MINISTÉRIO DE ANIMAÇÃO
DO CANTO LITÚRGICO
Pe. Cristiano Marmelo Pinto*
Começando a nossa conversa...
O Concílio Vaticano II deu um grande passo ao restaurar os ministérios, redescobrindo sua teologia e a noção de serviço. A partir desta renovação deu-se o florescimento de novos ministérios, principalmente a valorização dos ministérios leigos, realçando o protagonismo do leigo e leiga na ação evangelizadora da Igreja. Sem dúvida nenhuma, isto constitui uma grande riqueza para a própria Igreja.
Mas precisamos esclarecer bem o conceito de ministério para não corrermos o risco de erros ou até mesmo de seu mau uso. O desempenho no ministério depende da consciência da missão que a cada um foi confiada pelo próprio Senhor, que chama.
Mas afinal, o que significa “ministério”?
A palavra “ministério” vem do latim (ministérium) e significa “ofício próprio do servo”. Resumindo, significa serviço. Esta palavra é a tradução de uma outra palavra da língua grega “diakonia”. Podemos dizer que os ministérios eclesiais são todos os serviços prestados em favor do Povo de Deus, tendo em vista a Obra da Salvação, realizada pelo Senhor Jesus Cristo, no exercício de seu ministério público.
O próprio Senhor que veio, não para ser servido, mas para servir (cf. Mt 20,28), nos envia, para que façamos o mesmo. Mas na Igreja, nenhum ministério é pessoal, possuem um caráter comunitário: serviço da comunidade. Assim sendo, quando um membro da comunidade eclesial é chamado para servir, deve deixar de lado sua própria vontade para assumir a vontade de Deus. Não é um serviço a si mesmo, mas aos irmãos, principalmente aos mais necessitados, preferidos de Deus. Esta compreensão nos ajudará em muito a atingirmos a gratuidade no serviço e a não fazermos nossa própria vontade, projetos e caprichos em detrimento do bem maior da comunidade e da Igreja.
Mas nem tudo é ministério na Igreja
Embora haja uma variedade de ministérios na Igreja, precisamos saber que nem tudo é ministério, dentro de uma compreensão teológica. Há diferenças mesmo na terminologia para designarmos os serviços na Igreja. Existem os ministérios de fato, e para tal é necessário uma designação das autoridades eclesiais. E temos ainda os serviços que não precisam de uma designação eclesial, e, portanto, não devem ser chamados de ministérios de fato. Ainda em relação à liturgia temos as funções litúrgicas (leitores, acólitos, cantores, etc.).
Hoje é muito comum chamar todo serviço de “ministério”. Precisamos tomar cuidado para não esvaziarmos o seu verdadeiro significado dentro da ministerialidade da Igreja. Mesmo que seja usado, é ainda necessária uma correta compreensão, para que possa ser exercido como tal.
Os chamados “Ministérios de Música”
Os documentos da Igreja que tratam da liturgia não falam de um “ministério de música”. Falam que, a música e o canto possuem um caráter ministerial na liturgia, ou seja, estão a serviço da própria liturgia. Ela, a música, é um meio, não o fim. Porém a Instrução Geral sobre o Missal Romano diz: “Entre os fiéis, exercem sua função litúrgica o grupo de cantores ou coral” (cf. IGMR, nº. 103). A função deste grupo, segundo a IGMR é de executar as partes do canto que lhe cabe e promover a participação da assembléia celebrante no canto. Portanto, a prática pastoral diz que é necessário um grupo para a animação do canto na liturgia. Mas não devemos esquecer que, este grupo faz parte da assembléia, por isso, constitui parte celebrante também. Quem deve cantar é a assembléia, o grupo ajuda, anima, sustenta, mas nunca devem sobressair as vozes dos fiéis, e nem transformar a assembléia em platéia. O grupo de cantores cumpre sua função quando faz a assembléia participar de forma ativa, plena e consciente na liturgia, conforme pede a renovação conciliar sobre a liturgia.
Em muitas comunidades, hoje, é comum encontrarmos os “ministérios de música”. Penso que deveríamos chamá-los de “ministérios de animação do canto litúrgico”. É mais adequado para a função litúrgica que exercem. Muitos destes grupos provem de movimentos eclesiais. Mas, é importante lembrar que, quando um grupo de determinado movimento atua na celebração, ele deve adaptar-se a liturgia da Igreja, onde os cantos devem ser litúrgicos e não simplesmente do movimento a que pertencem, ou de louvor. Estes podem ser usados em outros momentos, como encontros, grupos de oração, etc., mas não na liturgia. É preciso respeitar esta orientação da Igreja.
