segunda-feira, 14 de dezembro de 2009


A FORMAÇÃO LITÚRGICA[1]

Ione Buyst

1. Formação litúrgica integral

De 11 a 15 de fevereiro deste ano, a CNBB organizou um seminário sobre pastoral litúrgica. Participaram umas sessenta pessoas (bispos, padres, leigos e leigas, músicos e compositores, arquitetos e arquitetas...) representando vários regionais do Brasil. Aprofundamos os três aspectos da pastoral litúrgica: a celebração, a formação e a articulação (organização). No final do seminário, o ‘grito geral’ foi por mais formação litúrgica em todos os níveis da vida eclesial: do povo, das equipes de liturgia, dos compositores, cantores e instrumentistas, dos arquitetos e outros responsáveis pela organização do espaço litúrgico, das/dos catequistas, das religiosas e dos religiosos, dos diáconos, presbíteros e bispos, dos professores nos institutos de teologia e casas de formação... Ninguém escapa!

Mas, afinal, como devemos entender a ‘formação litúrgica’ e qual o objetivo da mesma? Na ‘carta magna’ da liturgia, a Constituição sobre a Sagrada Liturgia do Concílio Vaticano II, nos nn. 14-18, a formação litúrgica é apontada como uma necessidade para que o povo cristão, povo santo e sacerdotal, possa participar da liturgia. Na liturgia não pode haver ninguém na platéia ou na arquibancada! Liturgia não é espetáculo! A comunidade toda é ‘atora’, ‘jogadora’, agente, sujeito ativo da ação litúrgica! Participar significa tomar parte, atuar na liturgia: reunir-se com os irmãos e irmãs da comunidade para fazer memória de Jesus, ouvindo e meditando a Palavra de Deus, orando, louvando e agradecendo, experimentando a ação de Deus e respondendo a ele, tudo isso com gestos e sinais sensíveis, sinais simbólicos.

Portanto, liturgia tem a ver com ação. Só que o ser humano não é uma máquina! Não pode fazer as coisas mecanicamente, sem pensar, sem sentir! Uma ação humana de verdade envolve o ser humano ‘integral’: corpo, mente, coração. Na liturgia, não basta fazer o sinal da cruz, cantar, entrar na procissão, ‘tomar a hóstia’... É preciso agir e acompanhar esta ação com a mente e o coração; é preciso entender e sentir o que se está fazendo. Como diz o texto da SC: trata-se de uma participação ativa, externa e interna, consciente, plena, frutuosa. Daí a necessidade de uma formação litúrgica ‘integral’, envolvendo todas as dimensões do ser humano e envolvendo todas as dimensões da liturgia: a ação ritual, seu sentido teológico, sua espiritualidade.

Há muita gente formada, muita gente engajada na pastoral litúrgica; há muitos cursos e encontros de estudo sobre a liturgia, mas o resultado não está sendo de todo satisfatório. Em muitos lugares, há muita insatisfação com a maneira como celebramos e com os resultados de tantos cursos e encontros. Por que? Talvez porque na maior parte das vezes ficamos na teoria. Falta-nos integrar na formação a dimensão teologal e espiritual da liturgia. Falta-nos aprender a fazer liturgia, integrando corpo, mente e coração nesta ação. É uma questão de método! Ninguém aprende a cozinhar ou conduzir um carro, ou tocar um instrumento musical, ou jogar futebol sentado num banco de escola, assistindo somente aulas teóricas; assim também com a liturgia! Daí a necessidade urgente de se rever a maneira de ‘dar’ formação litúrgica. Somente com o esforço conjugado de todas as pessoas envolvidas poderemos dar a volta por cima e modificar a ‘cara’ da liturgia. E é bom lembrar: quando falamos de liturgia e formação litúrgica, estamos incluindo a música e a organização do espaço litúrgico.

2. Formação litúrgica autêntica

Os primeiros cristãos eram considerados ateus, gente sem religião, porque não tinham templo, nem altar, nem sacerdócio. Entendiam que era preciso fazer de sua própria vida uma liturgia, da qual eles mesmos/as eram, em Cristo e no Espírito, o templo, o altar, o sacerdócio. Assim, a liturgia cristã autêntica é a vida vivida no amor e no Espírito de Cristo, em todos os momentos de nossa vida, no serviço (‘leiturgia’!) a Deus e aos irmãos e irmãs, no trabalho incansável pelo Reino, até a doação da própria vida se for preciso, tendo como exemplo o próprio Jesus. “Prova de amor maior não há que doar a vida pelo irmão...” (Cf. Jo 15,13).

Mas, como fica, então, a celebração litúrgica? Não serve para nada? Claro que sim. Mas é preciso equilibrar as duas coisas. Liturgia-celebração e liturgia-vida se relacionam como a última ceia de Jesus de um lado e de outro lado sua missão messiânica no meio do povo e sua morte de cruz como conseqüência desta missão. Uma não existe sem a outra. A última ceia foi um gesto simbólico no qual Jesus nos faz compreender o sentido de sua vida e de sua morte. Sem sua vida de doação e sua morte real, a ceia perderia seu sentido. Assim também a nossa liturgia: se não vivermos no dia-a-dia aquilo que celebramos, de nada vale a celebração. A liturgia-celebração sem a liturgia-vida é como aquela casa construída sobre a areia: ‘caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos (...) e a casa caiu. E foi grande sua ruína” ). De nada adianta chamar ‘Senhor, Senhor!’ É preciso por em prática a palavra do Senhor. (Cf. Mt 7,21-27; Lc 6,46-49).

