terça-feira, 25 de maio de 2010


A Liturgia como Celebração

Pe. Cristiano Marmelo Pinto


As ações litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da Igreja,
que é o ‘sacramento da unidade’, isto é,
o povo santo, unido e ordenado sob a direção dos bispos
” (SC 26).


1. O conceito de Celebração

Para a Teologia e Antropologia Litúrgica, o conceito de celebração é de suma importância. Esta palavra tem sido muito usada ultimamente pela linguagem litúrgica. Embora as palavras liturgia e celebração tem sido usada indiscriminadamente, elas não se correspondem. Possuem concepções diferentes e importantes para a compreensão da Teologia Litúrgica.

Liturgia é o culto cristão concebido em termos da teologia bíblica, como expressão de uma atitude vital. Celebração é o momento em que essa atitude vital se torna ato simbólico, ritual e festivo.

A liturgia como culto cristão é uma atitude de uma vida de escuta fiel e de adesão a Palavra de Deus, no seio da aliança estabelecida por Cristo e realizada na Igreja sob a ação do Espírito Santo.

A celebração é o aspecto celebrativo da liturgia, essencial e destinado a inserir o homem no Mistério de Cristo e da Igreja, ou seja, na Salvação.

A liturgia é uma realidade mistérica, ou seja, continuação, prolongamento da obra da salvação na história. Mas ela é também ação, no tempo e no espaço, lugar do exercício sacerdotal que Cristo confiou a Igreja para a santificação do homem e glorificação (culto) de Deus.

A liturgia abarca toda a vida da Igreja, como culto a Deus. A celebração é a sacramentalização dessa vida oferecida como culto espiritual da Deus.

A celebração se dá num momento histórico, num determinado tempo e espaço, expressivo, ritual e simbólico. Na celebração a oferenda se torna eficaz, agradável e aceita por Deus pela mediação de Jesus Cristo no Espírito Santo. Para que o culto cristão seja sacramentalmente eficaz, a celebração é imprescindível.

Os atores da celebração são a Assembléia Litúrgica e os Ministros que nela desempenham papéis e funções.

“A celebração é a forma característica que reveste toda ação litúrgica”.

Celebrar ou celebração está imerso na vida do homem e na história da humanidade. Celebramos tudo aquilo que nos toca profundamente. O sujeito da celebração não é uma só pessoa, mas um grupo, uma comunidade, uma assembléia. Celebrar e celebração correspondem a uma noção de liturgia como ação de toda a Igreja (cf. SC 26).

2. Celebrar e celebração

Devido a importância que a categoria celebração adquiriu para a liturgia, precisamos compreender melhor o significado do conceito. Vamos partir da etimologia da palavra celebrar e de seus derivados.

Celebrar e celebração vem do latim celebrare e celebratio. Estes termos se completam com o adjetivo célebre (celeber). Célebre (celeber) – se aplica ao lugar freqüentado por muitas pessoas. Celebrare – significa o mesmo que freqüentar, que designa a ação de reunir-se. Etimologicamente celebrar equivale a reunir-se num lugar, juntar-se, acorrer em massa. Celebração – é a reunião numerosa, o ato de reunir-se e o momento de estar congregados. Célebre – designa o lugar da reunião ou o lugar freqüentado, e o tempo ou momento da reunião.
Num segundo momento da ação de reunir-se, passa-se ao objeto (motivo) da reunião. Este objeto pode ser uma festa, os mistérios, o culto, etc. Cada um desses objetos da celebração tornam-se celebritas, ou seja, celebridade, um momento solene.

Num terceiro momento passa-se para o nível das manifestações externas ou do ritual desenvolvido na reunião.

3. O uso do termo no latim cristão

No final do século II, o latim começa a ser cristianizado. Ela passa a ser usado na tradução da Bíblia, na catequese e na liturgia. Esta cristianização do latim provoca um alargamento no significado do termo, de modo que celebrare e celebratio adquire novos matizes. O uso do latim no cristianismo facilitou sua comunicação e a liturgia no mundo greco-romano.

Nas traduções latinas da Bíblia, celebrar e celebração estão ligados a termos muitos variados.