O que vemos por ai, é que, alguns destes grupos chamados “ministérios de música” não se adaptam as normas litúrgicas, ignorando-as e às vezes desobedecendo ao próprio pastor (presbítero), para impor suas canções à liturgia. Quando um grupo age assim, está deixando de ser um verdadeiro ministério. Uma das qualidades que o “ministério de animação do canto litúrgico” deve ter é a obediência a Igreja. Obediência significa “saber ouvir”. Como uma criança que ouve os ensinamentos dos pais atentamente para saber enfrentar a vida. Saber ouvir o Magistério da Igreja que nos diz como devem ser os cantos na liturgia. Saber ouvir os entendidos em liturgia e música litúrgica para exercer o ministério cada vez melhor. Saber ouvir os Documentos da Igreja que nos dão as normas para a celebração litúrgica. Saber ouvir a voz do pastor. Esta é a verdadeira obediência!
O animador, animadora do canto
A função do animador do canto é uma das mais antigas. Já existia nas sinagogas. Ao cantor cabe a função de animar a assembléia para que ela possa exercer sua participação na celebração através do canto. Deve ter uma boa voz, ouvido musical, senso rítmico e saber comunicar-se com a assembléia celebrante. “Animar o canto da assembléia, de modo que a faça vibrar em uníssono ao cantar estribilhos e refrões ou hinos, ao responder, ao aclamar, com prazer à proclamação das Escrituras, e ainda leva-la a sintonizar profundamente com a Oração Eucarística, dela participando mediante as aclamações, sobretudo o ‘santo’” (CNBB, A Música Litúrgica no Brasil, Estudo 79). Esta função é de suma importância na celebração. É o cantor quem irá coordenar o canto, o grupo de cantores e reger a assembléia, motivando-a para cantar.
Algumas dicas para que o cantor possa exercer bem seu ministério:
• Nunca dizer para a assembléia que o canto é difícil ou feio.
• Fazer uma breve introdução ao canto, destacando o que há de importante na letra, sua função litúrgica, etc.
• Fazer o ensaio dos cantos com a assembléia antes do início da celebração.
• Nunca cantar mais alto que o povo. Sua voz não pode sobressair a voz do povo.
• Elogiar a assembléia. Elogio faz bem a qualquer pessoa.
• A expressão facial deve ser de alegria, incentivadora...
• Não se canta apenas com a boca, mas com todo o ser. Postura conta muito.
• É o animador do canto quem anuncia os cantos na celebração e não o comentarista.
• A comunicação com a assembléia é sumamente importante para o bom desempenho de sua função.
• Nunca cantar de costas para o povo. Sempre de frente.
• Deve estar sempre atento ao presidente da celebração e demais ministros.
O grupo de cantores
Os documentos da Igreja usam vários nomes para designar o grupo de pessoas encarregadas de animar o canto na assembléia. Coro, Coral, Schola Cantorum, Capela Musical, Grupo de Cantores... É verdade que hoje os corais tentam sobreviver a onda das bandas musicais que tocam e cantam na liturgia. Há também grupos de pessoas que cantam nas celebrações que nós designamos simplesmente de grupo de canto. Estes são mais freqüentes hoje em dia. Não são grupos tão especializados como um coral, uma schola cantorum, etc., mas não podemos negar sua função ministerial e a contribuição que estes grupos dão a própria liturgia. A função destes grupos de canto é a de garantir a sustentação do canto do povo. Nunca deve substituir o canto que é próprio do povo. Devemos lembrar que o verdadeiro protagonista do canto é a assembléia celebrante. Mesmo que o grupo de canto ou coral execute uma música sozinhos, não deve ser freqüentes. O grupo faz parte da assembléia, não é um grupo a parte. É importante que, como parte desta assembléia, esteja próximo dela. Nunca num lugar distante. Deve ser como os pulmões, que no meio do povo o incentive a cantar os louvores de Deus. A função do grupo de canto é prestar um serviço ou ministério litúrgico em favor da comunidade que está celebrando.
Alguns lembretes para os grupos de canto:
• A ação litúrgica é essencialmente comunitária. Da mesma forma o canto. Por isso, o canto não é algo exclusivo do grupo, é do povo que celebra.
• Vivemos numa sociedade do espetáculo. Todo mundo quer dar o seu show. Contudo, a liturgia não existe para isso. Portanto, não é lugar de show. A assembléia não é platéia.