De outro lado, a liturgia-vida sem a liturgia-celebração carece de referências. É na liturgia-celebração que a comunidade reunida encontra o sentido atual para sua ação. Alimenta-se no encontro com o Cristo Ressuscitado, na escuta e interpretação da Palavra, no memorial da celebração eucarística; no louvor e na intercessão da liturgia das horas. Em cada celebração litúrgica une-se mais profundamente a Cristo, no Espírito Santo, renovando seu compromisso de viver a serviço do Reino de Deus, de organizar de uma sociedade justa, fraterna, igualitária de modo a eliminar a fome, a miséria, a exclusão, o ódio, a vingança, as guerras...; de fazer valer a lei do amor e do serviço, incluir os excluídos, salvar vidas, salvar o planeta; impregnar nossa própria vida e a sociedade com os valores evangélicos, tão contrários a certos ‘valores’ apregoados pelo mundo dos negócios, da política, da propaganda comercial.

Celebrações litúrgicas que não tem por base e fundamento este compromisso, não é liturgia cristã de verdade, não é liturgia autêntica. Uma formação litúrgica que se preocupa apenas com o aspecto celebrativo, sem a referência à vida vivida como liturgia, não é uma formação litúrgica cristã autêntica.

3. Formação litúrgica teologal

Para conhecer e compreender a liturgia, é preciso saber ver para além daquilo que se vê, ouvir para além daquilo que é falado e cantado, saborear além daquilo que é servido. É que ‘liturgia’ é um acontecimento teologal: Deus vem ao nosso encontro e nos atinge de cheio com sua palavra e sua ação transformadora, por meio das ações rituais, simbólico-sacramentais. Olhemos hoje mais de perto este lado ‘escondido’ da liturgia, o ‘mistério’ que nela celebramos, aquilo que Deus - Pai, Filho, Espírito Santo - realiza em nós, conforme nos ensinam os textos litúrgicos, tirados das sagradas escrituras ou nelas inspiradas.

Fomos batizados/as na água da fonte batismal. São Paulo nos fala do sentido ‘escondido’ deste nosso batismo: “Fomos sepultados com ele [Cristo] na sua morte, para que, como Cristo ressurgiu dos mortos para a glória do Pai, assim também nós vivamos uma vida nova. Se nos tornamos o mesmo ser com ele por uma morte semelhante à sua, o seremos igualmente por uma comum ressurreição” (Rm 6). Somos assim, para sempre, destinados/as a carregar em nós as marcas da morte e da ressurreição de Cristo e de viver de acordo com esta realidade.

Fomos confirmados/as com o óleo do santo crisma e a imposição das mãos do bispo. As palavras que acompanham esta ação nos ensinam a realidade ‘escondida’ que acontece conosco: “Receba, por este sinal, o Espírito Santo, dom de Deus.” A partir deste momento, somos destinados/as a viver de acordo com este Espírito.

Celebramos juntos e juntas a liturgia eucarística em volta da mesa com pão e vinho; e, bem no coração desta liturgia, depois da narrativa da última ceia, cantamos: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte, e proclamamos vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!” Eis, de fato, o ‘mistério de nossa fé’, o sentido escondido, a realidade sacramental. Pela ‘memória’ litúrgica, pela ação do Espírito Santo, acontece em nós aquilo que celebramos: juntos participamos da morte e ressurreição de Jesus, enquanto esperamos a plena realização de seu Reino entre nós. Comungando do Pão e do Vinho sobre a qual foi pronunciada a ação de graças e invocado o Espírito Santo, somos feitos um só Corpo em Cristo morto e ressuscitado.

‘Mistério da fé!’ Em que consiste, pois, ‘nossa fé’? Não se trata simplesmente de uma atitude religiosa, reverente, para com o mistério da vida. Isso é importante, mas não basta. O ‘mistério da fé’ proclamado na liturgia cristã, refere-se à ‘fé’ recebida dos apóstolos e transmitida de geração em geração. É sintetizada no ‘Creio...’. Expressa nossa aceitação, nossa adesão à pessoa de Jesus, reconhecido com o revelador de Deus, e adesão ao projeto do Reino de Deus que ele veio proclamar e inaugurar, como relatam os evangelhos. E isso só é possível, porque o Espírito de Deus, que nos foi dado, nos ajuda a compreender e viver aquilo que cremos. Ele nos transforma gradativamente em gente renovada, gente que sabe interpretar os sinais da presença de Deus no dia-a-dia e que dá testemunho do amor de Deus pelo seu modo de viver e atuar na sociedade.

Liturgia é uma ação ritual, expressão simbólico-sacramental de nossa fé. É o ‘mistério de nossa fé’ como que ‘escondido’ nos ‘sinais sensíveis’ da celebração litúrgica. Não basta participar ‘exteriormente’, é preciso deixar-se transformar interiormente pela ação do Espírito do Cristo Ressuscitado, que atua nas ações litúrgicas.