1. Traduzindo o verbo poeio (fazer) – tem sentido exclusivamente cultual e se refere aos diferentes objetos designados - páscoa, rito dos ázimos, etc. (cf. Ex 12,48; 13,5; Dt 16,10-13).
2. Traduzindo eortázo (fazer festa) – alude a popularidade da festa. Neste sentido celebrar é sempre uma ação comunitária (cf. Ex 12,14; 23,14; Lv 23,39.41).

Traduzindo caléo (convocar) – acentua o aspecto do chamado de Deus para que o povo se reúna a fim de celebrar (cf. Lv 23,24).

Traduzindo sabbatízo (guardar o sábado) – indica reinteração e continuidade na ação celebrativa, para que o povo se lembre de tudo o que foi feito e ordenado pelo Senhor (cf. Lv 23,32; 2Cr 36,21).

Traduzindo ágo (levar a efeito) – significa a ação celebrativa, o ritual, a conduta dos participantes (cf. 2Mc 2,12; 6,11).

Nos Padres latinos da Igreja, as palavras celebrare e celebratio são usadas algumas vezes para se referir às festas e aos espetáculos, sempre em sentido coletivo e popular, e outras aplicando-as aos atos próprios dos cristãos.

Tertuliano transfere esse vocabulário aos sacramentos cristãos e Santo Ambrósio atribui um conteúdo mais especificamente litúrgico ao verbo celebrare.

São Cromácio de Aquiléia, oferece uma idéia da celebração como representação aqui e agora de toda a salvação anunciada no Primeiro Testamento e realizada por Cristo.

4. Aproximação do conceito de celebração

Para alguns antropólogos, celebração é um meio interpessoal de relação e de encontro, ou seja, uma manifestação comunitária. A celebração congrega os indivíduos constituindo-os num organismo, numa comunidade. A celebração afeta as pessoas e seus sentimentos, de modo que o acontecimento celebrado se transforma numa expressão religiosa. A celebração polariza a totalidade da pessoa em torno de um determinado valor religioso.

A celebração, ao transformar o significado de todos os elementos integrantes (espaço, tempo, símbolos, etc.), transmite a mensagem religiosa. Ela tem o poder de unificar um grupo, de formar uma comunidade com as pessoas que se reúnem para compartilhar a experiência religiosa. A celebração pode atuar como um catalisador moral do grupo, como instrumento educativo.
Ainda na linha antropológica, outros põem ênfase na linguagem celebrativa e definem a celebração pela linguagem e pela expressão.

Celebração é uma linguagem onde pulsa uma misteriosa expressão,
dificilmente explicável
”. - V. Martín Pindado (1979)

Isto significa que a celebração é uma realidade não reduzível a conceitos, a termos racionais, a normas lógicas, mas é fundamentalmente ação, vida. Quando a ênfase é conceitual, lógica e racional, temos como resultado uma celebração fria, verbalista, apagada e sem expressividade.

Dentro desta linha antropológica, há autores que afirmam que celebrar é brincar, folgar, fazer festa.

1. Celebrar é brincar, ou seja, atividade lúdica do cristão;
2. Celebrar é folgar, é lazer, é intuição, gozo, antecipado da eternidade;
3. Celebrar é fazer festa, com tudo o que festa significa, é deleite do espírito, é liberdade, é contemplação da beleza, etc.

A celebração é uma categoria que pertence à dimensão sensível e visível da liturgia cristã.

Odo Casel, primeiro teólogo da liturgia, diz que a celebração é uma epifania, uma manifestação do divino na ação ritual.

Para a fenomenologia, a celebração é uma hierofania, ou seja, uma mediação que torna possível a comunicação entre o mistério e o homem, e a participação deste na energia salvadora que se faz presente.

Para O. Casel, o elemento principal da celebração é a presença-atualização da salvação na ação ritual.

Na celebração cristã o ato sacramental é sempre o mesmo, ainda que o aspecto do mistério comemorado seja diferente. A celebração é atualização a obra da nossa Redenção (cf. SC 2). O hoje da celebração e da presença renovadora do mistério da salvação confere à liturgia cristã um valor escatológico, ou seja, põe o homem em contato com a eternidade.

