitudini que: “A música liturgia como parte integrante da liturgia, participa do seu fim: ‘a glorificação de Deus e santificação do homem’. Sua principal função é revestir de melodias os textos litúrgicos, acrescentando mais eficácia ao texto.

Há frutos desta preocupação em nossa Igreja no Brasil. Após o Concílio, procurou-se produzir uma verdadeira música litúrgica, em conformidade com as orientações da Igreja. Exemplo disto são os Encontros de Canto Pastoral... Mas ainda temos grandes desafios pela frente. É preciso criar um repertório bíblico-litúrgico. A Sacrosanctum Concilium diz que a fonte de inspiração dos compositores deve ser, sobretudo bíblica e litúrgica (SC121). Também é urgente a preocupação com a formação litúrgico-musical dos animadores e animadoras do canto litúrgico. Sem conhecermos adequadamente a liturgia e a função ritual do canto litúrgico, não poderemos atender adequadamente os propósitos da renovação litúrgica. É importante para nós o conhecimento exato da liturgia e do nosso ministério como animadores(as) do canto. Somente através do conhecimento correto, poderemos respeitar a função ritual de cada canto na celebração da liturgia, respeitando o seu lugar e o papel que desempenha no contexto litúrgico-celebrativo. Isto é importante! Principalmente em nossos dias, pois, vivemos uma dispersão e uma verdadeira confusão em se tratando de canto litúrgico.

A introdução do texto que nós estamos refletindo nos chama a atenção para nossa responsabilidade em relação ao canto litúrgico. Infelizmente têm se produzido cantos sem nenhum critério litúrgico, e pior ainda, introduzido estes cantos na celebração. Isto é grave e precisa ser corrigido! Cantos selecionados sem critério algum, podem produzir efeitos devastadores em nossas liturgias. É preciso saber discernir, ter critérios, seguir as orientações da Igreja, para não agirmos como maus administradores. Por isso é importante o que vocês estão fazendo. Pararam um pouco para aprender novos cantos a estudarem a liturgia.

O texto da CNBB está dividido em quatro partes. Cada uma delas estuda o canto litúrgico num diferente aspecto, porém, não menos importante que o outro.

a) Ponto de vista teológico
b) Ponto de vista litúrgico
c) Ponto de vista pastoral
d) Ponto de vista estético

Tentaremos sem tomar muito tempo, Falar sobre estes quatros ponto de vistas.

PONTO DE VISTA TEOLÓGICO

“O canto brota da vida da comunidade”. Na celebração litúrgica, a comunidade, principalmente através do canto, celebra e dá testemunho da sua esperança, proclamando a obra salvadora de Deus, realizada no Mistério Pascal de Jesus. “O canto bruta da profundeza do ser...” Está enraizado no nosso desejo por vida, por justiça... O canto é sinal da nossa alegria... O canto é a imagem do sacrifício espiritual... Como dizia Santo Agostinho: “Cantar é próprio de quem ama”. O compositor de música litúrgica deve buscar sua fonte de inspiração na vivência cotidiana do Mistério de Cristo na vida do povo.

“A música litúrgica reflete o Mistério da Encarnação de Cristo”. O Mistério da Encarnação acontece dentro de um contexto sócio-cultural. Ainda hoje, a salvação acontece a partir da realidade cultural de cada povo. A música litúrgica também deve se encarnar na cultura de cada povo. A Sacrocanctum Concilium abre a liturgia para uma verdadeira adaptação a cultura de cada povo. Quando ela vai tratar especificamente do canto diz-se o seguinte: “Estime-se como se deve e dê-se-lhe o lugar que lhe compete, tanto na educação do sentido religioso desses povos como na adaptação da liturgia à sua mentalidade.” Resumindo: deve-se valorizar as raízes musicais de cada povo, de cada cultura...

A principal fonte inspiradora da música litúrgica deve ser bíblico-litúrgica. Ou seja: ela deve buscar na Sagrada Escritura e na própria liturgia sua inspiração. As melhores referências são os salmos e cânticos bíblicos.

“A música litúrgica se insere na dinâmica do memorial...” Através do canto, palavras, melodias, ritmos, harmonias, gestos e dança... a música litúrgica nos ajuda a entrar em contato com a obra salvífica de Deus... É memorial porque não celebra algo do passado, mas que se realiza no hoje de nossa história... A salvação acontece hoje em nossas vidas. Ela torna presente...