4. Formação litúrgica espiritual.

Todas as celebrações litúrgicas são 'ações rituais', simbólico-sacramentais, que vem carregadas de uma profunda realidade teologal. Por isso, a formação litúrgica deve se preocupar com a ritualidade e com teologia litúrgica. Mas não basta. Devemos abrir caminhos para que as pessoas aprendam a 'beber' da liturgia como sendo fonte da vida espiritual cristã. Por que? Para nós, cristãos, 'vida espiritual' é 'vida no Espírito de Jesus Cristo'. E este Espírito nos é dado, ele é dom do Pai. Mas, onde nos é dado o Espírito de Jesus Cristo? O lugar principal, a fonte 'primeira e necessária' (SC 14), são as celebrações litúrgicas: o batismo, a confirmação, a eucaristia, a celebração da palavra, o ofício divino, o ano litúrgico, as bênçãos, etc... (contanto que sejam, de fato, celebradas com qualidade espiritual, e não como puro formalismo!). E como funciona isso? De que forma temos acesso a este dom do Pai? Não basta simplesmente 'assistir' às celebrações litúrgicas; é preciso abrir nosso próprio espírito para receber o Espírito de Jesus Cristo, o Espírito de Deus. É preciso prestar atenção a cada gesto, cada palavra..., participar corporal e espiritualmente. Pois é! Esta é a característica da espiritualidade litúrgica: ela passa pelo corpo, atento e sensível. As ações litúrgicas são ações do próprio Cristo e de seu Espírito para nos fazer parte de sua vida, para vivermos constantemente em comunhão com ele e com o Pai. Voltando à imagem da fonte: pela participação corporal-espiritual na liturgia, 'bebemos' o jeito de ser de Jesus, sua relação com o Pai e com o povo, sua entrega radical a serviço do Reino e nos deixamos 'moldar' por ele mediante o encontro com os irmãos e irmãs, os salmos, as orações, a escuta e interpretação das leituras bíblicas, as ações simbólicas, a música ritual, o espaço litúrgico... Somos assim como que 'encharcados' pelo Espírito de amor que nos leva a viver em união com Jesus, continuando em nossa história atual a missão dele, abrindo espaço para a vinda do Reino de Deus em todas as realidades de nossa vida pessoal e social. Portanto, nada de confundir 'Espírito Santo' e 'espiritualidade' com intimismo ou sentimentalismo. Interioridade, sim; intimismo, não. Afeto e sentimento, sim; sentimentalismo, não.

E por falar em interioridade: é uma dimensão do ser humano muito esquecida hoje em dia. Muita gente perdeu (ou nunca teve) contato com seu 'eu' mais genuíno, mais profundo, onde nos aguarda Deus, o Mistério. O que podemos fazer para crescer em interioridade? Algumas coisas bem simples podem ser um bom começo: 1- Aprenda a respirar conscientemente, profundamente, prestando atenção a cada inspiração e expiração, 'conectando' com Deus, lembrando que nosso 'sopro' é símbolo do próprio Espírito de Deus que anima todo o nosso ser. 2- Sempre que puder (no ônibus, no metrô, antes de levantar ou se deitar, nos intervalos...), pare, fique em silêncio, olhe para dentro de si e 'pense na vida', sinta-se em comunhão com as outras pessoas, com as árvores, as flores, os pássaros, as estrelas... e com Deus! 3- Adquira o hábito de fazer um ou dois momentos de meditação a cada dia, com um texto bíblico (leitura orante) ou simplesmente repetindo, de coração, uma invocação bíblica, como por exemplo, Maranatha (Vem, Senhor Jesus!), ou Senhor Jesus, tem compaixão... Fazendo assim, o Espírito Santo encontrará a porta aberto para nos atingir profundamente, em nossa interioridade, como discípulos/as, para depois nos 'lançar' como missionários/as, para fora, na sociedade, no mundo, na busca de uma maneira mais solidária e igualitária de se organizar a sociedade.

5. Formação litúrgica mistagógica

'Mistagogia' vem de uma composição de duas palavras gregas: 'myst- ' e 'agogein'. É uma palavra que indica uma prática muito antiga, redescoberta recentemente: guiar para dentro do mistério.

Antes de tudo, é a própria liturgia que nos guia para dentro do mistério que celebramos. Pela participação na ação ritual somos introduzidos/as, iniciados/as, mergulhados/a no mistério. A liturgia nos leva à experiência da fé através da participação nos 'ritos e preces' (Cf. SC 48). Todos os elementos e o dinamismo das celebrações (eucaristia e outros sacramentos, palavra, ofício divino...) nos levam à participação no mistério da vida, morte e glorificação de Jesus, o Cristo. Ajudam-nos a nos identificar com ele nas inúmeras atividades do dia-a-dia, nas escolhas decisivas que temos de fazer em determinados momentos, nas encruzilhadas da vida em que tudo nos parece obscuro e incompreensível, sem saída, sem perspectivas, assim como nos momentos de certeza, de júbilo, de paz, de alegria, de doação, de entrega. Uma palavra das escrituras, um aperto de mão ou um abraço, o versículo de um salmo, um gesto de oração, a água benta respingando em nós, a luz de uma vela acesa, o cheiro do incenso e sua subida para o alto, a luz do sol que passa persistente por uma fresta da porta ou da janela, as palavras ou o gesto da bênção, um profundo silêncio, uma aclamação vigorosa, um abraço verdadeiro de reconciliação, o Pão e o Vinho partilhados, a unção com o crisma ou com o óleo dos enfermos... tudo isto pode se tornar para nós um momento de descoberta, de revelação da profundidade do amor de Deus e do sentido de nossa vida e de nossa morte, de nossos encontros e desencontros, de nossas alegrias e tristezas, de nossas esperanças e desilusões... Tudo isso pode aprofundar nossa opção por ele, pelo caminho do seguimento e da missão em seu nome, na fidelidade a todo custo.