5. O que é uma celebração?

Devemos antes afastar duas eventuais confusões: a primeira que identifica liturgia com celebração, sem mais nem menos, e a segunda que confunde celebração com cerimônia.

Liturgia é o culto da vida inteira dos crentes, e celebração é o momento simbólico, ritual e festivo. Celebração é um acontecimento sacramental. Não é a mesma coisa que cerimônia. Cerimônia é um elemento da celebração, uma ação externa sujeita a uma norma ou costume. Infelizmente por muito tempo se identificou liturgia com rubrica e com cerimônia a tal ponto, de bastar que se saiba apenas as rubricas da cerimônia liturgia.

Podemos definir a celebração como o momento expressivo, simbólico, ritual e sacramental, ou seja, um ato que evoca e torna presente, mediante palavras e gestos, a salvação realizada por Deus em Jesus Cristo, com o poder do Espírito Santo. A celebração tem o caráter de ato, ação expressiva, ritual, torna presente a salvação. Na celebração produz-se um diálogo entre Deus e o homem, entre Cristo e a Igreja.

A celebração possui três dimensões:

a) Dimensão mistérica;
b) Dimensão ritual;
c) Dimensão existencial.

A dimensão mistérica: é intervenção, presença e atuação de Deus na vida de seu povo e na vida pessoal de cada participante da ação litúrgica. É o mistério de Cristo, núcleo da liturgia cristã. A dimensão ritual: a celebração é ação de uma assembléia reunida, que através de ritos e de fórmulas manifestam e realizam aquilo que se está celebrando.

A celebração consiste na evocação e no anúncio de um fato de salvação e na atualização desse fato aqui e agora. Nela a Igreja atua como intercessora e mediadora da salvação.

A celebração como ação concreta de uma assembléia, compreende quatro elementos:

1) Um acontecimento que motiva a celebração;
2) Uma comunidade que se faz assembléia;
3) Uma situação festiva que envolve a todos;
4) Um ritual que é executado.

A comunidade, no ato de se reunir, se converte em assembléia cultual – Igreja corpo de Cristo. A situação festiva é algo mais que o momento em que se celebra o acontecimento – o dia festivo, é, antes de tudo, um ambiente que impregna e caracteriza tanto a comunidade que celebra como os atos rituais da ação comum e que se exterioriza nos gestos, nos cantos, nas vestes...

O ritual é o conjunto de gestos, palavras, ações e objetos que intervém na ação celebrativa tendo em vista a evocação e a atualização do acontecimento celebrado. O que está em jogo no ritual celebrativo da liturgia não é a expressividade ou a mensagem de alguns ritos e gestos, mas a correspondência do ritual com o acontecimento que se está celebrando.

O acontecimento celebrado é sempre Cristo, sua vida e sua obra, especialmente sua morte e ressurreição; a comunidade é sempre a Igreja; a situação festiva é a alegria de saber que o Senhor está presente e atuante, o ritual é sempre uma ação sacramental.

A dimensão existencial: a celebração não apenas leva a comunidade reunida a participar do acontecimento salvífico, mas se torna um programa de vida, manifesta-se como um motivo de compromisso de vida. Os crentes devem viver o que celebram. A celebração deve fazer com que a Igreja e seus fiéis continuem sendo no mundo um sinal sagrado. A liturgia se caracteriza por fazer da vida cristã um ato permanente de culto ao Pai, cujo momento culminante é o momento celebrativo.

6. Estrutura da celebração

A celebração é uma ação e uma possibilidade de encontro com o mistério da salvação. Ela deverá reunir uma série de condições espirituais e funcionais que possibilitem a participação no mistério e no fruto da celebração. A estas condições estão: o ritmo da ação, a participação ativa e consciente de toda a assembléia, o exercício de todas as funções e ministérios no interior da celebração.

