sábado, 9 de março de 2019






A LITURGIA COMO FONTE DA CATEQUESE

Pe. Cristiano Marmelo Pinto
Mestre em Liturgia pela PUC-SP

1. INTRODUÇÃO

A constituição sobre a liturgia do Concílio Vaticano II, afirma que “a liturgia é o cume para o qual tende toda a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte de que promana sua força” (SC 10). Desta afirmação conciliar pode-se concluir a relação existente entre a catequese e a liturgia. Ao se falar de catequese de iniciação à vida cristã, supõe-se que ela tenha como objetivo iniciar os catequizandos nos mistérios da fé, que tem seu auge na sua celebração. Portanto, a catequese como ação da Igreja, que busca iniciar os cristãos nos mistérios da fé, tem seu fim último na liturgia.

O Concílio tem claro que a liturgia não é a única ação da Igreja ao dizer que: “antes de ter acesso à liturgia é preciso ser conduzido à fé e se converter” (SC 9). Isto nos faz compreender o processo catequético como um caminho pedagógico que conduzindo à fé e a conversão, objetiva a experiência dessa fé na ação litúrgica.

Por outro lado, a liturgia também é fonte da catequese. Isto porque, tendo a Palavra de Deus como sua fonte primária, é na celebração litúrgica que a Palavra terá um destaque especial. Como afirma Julián L. Martín: a liturgia é lugar privilegiado em que a Palavra de Deus ressoa com eficácia particular e em que é constantemente proclamada, escutada, interiorizada e comentada”[1].

Porém, a relação entre liturgia e catequese nem sempre foi tão clara e, ainda hoje continua um tanto confusa para muitos, embora haja um esforço para reestabelecer esta relação. É comum ouvir de catequistas que as crianças só participam da celebração da eucaristia, ao longo do processo catequético, forçadamente. O mesmo acontece na catequese da crisma. E o que se vê, na maioria das vezes, é um parcial ou total abandono da comunidade após ter recebido o sacramento.

Tudo isto nos faz questionar o processo catequético, que por certo, mesmo que haja esforço, não está conseguindo iniciar adequadamente os catequizandos, tanto na vivência comunitária da fé como na sua celebração litúrgica. É neste intento que no Brasil nos últimos anos, dando continuidade no processo da catequese renovada[2], ou a renovação da catequese, a Igreja tem buscado fomentar uma catequese de inspiração catecumenal[3], que leve a uma verdadeira iniciação à vida cristã. A catequese segundo D. Sartore: “Preocupada com o anúncio e com a sua tradução para a vida concreta, parece por vezes menos sensível ao momento celebrativo, que se situa como ápice do anúncio e como fonte da existência cristã[4].

2. A RELAÇÃO ENTRE LITURGIA E CATEQUESE

São João Paulo II, na Exortação Apostólica “Catechesi Tradentae[5] afirma que: “A catequese está intrinsecamente ligada com a ação litúrgica e sacramental, porque é nos sacramentos, e sobretudo na eucaristia, que Cristo Jesus age em plenitude para a transformação dos homens” (nº 23). O Concílio Vaticano II ao considerar a liturgia como celebração do mistério pascal de Cristo, vê a necessidade de uma iniciação adequada dos que dela participam, para melhor celebrar e desse modo, penetrar no mistério de Deus que se atualiza na ação litúrgica. Se por um lado, na liturgia tomou-se consciência da necessidade de favorecer o ato de fé, por outro, a catequese abriu-se a experiência simbólico-ritual e à celebração.