“A música litúrgica tem um papel pedagógico...” Ela leva a comunidade a penetrar no Mistério Pascal de Cristo. A liturgia celebra o Mistério Pascal de Cristo e o canto litúrgico participa desta mesma finalidade. Ela brota da ação do Espírito Santo... É ele quem suscita na comunidade a alegria do louvor... alegria pascal... É uma alegria escatológica. Vivendo no hoje a nossa fé, esperamos o amanhã no céu. A música litúrgica expressa a natureza sacramental da Igreja. Ela ajuda a criar comunidade, o corpo místico de Cristo. Une os corações e as vozes...

PONTO DE VISTA LITÚRGICO

“A música litúrgica participa da natureza sacramental da liturgia.” Ela nos ajuda a celebrar cantando o Mistério de Cristo. O Concilio Vaticano II definiu a música como parte integrante da liturgia e, quanto mais unida à ação litúrgica, tanto mais santa, litúrgica será. Deste modo ela não é enfeite... Não é uma coisa que se acrescente a liturgia, a oração... Mas foi, é e sempre será, parte essencial da liturgia cristã.

Uma característica fundamental da música litúrgica é que ela é essencialmente – canto da comunidade. Proporciona a participação da comunidade na celebração através da música e do canto. A música litúrgica deve ajudar a introduzir a comunidade nos Mistérios de Cristo. A comunidade não é uma soma de indivíduo. A comunidade são pessoas que vivem em comunhão, e é a serviço desta comunhão que a música está. Não se deve privilegiar apenas algumas pessoas, ou grupos, mas a comunidade como um todo. A música litúrgica tem que destacar o caráter comunitário da liturgia e nunca individual ou de grupos ou movimentos.

“A música litúrgica é música ritual.” A música está em função de cada momento ritual. Em outras palavras, cantamos o rito, e não inserimos nele algo alheio. É o que queremos dizer quando se falamos em: Não cantar NA liturgia (qualquer coisa, mesmo que bonito), mas cantar A liturgia (cantar os próprios textos litúrgicos, os próprios ritos), levando em conta a natureza de cada rito litúrgico. Há cantos que é rito, ou seja, o próprio rito cantado, e outros que acompanham o rito.

“A música litúrgica está a serviço da Palavra.” Pio X afirma que a principal finalidade da música litúrgica é revestir de adequada melodia o texto litúrgico (TlS 1). O Concílio Vaticano II diz que: “O canto litúrgico, intimamente unido com o texto, constitui parte necessária ou integrante da liturgia” (SC 112). O que deve sobressair é o texto e não a música. O texto deve ser audível. Jamais a música poderá encobri-lo, dificultando a assembléia de entender o que se canta. O Mistério Pascal de Cristo é celebrado dentro do Ano Litúrgico. A música litúrgica deverá obedecer esta pedagogia, se adequando a cada tempo litúrgico e suas festas.

PONTO DE VISTA PASTORAL

“A música litúrgica encarna as finezas e cuidados do Bom Pastor para com seu rebanho.” Aqui há uma preocupação pastoral. Pastoral significa cuidado para com o rebanho. Vejo aqui a importância da Pastoral da Música Litúrgica. O canto litúrgico deve-se caracterizar pela participação de todos da comunidade. Para isto é necessário trabalhar para que o povo tenha uma adequada formação tanto litúrgica como também em relação a música litúrgica, sua função ritual. Para isto acontecer é necessário gastar tempo formando-se para formar os outros. É preciso também ensinar o povo a cantar o canto litúrgico... Parar de ficar dando desculpas do tipo: “O povo chega sempre em cima da hora”, “temos pouco tempo pra isto”, etc.

“A música litúrgica, por outro lado,reflete aquela solidariedade que caracteriza os discípulos de Cristo na sua relação com toda a humanidade...” A Constituição Pastoral Gaudium et Spes, no parágrafo 1, diz que: as alegrias e tristezas da humanidade, são igualmente dos discípulos de Cristo, pois, a Igreja está ligada ao gênero humano e a sua história. Na liturgia celebramos a salvação realizada em Jesus Cristo. Esta salvação é oferecida a todos, e cabe a Igreja oferecê-la. A liturgia celebra a vida de todos. Trazemos nossas alegrias, nossas conquistas... Também trazemos nossas tristezas, angústias e dificuldades... O canto litúrgico não pode ficar alheio a esta realidade. Deve refletir a vida do povo, da comunidade... Os animadores do canto litúrgico devem estar atentos as características de cada assembléia celebrante.

