quinta-feira, 15 de julho de 2010



Frei José Ariovaldo da Silva, ofm

1. Valor e sentido da Palavra de Deus na Liturgia

O povo católico de tradição romana tem grande dificuldade em perceber o profundo sentido e valor da palavra de Deus na Liturgia. Normalmente, ainda damos muito pouca importância a ela. Compreende-se. É o resultado de uma herança de mais de mil anos, vinda de uma prática litúrgica em que, nas celebrações, a Palavra quase não contava.

Ela era lida, sim, na missa. Mas só pelo padre, em voz baixa (apenas para ele!), em latim, lá longe no altar, e de costas para o povo. O povo não ouvia nada do que o padre lia. Não tinha contato, portanto, com a Palavra naquele momento. Isso durou praticamente todo o segundo milênio, até o Concílio Vaticano II (há 40 anos atrás), que recupera a tradição do primeiro milênio, que dava à Palavra um valor tão grande quanto à Eucaristia.

A Constituição “Sacrosanctum Concilium” sobre a Liturgia, do citado Concílio, resgata para nós a consciência antiga da presença viva de Cristo na assembléia dos cristãos, de modo particular “pela sua palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na igreja” (SC 7). É uma verdade provinda da grande tradição dos antigos Padres da Igreja que freqüentemente equiparam a palavra de Deus à encarnação e à Eucaristia.

Eles estão convencidos que a palavra da Sagrada Escritura é a presença de Deus entre nós, e que especialmente a palavra dos evangelhos, aceita pela fé, é a presença do Verbo encarnado. Conseqüentemente, o respeito que se tinha pela Palavra era tão grande que a Sagrada Escritura, especialmente os evangelhos, em muitos lugares era guardada num cofre semelhante ao sacrário. Na ábside das igrejas havia dois “sacrários”, um à direita e outro à esquerda, um para guardar a Eucaristia e o outro para guardar o livro da Palavra.

Daí se entende o que o Concílio Vaticano II afirmou na Constituição Dogmática “Dei Verbum” sobre a Revelação Divina. Diz ele: “A Igreja sempre venerou as divinas Escrituras, da mesma forma como sempre venerou o próprio Corpo do Senhor, porque, de fato, principalmente na Sagrada Liturgia, não cessa de tomar e entregar aos fiéis o pão da vida, da mesa, tanto da palavra de Deus como do corpo de Cristo” (DV 21).

Como se vê, as duas mesas são fontes de alimento para as pessoas que delas se aproximam. Dessa forma, a palavra de Deus é tão venerável quanto o Corpo Eucarístico de Jesus Cristo. Comungamos da mesa da Palavra, assim como comungamos da mesa da Eucaristia.
2. A mesa da Palavra: sua dignidade e seu uso na Liturgia

Assim sendo, se damos tanta importância ao altar da Eucaristia, por que não dar semelhante destaque ao espaço de onde a Palavra é proclamada? De fato, com o Vaticano II a Igreja acordou também para este detalhe. E a Instrução Geral sobre o Missal Romano acaba, então, nos lembrando que “a dignidade da palavra de Deus requer na igreja um lugar condigno de onde possa ser anunciada e para onde se volte espontaneamente a atenção dos fiéis no momento da liturgia da Palavra” (n. 309).

Trata-se da mesa da Palavra, ou ambão (do grego “anabaino”, subir, porque costuma estar em posição elevada, de onde Deus fala). Como já dissemos, em outra ocasião, Cristo é o protagonista da ação litúrgica, também no ambão, o espaço reservado para a proclamação da palavra de Deus. Isto significa que este espaço possui, também ele, um sentido simbólico-sacramental de fundamental importância. Ele nos evoca a presença viva do Senhor falando para o seu povo. A Instrução Geral fala de um “lugar condigno”.

A palavra “condigno” tem a ver com “proporcional ao mérito, ao valor”. Tem a ver com “devido, merecido”. Assim, pois, a palavra de Deus, por causa da sua dignidade (que é imensa!), requer naturalmente um espaço à altura desta dignidade, de onde ela é proclamada para toda a assembléia. E mais: um espaço para onde se volte espontaneamente a atenção dos fiéis no momento da liturgia da Palavra. Pois é dali que o Deus vivo está se comunicando com seu povo através da proclamação das divinas Escrituras.

A Igreja, hoje consciente do sentido profundo e da importância deste espaço sagrado de nossas igrejas, nos dá então a seguinte orientação: “De modo geral, convém que esse lugar seja uma estrutura estável e não uma simples estante móvel. O ambão seja disposto de tal modo em relação à forma da igreja que os ministros ordenados e os leitores possam ser vistos e ouvidos facilmente pelos fiéis” (ibid.). Interessante este detalhe: a mesa da Palavra seja disposta dentro da igreja de tal maneira “que os ministros ordenados e os leitores possam ser vistos e ouvidos com facilidade por todos”.

Por quê? Porque é um “direito” que o povo tem de ver e ouvir facilmente a voz de Deus que nos fala pela Palavra proclamada (cf. SC 14). É o que está acontecendo na maioria das nossas igrejas. As comunidades realmente estão caprichando, estão se esforçando ao máximo para fazer do ambão um verdadeiro monumento, ou melhor, um memorial que nos evoca a presença viva do Senhor falando para o seu povo. Para tanto, servem-se da ajuda até mesmo de artistas e pessoas especializadas em Liturgia.

Tem igrejas em que dá gosto ouvir a palavra de Deus na Liturgia, não só porque as pessoas lêem bem, mas porque o próprio lugar de onde se lê é inspirador pela sua beleza artística. E por falar em beleza artística, uma pequena sugestão aos desavisados: se a mesa da Palavra é construída com arte e ela aparece naturalmente bela (isto é, por si só já evoca o mistério da presença do Senhor), por favor, não encobrir esta maravilha com um pano, por mais bonitos que sejam os seus bordados!

Se o ambão já é belo por si, o bom senso sugere não cobrir este espaço sagrado com pretensos enfeites. Deixe a mesa da Palavra aparecer do jeito que ela é, bela como ela só! Mas tem outra coisa ainda em torno da dignidade desta mesa. Diz a Instrução Geral sobre o Missal Romano: “Do ambão são proferidas somente as leituras, o salmo responsorial e o precônio pascal; também se podem proferir a homilia e as intenções da oração universal ou oração dos fiéis.

A dignidade do ambão exige que a ele suba somente o ministro da palavra” (ibid.). A oração dos fiéis, no fundo, é a Palavra que, uma vez caída no coração da assembléia, se transforma num grito para Deus. É a Palavra transformada em súplica ao Senhor. Por isso se sugere que ela seja feita também do ambão. O mais (avisos, comentários etc.) seja feito de outro lugar. Precisamente para garantir e enfatizar a dignidade do ambão.

Enfim, ressaltando de novo a dignidade que tem a mesa da Palavra, a Igreja ainda sugere o seguinte:

“Convém que o novo ambão seja abençoado antes de ser destinado ao uso litúrgico conforme o rito proposto no Ritual Romano” (ibid.). Prevê-se, portanto, até mesmo uma bênção especial para o ambão, antes de ser usado na Liturgia. Parabéns às comunidades que já têm o seu ambão instalado e trabalhado à altura da dignidade da Palavra de Deus. E Deus ilumine as comunidades que ainda estão buscando uma forma de valorizar, da melhor maneira possível, o lugar de onde Deus fala para o seu povo.

A Eucaristia
teologia e prática diante das deformações atuais



Pe. Gregório Lutz


1. Introdução

Se quisermos recordar a teologia da Eucaristia e analisar a sua prática celebrativa diante das deformações atuais, nada parece mais conveniente do que partir da maneira de como celebramos a missa hoje em dia. Além de constatar esta situação, devemos analisá-la, e para isso devemos ter diante dos olhos a origem e a história da eucaristia, assim como a sua teologia, para compreendermos a situação atual e em que consistem eventuais deformações. Além da história e da teologia, devemos ter presentes os livros litúrgicos pós-conciliares com suas introduções e os documentos conciliares e pós-conciliares sobre a eucaristia. Assim teremos os critérios para julgar a situação atual e para dar sugestões que poderão ajudar a corrigir deformações que hoje se observam, e para celebrar a eucaristia com maior fidelidade a exemplo e conforme a ordem que Jesus nos deu na última ceia. No ver e nas pistas para um agir, este estudo se limitará à prática celebrativa no Brasil.