O Concílio Vaticano II, na Declaração “Gravissimum Educationis”, sobre a educação cristã, diz que: “A formação catequética, que ilumina e fortalece a fé, nutre a vida segundo o espírito de Cristo, leva a uma participação consciente e ativa no mistério litúrgico e desperta para a vida apostólica” (GE 4). Segundo J. L. Martín: “A catequese conduz à liturgia e desemboca nela, não somente porque é ‘ápice e fonte’, mas pela mesma dinâmica do processo de evangelização e da catequese[6]. Se a liturgia é o cume para o qual se direciona toda a ação da Igreja (cf. SC 10), inclusive a catequese, vale dar atenção a Instrução “Inter Oecumenici” ao recomendar que:

Deve-se dar cuidadosa atenção para que todas as atividades pastorais estejam em correta conexão com a sagrada liturgia e, ao mesmo tempo, para que a pastoral litúrgica não se desenvolva de modo separado e independente, mas em íntima união com as outras atividades pastorais. Particularmente necessário é um estreito vínculo entre a liturgia e a catequese (n. 7).

O Diretório Nacional de Catequese diz que entre a fé, a celebração e a vida há uma íntima relação. Segundo o Diretório: “O mistério de Cristo anunciado na catequese é o mesmo que é celebrado na liturgia para ser vivido[7]. É neste sentido que o Documento 43 da CNBB no número 92 irá dizer que: “Pelos sacramentos a liturgia leva a fé e a celebração da fé a se inserirem nas situações concretas da vida[8]. Deste modo, pode-se dizer, conforme o Diretório Geral para a Catequese, da Congregação para o Clero que:

A catequese, além de favorecer o conhecimento do significado da liturgia e dos sacramentos, deve educar os discípulos de Jesus Cristo à oração, à gratidão, à penitência, à solicitação confiante, ao sentido comunitário, à linguagem simbólica, uma vez que tudo isso é necessário, a fim de que exista uma verdadeira vida litúrgica[9].

Embora seja claro que entre a catequese e a liturgia haja uma íntima relação, nem sempre foi assim. Se nos primórdios da Igreja esta relação era natural, ao longo do tempo vão se distanciando, ao ponto de ser necessário uma retomada dessa relação. Vejamos como se deu esse processo.

 3. A RELAÇÃO ENTRE LITURGIA E CATEQUESE 
     AO LONGO DA HISTÓRIA

3.1. Catequese e liturgia nos tempos de Jesus e na Patrística

Ao voltar para junto do Pai, Jesus ordenou a seus discípulos: “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quando vos ordenei” (Mt 28,19). Comentando esta passagem, G. Lutz diz que: “alguém se torna discípulo de Jesus na Igreja através da ação litúrgica do batismo e através da catequese[10]. Percebe-se já nesta ordem de Jesus a ligação que há entre liturgia e catequese. Igualmente podemos encontrar esta ligação entre liturgia e catequese no relato da última ceia de Jesus com seus discípulos (cf. Mt 26, 17-29). Provavelmente Jesus agiu com seus discípulos conforme o costume judaico para a ocasião, quando o mais novo do grupo perguntava ao que presidia o motivo da reunião. O pai da família contava então toda a história da salvação e depois repartia o pão, o cálice e comiam. E Jesus disse: “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22,19).

Os primeiros cristãos fizeram conforme Jesus havia mandado. Pregaram e batizaram (cf. At 2,14-41), se reuniram para partir o pão (cf. At 20,7s). Eles se mostravam assíduos ao ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações (cf. At 2,42).
A relação entre liturgia e catequese era uma realidade desde o início da Igreja. Porém, verifica-se que no Novo Testamento a palavra catequese (katechein) geralmente é usada quando se trata de uma instrução que não se dá dentro da celebração litúrgica (cf. Lc 1,4; At 18,25; 21,21; Rm 2,18). Como afirma G. Lutz: “A palavra catequese ficou reservada para a instrução na fé fora da celebração do sacramento e, de modo particular, para a instrução dos catecúmenos[11].

O catecumenato era um tempo de catequese de pessoas adultas que se preparavam para receber os sacramentos da iniciação cristã. Ele tinha íntima relação com a celebração litúrgica que marcava as etapas de introdução na vida da comunidade, até chegar a celebração dos sacramentos. Este processo prosseguia depois da páscoa com o tempo chamado de mistagogia. Durante todo este tempo, o catecúmeno era acompanhado pelos catequistas.