“A música litúrgica é fruto da inspiração de quem vive inserido no meio do povo e no seio da comunidade...” O documento nº 7, da CNBB sobre a Pastoral da Música Litúrgica, orienta para que os compositores de canto litúrgico produzam músicas com as verdadeiras características da música litúrgica, músicas que possam ser cantadas por todos. É preciso que o músico, compositor e animador do canto tenham uma boa formação litúrgica e musical. Tudo isto para que possamos cantar o Mistério de Cristo presente em nossas vidas.

PONTO DE VISTA ESTÉTICO

“A música litúrgica... brota da cultura musical do povo...” A música litúrgica deve se utilizar dos gêneros musicais de cada povo, cada cultura... Os elementos musicais de nossa cultura brasileira, tão rica em ritmos, deve estar presente na música litúrgica. O compositor litúrgico deve expressar o tempo litúrgico, as festas e os momentos da celebração, aproveitando a variedade de gênero musical, buscando o que melhor se encaixe para cada momento ritual, tempo litúrgico, festa, etc. Na Constituição Sacrosanctum Concilium, 119, ao tratar da música em lugares de missão diz o seguinte: “Procure-se, cuidadosamente, que na sua formação musical, os missionários sejam aptos, na medida do possível, para promover a música tradicional dos nativos...” A música é uma linguagem privilegiada que exprime e manifesta a alma e a cultura do povo. Para a liturgia ser autêntica, é preciso usar a linguagem musical que melhor exprime a fé o povo celebrante (cf. Doc. 7 – CNBB).

“A música litúrgica privilegia a linguagem poética.” Deve-se evitar textos complicados, de cunho explicativos, didáticos, doutrinários, catequéticos, moralizantes e idealistas. Estes tipos de textos são estranhos a liturgia. A linguagem a ser usada é a poética, que mais se ajusta ao caráter simbólico da liturgia.

“A música litúrgica prioriza o texto.” Todo o resto está a serviço desta realidade: expressão plena da palavra. Para isto é necessário respeitar cada momento ritual, pois a música deve ser adequada para cada um. Não se canta o canto de abertura da mesma forma que o ato penitencial, a aclamação ao evangelho, canto de comunhão, etc. O mesmo deve ser observado para os outros sacramentos. O texto do canto deve focalizar: a função ministerial (ritual), o tempo litúrgico, a festa... Deve-se levar em conta também, os critérios estabelecidos pelo: Concílio Vaticano II: “Os textos destinados aos cantos litúrgicos sejam conformes à doutrina católica, e sejam tirados principalmente da Sagrada Escritura e das fontes litúrgicas” (SC 112c). Pelos documentos do CELAM: “Os textos litúrgicos levem em conta a dimensão social e comunitária do cristianismo.” Doc 7, da CNBB sobre a Pastoral da Música Litúrgica diz: “Não são admissíveis textos alienados da realidade da vida, nem tampouco textos que instrumentalizem a celebração litúrgica para veicular uma ideologia.”

É importante que haja um verdadeiro casamento entre texto e música em relação a música litúrgica. O texto deve obedecer a métrica e a cadência dos versos, bem como os acentos das palavras, sejam levados em conta pela música, evitando o descompasso. O canto gregoriano e a polifonia sacra continuam sendo boas referências para a composição de cantos litúrgicos. O sistema modal é excelente fonte de inspiração.

O texto que estamos acabando de refletir, termina fazendo uma importante observação: deve-se respeitar a inspiração original do compositor, conforme está expressa na partitura. Caso seja alterada, pode-se perder a riqueza original da inspiração, e empobrecer a qualidade estética da música.


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Bibliografia consultada:

Documentos da Igreja. Documentos sobre a Música Litúrgica. São Paulo: Paulus, 2005.
CNBB. Pastoral da Música Litúrgica no Brasil. Doc. 1. São Paulo: Paulinas, 1976.
CNBB. A Música Litúrgica no Brasil. Estudo 79. São Paulo: Paulus, 1999.
CNBB. Canto e Música na Liturgia: princípios teológicos, litúrgicos, pastorais e estéticos. Brasília: Edições CNBB, 2005.

quinta-feira, 13 de maio de 2010


A Formação Litúrgica

Pe. Cristiano Marmelo Pinto


1. Introdução

A liturgia é uma realidade ligada a fé e a expressão pessoal e social da vida da Igreja. Ela é comporta um duplo movimento: 1º. auto manifestação de Deus em Jesus Cristo; 2º. ação / obra do homem em direção à Deus.

A liturgia não é algo fossilizado ou propriedade de algum povo ou cultura. Ela é antes, um fato vivo, dinâmico. Antes de ser ciência, saber humano, a liturgia é vida, é experiência de encontro com o Mistério do Senhor. Ela é antes de tudo intervenção de Deus na vida dos homens e resposta deste a Deus.