Mas é preciso que alguém nos ajude a perceber o caminho da participação espiritual, integral, de corpo, mente, coração, rumo ao mergulho no encontro com o Transcendente, com Deus, com o Cristo em sua morte-ressurreição, na profundidade da experiência ritual. A catequese mistagógica nos oferece os elementos para podermos entender, intuir o que acontece conosco na ação ritual. Trata-se de ajudar na simbolização, guiar na passagem do sinal material, ‘significante’ (objeto, gesto, leitura, ação ritual), para a realidade teologal-espiritual significada e realizada pelo sinal, fazendo referência à história da salvação (experiências de vida vividas na fé). Aí entram a familiaridade com a Sagrada Escritura e o aprofundamento teológico, que culmina no encontro pessoal com Jesus Cristo, no momento atual, existencial de nossa vida pessoal, comunitária, social. A mistagogia nos leva a uma conversão da interioridade, uma adesão existencial à pessoa de Jesus Cristo e não apenas intelectual ou moral. E esta adesão nos leva a uma atitude ética, um modo de vida de acordo com o evangelho de Jesus Cristo.

Há pelo menos três instâncias nas quais deveríamos receber uma formação mistagógica: no catecumenato e na catequese, nas reuniões de preparação das celebrações (equipes de liturgia, ensaios dos ministros da música ritual), nos cursos de formação litúrgica. Além disso, não nos esqueçamos da importantíssima dimensão mistagógica da homilia.

6. Educar para a ritualidade.

Toda a vida do ser humano é fortemente marcada por ritos. São ações simbólicas que expressam o sentido da vida. Há ritos para os momentos marcantes da vida: o nascimento, a passagem para a adolescência, o casamento, um aniversário, a doença, a morte... E estes ritos são diferentes de acordo com cada grupo humano ou cada cultura, porque expressam a maneira daquele grupo ou daquela cultura entender a vida, o mundo, a morte... Os ritos servem também para passar este sentido para as novas gerações, garantindo a continuidade. Assim, cada cultura tem suas regras para comer, cumprimentar, se vestir. Cada povo indígena tem sua maneira de caçar, iniciar, dançar, enterrar seus mortos. Cada região do país conserva ritos característicos próprios. Cada time de futebol tem sua bandeira, sua camisa, seus slogans. Cada tradição religiosa tem suas rezas, suas músicas, suas danças que expressam seu senso do sagrado. Também nós, cristãos, temos ritos para expressar nossa fé, nossa relação com o sagrada, com Deus.

Normalmente, as novas gerações recebem a tradição ritual dos ‘velhos’, ‘anciãos e anciãs’, da geração anterior. O problema é que séculos de racionalismo e tecnicismo ‘vacinaram’ contra os símbolos, os mitos e os ritos, por considerá-los ultrapassados, não ‘científicos’. E agora, são poucas as pessoas capazes de realizar e ‘curtir’ um rito, sentir prazer, vivê-lo em profundidade, deixando-se atingir por inteiro. Sobrou um frio ritualismo: liturgias realizadas de modo formal, sem alma, sem coração, sem prazer e até sem entendimento. Daí a necessidade de reaprender, de educar para a ‘ritualidade’ da liturgia, para a capacidade de viver as ações rituais ‘na inteireza do ser’.

Podemos aprender com quem não perdeu ou recuperou a sensibilidade ritual: povos indígenas, grupos de afro-descendentes, devotos da religião popular e até com atitudes espontâneas da vida cotidiana. Um dia observei uma mãe que estava com o filho bem pequeno no braço, diante do crucifixo. Ela apontou o dedo para o crucifixo e disse: ‘Olhe aí! É Jesus!’. A criança olhou, espichou o bracinho, e a mãe se aproximou mais para que ele pudesse tocar na cruz. Depois ela disse: ‘Jesus gosta muito de você, gosta da mamãe, gosta de papai... Jogue um beijinho para Jesus.’ Neste quadro tão familiar, tão simples, encontramos os três ‘ingredientes’ que compõem a receita da formação para a ritualidade: fazer um gesto para alguém, saber o que significa, ser movido/a por um afeto.