Em toda a extensão do tempo de catecumenato, a liturgia e a catequese estavam intimamente ligadas entre si. Alguns exemplos encontramos na Tradição Apostólica[12] de Santo Hipólito, nas Catequeses pré-batismais e mistagógicas[13] de São Cirilo de Jerusalém e nos Tratados sobre os sacramentos e os mistérios[14] de Santo Ambrósio.

3.2. Da Idade Média ao nosso tempo

Quando as conversões de adultos já não eram tão frequentes e aumentou o número de batizados de crianças, o catecumenato conforme era exercido no início da Igreja, foi perdendo o sentido. A medida em que as crianças já nasciam de famílias cristãs, ela deveria receber a formação cristã inicial dentro da própria família. Na Igreja, mais tarde, era dada a catequese em vista da preparação para a confissão, a eucaristia e a crisma. A catequese já não era mais uma introdução na vida cristã, mas, uma preparação para a celebração dos sacramentos. Embora a catequese não estivesse desligada da liturgia, não havia mais aquela íntima relação que se observa nas origens.

Mais tarde, quando a frequência nas escolas torna-se obrigatória, o desligamento entre catequese e liturgia progride, visto que a catequese passa a ser dada na própria escola. Embora fosse possível uma catequese para os sacramentos também na comunidade, muitas vezes estes eram celebrados também nas escolas, fora da comunidade. Com o passar dos tempos, a catequese, já desligada da liturgia e da vida da comunidade, passa a receber outros nomes, tais como: “aula de religião” ou “cultura religiosa”. Com o tempo a catequese deixa também de atingir a pessoa na sua totalidade, e passa a visar a pessoa em partes, em particular a vida moral.

Hoje, observa-se uma volta as fontes originárias da catequese, principalmente no seu relacionamento com a liturgia. Ela procura atingir a pessoa humana como um todo, volta a ser realizada dentro da comunidade eclesial, com a participação da comunidade, pelo menos em alguns momentos. A partir do Concílio Vaticano II, procura-se novamente ligar catequese e liturgia, num esforço de destacar tanto a dimensão litúrgica da catequese, como também a dimensão catequética da liturgia. É neste sentido que o Decreto conciliar sobre a educação cristã “Gravissimum Educationis” irá dizer a respeito da formação catequética que ela “ilumina e fortifica a fé, nutre a vida segundo o espírito de Cristo, leva a uma participação consciente e ativa do mistério litúrgico” (GE 4). Por outro lado, a Constituição sobre a liturgia “Sacrosanctum Concilium” diz que: “embora vise principalmente ao culto da divina majestade, a liturgia contém muitos elementos de instrução para o povo” (SC 33).

4. A DIMENSÃO LITÚRGICA DA CATEQUESE 
    E A DIMENSÃO CATEQUÉTICA DA LITURGIA

4.1. A dimensão litúrgica da catequese

Todo encontro catequético deveria possuir momentos celebrativos. Existe por aí catequese que não se celebra nada. É o caso de catequistas que falam, falam, e nunca celebram em seus encontros. Celebração não é somente a Missa. Nem tão somente os demais sacramentos. Pode-se criar outras formas de celebrar como por exemplo: celebração da Palavra, novenas, etc.. Estes encontros celebrativos tem como objetivo fazer com que as crianças vão aprendendo liturgia e a celebrar. Para isso é necessário duas coisas: em primeiro lugar que as catequistas sejam interessadas pela liturgia, caso contrário não haverá motivação alguma. Em segundo lugar, para que os catequizandos possam aprender celebrar e se interessar devemos proporcionar com que eles possam preparar uma celebração, sob a orientação do catequistas: ambientação, escolha dos textos bíblicos, ornamentação, símbolos a serem usados, cânticos, etc.. Por este motivo, o catequista deve ter o mínimo de formação litúrgica. Precisa de uma formação litúrgica adequada.