“Para celebrar a liturgia de maneira vital, é preciso não só conhecê-la teoricamente, mas experimentar o que significa a participação no mistério que nela se celebra e se comunica eficazmente.” (p. 299).

Para conhecer a liturgia é preciso recorrer ao seu ensino com todos os instrumentais metodológicos e didáticos de uma verdadeira ciência.

Para celebrá-la é necessário uma iniciação litúrgica, que no fundo está no processo de formação cristã. O caráter dinâmico e vital da celebração litúrgica condiciona a finalidade tanto da ciência litúrgica como da formação litúrgica.

“Toda iniciativa para aprofundar a fé cristã deverá ter a liturgia como um de seus aspectos e dimensões fundamentais. A liturgia é fonte e ápice da vida da Igreja” (cf. SC 10).

A formação litúrgica é uma das condições fundamentais para a renovação e vivência mais profunda da liturgia. O ensino de liturgia é apenas uma parte, embora importante, do processo de formação litúrgica. A ciência litúrgica como formação acadêmica deve orientar-se para a formação integral dos fiéis. Porém, a Formação Litúrgica não é privilégio de alguns, ou não pode ser. A Formação desejada pelo Concílio Vaticano II deve chegar a todos os membros do Povo de Deus, embora seja um dever para os candidatos ao sacerdócio ministerial (cf. SC 19, PO 5).

2. A necessidade da Formação Litúrgica

A Formação Litúrgica é um dos objetivos permanente da renovação da liturgia. Já em 1947, o papa Pio XII na encíclica Mediator Dei recomendava a formação litúrgica dos jovens candidatos ao sacerdócio ministerial.

Porém, foi o Concílio Vaticano II que fez da Formação Litúrgica um pressuposto para a participação plena na liturgia e objetivo da reforma e renovação litúrgica (cf. SC 14-19). Também as Instruções Inter Oecomenici de 1964 (cf. 5, 11-17) e Musicam Sacram de 1967 (cf. 52), fazem referência a necessidade de formação litúrgica do clero.

Em 1979 a Congregação para a Educação Católica publicou uma importante Instrução sobre a Formação Litúrgica nos seminários. Porém, constatou-se que nos últimos anos uma das lacunas na aplicação da renovação litúrgica do Concílio Vaticano II foi exatamente a Formação Litúrgica tanto do clero como dos fiéis.

A Renovação Litúrgica foi o fruto mais visível do Concílio Vaticano II e, de modo geral, foi bem aceita. Esta renovação não visa apenas mudanças externas nos ritos e textos, mas principalmente a participação plena, consciente e ativa da comunidade celebrante no mistério pascal de Cristo. Porém, ainda resta fazer a renovação da mentalidade. Uma renovação que permite penetrar no espírito proposto pelo Concílio. No fundo ainda falta levar o povo até o coração da liturgia, para viver em profundidade o mistério celebrado por ela.

Onde se promoveu a participação do povo na liturgia percebe-se seus frutos. Peça fundamental no incentivo do povo para participar de liturgia, evidentemente são os pastores e agentes bem formados. O que a renovação litúrgica propõe não é somente uma mudança nos ritos externos, mas de assegurar uma verdadeira experiência do mistério celebrado na liturgia.

“Cuidem, pois, os pastores que, além de se observar as exigências de validade e liceidade das celebrações, os fiéis participem da liturgia de maneira ativa e frutuosa, sabendo o que estão fazendo” (SC 11).

“A Igreja deseja ardentemente que todos os fiéis participem das celebrações de maneira consciente e ativa” (SC 14)

O papa João Paulo II, na Carta Apostólica Vicesimus Quintus Annus, na celebração dos 25 anos da constituição conciliar sobre a liturgia, afirma a necessidade urgente de uma formação bíblica e litúrgica do Povo de Deus. Esta formação deve ser dada a começar pelos Seminários, Casas Religiosas, na formação Permanente dos Padres e também aos leigos e leigas, enfim, a todo o Povo de Deus.

“A tarefa que se apresenta mais urgente é a da formação bíblica e litúrgica do povo de Deus: dos pastores e dos fiéis” (VQA, 15).

Continua o papa afirmando da Carta Apostólica, que é uma obra de grande amplitude e que deve durar a vida inteira. Isto para afirmar que a Formação Litúrgica é uma tarefa permanente, principalmente na vida dos padres e religiosos. Da formação dos padres depende a formação de todo o Povo de Deus.