• O grupo de canto faz parte da assembléia. Não é um grupo a parte. É importante o sentimento de pertença a comunidade, de comunhão com os irmãos. Devemos estar unidos em harmonia e cordialidade. A unidade deve ser visível no grupo de canto.
• O grupo de canto não é dono da liturgia. Ela pertence ao povo, a Igreja. Por isso, não temos o direito de mudar as coisas conforme nossos próprios interesses, caprichos, ou sentimentos. Seja obediente!
• Ter um profundo respeito e obediência ao pastor de tua comunidade. Lembre: em nome do bispo, é ele quem rege a liturgia na tua comunidade. Saiba ouvir a voz do teu pastor!
• Procure aprender bem os cantos para as celebrações. Não deixe para aprendê-los na hora da missa.
• Lembre-se: respiração é a alma do bem cantar.
Os instrumentistas na liturgia
A questão dos instrumentos na celebração tem sido um ponto de constante desgaste em muitas comunidades. Principalmente com o surgimento das “bandas”. Estas, muitas vezes, na liturgia têm produzido mais ruídos sonoros do que expressão do sagrado. O excesso de volume dos instrumentos, abafando a voz da assembléia, o monopólio do canto, ficando apenas para os cantores da banda, a não compreensão das regras litúrgicas e o não conhecimento do canto litúrgico, tem feito de muitas celebrações momentos de desavenças e desgosto.
Os instrumentos são de muita utilidade na liturgia, desde que esteja a serviço da própria liturgia, da Palavra, do rito e da própria comunidade que celebra. Não há uma classificação dos instrumentos quanto ao uso na liturgia. Seu uso vai depender do contexto no qual se insere na celebração. Os documentos da Igreja abriram espaço para uma inculturação dos instrumentos musicais. Para isto deve-se levar em conta o gênio, a tradição e a cultura de cada povo. Alguns radicais tentam satanizar certos instrumentos. Mas na verdade não existe uma classificação entre instrumentos sagrados ou profanos. É verdade que os documentos da Igreja classificam o órgão de tubo como sendo o mais adequado para o uso na liturgia, mas é igualmente verdade que a diversidade de instrumentos tem valorizado muito o canto e a música litúrgica. Isto não podemos negar. Entre os instrumentos musicais mais usados em nossas comunidades podemos destacar: o violão, os instrumentos de percussão, o acordeão, o órgão, teclado, as flautas, os metais, entre tantos outros. Os instrumentos devem ser tocados de forma adequada ao momento celebrativo e a natureza da própria assembléia. Eles não podem abafar a voz do povo, nem a do grupo de canto.
O instrumentista deve também estar profundamente envolvido na ação litúrgica por sua atenção e participação. Vale aqui o mesmo que foi dito para o grupo de canto.
O papel do instrumentista na celebração é de fundamental importância. Eles têm a função de criar um clima de oração e meditação. Além disto, são os instrumentos que sustentam o canto do povo, determinam em que ritmo serão cantados, o tom, etc.
Os instrumentistas de preferência deveriam acompanhar o andamento do povo e não tocar de tal forma que o povo tenha que correr atrás do instrumento.
A afinação dos instrumentos nunca deve ser feita na igreja, enquanto o povo está chegando, ou quase na hora de começar a celebração. É preciso respeitar quem chega antes na igreja para fazer sua oração pessoal.
Profissionalismo é muito bom na hora de tocar. Mas lembre: você também é um ministro, está a serviço da comunidade. Não se imponha e nem dê show.
O cantor do salmo – o salmista
Sobre o ministério do salmista já dedicamos um artigo inteiro. Quero apenas dar alguns toques para este integrante do canto litúrgico. Por muito tempo o salmista foi um mero desconhecido de todos nós. Porém nos últimos tempos, esta figura está voltando e retomando o seu lugar na ação litúrgica. O salmista é a pessoa encarregada de entoar o salmo responsorial nas celebrações litúrgicas. É importante lembrar que o Salmo é Palavra de Deus. Por isso merece, como as demais, igual respeito e atenção. O salmista pode ser considerado como um cantor-leitor da Palavra de Deus. Precisa ter uma boa formação bíblico-litúrgica, espiritual, musical, aprender as melodias dos salmos, uma formação prática, saber quando subir na estante de leituras, como se comunicar com a assembléia, como usar o microfone, etc. Existem muito material disponível sobre os salmos musicalizados. Merece atenção o livro de partituras “Cantando os Salmos e Aclamações” de Ir. Míria T. Kolling, acompanhado de 3 cds duplos. Também foram publicados dois volumes com os salmos do Ofício Divino das Comunidades. Todo este material foi publicado pela Paulus. Sobre o ministério do salmista, vale a pena dar uma lidinha no livrinho da Ione Buyst “O ministério de leitores e salmistas”, das Paulinas. Existem também muitos livros editados sobre os salmos. Fica também a indicação para ler o artigo publicado por mim sobre o “ministério do salmista”.