Em casa, na catequese, nos encontros e cursos de formação litúrgica, devemos oferecer momentos de aprendizagem, simples e profundos, dos gestos rituais com os quais nos relacionamos com Deus, consciente- e ‘amorosamente’: entrar na igreja, inclinar-se diante do altar, acender uma vela, benzer-se, cruzar as mãos em prece, andar em procissão, cantar, escutar uma leitura bíblica, ficar de pé, beijar a Bíblia, ficar sentado, orar em silêncio, fazer uma prece, acompanhar a oração eucarística, partilhar um pedaço de pão, comer o pão, estender a mão para receber o copo, beber e passar o copo para outra pessoa, abraçar alguém desejando-lhe a paz, inclinar a cabeça para receber a bênção, despedir-se...



[1] Texto extraído de Liturgia em Mutirão II, edições CNBB.

A LITURGIA FORMADORA
DE MISSIONÁRIOS
DE JESUS CRISTO[1]

Dom Manoel João Francisco
Bispo de Chapecó


1. A liturgia e a missão

Todos sabemos que a missão antes de ser um "fazer" é um "receber". Se cremos que, como nos ensina o Concilio Vaticano II, "a liturgia é o cume para o qual tende toda a ação da Igreja" (SC 10), ou seja, a liturgia é o ponto alto de todo trabalho missionário, também cremos que a mesma liturgia é primordialmente fonte de toda a vida cristã (LG 11), fonte da santificação dos homens e da glorificação de Deus (SC 10), fonte e ápice de toda evangelização (PO 5) e que cada vez que comemos do pão e bebemos do cálice, anunciamos a morte do Senhor até que ele venha (cf. 1Co 11,26).

"A missão da Igreja está em continuidade com a de Cristo: 'Como o Pai me enviou, também eu vos envio' (Jo 20,21). Por isso, a Igreja tira força espiritual de que necessita para levar a cabo sua missão da perpetuação do sacrifício da cruz na eucaristia e da comunhão do corpo e sangue de Cristo. Deste modo a eucaristia apresenta-se como fonte e simultaneamente vértice de toda evangelização, porque seu fim é a comunhão dos homens com Cristo e, nele, com o Pai e com o Espírito Santo" (Carta Encíclia de João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, 22).

Assim, a comunidade cristã de Antioquia envia seus membros em missão: depois de ter jejuado, rezado e celebrado a Eucaristia, ela faz notar que o Espírito escolheu Paulo e Barnabé para serem enviados (cf. At 13,1-4).

Da liturgia, portanto, enquanto irrupção gratuita de Deus, nasce a força e o dinamismo missionário da Igreja, como muito bem intuiu o primeiro documento do Concílio Vaticano II, a Constituição sobre a Sagrada Liturgia em seus parágrafos iniciais. "O Sacrossanto Concilio propõe-se [...] promover tudo o que conduz ao chamamento de todos ao seio da Igreja. Por isso julga ser seu dever cuidar de modo especial da reforma e do incremento da Liturgia".(SC 1)

"Por isso, enquanto a Liturgia cada dia edifica em templo santo no Senhor, em tabernáculo de Deus no Espírito aqueles que estão dentro dela [...], ao mesmo tempo admiravelmente lhes robustece as forças para que preguem Cristo. Destarte ela mostra a Igreja aos que estão fora como estandarte erguido diante das nações, sob o qual se congreguem num só corpo os filhos de Deus dispersos, até que haja um só rebanho e um só pastor" (SC 2).

A presença pascal de Cristo comporta sempre um duplo aspecto: ao mesmo tempo que é uma boa notícia, também é um envio em missão. Assim o mesmo Cristo que diz aos discípulos, trancados numa casa, com medo: "a paz esteja com vocês", também diz simultaneamente "como o Pai me enviou eu os envio" (Jo 20,21). Os dois aspectos são indivisos. O Ressuscitado se manifesta, mas não é retido. À Madalena pede:

"Não me retenhas, [...]. Vai, porém a meus irmãos [...]. Maria foi então anunciar aos discípulos que vira o Senhor, narrando-lhes as coisas que ele lhe tinha dito” (cf. Jo 19,17-18). Aos discípulos de Emaús se tornou invisível, depois de ter-lhes aberto os olhos, fazendo-os voltar para Jerusalém a fim de anunciar que tinham reconhecido o Senhor na fração do pão (Lc 24.33-35). Tal como o anjo que anuncia a ressurreição, a liturgia refere-se sempre a um outro passo: "ide contar aos discípulos que ele ressuscitou dos mortos, e que vos precede na Galiléia. Ali o vereis" (Mt 28,7).

São Paulo define sua ação missionária de anunciar o Evangelho com verbos litúrgicos, a saber, prestar culto e fazer memória. Esta memória de que fala São Paulo, segundo os exegetas, deve ser colocada na linha da anámnesis litúrgica e significa a memória da obra salvífica de Deus que se faz presente em cada liturgia que celebramos. "Deus, a quem presto um culto espiritual, anunciando o evangelho de seu Filho, é testemunha de que, em minhas orações, faço memória de vós continuamente" (Rm 1,9-10). Outro texto paulino em que a relação entre liturgia e missão aparece de forma muito clara é Rm 15,15-16:

"Em alguns trechos desta carta eu vos escrevi com certa ousadia, a fim de vos reavivar a memória, em virtude da graça que Deus me deu: a graça de ser ministro de Jesus Cristo junto aos pagãos, prestando um serviço sacerdotal ao evangelho de Deus, para que os pagãos se tornem uma oferenda bem aceita, santificada no Espírito Santo".