De todas as condições, vamos nos ater no ritmo da celebração enquanto expressão da estrutura interna da ação celebrativa. Chamamos de ritmo da celebração a organização dinâmica e harmoniosa de todos os elementos que intervêm na celebração, o que dá unidade, equilíbrio de todas as partes e progressão dos diferentes momentos.

Os livros litúrgicos se limitam a assinalar os diferentes passos da celebração no ordo ou ritual. Porém o ritmo não depende dos livros, mas sim dos que celebram, seguindo fielmente o ritual, com todas as indicações e rubricas. A estrutura da celebração sustenta todo o conjunto da ação celebrativa e coordena os diferentes elementos e partes. O ritmo da celebração deve deixar evidente a estrutura prévia que é dada pelo ritual.

7. Estrutura lógico-teológica da celebração

Vamos agora destacar os principais elementos que estão entranhados em toda ação litúrgica cristã e que vêm à tona em determinados momentos da celebração. São eles:

a) Anamnese;
b) Epiclese permanente;
c) Doxologia;
d) Mistagogia contínua.

A) ANAMNESE

Toda celebração é uma lembrança sagrada do acontecimento salvífico. Neste sentido é anamnese permanente.

• É anamnese de Deus para com seus filhos, porque lembrou-se da sua misericórdia (cf. Lc 1,54);
• É anamnese de Cristo para com o Pai, porque intercede em nosso favor (cf. Hb 7,25);
• É anamnese do Espírito Santo, que nos recorda todas as coisas ditas pelo Senhor (cf. Jo 14,26).

A Igreja, na celebração, faz o memorial e recorda os principais fatos salvíficos que culminam no mistério pascal. O acontecimento da páscoa do Senhor, objeto da anamnese recíproca entre Deus e os homens, ocorreu uma vez para sempre. O ritmo da celebração permite apreciar os momentos com intensidade da anamnese. A celebração, por outro lado, situa-se no centro do tempo litúrgico.

B) EPICLESE PERMANENTE

Em toda celebração litúrgica está presente o Espírito Santo, enviado por Cristo. Toda celebração é epiclese, isto é, invocação da presença santificadora da Santíssima Trindade e não somente do Espírito Santo. O momento cume da epiclese é a invocação da oração eucarística ou das demais orações sacramentais.
A epiclese é:

a) A invocação trinitária que abre a celebração;
b) A proclamação da Palavra de Deus acompanhada de aclamações e orações;
c) A súplica da assembléia (oração dos fiéis);
d) A invocação sacerdotal da oração eucarística e de outras fórmulas;
e) O gesto da paz;
f) Os gestos sacramentais (imposição das mãos, a unção, etc.).

B) DOXOLOGIA

A celebração é doxológica, ou seja, é louvor, culto, adoração, glorificação,reconhecimento e ação de graças, resposta de fé. A doxologia como elemento estrutural e básico está presente em toda e qualquer ação litúrgica. A doxologia é sempre proclamação da glória do Pai mediante Jesus Cristo no Espírito Santo. Toda celebração é louvor ao Pai por Jesus Cristo no Espírito.

A doxologia pode ser notada especialmente:

a) No hino ou canto inicial que abre a celebração, especialmente a Liturgia das Horas;
b) No hino de louvor, ou Glória;
c) No salmo responsorial e em algumas ocasiões no canto do aleluia;
d) Nas aclamações que acompanham as preces ou fórmulas (oração eucarística, bênçãos, etc.);
e) Na grande doxologia que encerra a oração eucarística;
f) Na ação de graças depois da participação eucarística e nas aclamações em alguns ritos (consentimento matrimonial, etc.).

D) MISTAGOGIA CONTÍNUA

A liturgia é iniciadora na ação celebrativa, nas atitudes com as quais é preciso celebrar. Por meio da liturgia a Igreja procura introduzir os fiéis na vivência interior e profunda da salvação. A mistagogia, como já vimos, é a iniciação no mistério celebrado, através dos ritos.

A celebração é toda ela mistagógica, no sentido de que é uma ação que leva todos os participantes a viver o mistério de Cristo. A celebração na perspectiva da mistagogia, possui um ritmo na condução da assembléia ao interior do mistério celebrado. A celebração possui uma dinâmica que leva a comunidade celebrante a vivenciar o mistério por meio dos ritos, dos gestos, das palavras, dos símbolos, etc.