3. O problema da Formação Litúrgica

Como vimos, é urgente a Formação Litúrgica tanto dos padres como também de todo o Povo de Deus. Esta questão tem levantado calorosas discussões nos cursos de graduação em Teologia. Uma das questões de fundo é: qual o lugar da formação litúrgica nos cursos de teologia? Infelizmente, muitas vezes a Ciência Litúrgica é vista em segundo plano.

Há uma séria preocupação para que os candidatos ao ministério ordenado, sejam verdadeiramente iniciados na vivência litúrgica. Em algumas faculdades isso já está mudando, dando maior espaço na grade curricular aos temas relacionados a liturgia. Porém, ainda falta muito a fazer. Visto que o problema já vem desde a catequese que não iniciam na vivência litúrgica.

Também em nossas comunidades percebe-se uma deficiência em relação a Formação Litúrgica de nossas equipes de Pastoral Litúrgica e de maneira geral de toda a comunidade. A Pastoral Litúrgica muitas vezes se preocupa mais com execução e pouca formação. Por isso tudo, nós que temos a oportunidade de estudar a liturgia nos tornamos multiplicadores.

4. O que é a Formação Litúrgica?

O que então é Formação Litúrgica? O que entendemos por Formação? O termo “formação” costuma designar uma ação que dá forma, plasma o caráter, a mentalidade, a atuação e o conhecimento de uma pessoa ou grupo. A formação pressupõe um processo de aprendizagem. A formação deve ser abordada como uma realidade que diz respeito à totalidade da pessoa (Gravissimum Educationis 2).
A formação deve conferir à pessoa uma “forma vital” unitária, que permita a pessoa explicitar e pôr em prática suas capacidades e potencialidades, ou seja, adquirir capacidade teórica para agir e assumir determinados comportamentos.

Neste sentido a Formação Litúrgica é um componente fundamental da formação da pessoa cristã na sua integralidade. As vezes a Formação Litúrgica é entendida apenas como intelectual, transmissão de conteúdos.

A Formação Litúrgica compreende aspectos científicos que podem ser assimilados pelo estudo, como qualquer outro tipo de conhecimento, mas permanece sempre algo que vai além desta possibilidade. Ou seja, antes de ser ciência, objeto de estudo, ela será sempre vivência celebrativa.

Por esse motivo, a Formação Litúrgica não pode ser apenas uma disciplina científica, mas antes de tudo uma experiência celebrativa. A Formação Litúrgica introduz as pessoas na vivência do mistério celebrado. Ela funda e anima a fazer da vida uma oferenda agradável a Deus através de uma participação plena, consciente e ativa na liturgia.

“A liturgia transforma-se assim em “fonte primeira e necessária na qual devem os fiéis beber para assimilar o espírito verdadeiramente cristão” (SC 14).

No processo de Formação Litúrgica deve haver um equilíbrio entre formação sistemática e formação para a ação. Deste modo, as celebrações litúrgicas são, como diz a SC, fonte primeira de iniciação no mistério de Cristo. Em outras palavras, antes de estudar sistematicamente a liturgia, deve-se vivê-la, experimentá-la.

A matéria da Formação Litúrgica é a própria celebração. A Formação Litúrgica não é privilégio de alguns. Todo fiel deve receber uma adequada formação. No caso dos pastores e responsáveis pela liturgia, a formação deve ter um caráter pedagógico e pastoral. A Formação Litúrgica constitui um direito de todo membro do Povo de Deus em razão de seu batismo. A Formação Litúrgica é parte essencial no processo de educação (iniciação) cristã.

5. A Formação Litúrgica nos Padres da Igreja (A Catequese Mistagógica)

A Catequese Mistagógica está sendo redescoberta nos dias de hoje. Este método era utilizado pelos Padres da Igreja nos primeiros séculos cristão. Podemos encontrar o método mistagógico nas Catequeses Mistagógicas de:

1. Santo Ambrósio,
2. São Cirilo de Jerusalém,
3. São João Crisóstomo,
4. Teodóro de Mopsuéstia, entre outros.

Mistagogia é o que os documentos e os papas chamam de iniciação ao mistério da salvação, ou seja, uma introdução progressiva e gradual na vida litúrgica da comunidade cristã. A catequese mistagógica não é uma simples doutrinação do iniciado, mas, uma experiência vital e concreta da iniciação na vida cristã em toda a sua realidade (fé, celebração, caridade, testemunho).