Neste texto a vocação missionária é descrita como a graça de ser ministro (liturgo) de Jesus Cristo entre os pagãos, exercitando o ofício sagrado do evangelho de Deus, para que os pagãos se tornem uma oblação agradável, santificada, pelo Espírito Santo. Como se pode ver, aqui, "a evangelização é função litúrgica, sagrada e, com sua conversão a Cristo, os que se convertem, tornam-se oferta santificada pelo Espírito e aceita a Deus"[2].

2. A liturgia: fonte de espiritualidade do missionário

A uma Igreja que caminha e que se põe na estrada, tal como os discípulos de Emaús (Lc 23,13-35), a liturgia oferece três experiências marcantes que alicerçam e fundamentam a missão:

a) A experiência propriamente eclesial de reunir-se com os irmãos e as irmãs na fé, de acolher e ser acolhido, de reunir-se em nome de Cristo. Por mais solitário que possa estar, ou por mais árdua que possa ser sua missão, o cristão missionário reporta-se sempre a uma comunidade que o sustenta;
b) A experiência de aprender a Palavra de Deus de forma que o coração se abrase, numa nova estruturação de sentidos, capaz de integrar o sofrimento, a dor e a morte. O missionário sabe que na base de sua missão está uma Palavra - ou melhor, está a Palavra - que o envia e o convoca;
c) A experiência da fração do Pão e do reconhecimento da presença do Cristo, como memória explícita e reconhecimento expresso de sua aliança conosco. O dinamismo missionário da Igreja não nasce da vontade dos homens que decidem fazer-se propagadores de sua fé. Nasce do Espírito que atua nas celebrações litúrgicas. A missão não é nunca proselitismo ou mero serviço humano, mas decorre sempre da aliança que se constitui e se estrutura na eucaristia e no partir do pão que é o próprio Cristo.

"Terminada a assembléia, o discípulo de Cristo volta a seu ambiente cotidiano, com o compromisso de fazer, de toda a sua vida, um dom, um sacrifício espiritual agradável a Deus (cf. Rm 12,1). Ele sente-se devedor para com os irmãos daquilo que recebeu na celebração, tal como sucedeu com os discípulos de Emaús que, depois de terem reconhecido Cristo Ressuscitado na 'fração do pão' (cf. Lc 24,30-32), sentiram a exigência de ir imediatamente partilhar com seus irmãos a alegria de terem encontrado o Senhor" (João Paulo II, Carta Apostólica sobre o Domingo, Dies Domini 45).

Afirma ainda o mesmo Papa na Carta Apostólica Mane Nobiscum Domine:

"O apóstolo põe em estreita inter-relação o banquete e o anúncio: entrar em comunhão com o Cristo no memorial da Páscoa significa ao mesmo tempo experimentar o dever de tornar-se missionário do acontecimento que esse rito atualiza. A despedida no final de cada missa constitui um mandato, que impele o cristão para o dever de propagação do Evangelho e de animação cristã da sociedade" (24).

3. Os desafios para a liturgia a partir da missão

Para ser sentida e vivenciada como formadora de missionários de Jesus Cristo, a liturgia precisa ser aquilo que ela é: liturgia.

Com freqüência, aproveitam-se as celebrações para fazer campanha missionária. A liturgia, no entanto, não deveria ser ocasião de campanha missionária. Ela, em si, é fonte de missão. Mas aí é que reside o desafio. Para ser fonte de missão, a liturgia antes de tudo precisa ser lugar de experiência de Deus, que como Pai, por Cristo, no Espírito Santo acolhe e reúne seus filhos e filhas como comunidade de irmãos e irmãs e não apenas como justaposição de crentes. Deve permitir uma leitura cordial e vivificante da Palavra de Deus, mais do que doutrinária e moralista. Deve ser a renovação da aliança que acolhe o projeto vivificador e libertador de Cristo, mais que uma simples devoção ou ato piedoso.

A liturgia só será plenamente missionária se for plenamente liturgia, ou seja, se for experiência densa e transformadora de Cristo ressuscitado, a exemplo das primeiras comunidades que a cada dia viam o número de fiéis crescer porque "dia após dia, unânimes, mostravam-se assíduos no Templo e partiam o pão pelas casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e gozavam da simpatia de todo o povo" (At 2,46-47).

O tempo depois do Concílio foi marcado pelo esforço da Igreja de responder a este desafio. Por isso, procurou inserir-se profeticamente na transformação social, política e cultural do continente, mergulhando solidariamente na defesa dos pobres. Medellín colocou a liturgia no centro dessa missão na história do povo, ligando liturgia e vida, celebração e compromisso histórico, afirmando que “a celebração litúrgica coroa e comporta um compromisso com a realidade humana”(Medellin 9,4). Puebla assumiu o maior entrosamento que começou a existir entre formas litúrgicas tradicionais e a piedade popular (cf. Puebla 465). Santo Domingo quis assumir uma liturgia em total fidelidade ao Concílio Vaticano II, bem como recuperar a adoção de formas, sinais e ações próprias das culturas da América e Caribe (cf. Santo Domingo, 53).