O coral
O coral não foi abolido pela reforma litúrgica do Concílio Vaticano II. Ele exerce um verdadeiro ministério quando auxilia a assembléia celebrante a cantar. O coral pode valorizar muito a liturgia cantada. Sua função ministerial é: enriquecer o canto do povo; criar espaços de descanso que fomentem a contemplação em celebrações festivas e animar o canto da assembléia. É importante lembrar que o coral faz parte da assembléia celebrante. Ele não pode eliminar o canto do povo, pois este é quem deve cantar. O papa Pio XII na encíclica “Mediator Dei”, nº. 189, diz: “Tenham em conta as exigências da comunidade cristã, mais do que o critério e o gosto pessoal dos artistas”. Portanto, não se trata de cantar belas peças musicais, mas em primeiro lugar de ajudar o povo a cantar a liturgia, podendo executar algumas partes sozinho, intercalar com a assembléia, mas nunca ignorá-la, transformando os fiéis em meros ouvintes. Podem contribuir em muito cantando a vozes com arranjos, enquanto o povo faz a parte dele. Com a renovação litúrgica o lugar do coral é próximo do povo, nunca distante. Deveríamos evitar o “coro”. Os documentos recomendam que as novas igrejas ao serem construídas pensem num lugar próximo a assembléia, um lugar reservado, mas não distante. O coral faz parte do corpo da assembléia. Assim como os demais ministros da música litúrgica, os membros do coral devem receber uma formação técnico-musical e um preparo litúrgico-espiritual. Devem ser incentivados à participação plena na celebração.
Sobre os ensaios de canto com a assembléia
Não é possível cantar bem sem ensaiar tanto quanto necessário, tomando em consideração a característica de cada povo, as possibilidades de cada assembléia e a importância de cada canto na celebração, sua função ritual. Deve-se conduzir o povo a uma participação gradual dos cantos até atingir a participação plena. Para isso é preciso ser constante em ensaiar, todos os domingos, cinco ou dez minutos antes da celebração. Quem vai dirigir o ensaio deve ser discreto, comunicativo e deve incentivar a assembléia a aprender o canto mostrando sua beleza e o Mistério que é expresso através do canto. O dirigente do ensaio deve conduzir de tal modo o povo ao canto, com gestos naturais, dinâmicos, criativos, envolventes e acolhedor. O grupo de canto já deve ter ensaiado os cantos da celebração antes. Não é o momento do grupo aprender, mas da assembléia.
O ensaio deve ser preparado com antecedência. É preciso levar em conta as pessoas que irão cantá-los: crianças, jovens, adultos, idosos... É importante localizar antes do ensaio as dificuldades mais freqüentes que um canto possa apresentar. Pode-se ensaiar os cantos por trechos. Isto facilita o aprendizado. Uma forma muito boa para ensaiar os cantos é o animador cantar o canto três vezes sozinho, antes de pedir que a comunidade comece a cantar junto com ele. Após ter cantado três vezes, ele pedirá para que a comunidade comece a cantar. Após o cantor e a comunidade ter cantado pela primeira vez juntos, é hora de um bom elogio a assembléia. Isto motivará mesmo os desafinados.
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Bibliografia
DOCUMENTOS SOBRE A MÚSICA LITÚRGICA. São Paulo: Paulus, 2005.
CNBB. Estudo sobre os cantos da missa. Estudo 12. São Paulo: Paulinas, 1978.
ALCALDE, Antonio. Canto e Música Litúrgica. São Paulo: Paulinas, 1998.
GELINEAU, J. Canto e Música no culto cristão. Petrópolis: Vozes, 1968.
FREI FABRETI. Dinâmica para a Equipe de Liturgia. Petrópolis: Vozes, 1991.
BUYST, Ione. Equipe de Liturgia. São Paulo: Paulinas, 2006.
BUYST, Ione. O ministério de leitores e salmistas. São Paulo: Paulinas, 2001.