2. A pluralidade dos jeitos de celebrar e a unidade substancial do rito

Quem já participou de celebrações eucarísticas fora do Brasil sabe por experiência pessoal, e muitos outros sabem por terem ouvido ou lido, que no Brasil celebramos a liturgia e, particularmente a missa, de uma maneira diferente do modo de celebrar na Europa e em outros continentes, também dos países vizinhos na América Latina. Além disso, dentro do Brasil celebra-se a missa, embora quase sempre de um jeito mais ou menos brasileiro, de maneiras diferentes, por exemplo: nos centros das grandes cidades ou em suas periferias ou no campo, nas diversas regiões do Brasil e conforme as características de origem étnica da maioria que compõem as assembléias litúrgicas.

Nas celebrações eucarísticas dos movimentos eclesiais espelham-se, às vezes, fortemente o espírito e as orientações que vêm de fora do Brasil, sobretudo dos países de origem desses movimentos. Evidentemente, celebra-se de modo diferente também com crianças, jovens e idosos e em cada comunidade eclesial. Embora haja ainda, diante desta pluralidade dos modos de celebrar, pessoas com saudades dos tempos idos em que a missa era celebrada, até nos menores detalhes, de modo idêntico em todas as igrejas, em todas as partes do mundo, em geral se aceita e se aprecia a superação da uniformidade e do fixismo que dominaram, sobretudo depois do Concílio de Trento. O Concílio Vaticano II sancionou esta liberdade na maneira de celebrar, tão desejada pelo movimento litúrgico, e incentivou adaptações e até verdadeira inculturação da liturgia.

Lemos, por exemplo, no documento do Concílio Vaticano II sobre a liturgia, Sacrosanctum Concilium: “A liturgia consta de uma parte imutável, divinamente instituída, e de partes suscetíveis de mudança” (SC 21); “A Igreja não deseja impor na liturgia uma forma rígida e única para aquelas coisas que não dizem respeito à fé ou ao bem de toda a comunidade” (SC 37); “Salva a unidade substancial do rito romano, se dê lugar a legítimas variações e adaptações para os diversos grupos, regiões e povos” (SC 38). Portanto, conforme o Vaticano II, é plenamente legítimo que no Brasil se celebre a missa de modo diferente da maneira de celebrar em outros países e continentes, e que dentro do Brasil haja diferenças no jeito de celebrar, conforme as regiões, comunidades e grupos, à condição que seja sempre a celebração da eucaristia como a herdamos de Jesus Cristo e observando o que é substancial no rito da missa e, portanto, não sujeito a adaptações e variações.

3. Constatação e análise de deformações

Depois de termos lembrado a legitimidade de diferenças na celebração da eucaristia, de lugar para lugar, de comunidade para comunidade, de grupo para grupo naquilo que não é invariável, podemos agora elencar deformações na prática celebrativa da eucaristia que se observam no Brasil.

a) Missas-Show

Chamam a atenção, em primeiro lugar, as assim chamadas missas-show. Não só aquelas missas com participação de dezenas e centenas de milhares de pessoas, que freqüentemente são também transmitidas pela televisão; podem ser igualmente as missas dominicais em nossas paróquias e comunidades, nas quais, sobretudo os instrumentistas e um grupo de cantores, talvez também quem preside e os outros ministros, se sintam e se apresentem como num palco de teatro ou mesmo como num show, de modo que a assembléia preste muito mais atenção aos que estão no palco do que ao mistério que se supõe estar sendo celebrado. A música sobrepõe-se nestas missas de tal modo à palavra cantada, que esta não mais se entende, que só se vibra com a música, talvez com todo o corpo e que se chegue, às vezes, quase a um estado de transe. A proclamação da palavra se torna facilmente secundária e o seu conteúdo nem parece interessar. A resposta da comunidade no canto não é adesão à palavra proclamada ou o mergulho no mistério que se celebra. A oração eucarística ou outras orações são sentidas, talvez, como momento de descansar ou de espera vazia até a próxima música.

b) O canto na missa

O canto litúrgico não cumpre sua função quando é abafado pelos instrumentos, e menos ainda quando não condiz com o mistério celebrado. Acontece que os cânticos não são escolhidos em consonância com a festa ou o tempo litúrgico ou o momento ritual. Às vezes, eles não exprimem o mistério de Cristo e não conduzem para dentro dele. Canta-se no início da missa um cântico que não é de entrada, e assim outros que não condizem com a respectiva parte da missa. O que se canta, às vezes, como canto do Glória ou do Santo? Raramente se segue a tradição antiga e muito recomendável que o canto de comunhão retome o evangelho; embora não se possa reprovar, neste momento, um canto propriamente de comunhão. Imperdoável é quando depois da narrativa da instituição da eucaristia, em lugar da resposta prevista ao Eis o mistério da fé se entoa um canto de adoração ao santíssimo sacramento. Assim, se esconde à assembléia o que a missa tem de mais próprio e essencial: Ser celebração da memória da morte e ressurreição do Senhor, como Jesus mesmo mandou.

Diz-se da reforma protestante do século XVI que ela se cantou no coração do povo. Cantamos nós o mistério que celebramos, no coração das nossas assembléias litúrgicas? É este o sentido do canto litúrgico, do canto da missa. A mensagem do evangelho e a páscoa do Senhor penetram no coração, sobretudo de pessoas que não estão acostumadas a uma vida propriamente intelectual, muito mais facilmente através do canto do que pela palavra proclamada e mesmo bem interpretada.

Evidentemente devemos dar preferência aos cânticos que Deus mesmo, através da Bíblia, colocou em nossa boca: os salmos e os outros cânticos bíblicos. Em geral, os cânticos da missa deveriam sempre ter, de um lado, pelo menos inspiração bíblica, e de outro, deveriam espelhar a vida da assembléia, a páscoa que o povo de Deus e o mundo vivem no seu dia-a-dia e na sua história, em união com a páscoa do Senhor.

Já que a missa não é uma devoção particular de cada um que a ela, talvez somente assiste, os cânticos devem ter caráter comunitário. Critério para distinguir cânticos devocionais subjetivos dos que são autenticamente litúrgicos é a dimensão comunitária. Mesmo quando a pessoa que canta expressa gramaticalmente pela 1a pessoa do singular, o “eu” de um cântico pode ser também, como é freqüentemente o caso dos salmos, expressão de um “eu” coletivo. Eu posso estar diante de Deus e me dirigir a ele também em nome dos meus irmãos e irmãs do mundo inteiro.

É deformação da missa também quando não se canta. A própria instrução Geral do Missal Romano supõe que haja canto na missa com a participação do povo e até observa que a aclamação ao evangelho com o aleluia pode ser omitida quando não é cantada (cf.n.63). Também o Santo e os outros cantos fixos da missa perdem muito quando não são cantados, mas apenas recitados. Não se exclui que, por exemplo, o “Glória” seja recitado, mas devemos lembrar que normalmente um hino deve ser cantado. Ideal seria que estas partes da missa fossem sempre cantadas; tão pouco deveriam faltar cânticos de entrada e de comunhão.

c) Missa-festa

As considerações sobre o canto na missa nos levam a pensar no caráter festivo da celebração eucarística. È de fato, antes de mais nada, o canto que contribui para que a missa seja uma celebração festiva. Não se pode imaginar festa sem música e canto.

Como já vimos, a música instrumental deve estar a serviço do canto, e este, por sua vez, deve ser tal que leve a assembléia a mergulhar no mistério. Se ele falta, a missa facilmente se reduz a uma seqüência de discursos. Discurso da parte de Deus é a proclamação da palavra, discurso da parte da assembléia é a oração. Tornou-se ainda bastante geral o costume de inúmeros outros pequenos discursos, antes, durante e depois da missa, que o comentarista ou o assim chamado animador faz. Mais prejudicial para o caráter festivo da missa é ainda se toda a assembléia acompanha a proclamação da palavra de Deus, os comentários e as orações, lendo-as no folheto, ao mesmo tempo em que são proferidos em voz alta. Pode-se fazer a pergunta: Em que festa se distribui impresso tudo que se fala, e que nenhum dos participantes da festa tenha a possibilidade de falar uma palavra espontânea?