Alguns elementos particulares significativos do ponto de vista mistagógico:

a) As saudações litúrgicas;
b) Os momentos penitenciais;
c) A liturgia da Palavra;
d) A homilia;
e) Bênção da água ou do óleo, etc.;
f) Os cantos que acompanham determinados momentos;
g) As admoestações presidenciais; etc.

A mistagogia ajuda a executar o que o Senhor mandou: “Fazei isto em memória de mim”.

8. Conclusão

A celebração é atualmente um dos conceitos mais ricos da liturgia. Há nos elementos da celebração uma relação que os une:

a) O acontecimento;
b) A reunião da assembléia;
c) O clima festivo;
d) A escuta da Palavra;
e) Os cantos e orações;
f) A ação celebrativa com sinais, gestos e símbolos;
g) O espaço e o tempo.

A celebração se desenvolve seguindo um ritmo de acordo com as estruturas que sustentam toda ação celebrativa. Existe um fio condutor em toda celebração:

1. A memória do acontecimento;
2. A súplica da presença e ação de Deus;
3. O louvor e a ação de graças;
4. E a iniciação ao mistério celebrado.

Foi o que vimos quando tratamos da anamnese, epiclese, doxologia e mistagogia. Dentro dessa estrutura fundamental inserem-se as formas litúrgicas concretas: leituras, cantos, preces, aclamações, gestos, ritos, etc.

O conjunto de todas elas e seu funcionamento, descritos nos rituais, não são mais que um meio ao serviço dos fins da celebração, ou seja, dos fins da própria liturgia.


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Bibliografia Básica:

MARTÍN, Julián López. No espírito e na verdade: introdução teológica à liturgia. Vol. 1. Petrópolis: Vozes, 1996, pp. 178-201.

SODI, Mânlio. Celebração. In: TRIACCA, A. M. e SARTORE, D. Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulinas, 1992, pp. 183-196.

MARTÍN, Julián López. A liturgia da Igreja: teologia, história, espiritualidade e pastoral. São Paulo: Paulinas, 2006, pp. 137-148.

MINISTÉRIO DE ANIMAÇÃO
DO CANTO LITÚRGICO



Pe. Cristiano Marmelo Pinto*


Começando a nossa conversa...

O Concílio Vaticano II deu um grande passo ao restaurar os ministérios, redescobrindo sua teologia e a noção de serviço. A partir desta renovação deu-se o florescimento de novos ministérios, principalmente a valorização dos ministérios leigos, realçando o protagonismo do leigo e leiga na ação evangelizadora da Igreja. Sem dúvida nenhuma, isto constitui uma grande riqueza para a própria Igreja.

Mas precisamos esclarecer bem o conceito de ministério para não corrermos o risco de erros ou até mesmo de seu mau uso. O desempenho no ministério depende da consciência da missão que a cada um foi confiada pelo próprio Senhor, que chama.

Mas afinal, o que significa “ministério”?

A palavra “ministério” vem do latim (ministérium) e significa “ofício próprio do servo”. Resumindo, significa serviço. Esta palavra é a tradução de uma outra palavra da língua grega “diakonia”. Podemos dizer que os ministérios eclesiais são todos os serviços prestados em favor do Povo de Deus, tendo em vista a Obra da Salvação, realizada pelo Senhor Jesus Cristo, no exercício de seu ministério público.

O próprio Senhor que veio, não para ser servido, mas para servir (cf. Mt 20,28), nos envia, para que façamos o mesmo. Mas na Igreja, nenhum ministério é pessoal, possuem um caráter comunitário: serviço da comunidade. Assim sendo, quando um membro da comunidade eclesial é chamado para servir, deve deixar de lado sua própria vontade para assumir a vontade de Deus. Não é um serviço a si mesmo, mas aos irmãos, principalmente aos mais necessitados, preferidos de Deus. Esta compreensão nos ajudará em muito a atingirmos a gratuidade no serviço e a não fazermos nossa própria vontade, projetos e caprichos em detrimento do bem maior da comunidade e da Igreja.