4.2. A dimensão catequética da liturgia

A catequese é o melhor momento formativo para se aprender celebrar celebrando. A liturgia e a catequese deve andar juntas pois, “toda ação celebrativa tem elementos catequéticos em seu desenvolvimento e toda ação catequética deveria ter elementos celebrativos em seu processo pedagógico”[15]. A celebração litúrgica não é um momento para a formação catequética propriamente dita. Não é um momento de explicação. É sim, um momento de celebrar. Porém em todas as ações celebrativas existem elementos catequéticos, como por exemplo: gestos, símbolos, comentários, homilia, músicas, etc.. Estes elementos falam por si mesmo, tem a força de expressão própria. Eles não precisam de serem explicados. Levando em consideração todos estes elementos, a liturgia torna-se uma forte aliada no processo catequético de nossas crianças, jovens e adultos.

5. A RELAÇÃO LITURGIA E CATEQUESE 
    NOS DOCUMENTOS DA IGREJA

Embora já tendo citado ao longo de nossa reflexão alguns documentos da Igreja que estabelecem a relação entre liturgia e catequese, queremos aqui apresentar de forma sintética e sistemática os principais documentos onde esta relação aparece de maneira clara e objetiva.

5.1. Constituição “Sacrosanctum Concilium

A Constituição conciliar sobre a liturgia “Sacrosanctum Concilium” afirma que “a liturgia é o cume para o qual tende toda a ação da Igreja” (SC 10). A mesma constituição, ao reconhecer a liturgia como cume, também diz que “ela não esgota toda a ação da Igreja” (SC 9), pois ela não é a única ação da Igreja. É evidente que entre tantas outras ações da Igreja, inclui-se a ação catequética.

No que diz respeito à participação consciente e ativa na ação litúrgica, a Constituição orienta para que “mediante instrução devida, deve com empenho ser buscada pelos pastores de almas em toda ação pastoral” (SC 14). Para isso é necessário uma boa formação e vivência da própria liturgia.

Para a melhor participação consciente e ativa na ação celebrativa, o Concílio recomendou a reforma e ampliação de todos os rituais que, segundo D. Sartore: “além de introduzir formas celebrativas que tornam mais fáceis a compreensão e a participação dos fiéis, insistem muito na catequese preparatória[16].  O próprio Concílio dirá para que:

Seja também inculcada, por todos os modos, a catequese mais diretamente litúrgica; e nas próprias cerimônias sejam previstos, se necessário for, breves esclarecimentos, a serem proferidos pelo sacerdote ou pelo ministro competente, em momentos oportunos, com termos prefixados por escrito ou semelhantes (SC 35,3).

5.2. A Instrução “Inter Oecumenici

A Instrução “Inter Oecumenici” deixa ainda mais claro a relação entre catequese e liturgia ao afirmar que todas as atividades pastorais devem estar em conexão com a liturgia e, ao mesmo tempo, que a pastoral litúrgica não se desenvolva isoladamente das demais, mas em íntima relação, principalmente entre catequese e liturgia (cf. n. 7).

5.3. O Diretório Catequético Geral de 1971

Este Diretório Catequético ao apresentar as diversas formas e tarefas da catequese, afirma que ela deve promover a participação na liturgia, ao dizer que:

A catequese deve promover uma participação ativa, consciente, autêntica na liturgia da Igreja, não só explicando o significado dos ritos, mas educando os fiéis para a oração, a ação de graças, a penitência, a súplica confiante, o sentido comunitário, a linguagem simbólica, todas estas coisas necessárias para uma verdadeira vida litúrgica (n. 25).

Ele ainda recorda que a catequese deve levar os fiéis ao conhecimento dos mistérios de Deus, através de uma catequese dos sinais (cf. n. 57), e que seu conteúdo deve ser celebrado na liturgia (cf. n. 45).