REVISTA DE LITURGIA. Números: 187,188, 189, 190, 191, 192.
DO CANTO LITÚRGICO
Pe. Cristiano Marmelo Pinto*
Começando a nossa conversa...
O Concílio Vaticano II deu um grande passo ao restaurar os ministérios, redescobrindo sua teologia e a noção de serviço. A partir desta renovação deu-se o florescimento de novos ministérios, principalmente a valorização dos ministérios leigos, realçando o protagonismo do leigo e leiga na ação evangelizadora da Igreja. Sem dúvida nenhuma, isto constitui uma grande riqueza para a própria Igreja.
Mas precisamos esclarecer bem o conceito de ministério para não corrermos o risco de erros ou até mesmo de seu mau uso. O desempenho no ministério depende da consciência da missão que a cada um foi confiada pelo próprio Senhor, que chama.
Mas afinal, o que significa “ministério”?
A palavra “ministério” vem do latim (ministérium) e significa “ofício próprio do servo”. Resumindo, significa serviço. Esta palavra é a tradução de uma outra palavra da língua grega “diakonia”. Podemos dizer que os ministérios eclesiais são todos os serviços prestados em favor do Povo de Deus, tendo em vista a Obra da Salvação, realizada pelo Senhor Jesus Cristo, no exercício de seu ministério público.
O próprio Senhor que veio, não para ser servido, mas para servir (cf. Mt 20,28), nos envia, para que façamos o mesmo. Mas na Igreja, nenhum ministério é pessoal, possuem um caráter comunitário: serviço da comunidade. Assim sendo, quando um membro da comunidade eclesial é chamado para servir, deve deixar de lado sua própria vontade para assumir a vontade de Deus. Não é um serviço a si mesmo, mas aos irmãos, principalmente aos mais necessitados, preferidos de Deus. Esta compreensão nos ajudará em muito a atingirmos a gratuidade no serviço e a não fazermos nossa própria vontade, projetos e caprichos em detrimento do bem maior da comunidade e da Igreja.
Mas nem tudo é ministério na Igreja
Embora haja uma variedade de ministérios na Igreja, precisamos saber que nem tudo é ministério, dentro de uma compreensão teológica. Há diferenças mesmo na terminologia para designarmos os serviços na Igreja. Existem os ministérios de fato, e para tal é necessário uma designação das autoridades eclesiais. E temos ainda os serviços que não precisam de uma designação eclesial, e, portanto, não devem ser chamados de ministérios de fato. Ainda em relação à liturgia temos as funções litúrgicas (leitores, acólitos, cantores, etc.).
Hoje é muito comum chamar todo serviço de “ministério”. Precisamos tomar cuidado para não esvaziarmos o seu verdadeiro significado dentro da ministerialidade da Igreja. Mesmo que seja usado, é ainda necessária uma correta compreensão, para que possa ser exercido como tal.
Os chamados “Ministérios de Música”
Os documentos da Igreja que tratam da liturgia não falam de um “ministério de música”. Falam que, a música e o canto possuem um caráter ministerial na liturgia, ou seja, estão a serviço da própria liturgia. Ela, a música, é um meio, não o fim. Porém a Instrução Geral sobre o Missal Romano diz: “Entre os fiéis, exercem sua função litúrgica o grupo de cantores ou coral” (cf. IGMR, nº. 103). A função deste grupo, segundo a IGMR é de executar as partes do canto que lhe cabe e promover a participação da assembléia celebrante no canto. Portanto, a prática pastoral diz que é necessário um grupo para a animação do canto na liturgia. Mas não devemos esquecer que, este grupo faz parte da assembléia, por isso, constitui parte celebrante também. Quem deve cantar é a assembléia, o grupo ajuda, anima, sustenta, mas nunca devem sobressair as vozes dos fiéis, e nem transformar a assembléia em platéia. O grupo de cantores cumpre sua função quando faz a assembléia participar de forma ativa, plena e consciente na liturgia, conforme pede a renovação conciliar sobre a liturgia.
Em muitas comunidades, hoje, é comum encontrarmos os “ministérios de música”. Penso que deveríamos chamá-los de “ministérios de animação do canto litúrgico”. É mais adequado para a função litúrgica que exercem. Muitos destes grupos provem de movimentos eclesiais. Mas, é importante lembrar que, quando um grupo de determinado movimento atua na celebração, ele deve adaptar-se a liturgia da Igreja, onde os cantos devem ser litúrgicos e não simplesmente do movimento a que pertencem, ou de louvor. Estes podem ser usados em outros momentos, como encontros, grupos de oração, etc., mas não na liturgia. É preciso respeitar esta orientação da Igreja.