A palavra “mistagogia” vem da composição de duas palavras gregas: “myst” (mistério) e “ agogein” (conduzir, guiar). Literalmente significa: conduzir, guiar para dentro do mistério. Antes de tudo, é a própria liturgia que nos guia para dentro do mistério que celebramos. Ela nos leva à participação do mistério pascal de Cristo, nos insere neste mistério. Mistagogia quer conduzir os iniciados a viver inteiramente o dom recebido, o mistério da salvação.

A meta da catequese mistagógica é a comunhão com Cristo por meio de sua Palavra e da Eucaristia, o que acontece naturalmente no interior da liturgia, segundo o rito da celebração. Esta comunhão com o corpo do Senhor deve levar a participação na vida divina (o que chamamos de deificação).

Hoje se volta a estudar o método mistagógico, não para aplicá-lo tal qual como antes, mas para servir de inspiração e modelo à formação cristã em geral, na catequese, na liturgia e na própria teologia.

A Catequese Mistagógica nos oferece os elementos para entender, intuir o que acontece conosco na ação litúrgica. A Catequese Mistagógica consiste em abrir (ensinar) a mergulhar no mistério celebrado a partir dos sinais sensíveis. Ela nos ajuda na simbolização, nos guia na passagem do sinal material “significante” (objetos, gestos, leituras, ritos, etc.), para a realidade “significada” e realizada pelo sinal. Em outras palavras, nos leva para dentro, para o interior dos sinais e ritos, nos fazendo entrar em contato com o que significa, ou seja, com o próprio mistério celebrado.

Evidentemente que o lugar privilegiado para a Catequese Mistagógica é a própria liturgia, segundo o exemplo dos Padres da Igreja. Há três elementos no método mistagógico:

• A valorização dos sinais sacramentais (gestos, palavras, ritos);
• A interpretação dos ritos à luz da Sagrada Escritura;
• Abertura ao compromisso cristão e eclesial.

É necessário revalorizar a dimensão mistagógica da formação litúrgica. Não podemos permanecer na simples transmissão de conhecimentos, de noções sobre a liturgia. Se queremos de fato promover a participação ativa e consciente é preciso iniciar os fiéis na celebração litúrgica. Enquanto isso não for feito, continuaremos com a mera participação externa na liturgia.

6. Objetivos da Formação Litúrgica

A Formação Litúrgica significa aprofundar na própria realidade litúrgica. É um fato progressivo e permanente. Ela deve estar orientada para os seguintes objetivos: 1. objetivo Global ou Geral; 2. objetivo Eclesial; 3. objetivo Sacramental.

6.1. Objetivo Global

A Formação Litúrgica deve orientar-se para conferir a pessoa uma forma vital, unitária e equilibrada, ajudando-a a assumir o projeto de Jesus em sua vida. Ela não pode ser considerada como um componente isolado da formação cristã. Na vida cristã existem vários níveis: espiritual, religioso e sacramental. A Formação Litúrgica tenderá de preferência para o nível sacramental.

Porém não significa que a Formação Litúrgica deixará de considerar os demais níveis da vida cristã. O nível espiritual se manifesta na reflexão e meditação; o nível religioso é a abertura para o transcendente, sagrado; o nível sacramental realiza uma síntese dos anteriores na busca e abertura para Deus por meio da Palavra proclamada e da ação ritual.

6.2. Objetivo Eclesial

A Formação Litúrgica deve enfatizar que a grande mediadora entre Deus e os homens é a Igreja, a comunidade cristã (cf. LG 1). A liturgia por sua vez é uma ação eclesial – comunitária, de modo que seus participantes fazem parte de um Corpo, que é a Igreja. A Formação Litúrgica deverá educar para a consciência de pertença a Igreja.

Na celebração litúrgica o fiel deve sentir membro da comunidade – assembléia celebrante. Ao mesmo tempo que a Formação Litúrgica deve criar a consciência de pertença a comunidade, o fiel deverá saber que também faz parte de um povo maior – a Igreja Universal.
A Igreja é depositária de tudo o que se vive e celebra na ação litúrgica. Esta convicção garante a unidade e a comunhão. Por isso, a Formação Litúrgica deve ser fiel aos componentes essenciais da liturgia, onde se destaca o caráter eclesial da celebração litúrgica. A comunidade é uma das principais chaves da celebração (cf. SC 26-27, 41-42, 100).

6.3. Objetivo Sacramental

Na liturgia os ritos, gestos e símbolos ocupam uma parte importante, própria da natureza da ação litúrgica. Quem participa da celebração deve estar iniciado na compreensão do significado do símbolo, do rito e do gesto litúrgico. A expressão simbólica e ritual não é um elemento peculiar da liturgia, mas faz parte da própria realidade existencial humana.