5.4. A Exortação Apostólica “Evangelii Nunciandi” de Paulo VI

O beato papa Paulo VI, na Exortação “Evangelii Nunciandi” de 1975, mostra que a finalidade da catequese litúrgica está no horizonte da evangelização. O documento ressalta a importância de uma sólida catequese sacramental ao afirmar:

A evangelização revela toda a sua riqueza quando realiza o vínculo íntimo, e, melhor ainda, uma intercomunicação ininterrupta entre a Palavra e os sacramentos. Em certo sentido, está errado opor, como por vezes se faz, a evangelização à sacramentalização. É verdade que certo modo de conferir os sacramentos, sem sólido apoio da catequese sobre estes mesmos sacramentos e de uma catequese global, acabaria por privá-los em grande parte de sua eficácia. A tarefa da evangelização é precisamente a de educar na fé de modo tal que ela conduza cada cristão a viver os sacramentos como verdadeiros sacramentos da fé, e não a recebê-los passivamente, ou a simplesmente suportá-los (n. 47).

5.5. Exortação Apostólica “Catechesi Tradendae” de João Paulo II

São João Paulo II na Exortação “Catechesi Tradendae” faz eco a relação entre liturgia e catequese ao dizer que: “A catequese está intrinsecamente ligada com toda a ação litúrgica e sacramental, porque é nos sacramentos, e sobretudo na eucaristia, que Cristo Jesus age em plenitude para a transformação dos homens” (n. 23). E observa esta relação ao afirmar que a catequese tem sempre uma referência aos sacramentos, e ao mesmo tempo, leva a eles.

A catequese conserva sempre uma referência aos sacramentos, e toda a catequese leva necessariamente aos sacramentos da fé. Por outro lado, uma autêntica prática dos sacramentos tem forçosamente um aspecto catequético. Por outras palavras, a vida sacramental se empobrece e bem depressa se torna um ritualismo oco, se ela não estiver fundada num conhecimento sério do que significam os sacramentos. E a catequese intelectualiza-se, se não for haurir vida numa prática sacramental (n. 23).

Ainda a respeito dos diferentes lugares e momentos da vida cristã, tais como: peregrinações, missões, círculos bíblicos, comunidades de base, agrupamento de jovens, onde se pode haver uma catequese, a Exortação chama a atenção para três dimensões: palavra, memória e testemunho, que no âmbito catequético se apresenta como doutrina, celebração e compromisso (cf. n. 47).

Segundo o documento, estas observações tornam-se ainda mais válidas quando a catequese é realizada dentro do contexto litúrgico, em particular na assembleia eucarística. Ao referir-se a homilia, o documento afirma que: “a homilia retoma o itinerário de fé proposto pela catequese” (n. 48) e por este motivo a pedagogia da fé tem sua fonte e complemento na eucaristia. Ainda segundo o documento: “a pregação, centrada nos textos bíblicos, deverá então, à sua maneira, dar ocasião a que os fiéis se familiarizem com o conjunto dos mistérios da fé e das normas da vida cristã” (n. 48).

Em todos estes documentos podemos destacar três dimensões da relação entre liturgia e catequese:

1ª) A catequese como iniciação à vida litúrgica;
2ª) A liturgia como catequese em ação;
3ª) A liturgia como fonte da catequese.