O caráter festivo da missa se prejudica com freqüência também de outras maneiras. Em que festa de família ou de um grupo de pessoas amigas os convidados são obrigados a ficar durante toda a celebração em filas ou blocos de bancos ou cadeiras, onde não se podem mexer nem olhar um para o outro ou conversar? Já a colocação dos lugares dos fiéis de uma maneira que uns possam ver os outros, por exemplo, em forma circular ou de elipse ajuda a se encontrar, ao menos pelos olhares. Contribui para a festividade da missa, evidentemente, também o ambiente e o espaço em que se celebra, a ornamentação dos principais lugares em que se realiza a celebração, como o altar, o ambão ou a fonte batismal.

Quem participa de uma festa o faz normalmente com todo o seu ser, com corpo e alma, com todos os seus sentidos. A liturgia se presta, já que é uma ação ritual e festiva, perfeitamente para tal engajamento. Quantas vezes, no entanto, e de quantas maneiras nossas assim chamadas celebrações são eventos apenas cerebrais, no pior dos casos leitura em comum de folhetos? Do outro lado, onde se procura e promove uma participação festiva e da pessoa toda com todas a suas faculdades, tal participação não fica facilmente apenas externa, sem ser expressão daquilo que se celebra? Na missa o rito exprime o mistério de Cristo e nele nos introduz. É claro que se supõe na liturgia sempre a fé, a fé dos celebrantes, a fé no Senhor Jesus que está no meio da assembléia, que a reuniu, que lhe fala e lhe presta ouvido, que prepara a mesa da eucaristia para levar os convivas à mais íntima comunhão consigo e entre si. A celebração da páscoa do Senhor, e ao mesmo tempo da nossa salvação, é realmente motivo de alegria, de louvar e agradecer o Senhor com todo o nosso ser. Na missa temos todos os elementos rituais e as melhores condições para uma celebração festiva do mistério de Cristo, da sua páscoa e da nossa. Que pena se dela fazemos uma reunião tipo aula escolar ou de conscientização, ou, em outro extremo, um show! Infelizmente não é raro que se peque por coisas em um ou outro extremo.

d) A estrutura da missa

A missa tem uma estrutura que lhe foi dada pelo próprio Senhor Jesus, na instituição da eucaristia, na última Ceia, quando ele, como ouvimos em cada missa, tomou o pão, deu graças, partiu o pão e o deu, e quando depois fez o mesmo com o cálice. No quadro da última Ceia houve também uma liturgia da palavra, o relato da libertação do povo hebreu do Egito, e a resposta a este relato pelo canto de salmos e através da ação de graças sobre o pão e o vinho, para não falar do discurso de despedida que o quarto evangelho relata. O rito da missa nos orienta precisamente neste sentido. Os cristãos da época apostólica e dos primeiros séculos se ativeram fielmente à estrutura originária da missa, como nos mostram, além de alguns textos do novo Testamento, documentos do segundo e terceiro séculos.

Quando se formaram, nos séculos seguintes, as famílias litúrgicas com seus próprios ritos, em cada um destes diversos ritos que surgiram, a mesma eucaristia se celebrava, e se celebra ainda hoje, de modo um tanto diferente, conforme a índole de cada povo, e evidentemente na língua própria. Assim teve origem também o rito romano que encontrou sua forma clássica nos séculos quinto e sexto. Nele acrescentaram-se ainda, nos séculos seguintes, outros elementos rituais que em parte ofuscaram a estrutura originária da missa. Quase todos estes elementos foram abolidos pela reforma litúrgica, desencadeada pelo Concílio Vaticano II, de modo que a estrutura essencial da missa, e seus elementos importantes, ficaram mais destacados, o que possibilita e facilita a celebração consciente e frutuosa da eucaristia.

A parte inicial da missa mereceu grande atenção na elaboração do atual rito da missa. Ela ficou muito rica nos seus elementos rituais. E precisamente estes ritos iniciais prestam-se à adaptação e à criatividade das comunidades celebrantes. Ora, muitas vezes, sobrecarrega-se ainda mais esta parte da missa, esquecendo-se que é apenas a abertura da celebração eucarística com suas duas grandes partes: a liturgia da palavra e a liturgia eucarística. Raramente se lembra a recomendação dada para missas mais simples e sobretudo as missas com crianças, de omitir, às vezes, um ou outro elemento destes ritos iniciais, precisamente para não dar demais peso a eles.

Na liturgia da palavra as introduções às leituras são freqüentemente comentários que antecipam aquilo que a leitura vai dizer. Se nós já dizemos de antemão o que Deus vai falar e como devemos entender, a rigor nem precisamos mais proclamar a palavra de Deus; o comentarista já deu a mensagem. Às vezes, uma introdução, contextualizando uma leitura, pode ser oportuna, mas os comentários sobre ela se fazem na homilia. A homilia, por sua vez, em muitos casos é antes palavra de quem faz a explicação da palavra de Deus dentro da realidade em que vivemos.

Da liturgia eucarística, a primeira parte, a preparação das oferendas, se capricha mais e chama mais a atenção do que as outras, que são mais importantes, já porque a primeira apenas prepara as seguintes. E quem diria que a oração eucarística é sempre proferida como Jesus rezou na última Ceia, as bênçãos sobre o pão e o vinho? A fração do pão que deu, no novo testamento, o nome à eucaristia, além do nome “Ceia do Senhor”, geralmente nem se nota. Sem sentido é, também, o gesto de partir hóstia grande ao pronunciar, na narrativa da instituição da eucaristia, as palavras “partiu o pão”. A aclamação ao Cordeiro de Deus, que acompanha a fração do pão depois da oração eucarística, às vezes, parece ter só o sentido de ser o sinal de parar com a saudação da paz.

Esta saudação da paz é sem dúvida para muitos participantes das nossas missas o momento mais interessante da liturgia eucarística, que impressiona mais do que qualquer outro. Mas tem ela o sentido de celebrar aquela paz que o Cristo pascal, o celebrante por excelência da eucaristia nos dá, como a deu na tarde do dia da ressurreição aos apóstolos, como fruto de sua morte e ressurreição? Entendemos esta saudação como sinal de reconciliação entre nós e todos os cristãos, antes de participarmos na mesa da comunhão eucarística do único pão e do mesmo cálice, como membros do único corpo místico de Cristo? Ou é apenas um gesto de confraternização?

A oração pela paz é em si uma oração muito oportuna, mas não foi sem motivo que a comissão pós-conciliar para a reforma do rito da missa a quis cancelar, porque ela não se integra bem na estrutura da missa como Ceia do Senhor. Depois da oração eucarística, que é a bênção da mesa, deveria se proceder ao comer e beber e não enxertar ainda várias orações, por mais bonitas e oportunas que sejam. O pai nosso não quebra o ritmo da estrutura da missa como refeição, pois pode ser considerado como uma pequena oração eucarística ou bênção da mesa; nele pedimos o pão nosso de cada dia, que é também a eucaristia. Mas não se justifica do mesmo modo a oração”Livrai-nos...” depois do Pai nosso e a oração pela paz. Ora, dar ainda mais relevo à oração pela paz, como acontece quando ela é rezada em comum por toda a assembléia, significa uma ruptura na estrutura da missa que não pode justificar.

A mesma atenção que acabamos de dar à estrutura da missa, poderíamos dar às outras dimensões da celebração eucarística, por exemplo, a de reunião ou de encontro ou de presença ou de sacrifício, ou de memória e páscoa. Mas isso excederia o quadro deste artigo. No entanto, um exemplo seja ainda dado para mostrar como tais análises podem ser oportunas para se chegar a evitar abusos. Se analisássemos a missa como memorial da obra redentora de Cristo com seu ponto culminante na morte e ressurreição do Senhor, ficaria bem claro que não se pode tolerar o costume de cantar depois da narrativa da instituição da eucaristia um canto de adoração ao Santíssimo Sacramento, muito menos uma procissão com a hóstia consagrada pela igreja, substituindo assim ou pelo menos ofuscando a dimensão memorial explícita que se exige na resposta da assembléia ao Eis o mistério da fé e se exprime também logo em seguida na própria oração eucarística. O missal não desconhece a adoração. Lembremos só o Glória e os inícios das orações eucarísticas, sobretudo da quarta oração, na qual rezamos: Vós sois o Deus vivo e verdadeiro que existis antes de todo o tempo e permaneceis para sempre, habitando em luz inacessível. Também não falta expressão de adoração do Senhor nas espécies do pão e do vinho, pois quem preside a missa faz uma genuflexão quando mostra, depois das palavras de Jesus sobre o pão e o vinho, o corpo de Cristo e o cálice com o sangue do Senhor, igualmente antes da comunhão. Mas este gesto da genuflexão, como eventualmente, ao mesmo tempo, o da inclinação profunda de todos os participantes da missa, são tão sóbrios que não prejudicam a dimensão memorial da eucaristia. Para ulterior adoração do Senhor presente no pão consagrado e oração diante do sacrário, que são muito recomendáveis, há lugar e tempo depois e em geral fora da missa.

