terça-feira, 25 de maio de 2010



CANTO E MÚSICA LITÚRGICA
princípios teológicos,
litúrgicos, pastorais e estéticos


Pe. Cristiano Marmelo Pinto


Esquentando a nossa conversa...

O saudoso papa João Paulo II, na carta que escreveu aos músicos, diz o seguinte: “O aspecto musical das celebrações litúrgicas, portanto, não pode ser relegado nem à improvisação nem ao arbítrio de pessoas individualmente...” Podemos notar uma preocupação do papa para que seja levado a sério a função ministerial do canto e música na liturgia. Para isto, é importante que os músicos e animadores do canto na liturgia, procurem aperfeiçoar seus conhecimentos tanto litúrgicos, como musicais. É igualmente importante que se dedique tempo para que não haja improvisações. Outra questão importante, está ressaltada no mesmo parágrafo, o caráter comunitário do canto litúrgico. Não é feito de um indivíduo, mas da comunidade. Por isso, deve-se levar em conta este aspecto do canto litúrgico, para não corres o risco do gosto pessoal do cantor, ou do grupo de canto.

Continua dizendo o papa: “...mas há de ser confiado a uma direção harmoniosa, no respeito pelas normas e as competências, como significativo fruto de uma formação litúrgica adequada.” A música possui uma sacramentalidade. O documento do Concilio Vaticano II, sobre a liturgia, Sacrosanctum Concilium, 112, afirma que a música é parte integrante da liturgia. Ela está inserida na ação litúrgica. O papa Pio X vai dizer no Motu proprio Tra Le Sollecitudini que: “A música liturgia como parte integrante da liturgia, participa do seu fim: ‘a glorificação de Deus e santificação do homem’. Sua principal função é revestir de melodias os textos litúrgicos, acrescentando mais eficácia ao texto.

Há frutos desta preocupação em nossa Igreja no Brasil. Após o Concílio, procurou-se produzir uma verdadeira música litúrgica, em conformidade com as orientações da Igreja. Exemplo disto são os Encontros de Canto Pastoral... Mas ainda temos grandes desafios pela frente. É preciso criar um repertório bíblico-litúrgico. A Sacrosanctum Concilium diz que a fonte de inspiração dos compositores deve ser, sobretudo bíblica e litúrgica (SC121). Também é urgente a preocupação com a formação litúrgico-musical dos animadores e animadoras do canto litúrgico. Sem conhecermos adequadamente a liturgia e a função ritual do canto litúrgico, não poderemos atender adequadamente os propósitos da renovação litúrgica. É importante para nós o conhecimento exato da liturgia e do nosso ministério como animadores(as) do canto. Somente através do conhecimento correto, poderemos respeitar a função ritual de cada canto na celebração da liturgia, respeitando o seu lugar e o papel que desempenha no contexto litúrgico-celebrativo. Isto é importante! Principalmente em nossos dias, pois, vivemos uma dispersão e uma verdadeira confusão em se tratando de canto litúrgico.

A introdução do texto que nós estamos refletindo nos chama a atenção para nossa responsabilidade em relação ao canto litúrgico. Infelizmente têm se produzido cantos sem nenhum critério litúrgico, e pior ainda, introduzido estes cantos na celebração. Isto é grave e precisa ser corrigido! Cantos selecionados sem critério algum, podem produzir efeitos devastadores em nossas liturgias. É preciso saber discernir, ter critérios, seguir as orientações da Igreja, para não agirmos como maus administradores. Por isso é importante o que vocês estão fazendo. Pararam um pouco para aprender novos cantos a estudarem a liturgia.

O texto da CNBB está dividido em quatro partes. Cada uma delas estuda o canto litúrgico num diferente aspecto, porém, não menos importante que o outro.

a) Ponto de vista teológico
b) Ponto de vista litúrgico
c) Ponto de vista pastoral
d) Ponto de vista estético

Tentaremos sem tomar muito tempo, Falar sobre estes quatros ponto de vistas.

PONTO DE VISTA TEOLÓGICO

“O canto brota da vida da comunidade”. Na celebração litúrgica, a comunidade, principalmente através do canto, celebra e dá testemunho da sua esperança, proclamando a obra salvadora de Deus, realizada no Mistério Pascal de Jesus. “O canto bruta da profundeza do ser...” Está enraizado no nosso desejo por vida, por justiça... O canto é sinal da nossa alegria... O canto é a imagem do sacrifício espiritual... Como dizia Santo Agostinho: “Cantar é próprio de quem ama”. O compositor de música litúrgica deve buscar sua fonte de inspiração na vivência cotidiana do Mistério de Cristo na vida do povo.