6. A LITURGIA COMO FONTE DA CATEQUESE

É importante lembrar que a catequese tem como fonte a Palavra de Deus. O Diretório Nacional de Catequese afirma que: “a fonte na qual a catequese busca a sua mensagem é a Palavra de Deus[17]. Já a Exortação “Catechesi Tradendae” diz que: “a catequese há de haurir sempre o seu conteúdo na fonte viva da Palavra de Deus” (n. 27). A Palavra de Deus é compreendida e vivida pelo senso de fé, celebrada na liturgia e vivida pelo cristão no seu dia-a-dia. O Diretório Geral para a Catequese estabelece fortemente o nexo entre Palavra de Deus e liturgia, que reconhece a própria liturgia como fonte da catequese, pois na liturgia, ela é proclamada, ouvida, interiorizada e comentada (cf. n. 95). Para André Philippe, a liturgia é colocada como centro da catequese, e até ousa dizer que a Bíblia é mais Palavra de Deus na liturgia, pois nela, a Palavra de Deus é proclamada na assembleia e realizada no mistério litúrgico[18]. Para Gregório Lutz: “Além de ser proclamado pelas leituras o mistério de Cristo se torna presente pela celebração ritual e sacramental. Neste duplo sentido, como lugar de leitura da Bíblia e como lugar de comemoração ritual, a liturgia é fonte de catequese[19].

A liturgia é o lugar privilegiado de educação de fé. Na liturgia a proclamação da Palavra torna-se a primeira e fundamental escola da fé[20]. A Palavra de Deus na liturgia possui um caráter sacramental, pois, na sua proclamação, Cristo se torna presente (cf. SC 7). A liturgia da Palavra não é vista mais como uma preparação, mais sim, como o próprio Deus que fala para seu povo. Na liturgia a Palavra de Deus não é apresentada algo a aprender, mas como revelação a ser acolhida.

Podemos dizer que a relação entre liturgia e catequese tem um fundamento bíblico. É preciso que a Palavra proclamada na liturgia, comente e esclareça os sinais litúrgicos. Disso, pode-se concluir que há uma relação orgânica entre liturgia e catequese, pois no centro a ação litúrgica há lugar para uma catequese bíblica.

Por outro lado, a liturgia em todas as suas dimensões e recursos, torna-se fonte constante e inesgotável para a catequese. Por certo, uma catequese que não se impregne de oração e não desemboque na celebração litúrgica, afasta-se de sua autêntica fonte, e corre o risco de se reduzir a mera transmissão intelectual. E uma liturgia que não valoriza sua dimensão catequética, pode cair no ritualismo[21].

A liturgia é uma fonte inesgotável de elementos simbólicos que introduzem cada um dos aspectos do mistério de Cristo e da Igreja. Com efeito, encontramos no Estudo 42 da CNBB a afirmação de que: “a catequese deve tender para liturgias vivas em que a fé se nutra da Palavra de Deus convenientemente proclamada e comentada; da prece da Igreja; de cantos apropriados; num conjunto de ritos e gestos desempenhados com veracidade e beleza[22].

A liturgia deve ser fonte de catequese, capaz de nutrir a fé e chamar à conversão e propor um caminho de compromisso eclesial e social. A liturgia é fonte onde a catequese pode buscar material como ponto de referência para relacionar a vida ao mistério de Cristo e da Igreja. D. Sartore sugere que não existe nenhum símbolo, palavra e ação na liturgia, dos quais a catequese não possa beneficiar-se para alimentar a fé e convidar a conversão e a construção da comunidade cristã[23]. Os textos litúrgicos, os ritos, os gestos, os símbolos, o ano litúrgico e todos os demais sinais da liturgia possuem um grande valor para a catequese. A catequese deve introduzir no significado e na participação ativa, interna, externa, consciente, plena e frutuosa dos mistérios de Cristo na liturgia.

7. CONCLUSÃO

Chegando ao final de nossa reflexão, podemos apontar alguns pontos que merecem nossa atenção, tanto da parte dos agentes da liturgia como de catequistas, para que possamos reaproximar estas duas dimensões tão importantes da caminhada da Igreja, que são a liturgia e a catequese. Como diz Vanildo de Paiva: “É um grande desafio, para todos nós, resgatar a relação de interdependência entre a catequese e a liturgia[24]. Por isso é tão urgente desenvolver um processo de integração, colaboração e diálogo entre catequistas e agentes da pastoral litúrgica. A relação catequese e liturgia não é algo opcional, mas essencial no processo de iniciação à vida cristã. Por isso é de suma importância repensar algumas práticas e posturas. Apontamos pois, apenas alguns elementos para colaborar nesta revisão.