Mas nem tudo é ministério na Igreja

Embora haja uma variedade de ministérios na Igreja, precisamos saber que nem tudo é ministério, dentro de uma compreensão teológica. Há diferenças mesmo na terminologia para designarmos os serviços na Igreja. Existem os ministérios de fato, e para tal é necessário uma designação das autoridades eclesiais. E temos ainda os serviços que não precisam de uma designação eclesial, e, portanto, não devem ser chamados de ministérios de fato. Ainda em relação à liturgia temos as funções litúrgicas (leitores, acólitos, cantores, etc.).

Hoje é muito comum chamar todo serviço de “ministério”. Precisamos tomar cuidado para não esvaziarmos o seu verdadeiro significado dentro da ministerialidade da Igreja. Mesmo que seja usado, é ainda necessária uma correta compreensão, para que possa ser exercido como tal.

Os chamados “Ministérios de Música”

Os documentos da Igreja que tratam da liturgia não falam de um “ministério de música”. Falam que, a música e o canto possuem um caráter ministerial na liturgia, ou seja, estão a serviço da própria liturgia. Ela, a música, é um meio, não o fim. Porém a Instrução Geral sobre o Missal Romano diz: “Entre os fiéis, exercem sua função litúrgica o grupo de cantores ou coral” (cf. IGMR, nº. 103). A função deste grupo, segundo a IGMR é de executar as partes do canto que lhe cabe e promover a participação da assembléia celebrante no canto. Portanto, a prática pastoral diz que é necessário um grupo para a animação do canto na liturgia. Mas não devemos esquecer que, este grupo faz parte da assembléia, por isso, constitui parte celebrante também. Quem deve cantar é a assembléia, o grupo ajuda, anima, sustenta, mas nunca devem sobressair as vozes dos fiéis, e nem transformar a assembléia em platéia. O grupo de cantores cumpre sua função quando faz a assembléia participar de forma ativa, plena e consciente na liturgia, conforme pede a renovação conciliar sobre a liturgia.

Em muitas comunidades, hoje, é comum encontrarmos os “ministérios de música”. Penso que deveríamos chamá-los de “ministérios de animação do canto litúrgico”. É mais adequado para a função litúrgica que exercem. Muitos destes grupos provem de movimentos eclesiais. Mas, é importante lembrar que, quando um grupo de determinado movimento atua na celebração, ele deve adaptar-se a liturgia da Igreja, onde os cantos devem ser litúrgicos e não simplesmente do movimento a que pertencem, ou de louvor. Estes podem ser usados em outros momentos, como encontros, grupos de oração, etc., mas não na liturgia. É preciso respeitar esta orientação da Igreja.

O que vemos por ai, é que, alguns destes grupos chamados “ministérios de música” não se adaptam as normas litúrgicas, ignorando-as e às vezes desobedecendo ao próprio pastor (presbítero), para impor suas canções à liturgia. Quando um grupo age assim, está deixando de ser um verdadeiro ministério. Uma das qualidades que o “ministério de animação do canto litúrgico” deve ter é a obediência a Igreja. Obediência significa “saber ouvir”. Como uma criança que ouve os ensinamentos dos pais atentamente para saber enfrentar a vida. Saber ouvir o Magistério da Igreja que nos diz como devem ser os cantos na liturgia. Saber ouvir os entendidos em liturgia e música litúrgica para exercer o ministério cada vez melhor. Saber ouvir os Documentos da Igreja que nos dão as normas para a celebração litúrgica. Saber ouvir a voz do pastor. Esta é a verdadeira obediência!

O animador, animadora do canto

A função do animador do canto é uma das mais antigas. Já existia nas sinagogas. Ao cantor cabe a função de animar a assembléia para que ela possa exercer sua participação na celebração através do canto. Deve ter uma boa voz, ouvido musical, senso rítmico e saber comunicar-se com a assembléia celebrante. “Animar o canto da assembléia, de modo que a faça vibrar em uníssono ao cantar estribilhos e refrões ou hinos, ao responder, ao aclamar, com prazer à proclamação das Escrituras, e ainda leva-la a sintonizar profundamente com a Oração Eucarística, dela participando mediante as aclamações, sobretudo o ‘santo’” (CNBB, A Música Litúrgica no Brasil, Estudo 79). Esta função é de suma importância na celebração. É o cantor quem irá coordenar o canto, o grupo de cantores e reger a assembléia, motivando-a para cantar.