A celebração está cheia de gestos que correspondem à dimensão corporal do homem. Isto exige uma iniciação na compreensão da gestualidade e ritualidade litúrgica, e nos diferentes gestos e ritos na liturgia. A Formação Litúrgica deve cuidar da educação para a expressão corporal e para o comportamento ritual, pois gestos e ritos tornam externos atitudes internas.

7. Características da Formação Litúrgica

7.1. Formação Litúrgica Unitária

A Formação Litúrgica tem como tarefa articular a pessoa do aluno em sua situação concreta e o mistério de Cristo presente e atuante na celebração. A pessoa deverá amadurecer em si uma unidade profunda entre liturgia e oração pessoal, entre momento celebrativo e caráter cotidiano. Em outras palavras, quem participa da liturgia é a pessoa na sua totalidade do ser, com sua vida e seu mundo.

A Formação Litúrgica deverá provocar na pessoa uma sincera e total adesão ao Pai, por meio de Jesus Cristo, impulsionado pelo Espírito. Deve considerar que tem diante de si pessoas concretas, com sua realidade. O ponto de partida da é que a própria pessoa que está sendo formada é protagonista da sua formação.

Na Formação Litúrgica o mistério de Cristo deve ser apresentado de maneira sintética e global. Uma visão unitária do mistério de Cristo parte tanto da realização histórica da salvação, como da centralidade da Páscoa de Jesus na história da salvação – tudo tem seu centro no mistério pascal de Cristo. A Formação Litúrgica tem que articular estes dois pólos: o homem em sua realidade concreta de vida e o mistério pascal presente na ação litúrgica.

7.2. Formação Litúrgica adaptada a pessoa

A Formação Litúrgica deve centrar-se antes na pessoa e no sentido dos ritos do que nas formalidades e aspectos estéticos da celebração. Deve levar em conta o processo de desenvolvimento da personalidade cristã de cada pessoa (idade, nível de fé, situação eclesial, etc.).

“Com empenho e paciência procurem os pastores de almas a instrução litúrgica e também promovam a ativa participação interna e externa dos fiéis, segundo a idade, condição, gênero de vida e grau de cultura religiosa” (SC 19).

A Formação Litúrgica não pode apenas referir-se as ações litúrgicas, mas deve orientar e inspirar a vida espiritual. A iniciação na vida litúrgica deve começar no âmbito familiar, continuando depois na catequese comunitária. Por outro lado, os diferentes níveis de fé exigem uma cuidadosa preparação da liturgia e dos que irão dela participar. É preciso formar liturgicamente os fiéis.

Embora a liturgia não deve ser entendida como catequese, ela é um lugar privilegiado para os fiéis receber uma boa formação. No fundo, para a maioria dos cristãos, o momento celebrativo é o espaço que possuem para receber devidas instruções tanto para melhor celebrar como para viver no cotidiano o Projeto de Jesus.

7.3. Formação Litúrgica Mistagógica

Embora já tenhamos falado da Formação Litúrgica mistagógica, daremos mais um espaço á este modelo catequético. Como vimos, mistagogia significa levar os iniciados a viver o mistério da salvação, de modo particular presente na celebração litúrgica. A ação mistagógica é a característica mais significativa da ação litúrgica enquanto ação comunitária. A mistagogia transcende a finalidade meramente educacional, e atende ao objetivo essencial da liturgia.

Ela é mais do que um conjunto de instrumentos e elementos pedagógicos, é a própria ação celebrativa, que nos introduz, nos insere no mistério celebrado. A mistagogia visa formar a partir da própria celebração litúrgica, a partir do rito. Na prática vem a ser o modo pleno de celebrar a liturgia.

Existem apoios que ajudam neste modo pleno de celebrar que configura uma espiritualidade e um estilo de vida. São eles:

1. A comunidade – assembléia litúrgica;
2. O bispo – mistagogo por excelência;
3. A Escritura – Palavra celebrada;
4. A oração e o gesto litúrgico.

8. A Ciência Litúrgica

Depois de percorrermos o tema da Formação Litúrgica, creio ser importante refletirmos sobre o que vem a ser a Ciência Litúrgica. Isso porque no nosso caso, queremos nos formar na Ciência Litúrgica. Porém não vamos aprofundar muito o tema. Uma importante indicação é o texto de Ione Buyst: Como estudar Liturgia (1990), citado na bibliografia básica.