“A música litúrgica reflete o Mistério da Encarnação de Cristo”. O Mistério da Encarnação acontece dentro de um contexto sócio-cultural. Ainda hoje, a salvação acontece a partir da realidade cultural de cada povo. A música litúrgica também deve se encarnar na cultura de cada povo. A Sacrocanctum Concilium abre a liturgia para uma verdadeira adaptação a cultura de cada povo. Quando ela vai tratar especificamente do canto diz-se o seguinte: “Estime-se como se deve e dê-se-lhe o lugar que lhe compete, tanto na educação do sentido religioso desses povos como na adaptação da liturgia à sua mentalidade.” Resumindo: deve-se valorizar as raízes musicais de cada povo, de cada cultura...

A principal fonte inspiradora da música litúrgica deve ser bíblico-litúrgica. Ou seja: ela deve buscar na Sagrada Escritura e na própria liturgia sua inspiração. As melhores referências são os salmos e cânticos bíblicos.

“A música litúrgica se insere na dinâmica do memorial...” Através do canto, palavras, melodias, ritmos, harmonias, gestos e dança... a música litúrgica nos ajuda a entrar em contato com a obra salvífica de Deus... É memorial porque não celebra algo do passado, mas que se realiza no hoje de nossa história... A salvação acontece hoje em nossas vidas. Ela torna presente...

“A música litúrgica tem um papel pedagógico...” Ela leva a comunidade a penetrar no Mistério Pascal de Cristo. A liturgia celebra o Mistério Pascal de Cristo e o canto litúrgico participa desta mesma finalidade. Ela brota da ação do Espírito Santo... É ele quem suscita na comunidade a alegria do louvor... alegria pascal... É uma alegria escatológica. Vivendo no hoje a nossa fé, esperamos o amanhã no céu. A música litúrgica expressa a natureza sacramental da Igreja. Ela ajuda a criar comunidade, o corpo místico de Cristo. Une os corações e as vozes...

PONTO DE VISTA LITÚRGICO

“A música litúrgica participa da natureza sacramental da liturgia.” Ela nos ajuda a celebrar cantando o Mistério de Cristo. O Concilio Vaticano II definiu a música como parte integrante da liturgia e, quanto mais unida à ação litúrgica, tanto mais santa, litúrgica será. Deste modo ela não é enfeite... Não é uma coisa que se acrescente a liturgia, a oração... Mas foi, é e sempre será, parte essencial da liturgia cristã.

Uma característica fundamental da música litúrgica é que ela é essencialmente – canto da comunidade. Proporciona a participação da comunidade na celebração através da música e do canto. A música litúrgica deve ajudar a introduzir a comunidade nos Mistérios de Cristo. A comunidade não é uma soma de indivíduo. A comunidade são pessoas que vivem em comunhão, e é a serviço desta comunhão que a música está. Não se deve privilegiar apenas algumas pessoas, ou grupos, mas a comunidade como um todo. A música litúrgica tem que destacar o caráter comunitário da liturgia e nunca individual ou de grupos ou movimentos.

“A música litúrgica é música ritual.” A música está em função de cada momento ritual. Em outras palavras, cantamos o rito, e não inserimos nele algo alheio. É o que queremos dizer quando se falamos em: Não cantar NA liturgia (qualquer coisa, mesmo que bonito), mas cantar A liturgia (cantar os próprios textos litúrgicos, os próprios ritos), levando em conta a natureza de cada rito litúrgico. Há cantos que é rito, ou seja, o próprio rito cantado, e outros que acompanham o rito.

“A música litúrgica está a serviço da Palavra.” Pio X afirma que a principal finalidade da música litúrgica é revestir de adequada melodia o texto litúrgico (TlS 1). O Concílio Vaticano II diz que: “O canto litúrgico, intimamente unido com o texto, constitui parte necessária ou integrante da liturgia” (SC 112). O que deve sobressair é o texto e não a música. O texto deve ser audível. Jamais a música poderá encobri-lo, dificultando a assembléia de entender o que se canta. O Mistério Pascal de Cristo é celebrado dentro do Ano Litúrgico. A música litúrgica deverá obedecer esta pedagogia, se adequando a cada tempo litúrgico e suas festas.

PONTO DE VISTA PASTORAL

“A música litúrgica encarna as finezas e cuidados do Bom Pastor para com seu rebanho.” Aqui há uma preocupação pastoral. Pastoral significa cuidado para com o rebanho. Vejo aqui a importância da Pastoral da Música Litúrgica. O canto litúrgico deve-se caracterizar pela participação de todos da comunidade. Para isto é necessário trabalhar para que o povo tenha uma adequada formação tanto litúrgica como também em relação a música litúrgica, sua função ritual. Para isto acontecer é necessário gastar tempo formando-se para formar os outros. É preciso também ensinar o povo a cantar o canto litúrgico... Parar de ficar dando desculpas do tipo: “O povo chega sempre em cima da hora”, “temos pouco tempo pra isto”, etc.