  • A liturgia e a catequese são duas dimensões que apontam para o mesmo mistério: o mistério pascal de Cristo;
  • A liturgia não se reduz à catequese, e nem muito menos a catequese se reduz à liturgia, porém, uma se encaminha para a outra;
  • É necessário buscar uma metodologia que facilite essa integração entre liturgia e catequese. Uma metodologia possível e que tem se buscado com constância é o estilo catecumenal;
  • É importante resgatar na catequese a vivência do ano litúrgico como meio pedagógico que nos faz entrar no mistério celebrado. Ele oferece um excelente conteúdo para o aprofundamento da fé;
  • É preciso resgatar o sentido originário dos sacramentos de iniciação cristã, para superar celebrações desconectadas com a vivência comunitária da fé. Repensar as celebrações de primeira eucaristia, de crisma e até mesmo do batismo;
  • A catequese precisa integrar em sua prática as devoções populares, tais como: terços, romarias, novenas, bênçãos, etc. Elas exercem um importante papel na sustentação da fé de muitos;
  • Tanto os catequistas como os agentes da pastoral litúrgica devem aprofundar sempre mais o conhecimento da liturgia e de seus ritos e símbolos, buscando uma vivência mais profunda dos mesmos, para poder iniciar os catequizandos nos mesmos mistérios. Não se inicia se antes não estiver iniciado os conduzem;
  • O catequista é visto como um mistagogo. Por isso, ou o catequista conduzirá o para dentro do mistério, ou simplesmente continuará transmitindo doutrinas e conhecimentos desconectados da vivência comunitária da fé, não ressoando no coração dos catequizandos o desejo de fazer parte da comunidade cristã, muito menos de suas celebrações;
  • É importante proporcionar aos catequizandos uma experiência constante da vivência simbólica, a fim de desenvolver neles uma sensibilidade para esta dimensão da liturgia;
  • Tanto os agentes da liturgia como da catequese precisam se libertar do formalismo e da rigidez em relação do ritual e ao simbólico. O rito deve estar a serviço da experiência de Deus e deve levar a uma fé comprometida com o mistério celebrado, integrando fé e vida;
  • É importante ter cuidado com a imagem de Deus que é passada aos catequizandos, que muitas vezes não coincide com o Deus revelado por Jesus Cristo, que é Amor. Há entre catequistas muitas concepções negativas de Deus como: policial, quebra-galho, vingativo, justiceiro, etc.;
  • É preciso revisar as concepções de pecado e como ele vem sendo apresentado para os catequizandos. Visões distorcidas podem levar a neuroses e experiências distorcidas de Deus;
  • A catequese deve ser criativa e possibilitar momentos e celebrações penitenciais ao longo do processo, para acostumar o catequizando a fazer silêncio, examinar a consciência, a pedir perdão e viver esse compromisso no dia-a-dia;
  • Deve-se tomar cuidado para não fazer “terrorismo” com os catequizandos, inculcando neles o que o catequista considera pecado ou não, e forçando eles a decorar fórmulas extensas e pouco compreensivas;
  • É importante que o catequista tenha uma vivência positiva do sacramento da penitência, para não levar os catequizandos a uma prática obrigatória, mas prazerosa da misericórdia de Deus;
E para finalizar, gostaria de apontar alguns elementos da formação litúrgica na catequese, para que, no processo de revisão, possam eles, ser levados em conta.