8.1. O que significa fazer Ciência Litúrgica

Ciência é um termo que vem do latim e significa: saber, conhecer, aprender. Podemos interpretar o “conhecer” como “saber fazer”. Conhecer a liturgia, saber liturgia significa “saber fazer” a liturgia, saber celebrá-la. Este saber fazer diz respeito ainda à dimensão teológico-pastoral e mistagógica da liturgia. Trata-se de saber fazer, organizar, preparar e celebrar a liturgia de modo que introduza a pessoa no mistério celebrado.

Este tipo de “saber fazer” com seus aspectos técnicos, estéticos, teológicos, pastorais e mistagógicos, não é o tipo que chamamos de científico, mas como habilidade ou arte. Mais então o que é Ciência Litúrgica? O que é conhecer cientificamente a liturgia?

“A Ciência Litúrgica trata-se de fazer um estudo planejado, ordenado e crítico da liturgia, dos vários tipos e formas celebrativas, elementos, estrutura, dinâmica, etc.”.

Trata-se ainda de aprender o sentido da liturgia como um todo e de cada uma de suas partes. A Ciência Litúrgica é aquisição de um saber, aperfeiçoamento de uma metodologia para se obter este saber e a elaboração de uma norma. Porém, temos que considerar que nenhuma teoria é capaz de esgotar todo o sentido da liturgia.

Entre as várias disciplinas teológicas, a Ciência Litúrgica tem um papel específico, ditado pela especificidade da própria liturgia. Ela não se limita a conhecer a liturgia como está sendo celebrada, tem preocupação com a renovação da liturgia, de modo que a Igreja se realize melhor em sua liturgia. Porém, a Ciência Litúrgica não pode ser confundida com a liturgia nem com a pastoral litúrgica.

A liturgia ou prática celebrativa é a celebração do mistério da salvação através de ação ritual. É realizada pelo liturgo, ou seja, pelo povo celebrante. A pastoral litúrgica trabalha com elementos rituais, pedagógicos e organizacionais. Ela é realizada pelos agentes de pastoral. A teologia litúrgico-pastoral acompanha criticamente, sistematiza e teoriza sobre a celebração. É feita pelo pastoralista.

A Ciência Litúrgica acompanha criticamente a vida e a pastoral litúrgica. Realiza pesquisas, sistematiza e teoriza sobre elas, tendo com referência fundamental o dado da Tradição, estabelecendo critérios teológicos para a pastoral e para a celebração. É realizada pelo liturgista.

A Ciência Litúrgica trabalha com categorias, leis e teorias. Deve elaborar métodos e técnicas de abordagem e verificação. Não trabalha diretamente com o fenômeno, com o objeto real, mas com o objeto científico.

9. A modo de Conclusão

Estamos iniciando um Curso de Teologia Litúrgica. É importante concentrarmos nosso aprendizado em vista de uma melhor participação no mistério celebrado, e depois, nos tornamos formadores de comunidades celebrantes conscientes.

Tudo que aprendermos em nosso curso não pode ficar guardado para nós mesmos, tem que ser compartilhado. É lógico que não faremos Ciência Litúrgica como tal, ela fica para os que se especializam em liturgia, mas queremos aprofundar a Teologia Litúrgica, para melhor compreender a liturgia da Igreja e ajudar nossas comunidades para participar plena, consciente, ativa e frutuosamente de nossas celebrações.

O mais importante é celebrar bem. Não adiante conhecermos as leis, normas da liturgia se não participamos dela. A Formação Litúrgica é condição indispensável para a renovação da vida cristã na Igreja, impulsionada pelo Vaticano II. João Paulo II nos convida, pastores e fiéis, a adquirir esta formação, que com certeza será garantia de uma vida litúrgica mais frutuosa para a Igreja.

Esta formação compreende vários aspectos: conhecimento da liturgia, vivência espiritual e atuação prática. Estes três elementos devem estar presentes na Formação Litúrgica de pastores e fiéis. Na sua globalidade, a Formação Litúrgica será o melhor meio de encontrar na liturgia a fonte de espiritualidade cristã.



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BIBLIOGRAFIA BÁSICA:

MARTÍN, Julián López. No Espírito e na verdade: introdução antropológica à liturgia. Vol. 2. Petrópolis: Vozes, 1997, pp. 299-326.

BUYST, Ione. Como estudar Liturgia. São Paulo: Paulus, 2007.

PETRAZZINI, Maria Luísa. Formação Litúrgica. In: TRIACCA, A. M. e SARTORE, D. Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulinas, 1992, pp. 480-495.