4. Resumo da história da celebração eucarística

Nas considerações que acabamos de fazer sobre a atual situação da celebração eucarística no Brasil já nos referimos, muitas vezes, à história da missa, mas estes acenos não me parecem dispensar a apresentação de um breve resumo desta história, que certamente nos ajudará a compreender melhor como se chegou à situação atual com suas deformações. Lembrarei apenas fases desta história que eram relevantes na evolução que levou à prática celebra-tiva atual.

Jesus instituiu a eucaristia na forma ritual de refeição. Ele a celebrou dentro de uma ceia festiva, mas o rito da própria eucaristia se separou, parece, já no 1o século, de uma refeição comunitária de confraternização ou ágape, que se faz para matar a fome do corpo. Conseqüência desta separação foi que a própria Ceia do Senhor se reduziu a uma refeição ritual com um pouco de pão e um pouco de vinho. Desta maneira a consciência da eucaristia como refeição entrou em segundo plano, ao passo que a partir do 2o século esta celebração geralmente foi chamada de eucaristia. Isso mostra que se viu nela, em primeiro lugar uma ação verbal e não mais uma refeição, sem, no entanto, se perder a estrutura básica da refeição. Mais tarde entrou em primeiro plano a dimensão de sacrifício e, na idade média, de presença de Jesus no pão consagrado. Este processo de esquecimento da dimensão da eucaristia como refeição foi reforçado pela redução do pão eucarístico a pão ázimo que, sobretudo na forma das pequenas partículas brancas, como as temos hoje dificilmente pode ser reconhecido como verdadeiro pão. Além disso, chegou-se a proibir aos fiéis a comunhão do sangue de Cristo. O resultado desta evolução, na qual entraram ainda alguns outros fatores, como por exemplo a impossibilidade de uma ativa participação dos fiéis na celebração eucarística, que se realizava em latim, o que eles não entendiam, levou finalmente a compreender como eucaristia a hóstia consagrada, e a participação consistia, sobretudo no ver e adorar a hóstia. A eucaristia tinha se tornado uma devoção.

Contra esta evolução reagiram os reformadores protestantes do século XVI, mas não apenas com críticas objetivas e construtivas. Por isso o Concílio de Trento se viu obrigado a defender contra eles a fé eucarística da idade média, que em muitas expressões teológico-litúrgicas e celebrativas, infelizmente não era mais em tudo fiel à instituição de Jesus e à autêntica tradição apostólica. Pelo menos, muitos acentos, como vimos, foram deslocados. No entanto, a doutrina do Concílio de Trento orientou nos séculos seguintes, além da teologia e da liturgia, também os catecismos e toda a espiritualidade eucarística.

O movimento litúrgico do século XX, com seu coroamento no Concílio Vaticano II, e a reforma litúrgica pós-conciliar significaram realmente uma volta às fontes, mas infelizmente o espírito do concílio e da eucaristia não foram, nem de longe, compreendidos por todos os católicos. Observa-se, até recentemente, uma recaída mais forte no espírito em que se via e se celebrava a eucaristia antes do Vaticano II. A esta falta de compreensão da teologia do Vaticano II e a conseqüente inobservância das orientações práticas do magistério devem-se às deformações e os abusos que hoje se constatam na celebração da eucaristia. Antes de mais nada, seria necessária uma teologia litúrgica da eucaristia que se baseia na bíblia e na tradição autêntica, mas nem mesmo na maioria dos institutos teológicos, onde se forma, sobretudo o clero, tal teologia eucarística é ensinada e por isso em geral também não é transmitida aos leigos, particularmente aos agentes da pastoral litúrgica.

Como acabamos de fazer um apanhado resumido da história da eucaristia, seria oportuno apresentar também a sua teologia, mas, mesmo um resumo da teologia de uma realidade tão rica como é a eucaristia, se quer ser válido, extrapolaria o quadro deste artigo na Revista de Liturgia. Não se esqueça, no entanto, que muitos elementos teológicos importantes já foram apresentados ao longo da análise da prática celebrativa atual da eucaristia.

5. Livros litúrgicos e documentos do magistério

Por não ter apresentado neste artigo um resumo da teologia da eucaristia, parece ainda mais indispensável uma referência aos livros litúrgicos e uma indicação dos documentos do magistério que dão todas as orientações necessárias e úteis para uma autêntica celebração da eucaristia.

A orientação básica nos é dada pelos livros litúrgicos. Aqueles que dizem respeito à eucaristia são, em primeiro lugar, o missal e os lecionários da missa e ainda o ritual para a sagrada comunhão e o culto eucarístico fora da missa. Também outros livros litúrgicos, sobretudo aqueles dos sacramentos que se celebram sempre ou opcionalmente dentro da missa, se referem à eucaristia, como o Pontifical Romano com respeito à confirmação e às ordenações, a bênção de abade e abadessa, a consagração das virgens, a profissão religiosa, a dedicação e bênção de igreja e altar, o ritual de iniciação cristã de adultos, o ritual do matrimônio, o ritual da unção dos enfermos e sua assistência pastoral, este particularmente com o rito da visita e comunhão aos enfermos e o viático, também o ritual de exéquias. Todos estes rituais trazem uma introdução que geralmente lembra primeiro a teologia da respectiva celebração e dá em seguida as orientações necessárias para sua realização. Entre todas estas introduções, merece grande destaque a Instrução Geral do Missal Romano, da qual temos desde 2002 uma nova edição.

Sobre a eucaristia temos ainda numerosos outros documentos dos papas e da Sé apostólica, também da CNBB e de várias dioceses. Particularmente importante é para nós no Brasil a segunda parte do documento 43 da CNBB: Animação da vida litúrgica no Brasil, que dá orientações pastorais sobre a celebração eucarística. As cinco instruções da Sé apostólica para uma correta aplicação da constituição do Concílio Vaticano II sobre a liturgia tratam da liturgia em geral, mas em muitas partes também explicitamente da eucaristia.

Os papas dedicaram vários de seus escritos à eucaristia: Paulo VI, a encíclica Mysterium fidei (Mistério da fé) e João Paulo II, a encíclica Ecclesia de eucaristia [A Igreja (vive) da eucaristia] e a carta apostólica Mane nobiscum domine (Ficai conosco, Senhor). A mais recente instrução Sacramentum redemptionis (O sacramento da redenção), que tem o subtítulo “Sobre alguns aspectos que se deve observar e evitar acerca da santíssima eucaristia”, é um prolongamento disciplinar da encíclica Ecclesia de eucaristia, que tem um cunho mais teológico e espiritual. Esta última instrução provocou, parece, por toda parte do mundo católico, reações de decepção. De fato, ela pode dar a impressão de ser um elenco de abusos na celebração da eucaristia que se registraram pelo mundo afora e que a Sé apostólica procura corrigir. A intenção do documento é clara: favorecer da melhor maneira possível o bem espiritual das comunidades que celebram a eucaristia. Certamente ele teria sido melhor acolhido se sua linguagem fosse mais pedagógica e cativante. Em todo caso, esta instrução não introduz novas restrições à liberdade que os livros litúrgicos e os documentos anteriores deram na maneira de celebrar, a não ser em pouquíssimos detalhes de menor importância. Em geral lembra as normas e orientações que se encontram já nos documentos anteriores e aponta para abusos que realmente deveriam ser evitados e corrigidos. Sem menosprezar este e outros dos documentos mais recentes, não hesito em recomendar que se procure a orientação para a celebração da eucaristia, sobretudo na Instrução Geral do Missal Romano de 2002.