O que vemos por ai, é que, alguns destes grupos chamados “ministérios de música” não se adaptam as normas litúrgicas, ignorando-as e às vezes desobedecendo ao próprio pastor (presbítero), para impor suas canções à liturgia. Quando um grupo age assim, está deixando de ser um verdadeiro ministério. Uma das qualidades que o “ministério de animação do canto litúrgico” deve ter é a obediência a Igreja. Obediência significa “saber ouvir”. Como uma criança que ouve os ensinamentos dos pais atentamente para saber enfrentar a vida. Saber ouvir o Magistério da Igreja que nos diz como devem ser os cantos na liturgia. Saber ouvir os entendidos em liturgia e música litúrgica para exercer o ministério cada vez melhor. Saber ouvir os Documentos da Igreja que nos dão as normas para a celebração litúrgica. Saber ouvir a voz do pastor. Esta é a verdadeira obediência!
O animador, animadora do canto
A função do animador do canto é uma das mais antigas. Já existia nas sinagogas. Ao cantor cabe a função de animar a assembléia para que ela possa exercer sua participação na celebração através do canto. Deve ter uma boa voz, ouvido musical, senso rítmico e saber comunicar-se com a assembléia celebrante. “Animar o canto da assembléia, de modo que a faça vibrar em uníssono ao cantar estribilhos e refrões ou hinos, ao responder, ao aclamar, com prazer à proclamação das Escrituras, e ainda leva-la a sintonizar profundamente com a Oração Eucarística, dela participando mediante as aclamações, sobretudo o ‘santo’” (CNBB, A Música Litúrgica no Brasil, Estudo 79). Esta função é de suma importância na celebração. É o cantor quem irá coordenar o canto, o grupo de cantores e reger a assembléia, motivando-a para cantar.
Algumas dicas para que o cantor possa exercer bem seu ministério:
• Nunca dizer para a assembléia que o canto é difícil ou feio.
• Fazer uma breve introdução ao canto, destacando o que há de importante na letra, sua função litúrgica, etc.
• Fazer o ensaio dos cantos com a assembléia antes do início da celebração.
• Nunca cantar mais alto que o povo. Sua voz não pode sobressair a voz do povo.
• Elogiar a assembléia. Elogio faz bem a qualquer pessoa.
• A expressão facial deve ser de alegria, incentivadora...
• Não se canta apenas com a boca, mas com todo o ser. Postura conta muito.
• É o animador do canto quem anuncia os cantos na celebração e não o comentarista.
• A comunicação com a assembléia é sumamente importante para o bom desempenho de sua função.
• Nunca cantar de costas para o povo. Sempre de frente.
• Deve estar sempre atento ao presidente da celebração e demais ministros.
O grupo de cantores
Os documentos da Igreja usam vários nomes para designar o grupo de pessoas encarregadas de animar o canto na assembléia. Coro, Coral, Schola Cantorum, Capela Musical, Grupo de Cantores... É verdade que hoje os corais tentam sobreviver a onda das bandas musicais que tocam e cantam na liturgia. Há também grupos de pessoas que cantam nas celebrações que nós designamos simplesmente de grupo de canto. Estes são mais freqüentes hoje em dia. Não são grupos tão especializados como um coral, uma schola cantorum, etc., mas não podemos negar sua função ministerial e a contribuição que estes grupos dão a própria liturgia. A função destes grupos de canto é a de garantir a sustentação do canto do povo. Nunca deve substituir o canto que é próprio do povo. Devemos lembrar que o verdadeiro protagonista do canto é a assembléia celebrante. Mesmo que o grupo de canto ou coral execute uma música sozinhos, não deve ser freqüentes. O grupo faz parte da assembléia, não é um grupo a parte. É importante que, como parte desta assembléia, esteja próximo dela. Nunca num lugar distante. Deve ser como os pulmões, que no meio do povo o incentive a cantar os louvores de Deus. A função do grupo de canto é prestar um serviço ou ministério litúrgico em favor da comunidade que está celebrando.
Alguns lembretes para os grupos de canto:
• A ação litúrgica é essencialmente comunitária. Da mesma forma o canto. Por isso, o canto não é algo exclusivo do grupo, é do povo que celebra.
• Vivemos numa sociedade do espetáculo. Todo mundo quer dar o seu show. Contudo, a liturgia não existe para isso. Portanto, não é lugar de show. A assembléia não é platéia.