Apesar de orientações tão claras e firmes, sem desconsiderar os grandes avanços, a liturgia ainda tem diante de si muitos e sérios desafios:

a) Desafio proveniente da cultura das grandes cidades. O ritmo de vida de nossas cidades induz as pessoas ao stress, à pressa, ao secularismo, ao anonimato, à dispersão familiar, a o lazer pelo lazer nos fins de semana. Essa situação com certeza vai exigir muita criatividade em termos de espaço celebrativo, locais, horário e duração das celebrações, linguagem, acolhida, critérios de pertença à comunidade, bem como o processo de iniciação e formação litúrgica. Ainda, nas grandes cidades, em suas periferias, além do individualismo, do anonimato, da privatização da vida espiritual, vamos encontrar sérios problemas sociais (fome, doenças, violência, desemprego...). A prática da partilha de alimentos, os mutirões para construção de casas, a preparação de festas da comunidade, a visita aos doentes em equipe, o serviço organizado aos pobres são forças que levam à quebra do individualismo. A liturgia só será eficaz, se engajar a comunidade neste processo, como fundamento e conseqüência da celebração. A fonte renovadora da nossa liturgia, sob a ação do Espírito Santo, vem dos pobres, das suas lutas, das suas experiências de Deus, dos seus compromissos com a solidariedade e dos seus sofrimentos.
b) Desafios de uma perigosa tendência que centraliza a liturgia na pessoa do ministro ordenado e pede cautela para expressões tais como “comunidade celebrante” ou “assembléia celebrante”. Por trás deste desafio está uma visão muito estreita do ministério ordenado, um medo infundado de perder o poder e uma concepção errada do verdadeiro sentido da assembléia como sujeito da ação litúrgica. É o desafio mais conflitivo no momento. A saída será um grande mutirão de informação e formação em todos os níveis sobre o significado de Igreja Povo de Deus, sobre o sentido da participação do povo sacerdotal e da teologia dos ministérios litúrgicos.
c) Desafios que vêm da visão angelical, desligada do mundo e da história, onde a participação nas celebrações litúrgicas é o momento de abstrair-se das lutas do dia-a-dia, transportando-se para uma realidade etérea e alucinante, totalmente contrária a natureza da liturgia. A celebração deverá recuperar a ligação da vida com a liturgia, celebrar o mistério pascal de Cristo presente e em realização na vida do povo (Ver Animação da Vida Litúrgica no Brasil, doc. 43 da CNBB, nn. 55 e 157).
d) Desafios que vêm da visão que privilegia apenas a ótica da política ou do compromisso social. Sem dúvida, a liturgia é práxis, mas é também festa, gratuidade. Limitar a celebração a um protesto, a uma campanha de conscientização significa adulterá-la. Por isso a ação litúrgica cuidará de unir verticalidade com horizontalidade na celebração, dando prioridade a dimensão orante, de modo que a assembléia se una a Deus e a Cristo e se sinta ungida e urgida a assumir o compromisso profético de transformação das estruturas injustas.
e) Desafios que vêm da pouca formação teológica e a quase completa falta de iniciação aos ritos e ao sentido da celebração, gerando uma mentalidade rubricista, preocupada em assegurar a validade das ações rituais. Para conseguir a participação consciente e frutuosa dos participantes a liturgia terá que fundamentar teologicamente em que consiste a natureza da celebração cristã e, ao mesmo tempo, encontrar um jeito simples de celebrar com o povo, valorizando suas aspirações e investindo numa acolhida calorosa e no emprego de uma linguagem acessível. Os ritos fechados em si mesmos nada dizem. Devem estar relacionados e em íntima conexão com o mistério celebrado. Aqui falta a verdadeira teologia do que seja uma celebração do mistério pascal de Cristo e sua relação profunda com o hoje da história das pessoas e das comunidades.
f) Desafios provenientes do descuido com a formação litúrgico-musical do clero, dos religiosos e demais agentes de pastoral. Em conseqüência, encontramo-nos diante de situações pastorais preocupantes, como por exemplo, o inadequado exercício do ministério litúrgico do canto nas "missas show" transmitidas por alguns canais de televisão, além da divulgação de produções musicais de baixa qualidade e quase sempre não condizentes com a natureza da liturgia.
g) Desafios que vêm do uso indiscriminado dos meios de comunicação social pela liturgia. A espetacularização e a mercantilização tendem a fazer das celebrações objeto de mercado e concorrência. O problema é muito sério. Os ritos não são feitos para serem assistidos, mas participados. Diferente da TV que produz espetáculos para serem assistidos, a ação ritual não se deixa assistir. É um evento que os atores fazem para si mesmos. O uso indiscriminado dos MCS pela liturgia com certeza faz concessões ao sistema midiático provocando conflitos com a natureza das celebrações litúrgicas caracterizados por um retorno ao devocionalismo, à transformação do presbitério em palco, da assembléia em platéia e do padre em animador de "show" ou de programa de auditório. Na relação mídia - liturgia, geralmente a mídia acaba sendo a que dita as regras do jogo, nem sempre consoantes com as regras da liturgia.