6. Propostas de ação

A prática celebrativa da eucaristia deve se orientar basicamente, e em primeiro lugar, pela instituição de Jesus. Devemos, portanto, fazer aquilo que ele fez e mandou fazer em memória dele. Confrontando nossa prática celebrativa atual com a herança autêntica de Jesus Cristo, podemos detectar as deformações indevidas e encontrar pistas para as correções e melhorias necessárias. Em outras palavras: já que tratamos da prática celebrativa, portanto, do lado ritual ou externo da celebração eucarística, não há dúvidas que na procura de propostas para a ação devemos nos orientar, sobretudo na estrutura da missa, que é a de uma refeição. Não devemos nos esquecer das dimensões mais internas da eucaristia que se espelham no rito, mas direta e imediatamente devemos ter em vista o rito e sua autenticidade.

A própria dimensão de ceia poderia se manifestar sem grandes dificuldades muito melhor do que é geralmente o caso. Por exemplo: poderíamos, deveríamos usar para a celebração da eucaristia pão que de fato parece ser pão. Dentro das prescrições do missal, as hóstias podem ser maiores, mais grossas, de farinha não tão refinada que nem tem mais a cor de pão. Também para os fiéis as hóstias podem ser grandes, de modo que sejam partidas. A comunhão sob as duas espécies pode ser bem mais freqüente do que é na realidade. As orientações da CNBB que se encontram no Diretório litúrgico, a permitem praticamente sempre. Se levássemos a sério a ordem do Senhor: Tomai e comei... e tomai e bebei... e o significado da comunhão sob as duas espé-cies, não hesitaríamos mais em praticá-la, pelo menos muito mais freqüentemente. Mesmo o ideal de um número maior de pessoas tomar o Sangue de Cristo de um único cálice, não encontra da parte dos fiéis receio; em todo caso, nunca o notei em minhas comunidades. Pelo contrário, com a devida preparação dos fiéis eles se encantam com esta maneira de comungar.

Fácil é também tornar as nossas missas mais festivas, menos monótonas e enfadonhas, menos verbosas e cerebrais, sem deslizar em celebrações tipo show. Se os instrumentos sustentam o canto e se este já pela sua letra exprime o mistério que se celebra, também quando em certos momentos somente o toque de instrumentos cria clima de oração e de alegria profunda, música e canto exercem realmente o seu ministério a serviço da liturgia e da comunidade celebrante. Assim, a celebração se torna ainda mais prenhe do mistério de Cristo, da páscoa dele e do povo. Para facilitar tal participação plena e frutuosa de toda a assembléia litúrgica em clima festivo seria também importante não usar os costumeiros folhetos que impedem uma comunicação plena entre os ministros, sobretudo os que proclamam a palavra de Deus, e a assembléia. A comunicação não deve se reduzir à dimensão acústica; é a pessoa toda, também com sua postura e expressão de rosto, com seu olhar e seus gestos que se comunica. Não se justificam os folhetos com o argumento que os leitores e, é verdade, freqüentemente também os ministros ordenados, não se comunicam; eles devem ser formados para isso. Onde se vê numa festa que tudo aquilo que será falado se apresenta em folheto?

Seria bom se pudéssemos também para o canto dispensar qualquer subsídio impresso, mas um livro de canto que se toma nas mãos somente quando a assembléia canta, prejudica relativamente pouco. Ao contrário dos folhetos, o bom livro de canto tem a grande vantagem de possibilitar a escolha de cânticos que não somente exprimem aquilo que se celebra, mas corresponda também ao gosto e a capacidade da assembléia que vai cantar. È claro que tal livro deve conter cânticos litúrgicos, que cantam o mistério de Cristo e a vida da comunidade, de acordo com todo o ano litúrgico, e não apenas cânticos quaisquer de confraternização ou de luta social ou também intimistas e subjetivistas que não falam do mistério que se celebra.

Mais ainda do que o elenco das deformações em nossas celebrações da eucaristia poderia ser prolongado o elenco das sugestões para corrigi-las, mas muitas propostas já foram feitas direta ou indiretamente quando analisamos as deformações. Também seria impossível aqui pretender ser completo e dar todas as sugestões possíveis. Todas as propostas a serem feitas encontram-se nos livros litúrgicos e em documentos do magistério.

Uma sugestão, porém, seja ainda dada aqui. É até mais do que uma sugestão, é um chamado de atenção a uma necessidade urgente e de capital importância: Devemos incrementar a formação de nossas comunidades e de seus ministros leigos e ordenados. Só assim será possível realizar a grande tarefa que é vital para nossas comunidades, para a Igreja e para o mundo, que a eucaristia, o coração de tudo, seja celebrada como aquela Ceia que o Senhor nos deixou em sua memória. Mas não é apenas a formação litúrgica que falta, falta formação humana e cristã em geral e especialmente para os ministros ordenados uma formação teológico-litúrgica sólida. São poucas as famílias que colocam nos seus filhos os fundamentos para uma vida de fé que dê a eles condições para poderem celebrar esta fé. A catequese, particularmente aquela que é chamada de primeira comunhão, geralmente não é uma verdadeira iniciação à eucaristia. Deficiente é, muitas vezes, também a formação litúrgica dos membros das equipes de liturgia e dos ministros leigos, inclusive dos que ajudam na distribuição da comunhão. E mesmo a formação litúrgica do clero nos institutos de teologia e nos seminários deixa a desejar.

Conclusão

Nestas páginas se tocou em muitos problemas. Nem todos são da mesma importância. Grande parte destes problemas se pode solucionar com facilidade. Em geral se exige uma melhor formação dos que celebram a eucaristia, sobretudo dos ministros. Considerando o conjunto das deformações em nossas celebrações eucarísticas e as conseqüências nefastas que causam em nossas comunidades, na Igreja e no mundo, devemos estar profundamente preocupados e procurar melhorar a situação com urgência e com todas as nossas forças, fazendo de imediato o que dá para fazer para corrigir os erros, mas também, e isso parece ser ainda mais importante, investir na formação humana, cristã e teológico-litúrgica de nós mesmos, de nossas comunidades e dos seus agentes, sobretudo dos que presidem as celebrações eucarísticas.


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Pe. Gregório Lutz é doutor em liturgia, professor e coordenador do Centro de Liturgia da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção em São Paulo.

EU TE ADORO, HÓSTIA DIVINA
A PROPÓSITO DA ADORAÇÃO AO SANTÍSSIMO SACRAMENTO
E A MISSA: APRENDENDO DA HISTÓRIA

Frei José Ariovaldo da Silva, OFM*
Teólogo liturgista


1. A prática de adorar o Santíssimo na missa hoje: alguns exemplos

Chega a ser impressionante, nestes últimos anos, a volta das manifestações de adoração ao Santíssimo Sacramento durante a celebração do memorial do sacrifício de Cristo, isto é, durante ou imediatamente após a missa.


Muita gente, na hora da consagração, tem o costume de sussurrar exclamações como: “Meu Jesus, eu te adoro”, ou, “Meu Senhor e meu Deus”, ou, “Senhor, eu creio em ti, mas aumentai minha fé” etc.

Muitos padres, na hora da consagração, levantam devagar e solenemente, bem alto, a hóstia consagrada e, depois, o cálice, para adoração dos fiéis. Olhos fixos no pão e no vinho consagrados, ao som das campainhas, todos adoram a Jesus que “desceu sobre o altar”, como dizem.

Há padres que, logo após a consagração, interrompem a Oração Eucarística, saindo com o Santíssimo Sacramento em procissão pela nave a Igreja – chamam essa procissão de “passeio” – para adoração dos fiéis com manifestações de aplausos, toques na hóstia por parte dos fiéis para receber a cura etc.