  • Recuperar a centralidade do mistério pascal de Cristo na catequese e na vida dos catequizandos;
  • Recuperar a liturgia como momento celebrativo da história da salvação;
  • Recuperar a liturgia como exercício do sacerdócio de Cristo e nosso;
  • Recuperar a dimensão celebrativa da liturgia, como ação ritual e simbólica;
  • Recuperar a dimensão comunitária da liturgia;
  • Recuperar a participação dominical na eucaristia como coração da vida cristã;
  • Aprofundar o conhecimento da Palavra de Deus na catequese;
  • Recuperar a espiritualidade pascal ao longo do ano litúrgico, como caminho pedagógico para o mistério celebrado;
  • Recuperar a espiritualidade penitencial por meio de celebrações dentro do processo catequético;
  • Recuperar o sentido originário dos sacramentos de iniciação à vida cristã, que leve de fato a uma vivência comunitária da fé;
  • Aprofundar a presença de Maria no mistério de Cristo, da Igreja, na liturgia e na vida dos cristãos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LUTZ, Gregório. Liturgia ontem e hoje. São Paulo: Paulus, 1995.
VALLE, Pe. Serginho. Pastoral Litúrgica: uma proposta, um caminho. São Paulo: Loyola, 1998.
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PAIVA, Vanildo de. Catequese e liturgia: duas faces do mesmo mistério. São Paulo: Paulus, 2008.


[1] MARTÍN, Julián Lopez. Liturgia e Catequese. In: PEDROSA, V. M., NAVARRO, M., LÁZARO, R., SASTRE, J. Dicionário de Catequética. São Paulo: Paulus, 2004, p. 697.
[2] Cf. CNBB. Catequese Renovada: orientações e conteúdo.  (Documentos da CNBB 26). São Paulo: Paulinas, 1984.
[3] Cf. CNBB. Iniciação à vida cristã: um processo de inspiração catecumenal. (Estudos da CNBB 97). Brasília: Edições CNBB, 2009.
[4] SARTORE, D. Catequese e liturgia. In: SARTORE, D. e TRIACCA, A. M. Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulinas, 1992, p. 175.
[5] JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Catechesi Tradendae. São Paulo: Paulinas, 1982.
[6] MARTÍN, Julián Lopez. Liturgia e Catequese... p. 695.
[7] CNBB. Diretório Nacional de Catequese. (n. 119). Brasília: Edições CNBB, 2006, p. 84.
[8] CNBB. Animação da vida litúrgica no Brasil. (Documentos da CNBB 43). São Paulo: Paulinas, 1990.
[9] CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Diretório Geral para a Catequese. São Paulo: Paulinas, p. 92.
[10] LUTZ, Gregório. Liturgia ontem e hoje. São Paulo: Paulus, 1995, p. 72.
[11] LUTZ, Gregório. Liturgia ontem e hoje. p. 74.
[12] HIPÓLITO DE ROMA. Tradição Apostólica: liturgia e catequese em Roma no século III. Petrópolis: Vozes, 2004.
[13] SÃO CIRILO DE JERUSALÉM. Catequeses mistagógicas. Petrópolis: Vozes, 2004.
[14] AMBRÓSIO DE MILÃO. Explicação do símbolo, sobre os sacramentos, sobre os mistérios, sobre a penitência. (Coleção Patrística 5). São Paulo: Paulus, 1996.
[15] VALLE, Pe. Serginho. Pastoral Litúrgica: uma proposta, um caminho. São Paulo: Loyola, 1998, p. 79.
[16] SARTORE, D. Catequese e liturgia. p. 178.
[17] CNBB. Diretório Nacional de Catequese, n. 106.
[18] PHILIPPE, André. A liturgia no centro da catequese. In: ISPAC. Introdução à catequética. Petrópolis: Vozes, 1965, p. 47-66.
[19] LUTZ, Gregório. Liturgia ontem e hoje, p. 82.
[20] Cf. Diretório Nacional de Catequese, n. 118.
[21] Cf. JOÃO PAULO II. “Catechesi Tradendae”, n. 23.
[22] CNBB. Liturgia: 20 anos de caminhada pós-conciliar. São Paulo: Paulinas, 1986, p. 170.
[23] SARTORE, D. Catequese e liturgia. p. 181.
[24] PAIVA, Vanildo de. Catequese e liturgia: duas faces do mesmo mistério. São Paulo: Paulus, 2008, p. 50.