4. As contribuições da liturgia para a missão continental

Num continente com tantos desafios para que a liturgia realize sua missão de "promover tudo o que conduz ao chamamento de todos ao seio da Igreja" (SC 1) parece que se poderia considerar as seguintes frentes de trabalho:

1. Recuperar as expressões celebrativas autênticas, fundadas na Bíblia e na tradição litúrgica para que sejam, de fato, alimento da verdadeira mística cristã;
2. Promover as grandes linhas teológicas da SC e dos demais documentos do Concílio Vaticano II, diante do reflorescimento e crescimento de uma tendência devocionalista, intimistas e subjetivista que desponta com muito vigor;
3. Trabalhar, não obstante os avanços feitos, a linguagem simbólica, própria da liturgia e que, com facilidade, se esvai em alegorias ou em linguagem "espetacular" próprias da televisão;
4. Ajudar as pastorais entender que a liturgia é fonte da espiritualidade cristã e de toda ação evangelizadora;
5. Fazer um investimento sério, a médio e a longo prazo, na inculturação da liturgia na cultura urbana, bem como nos meios indígenas e afros;
6. Encaminhar ações concretas para superar o vazio e a distância que se criou ou está se criando entre o que se entende por celebração cristã e a "liturgia" veiculada pelos meios de comunicação social e a praticada em alguns movimentos eclesiais;
7. Planejar por todos os meios disponíveis a formação litúrgica em todo os níveis;
8. Trabalhar a organização de espaços celebrativos inculturados, à luz da teologia da liturgia;
9. Estudar alternativas para fomentar a formação da música ritual como "parte integrante da liturgia" e alimento e condicionante eficaz da fé.
10. Inserir na celebração as preocupações com a preservação da criação, enfatizando os aspectos cósmicos e a responsabilidade com o meio ambiente;
11. Possibilitar uma liturgia mais ecumênica, que avance para além do calendário da semana de oração pela unidade dos cristãos, e que inclua a referência e a prece a outras expressões religiosas, exercitando a tolerância e ultrapassando o proselitismo, como expressão de nossa catolicidade;
12. Acolher na dinâmica da celebração a necessidade de uma cultura de paz e os avanços feitos neste sentido, enfatizando os aspectos pacifistas do Evangelho.

5. Conclusão

A liturgia e a missão devem ser vividas na unidade do mistério. Jamais terá sentido opor, justapor ou preferir uma à outra. Não são duas especializações ou duas faces da Igreja.

Tudo é questão de FONTE.

“A Igreja não é uma quando celebra a liturgia e outra quando seus membros a vivem: apenas age diversamente. O mesmo acontece com sua missão. Não tem uma face voltada para Deus e outra voltada para os homens. Sua missão nos últimos tempos é ser o rosto de Deus no qual os homens podem reconhecer aquele que procuram e, na mesma luz, o rosto dos homens que reflete a glória de Deus (cf. 2 Cor 4,6)” (J. Corbon, Liturgia de Fonte, São Paulo, Paulinas, 1981, pág. 192).

A Igreja recebe e descobre a sua missão quando celebra a Liturgia. “A liturgia celebrada e a liturgia da missão são os dois momentos do mesmo amor: como amar nossos irmãos se não acolhemos antes Aquele que nos ama primeiro? São os dois movimentos do mesmo mistério pascal” (J. Corbon, idem, pág. 193).

Sem a Liturgia, a missão vira publicidade.

“Só podemos ser testemunhas daquele que ouvimos, que nossos olhos contemplaram e que nossas mãos tocaram se seu fogo nos purificar até moldar-nos totalmente a ele. Da epiclese de nosso batismo à de nossas eucaristias, é este mesmo fogo que age em nós para que a vida realize sua obra em nossos irmãos” (Ibidem, pág. 196).

É por isso que em todas as celebrações somos enviados:

“IDE! O Senhor vos acompanhe!
A alegria do Senhor seja a vossa força!
Glorificai o Senhor com vossa vida!
Levai a todos a alegria do Senhor ressuscitado!”

E de nosso coração dilatado, alimentado pela partilha do pão da Palavra e da Eucaristia, brota a expressão de júbilo pelo dom da Liturgia e da Missão: “Graças a Deus!”


Perguntas para os grupos:

1. O que entendemos com a afirmação de que “a missão, antes de ser um ‘fazer’, é um ‘receber’”?
2. Por que a força e o dinamismo missionário da Igreja nasce da Liturgia?
3. Comentem as três experiências litúrgicas que alicerçam e fundamentam a missão.
4. Como preparamos, celebramos e vivenciamos estas experiências em nossas celebrações litúrgicas?
5. Como preparamos e como as pessoas participam e se sentem enviadas nos Ritos Finais? O que poderíamos melhorar?
6. Qual a condição essencial para que a Liturgia seja fonte de missão?
7. Dos desafios acima apresentados, quais deles estão mais presentes em nossa comunidade? Por que?
8. Se tivéssemos que enumerar as contribuições acima citadas, em valor de prioridade para a nossa comunidade, quais seriam as 3 que apontaríamos como mais urgentes?
9. O que poderíamos fazer concretamente para colocá-las em prática? Como? Quem? Quando?

[1] Texto extraído de Liturgia em Mutirão II, edições CNBB.
[2] J. LOPEZ-GAY, Missões e Liturgia, em D.SARTORE - A. M. TRIACCA, Dicionário de Liturgia, Paulinas, S. Paulo, 1992, p. 751.