• O grupo de canto faz parte da assembléia. Não é um grupo a parte. É importante o sentimento de pertença a comunidade, de comunhão com os irmãos. Devemos estar unidos em harmonia e cordialidade. A unidade deve ser visível no grupo de canto.
• O grupo de canto não é dono da liturgia. Ela pertence ao povo, a Igreja. Por isso, não temos o direito de mudar as coisas conforme nossos próprios interesses, caprichos, ou sentimentos. Seja obediente!
• Ter um profundo respeito e obediência ao pastor de tua comunidade. Lembre: em nome do bispo, é ele quem rege a liturgia na tua comunidade. Saiba ouvir a voz do teu pastor!
• Procure aprender bem os cantos para as celebrações. Não deixe para aprendê-los na hora da missa.
• Lembre-se: respiração é a alma do bem cantar.
Os instrumentistas na liturgia
A questão dos instrumentos na celebração tem sido um ponto de constante desgaste em muitas comunidades. Principalmente com o surgimento das “bandas”. Estas, muitas vezes, na liturgia têm produzido mais ruídos sonoros do que expressão do sagrado. O excesso de volume dos instrumentos, abafando a voz da assembléia, o monopólio do canto, ficando apenas para os cantores da banda, a não compreensão das regras litúrgicas e o não conhecimento do canto litúrgico, tem feito de muitas celebrações momentos de desavenças e desgosto.
Os instrumentos são de muita utilidade na liturgia, desde que esteja a serviço da própria liturgia, da Palavra, do rito e da própria comunidade que celebra. Não há uma classificação dos instrumentos quanto ao uso na liturgia. Seu uso vai depender do contexto no qual se insere na celebração. Os documentos da Igreja abriram espaço para uma inculturação dos instrumentos musicais. Para isto deve-se levar em conta o gênio, a tradição e a cultura de cada povo. Alguns radicais tentam satanizar certos instrumentos. Mas na verdade não existe uma classificação entre instrumentos sagrados ou profanos. É verdade que os documentos da Igreja classificam o órgão de tubo como sendo o mais adequado para o uso na liturgia, mas é igualmente verdade que a diversidade de instrumentos tem valorizado muito o canto e a música litúrgica. Isto não podemos negar. Entre os instrumentos musicais mais usados em nossas comunidades podemos destacar: o violão, os instrumentos de percussão, o acordeão, o órgão, teclado, as flautas, os metais, entre tantos outros. Os instrumentos devem ser tocados de forma adequada ao momento celebrativo e a natureza da própria assembléia. Eles não podem abafar a voz do povo, nem a do grupo de canto.
O instrumentista deve também estar profundamente envolvido na ação litúrgica por sua atenção e participação. Vale aqui o mesmo que foi dito para o grupo de canto.
O papel do instrumentista na celebração é de fundamental importância. Eles têm a função de criar um clima de oração e meditação. Além disto, são os instrumentos que sustentam o canto do povo, determinam em que ritmo serão cantados, o tom, etc.
Os instrumentistas de preferência deveriam acompanhar o andamento do povo e não tocar de tal forma que o povo tenha que correr atrás do instrumento.
A afinação dos instrumentos nunca deve ser feita na igreja, enquanto o povo está chegando, ou quase na hora de começar a celebração. É preciso respeitar quem chega antes na igreja para fazer sua oração pessoal.
Profissionalismo é muito bom na hora de tocar. Mas lembre: você também é um ministro, está a serviço da comunidade. Não se imponha e nem dê show.
O cantor do salmo – o salmista
Sobre o ministério do salmista já dedicamos um artigo inteiro. Quero apenas dar alguns toques para este integrante do canto litúrgico. Por muito tempo o salmista foi um mero desconhecido de todos nós. Porém nos últimos tempos, esta figura está voltando e retomando o seu lugar na ação litúrgica. O salmista é a pessoa encarregada de entoar o salmo responsorial nas celebrações litúrgicas. É importante lembrar que o Salmo é Palavra de Deus. Por isso merece, como as demais, igual respeito e atenção. O salmista pode ser considerado como um cantor-leitor da Palavra de Deus. Precisa ter uma boa formação bíblico-litúrgica, espiritual, musical, aprender as melodias dos salmos, uma formação prática, saber quando subir na estante de leituras, como se comunicar com a assembléia, como usar o microfone, etc. Existem muito material disponível sobre os salmos musicalizados. Merece atenção o livro de partituras “Cantando os Salmos e Aclamações” de Ir. Míria T. Kolling, acompanhado de 3 cds duplos. Também foram publicados dois volumes com os salmos do Ofício Divino das Comunidades. Todo este material foi publicado pela Paulus. Sobre o ministério do salmista, vale a pena dar uma lidinha no livrinho da Ione Buyst “O ministério de leitores e salmistas”, das Paulinas. Existem também muitos livros editados sobre os salmos. Fica também a indicação para ler o artigo publicado por mim sobre o “ministério do salmista”.