Muitos, após a consagração, substituem a aclamação memorial “Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição” por cantos de adoração como: “Eu te adoro, hóstia divina”, ou, “Bendito, louvado seja, o Santíssimo Sacramento” etc.
Muitos cristãos e cristãs, assim que recebem a comunhão têm o hábito de se ajoelhar na capela do Santíssimo Sacramento para adorar Jesus presente ali no sacrário. Como se não tivessem acabado de “receber Jesus” no templo do seu próprio corpo!...
Há padres – e leigos também – que incentivam a adoração do Santíssimo imediatamente após a missa, dando assim a impressão que a comunhão não valeu, ou valeu pouco. Pois, dada a importância que se dá à adoração e à bênção do Santíssimo logo após a missa, a comunhão no corpo e sangue de Cristo acaba caindo no esquecimento, em segundo plano. Como vi e ouvi, certa vez pela televisão, um padre animador proclamar solenemente e com todo entusiasmo para a multidão, assim que terminou a missa presidida pelo bispo: “Meus irmãos, agora vamos receber e bênção do Santíssimo Sacramento... Não existe bênção mais importante do que esta”! Daí se conclui: A maior bênção, que foi a participação no memorial do sacrifício de Cristo, isto é, na missa recém-celebrada, deixou de ser a mais importante!...
Alguns chegam a substituir a bênção final da missa pela bênção do Santíssimo Sacramento.
São alguns exemplos ilustrativos de como estão resgatando por aí o sentido da missa mais como ato de adoração ao Santíssimo do que como celebração do mistério pascal na forma de uma ceia. Inclusive com manifestações de adoração ao Santíssimo Sacramento imediatamente após a missa, colocando-a em segundo plano...
São costumes que tiveram uma origem, bem como um motivo por que se originaram, na história da Igreja. Vejamos o que diz a história a respeito. Ela pode nos ensinar muita coisa e nos iluminar em nossas práticas celebrativas da eucaristia hoje.

2. Quando e por que evoluiu o costume de adorar o Santíssimo na missa

A prática de adorar o Santíssimo Sacramento durante a missa se desenvolveu com toda força na passagem do primeiro para o segundo milênio. Em plena Idade Média, portanto.
Antes, isto é, no primeiro milênio, sobretudo até o século 9, a eucaristia era vista e vivida sobretudo como celebração memorial da páscoa de Cristo, em clima de ação de graças, da qual participava ativamente toda a assembléia, tendo como ponto alto desta participação a comunhão no corpo e sangue de Cristo. Não havia adoração ao Santíssimo durante a missa, como se entende e se faz hoje.
Aos poucos, porém, sobretudo a partir dos séculos 8 e 9, a missa vai se tornando cada vez mais “coisa do padre”. Os motivos são vários, e não vem ao caso elencá-los aqui. Basta dizer que o clero vai aos poucos monopolizando tudo na celebração eucarística. Os padres começam a rezar a missa sozinho. E, mesmo havendo assembléia, adota-se o costume de os padres fazerem tudo sozinho (orações, leituras etc.), em voz baixa, de costas para o povo, em latim. O povo apenas assiste, de longe. Já não participa mais, como era antes.
Com isso, os cristãos perdem também o estímulo em participar também da comunhão recebendo o corpo e o sangue do Senhor. Esquecem-se assim da ordem que Jesus mesmo deu: “Tomai e comei... tomai e bebei”. (Jesus mandou comer e beber! Foi isso que ele mandou fazer! Comer e beber são parte integrante e ponto alto da participação na missa). Cada vez menos gente participa da comunhão. Apenas assiste a “missa do padre”, o que virou sempre mais um costume...
Outro fator que distancia o povo da mesa da comunhão na missa: Aos poucos, por influência dos povos franco-germânicos, os cristãos de nossa Igreja romana absorvem uma mentalidade quase doentia em relação a Deus, vendo nele um ser terrível, ameaçador, vigiando e controlando nossas atitudes. Ligado a isso, se acentua uma mentalidade obsessiva em relação ao pecado, ao castigo, ao inferno e purgatório. O clima era, pois, de medo. Resultado: O povo fica com medo de comungar. Pois comungar significava aproximar-se do Juiz terrível e ameaçador e, possivelmente, correr perigo de castigo por nossos pecados.
Assim, no século 12 já praticamente ninguém comungava mais. Tanto que, em 1215, o quarto concílio do Latrão chegou a decretar uma lei, determinando que todo católico devia comungar “pelo menos uma vez por ano”, por ocasião da páscoa, depois de fazer uma boa confissão. Pelo menos uma vez por ano! Quer dizer que, nas outras vezes, o povo podia estar dispensado de comungar durante a missa!... Resultado: Comer e beber, na celebração da ceia deixou de ser importante! O que virou um costume que atravessou todo o segundo milênio: O povo vai à celebração da ceia memorial do Senhor, mas não come mais nem bebe da ceia (como faziam os cristãos nos primeiros séculos do cristianismo).
O que o povo passou a fazer então, enquanto o padre, lá distante no altar, “rezava a missa”? Entretinha-se com rezas, novenas, devoções etc. E a comunhão, o povo a substituiu pela adoração da hóstia. Ver a hóstia, de longe, adorando-a, tornou-se uma forma de “comungar”. Por isso que, então, os padres adotaram o costume de levantar bem alto a hóstia e, depois, o cálice, na hora da consagração. Para o povo ver e prestar adoração ao Senhor terrível que “desceu sobre o altar”, na hóstia consagrada e no cálice de vinho. O desejo de ver a hóstia tornou-se então uma verdadeira febre para os fiéis, o ponto alto, o momento mais importante da missa. Introduziram até o costume de tocar campainhas na hora da elevação, exatamente para chamar a atenção e enfatizar o momento. Bastava ver a hóstia e o povo já se dava por muito feliz e satisfeito. Tudo isso virou um costume...
Outra informação: A partir do século IX, mas com maior vigor a partir do século 11, alguns teólogos de influência, dentre os quais destaca-se Berengário de Tours, andaram espalhando idéias que colocavam em dúvida a presença real de Jesus no pão e no vinho consagrados. A Igreja, em reação a estes movimentos heréticos, desencadeou todo um movimento no sentido de afirmar a fé na presença real. Para tanto, propagou e reforçou a prática da adoração ao Santíssimo Sacramento, dentro e fora da missa. Fora da missa, através de procissões do Santíssimo, bênçãos do Santíssimo etc. Conseqüência: A missa, distante do pensamento de Jesus e da prática dos cristãos dos primeiros séculos, se transforma numa espécie “fábrica de hóstias consagradas” para serem adoradas. Longe do pensamento de Jesus, porque na última ceia Jesus não disse “tomai e adorai”; ele disse “tomai e comei... tomai e bebei”!
Como você vê, o costume de adorar o Santíssimo Sacramento durante a missa foi desenvolvido na Idade Média, quando a Igreja havia perdido de vista o verdadeiro sentido da missa como celebração memorial da páscoa de Cristo e nossa (vejam o que Jesus disse: “Fazei isto em memória de mim”!), que tem seu ponto alto no momento da ceia (comunhão). A missa, em vez de ser em primeiro lugar um momento de adoração ao Pai, através do memorial do sacrifício de Cristo que se entrega, na força do Espírito Santo, transforma-se simplesmente numa ocasião privilegiada de adoração à hóstia consagrada, ou, ao Cristo presente no pão e no vinho; mas sobretudo no pão (na hóstia).
Esta mentalidade não foi superada nem com o concílio de Trento (séc. 16). Perpassou os séculos seguintes, até hoje, como um costume normal. Nosso Brasil foi evangelizado com esta mentalidade “viciada”. Não tivemos outro tipo de evangelização eucarística (refiro-me ao modelo de compreensão dos primeiros séculos de cristianismo). O modelo medieval e pós-tridentino é que ficou muito bem arraigado no nosso subconsciente religioso, no imaginário popular. Por isso, o costume de adorar o Santíssimo na missa hoje, segundo os exemplos elencados no início deste artigo, mereceria todo um longo trabalho de evangelização.