“A música litúrgica, por outro lado,reflete aquela solidariedade que caracteriza os discípulos de Cristo na sua relação com toda a humanidade...” A Constituição Pastoral Gaudium et Spes, no parágrafo 1, diz que: as alegrias e tristezas da humanidade, são igualmente dos discípulos de Cristo, pois, a Igreja está ligada ao gênero humano e a sua história. Na liturgia celebramos a salvação realizada em Jesus Cristo. Esta salvação é oferecida a todos, e cabe a Igreja oferecê-la. A liturgia celebra a vida de todos. Trazemos nossas alegrias, nossas conquistas... Também trazemos nossas tristezas, angústias e dificuldades... O canto litúrgico não pode ficar alheio a esta realidade. Deve refletir a vida do povo, da comunidade... Os animadores do canto litúrgico devem estar atentos as características de cada assembléia celebrante.

“A música litúrgica é fruto da inspiração de quem vive inserido no meio do povo e no seio da comunidade...” O documento nº 7, da CNBB sobre a Pastoral da Música Litúrgica, orienta para que os compositores de canto litúrgico produzam músicas com as verdadeiras características da música litúrgica, músicas que possam ser cantadas por todos. É preciso que o músico, compositor e animador do canto tenham uma boa formação litúrgica e musical. Tudo isto para que possamos cantar o Mistério de Cristo presente em nossas vidas.

PONTO DE VISTA ESTÉTICO

“A música litúrgica... brota da cultura musical do povo...” A música litúrgica deve se utilizar dos gêneros musicais de cada povo, cada cultura... Os elementos musicais de nossa cultura brasileira, tão rica em ritmos, deve estar presente na música litúrgica. O compositor litúrgico deve expressar o tempo litúrgico, as festas e os momentos da celebração, aproveitando a variedade de gênero musical, buscando o que melhor se encaixe para cada momento ritual, tempo litúrgico, festa, etc. Na Constituição Sacrosanctum Concilium, 119, ao tratar da música em lugares de missão diz o seguinte: “Procure-se, cuidadosamente, que na sua formação musical, os missionários sejam aptos, na medida do possível, para promover a música tradicional dos nativos...” A música é uma linguagem privilegiada que exprime e manifesta a alma e a cultura do povo. Para a liturgia ser autêntica, é preciso usar a linguagem musical que melhor exprime a fé o povo celebrante (cf. Doc. 7 – CNBB).

“A música litúrgica privilegia a linguagem poética.” Deve-se evitar textos complicados, de cunho explicativos, didáticos, doutrinários, catequéticos, moralizantes e idealistas. Estes tipos de textos são estranhos a liturgia. A linguagem a ser usada é a poética, que mais se ajusta ao caráter simbólico da liturgia.

“A música litúrgica prioriza o texto.” Todo o resto está a serviço desta realidade: expressão plena da palavra. Para isto é necessário respeitar cada momento ritual, pois a música deve ser adequada para cada um. Não se canta o canto de abertura da mesma forma que o ato penitencial, a aclamação ao evangelho, canto de comunhão, etc. O mesmo deve ser observado para os outros sacramentos. O texto do canto deve focalizar: a função ministerial (ritual), o tempo litúrgico, a festa... Deve-se levar em conta também, os critérios estabelecidos pelo: Concílio Vaticano II: “Os textos destinados aos cantos litúrgicos sejam conformes à doutrina católica, e sejam tirados principalmente da Sagrada Escritura e das fontes litúrgicas” (SC 112c). Pelos documentos do CELAM: “Os textos litúrgicos levem em conta a dimensão social e comunitária do cristianismo.” Doc 7, da CNBB sobre a Pastoral da Música Litúrgica diz: “Não são admissíveis textos alienados da realidade da vida, nem tampouco textos que instrumentalizem a celebração litúrgica para veicular uma ideologia.”

É importante que haja um verdadeiro casamento entre texto e música em relação a música litúrgica. O texto deve obedecer a métrica e a cadência dos versos, bem como os acentos das palavras, sejam levados em conta pela música, evitando o descompasso. O canto gregoriano e a polifonia sacra continuam sendo boas referências para a composição de cantos litúrgicos. O sistema modal é excelente fonte de inspiração.

O texto que estamos acabando de refletir, termina fazendo uma importante observação: deve-se respeitar a inspiração original do compositor, conforme está expressa na partitura. Caso seja alterada, pode-se perder a riqueza original da inspiração, e empobrecer a qualidade estética da música.


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Bibliografia consultada:

Documentos da Igreja. Documentos sobre a Música Litúrgica. São Paulo: Paulus, 2005.
CNBB. Pastoral da Música Litúrgica no Brasil. Doc. 1. São Paulo: Paulinas, 1976.
CNBB. A Música Litúrgica no Brasil. Estudo 79. São Paulo: Paulus, 1999.
CNBB. Canto e Música na Liturgia: princípios teológicos, litúrgicos, pastorais e estéticos. Brasília: Edições CNBB, 2005.

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