O coral
O coral não foi abolido pela reforma litúrgica do Concílio Vaticano II. Ele exerce um verdadeiro ministério quando auxilia a assembléia celebrante a cantar. O coral pode valorizar muito a liturgia cantada. Sua função ministerial é: enriquecer o canto do povo; criar espaços de descanso que fomentem a contemplação em celebrações festivas e animar o canto da assembléia. É importante lembrar que o coral faz parte da assembléia celebrante. Ele não pode eliminar o canto do povo, pois este é quem deve cantar. O papa Pio XII na encíclica “Mediator Dei”, nº. 189, diz: “Tenham em conta as exigências da comunidade cristã, mais do que o critério e o gosto pessoal dos artistas”. Portanto, não se trata de cantar belas peças musicais, mas em primeiro lugar de ajudar o povo a cantar a liturgia, podendo executar algumas partes sozinho, intercalar com a assembléia, mas nunca ignorá-la, transformando os fiéis em meros ouvintes. Podem contribuir em muito cantando a vozes com arranjos, enquanto o povo faz a parte dele. Com a renovação litúrgica o lugar do coral é próximo do povo, nunca distante. Deveríamos evitar o “coro”. Os documentos recomendam que as novas igrejas ao serem construídas pensem num lugar próximo a assembléia, um lugar reservado, mas não distante. O coral faz parte do corpo da assembléia. Assim como os demais ministros da música litúrgica, os membros do coral devem receber uma formação técnico-musical e um preparo litúrgico-espiritual. Devem ser incentivados à participação plena na celebração.
Sobre os ensaios de canto com a assembléia
Não é possível cantar bem sem ensaiar tanto quanto necessário, tomando em consideração a característica de cada povo, as possibilidades de cada assembléia e a importância de cada canto na celebração, sua função ritual. Deve-se conduzir o povo a uma participação gradual dos cantos até atingir a participação plena. Para isso é preciso ser constante em ensaiar, todos os domingos, cinco ou dez minutos antes da celebração. Quem vai dirigir o ensaio deve ser discreto, comunicativo e deve incentivar a assembléia a aprender o canto mostrando sua beleza e o Mistério que é expresso através do canto. O dirigente do ensaio deve conduzir de tal modo o povo ao canto, com gestos naturais, dinâmicos, criativos, envolventes e acolhedor. O grupo de canto já deve ter ensaiado os cantos da celebração antes. Não é o momento do grupo aprender, mas da assembléia.
O ensaio deve ser preparado com antecedência. É preciso levar em conta as pessoas que irão cantá-los: crianças, jovens, adultos, idosos... É importante localizar antes do ensaio as dificuldades mais freqüentes que um canto possa apresentar. Pode-se ensaiar os cantos por trechos. Isto facilita o aprendizado. Uma forma muito boa para ensaiar os cantos é o animador cantar o canto três vezes sozinho, antes de pedir que a comunidade comece a cantar junto com ele. Após ter cantado três vezes, ele pedirá para que a comunidade comece a cantar. Após o cantor e a comunidade ter cantado pela primeira vez juntos, é hora de um bom elogio a assembléia. Isto motivará mesmo os desafinados.
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Bibliografia
DOCUMENTOS SOBRE A MÚSICA LITÚRGICA. São Paulo: Paulus, 2005.
CNBB. Estudo sobre os cantos da missa. Estudo 12. São Paulo: Paulinas, 1978.
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FREI FABRETI. Dinâmica para a Equipe de Liturgia. Petrópolis: Vozes, 1991.
BUYST, Ione. Equipe de Liturgia. São Paulo: Paulinas, 2006.
BUYST, Ione. O ministério de leitores e salmistas. São Paulo: Paulinas, 2001.
REVISTA DE LITURGIA. Números: 187,188, 189, 190, 191, 192.
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* Presbítero da Diocese de Santo André, Especialista em Liturgia pelo Centro de Liturgia e Mestrando em Liturgia pela PUC-SP.
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