3. Desafios para o futuro

Nesses últimos anos, o papa João Paulo II fala de uma nova evangelização. Nós diríamos: Precisamos re-evangelizar nossa cultura religiosa eucarística de tipo medieval, valorizando, à luz do concílio Vaticano II, a compreensão bíblica e dos Santos Padres no que se refere à celebração eucarística.
Não se trata de menosprezar e muito menos querer eliminar as devoções ao Santíssimo Sacramento. Trata-se de, teologicamente, colocar as coisas no seu justo lugar. Não misturar as coisas. Missa é missa. Adoração ao Santíssimo é outra, com seu sentido e valor . A mistura é coisa da Idade Média que, como vimos, acabou colocando a adoração ao Santíssimo acima do verdadeiro sentido da missa.
Também não se trata de dizer que não adoramos Cristo na hora da missa. O próprio missal prescreve uma genuflexão do sacerdote na hora da consagração, primeiro para adorar a hóstia consagrada e depois para adorar o cálice. Mas, atenção! Adorar “a hóstia e o cálice” significa em primeiro lugar reverenciar “o sacrifício de Cristo” (a entrega do seu Corpo e do seu Sangue) sobre o altar para ser oferecido ao Pai e devolvido a nós como alimento na comunhão. É isso! O que temos de evitar são exageros que colocam a prática da adoração ao Santíssimo acima do sentido da Oração Eucarística e da própria comunhão eucarística.
Neste sentido, a CNBB nos dá com muita sabedoria a seguinte orientação: “Na celebração da Missa, não se deve salientar de modo inadequado as palavras da Instituição (= consagração), nem se interrompa a Oração Eucarística para momentos de louvor a Cristo presente na Eucaristia com aplausos, vivas, procissões, hinos de louvor eucarístico e outras manifestações que exaltem de tal maneira o sentido da presença real que acabem esvaziando as várias dimensões da celebração eucarística” .
Enfim, o grande desafio mesmo está em desenvolver na alma dos pastores e dos fiéis tudo o que o concílio Vaticano II resgatou em termos de teologia e celebração da eucaristia. Veja o que diz a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, sobretudo nos números 47-58!
Peço demais a Deus que o espírito deste importantíssimo Concílio, no que diz respeito à liturgia em geral, e de modo especial à eucaristia, não seja abafado pelo individualismo religioso tão forte neste início de milênio.



BIBLIOGRAFIA

ALDAZÁBAL José. A Eucaristia. In: BOROBIO Dionísio. A celebração na Igreja 2: Sacramentos. São Paulo: Loyola, 1993, p. 204-244 (“Evolução histórica e compreensão eclesial da eucaristia”).

BASURKO Xavier & GOENAGA José Antônio. A vida litúrgico-sacramental da Igreja em sua evolução histórica. In: BOROBIO Dionísio. A celebração na Igreja 1: Liturgia e sacramentologia fundamental. São Paulo: Loyola, 1990, p. 37-160 (sobretudo p. 84ss.).

CABIÉ Robert. A Eucaristia. In: MARTIMORT Aimé Georges (Org.). A Igreja em oração II. Petrópolis: Vozes, 1989 (sobretudo p. 130-132: “A devoção medieval”).

COLDEBELLA Silde. Adoração na missa? In: Revista de Liturgia n. 153 (mai/jun 1999), p. 33-34.

LUTZ Gregório. A presença real de Jesus Cristo na eucaristia. In: Revista de Liturgia n. 153 (mai/jun 1999), p. 8-10.

MARSILI Salvatore. Teologia da celebração da eucaristia. In: VV.AA. A eucaristia: teologia e história da celebração (Anámnesis 3). São Paulo: Paulinas, 1987, p. 7-202.

MELO José Raimundo de. A participação da assembléia dos fiéis na celebração eucarística ao longo da história: e-volução ou in-volução? In: Perspectiva Teológica 32 (2000), p. 187-220.

VISENTIN, Pelágio. Eucaristia. In: SARTORE Domenico & TRIACCA Achille M. Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulinas, 1992, p. 395-415 (sobretudo p. 399-402: “A celebração eucarística: as grandes etapas de sua evolução histórica”).




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Frei José Ariovaldo da Silva é Doutor em Liturgia pelo Pontifício Instituto Litúrgico de Roma; Professor de Liturgia no Instituto Teológico Franciscano, Petrópolis; Professor de História da Liturgia na pós-graduação em Liturgia da Pontifícia Faculdade de Teologia N. Sra. da Assunção, São Paulo.

A Ação de Graças na
Celebração da Palavra de Deus



Pe. Cristiano Marmelo Pinto


1. Ação de graças

Vamos começar nossa reflexão, procurando descobrir o que é ação de graças ou dar graças. Ação de graças é uma forma de oração e tem suas raízes no Primeiro Testamento. Ação de graças é a tradução da palavra grega “Eucaristia”. Eucaristia, por sua vez, é a tradução da palavra hebraica “Berakah”.

A ação de graças possui vários elementos:

1. Um fato;
2. Admiração;
3. Exclamação ou aclamação;
4. Proclamação;
5. Pedido;
6. Louvor final.

UM FATO - há sempre um fato relacionado com Deus: uma bênção, uma graça, um benefício, ou seja, uma manifestação da bondade de Deus.

ADMIRAÇÃO – o fato desperta uma atitude de admiração, que perpassa toda a oração.

EXCLAMAÇÃO OU ACLAMAÇÃO – a admiração se expressa por meio de uma exclamação ou aclamação: “Bendito seja o Senhor!”

PROCLAMAÇÃO – em seguida dá-se o motivo da admiração e da aclamação, recordando ou proclamando o fato.

PEDIDO – normalmente nas orações de ação de graças, após a proclamação dos benefícios, segue-se o pedido.

LOUVOR FINAL – é normal que a Berakah termine com um louvor final, que não é aclamação, mas uma síntese de tudo quanto foi proclamado.

Este tipo de oração, com esta estrutura e estes elementos, chama-se Berakah. Ela exprime não só um agradecimento pelo benefício recebido, como também traduz uma resposta de abertura, gratidão, louvor, profissão de fé, reconhecimento e adoração diante de Deus, diante do bem recebido, diante do fato. Os termos em português que melhor exprimem tudo isso são: ação de graças, dar graças, render graças, bendizer.

2. O louvor ou ação de graças na Bíblia

Ao longo da história da salvação, há momentos em que o povo clama ao Senhor por libertação. O Senhor ouve e atende e o povo fica agradecido. Deste modo, há momentos para pedir e clamar, e há momentos de agradecer e louvar a Deus.

Esta dinâmica encontramos praticamente em toda a Bíblia. No Primeiro Testamento o ponto de referência é o Êxodo. Após a libertação do Egito, Moisés faz o seu cântico: “Então Moisés e os israelitas cantaram esta canção a Deus, o Senhor: Cantarei ao Senhor porque ele conquistou uma vitória maravilhosa...” (Ex 15,1). Também os salmos e cânticos bíblicos se referem a inúmeras ações de Deus em favor do povo de Israel.

No Segundo Testamento, o louvor e ação de graças brota da experiência da ressurreição de Jesus, da Palavra proclamada, da nova vida, no Espírito, do novo povo, etc. Paulo assim diz: “O motivo de nosso contínuo agradecimento a Deus é este: quando ouviram a Palavra de Deus que anunciamos, vocês a acolheram não como palavras humanas, mas como ela realmente é, como Palavra de Deus, que age com eficácia em vocês que acreditam” (1Ts 2,13). “Com alegria, deem graças ao Pai, que permitiu a vocês participarem da herança dos cristãos, na luz. Deus nos arrancou do poder das trevas e nos transferiu para o Reino de seu Filho amado, no qual temos a redenção, a remissão dos pecados” (Cl 1,12-14).

Há ainda muitos outros textos que poderíamos recorrer, tais como: 1Cor 1,4; Ef 1,1-15; Apo 4; 7,9-12; 11,15-18; etc.

3. A ação de graças na celebração litúrgica

Sem dúvida nenhuma, a expressão máxima de ação de graças na fé cristã, é a celebração da Eucaristia. E dentro desta, no momento da liturgia eucarística, temos a grande Oração Eucarística. Na liturgia eucarística nos unimos a Cristo em sua entrega total ao Pai, em louvor e ação de graças.

O domingo é o dia da Eucaristia, dia do louvor, da ação de graças pela ressurreição de Jesus que nos deu esperança de vida nova. Na celebração dominical não pode faltar o louvor, a ação de graças.

A ação de graças é um dos elementos fundamentais da celebração comunitária, com a qual se bendiz a Deus pela sua imensa glória (cf. CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Diretório para as celebrações dominicais na ausência do presbítero, nº. 41c).

4. A ação de graças na celebração da Palavra de Deus

Na estrutura da celebração da Palavra de Deus, um dos elementos é o rito de Ação de Graças ou Momento de Louvor (cf. Diretório para as celebrações dominicais na ausência do presbítero, nº. 41c). A ação de graças pode ser feita depois da oração da comunidade ou depois da comunhão (cf. nº 45a). Neste momento a comunidade reconhece a ação salvadora de Deus realizada em Jesus Cristo, e rende graças (cf. CNBB. Doc. 52, 83). “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que no abençoou com toda sorte de bênção espiritual” (Ef 1,3). “Agradeçamos sempre a Deus Pai por todas as coisas, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo” (Ef 5,20).

5. Ação de graças no Doc. 52 da CNBB

“Orientações para a celebração da Palavra de Deus”

1. O documento lembra que a celebração do Senhor ressuscitado e a ação de graças – eucaristia – são os elementos essenciais do domingo cristão (nº. 31);

2. Coloca a ação de graças entre os elementos que devem ser valorizados na celebração da Palavra de Deus (nº. 54);

3. Retoma o motivo da ação de graças: “bendizer a Deus pela sua imensa glória” (nº. 83);

4. Diz ainda que a ação de graças, ou “rito de louvor” é um dos elementos essenciais da celebração (nº. 83);

5. Abre espaço para agradecimentos ligado a realidade da comunidade (nº. 84);

6. Aponta vários modos de se fazer a ação de graças: salmos, hinos, cânticos, orações litânicas, benditos ou outras expressões orantes (nº. 85);

7. Quanto ao momento da ação de graças, o documento indica que pode ser feito após a oração dos fiéis, após a distribuição da comunhão, ou ainda após o final da celebração (nº. 85);

8. O que não pode ser? O documento diz que o momento de ação de graças não pode, de modo algum, ter a forma da celebração eucarística (pão e vinho, oração eucarística, Cordeiro de Deus e bênção própria dos ministros ordenados (nº. 86);

9. O documento ainda diz que o momento de ação de graças não pode ser substituído pela adoração ao Santíssimo Sacramento (nº. 86).

Não se pode também, no momento de ação de graças, fazer rezar partes da oração eucarística (pulando a consagração), toda a oração eucarística pertence à missa.

6. Modelos de Ação de Graças (Sub. 3 – CNBB)

Min.: O Senhor esteja convosco.
Povo: Ele está no meio de nós.
Min.: Elevemos ao Senhor o nosso louvor.
Povo: É nossa alegria e salvação.

Min.: Nós vos damos graças, ó Pai, por toda a vossa criação e por tudo o que fizestes no meio de nós, por meio de Jesus Cristo, vosso Filho e nosso irmão, que nos destes como imagem viva do vosso amor e de vossa bondade.
Povo: Por nós fez maravilhas, louvemos o Senhor!

Min.: Como expressão de nosso louvor, colocamos aqui este sinal da nossa fé: a comunhão no Santíssimo Corpo do Senhor e nosso desejo de corresponder com mais fidelidade à missão que nos destes.
Povo: Por nós fez maravilhas, louvemos o Senhor.

Min.: Enviai sobre nós, aqui reunidos, o vosso Espírito e dai a esta terra que nos sustenta uma nova face. Que haja paz em nossas famílias e cresça em nossa comunidade a alegria de sermos vossos por Cristo nosso Senhor.
Povo: Por nós fez maravilhas, louvemos o Senhor.

Min.: Pela palavra do Evangelho de vosso Filho, fazei que as Igrejas do mundo inteiro caminhem na unidade e sejam sinais da presença do Cristo ressuscitado. Tornai esta comunidade cada vez mais sinal da vossa bondade.
Povo: Por nós fez maravilhas, louvemos o Senhor.

Min. Lembrai-vos, ó Pai, dos nossos irmãos, que morreram na paz do Cristo, e de todos os falecidos, cuja fé vós conheceis: acolhei-os na luz da vossa infinita misericórdia.
Povo: Por nós fez maravilhas, louvemos o Senhor.

Min.: Ó Deus, criador do céu e da terra, os nossos louvores e nossas preces cheguem a vós pelas mãos daquele que é nosso único mediador, Jesus Cristo nosso Senhor.
Povo: Amém.

Assim como esta, podemos encontrar muitas outras nos subsídios chamados: Dia do Senhor, publicados pelo Apostolado Litúrgico em parceria com a Paulinas. Nestes subsídios há modelos de ação de graças para os vários tempos litúrgicos e ocasiões especiais da vida da comunidade.

São um total de seis livros:

1. DIA DO SENHOR – Ciclo do Natal ABC
2. DIA DO SENHOR – Ciclo Pascal ABC
3. DIA DO SENHOR – Tempo Comum Ano A
4. DIA DO SENHOR – Tempo Comum Ano B
5. DIA DO SENHOR – Tempo Comum Ano C
6. DIA DO SENHOR – Santoral

7. As Louvações

Na tradição religiosa do povo brasileiro, surgiram as louvações. Reginaldo Veloso diz que as louvações tiveram origem num canto das romarias a Juazeiro do Padre Cícero, por volta de 1977.

Os romeiros a cada parada na caminhada, faziam orações e cantavam seus benditos. Reginaldo Veloso e Pe. Geraldo Leite dessa experiência, tiveram a ideia de compor as louvações.

Existem inúmeras louvações, uma para cada tempo litúrgico e ocasiões. Vocês podem encontrar várias delas num cd das Paulinas chamado: Ação de Graças no Dia do Senhor.

8. Estrutura das Louvações

As louvações se desenvolvem em três passos:

1. Um convite de louvor, que se exprime no refrão, no início da louvação e se repete a cada louvação;
2. O motivo da louvação: proclamação da obra salvífica de Deus, desenvolvida nas estrofes;
3. No encerramento faz-se uma transição para o santo.

Exemplo de louvação - Louvação Quaresmal (Hinário Litúrgico 2 – CNBB, pág. 152)

Refrão: É bom cantar um bendito, um canto novo, um louvor! (bis)
1. Ao Deus do povo oprimido, / que ouviu do pobre o clamor! (bis)
2. Ao Deus que livra seu povo / das garras do Faraó! (bis)
3. Ao Deus que mandou seu Filho / dos pobres Libertador! (bis)
4. Um povo unido e forte / bendiz e louva o Senhor.

9. Conclusão

Sabemos que o momento de ação de graças na celebração da Palavra de Deus tem encontrado grandes desafios em nossas comunidades. Não podemos confundi-la e muito menos substituí-la pela adoração ao Santíssimo, pela Oração Eucarística cortando/omitindo a consagração, entre outras coisas... Também não se pode deixá-la de fazer, pois constitui um elemento fundamental na celebração, conforme os documentos da Igreja.

Seja os modelos de ação de graças, que são muitos, ou as louvações, o importante é fazer com que o povo todo participe, pois a liturgia é ação de toda a comunidade.

Espero que esta breve reflexão possa ajudá-los a celebrar melhor este momento tão importante e bonito de nossas celebrações da Palavra de Deus. Espero também, que os ministros saibam possam compreender que, tudo aquilo que é parte própria da celebração da Eucaristia, não se deve introduzir na celebração da Palavra, como: Oração Eucarística, Cordeiro, etc.


BIBLIOGRAFIA

1. CNBB. Orientações para a celebração da Palavra de Deus. Doc. 52. São Paulo: Paulinas, 1994.

2. CNBB. Celebração da Palavra de Deus. Subsídios da CNBB 3. São Paulo: Paulus, 1995.

3. CNBB. Guia Litúrgico-Pastoral. Brasília: Edições CNBB.

4. BUYST, Ione. Celebração dominical ao redor da Palavra de Deus. São Paulo: Paulinas, 2002.

5. PALUDO, Faustino. A celebração da Palavra de Deus. In: CELAM. Manual de Liturgia IV. São Paulo: Paulus, 2007, pp. 155-186.

6. DE ALMEIDA, Sérgio Ferreira. Celebração na ausência do presbítero: fundamentação, roteiros e sugestões. Petrópolis: Vozes, 2008.

7. DEISS, Lucien. Palavra de Deus celebrada: teologia da celebração da Palavra de Deus. Petrópolis: Vozes, 1998.

8. BECKHÄUSER, Alberto. Ação de graças. In: Revista de Liturgia, nº. 74, março/abril de 1986, pp. 2-8.

9. VELOSO, Reginaldo. Prefácios populares. In: Revista de Liturgia, nº. 74, março/abril de 1986, pp. 9-24.

10. LUTZ, Gregório. Louvações populares. In: Revista de Liturgia, nº. 74, março/abril de 1986, pp. 25-27.

11. GUIMARÃES, M. e CARPANEDO, P. Dia do Senhor: guia para as celebrações das comunidades. 6 Volumes. São Paulo: Paulinas.