Algumas dicas para que o cantor possa exercer bem seu ministério:
• Nunca dizer para a assembléia que o canto é difícil ou feio.
• Fazer uma breve introdução ao canto, destacando o que há de importante na letra, sua função litúrgica, etc.
• Fazer o ensaio dos cantos com a assembléia antes do início da celebração.
• Nunca cantar mais alto que o povo. Sua voz não pode sobressair a voz do povo.
• Elogiar a assembléia. Elogio faz bem a qualquer pessoa.
• A expressão facial deve ser de alegria, incentivadora...
• Não se canta apenas com a boca, mas com todo o ser. Postura conta muito.
• É o animador do canto quem anuncia os cantos na celebração e não o comentarista.
• A comunicação com a assembléia é sumamente importante para o bom desempenho de sua função.
• Nunca cantar de costas para o povo. Sempre de frente.
• Deve estar sempre atento ao presidente da celebração e demais ministros.

O grupo de cantores

Os documentos da Igreja usam vários nomes para designar o grupo de pessoas encarregadas de animar o canto na assembléia. Coro, Coral, Schola Cantorum, Capela Musical, Grupo de Cantores... É verdade que hoje os corais tentam sobreviver a onda das bandas musicais que tocam e cantam na liturgia. Há também grupos de pessoas que cantam nas celebrações que nós designamos simplesmente de grupo de canto. Estes são mais freqüentes hoje em dia. Não são grupos tão especializados como um coral, uma schola cantorum, etc., mas não podemos negar sua função ministerial e a contribuição que estes grupos dão a própria liturgia. A função destes grupos de canto é a de garantir a sustentação do canto do povo. Nunca deve substituir o canto que é próprio do povo. Devemos lembrar que o verdadeiro protagonista do canto é a assembléia celebrante. Mesmo que o grupo de canto ou coral execute uma música sozinhos, não deve ser freqüentes. O grupo faz parte da assembléia, não é um grupo a parte. É importante que, como parte desta assembléia, esteja próximo dela. Nunca num lugar distante. Deve ser como os pulmões, que no meio do povo o incentive a cantar os louvores de Deus. A função do grupo de canto é prestar um serviço ou ministério litúrgico em favor da comunidade que está celebrando.

Alguns lembretes para os grupos de canto:
• A ação litúrgica é essencialmente comunitária. Da mesma forma o canto. Por isso, o canto não é algo exclusivo do grupo, é do povo que celebra.
• Vivemos numa sociedade do espetáculo. Todo mundo quer dar o seu show. Contudo, a liturgia não existe para isso. Portanto, não é lugar de show. A assembléia não é platéia.
• O grupo de canto faz parte da assembléia. Não é um grupo a parte. É importante o sentimento de pertença a comunidade, de comunhão com os irmãos. Devemos estar unidos em harmonia e cordialidade. A unidade deve ser visível no grupo de canto.
• O grupo de canto não é dono da liturgia. Ela pertence ao povo, a Igreja. Por isso, não temos o direito de mudar as coisas conforme nossos próprios interesses, caprichos, ou sentimentos. Seja obediente!
• Ter um profundo respeito e obediência ao pastor de tua comunidade. Lembre: em nome do bispo, é ele quem rege a liturgia na tua comunidade. Saiba ouvir a voz do teu pastor!
• Procure aprender bem os cantos para as celebrações. Não deixe para aprendê-los na hora da missa.
• Lembre-se: respiração é a alma do bem cantar.

Os instrumentistas na liturgia

A questão dos instrumentos na celebração tem sido um ponto de constante desgaste em muitas comunidades. Principalmente com o surgimento das “bandas”. Estas, muitas vezes, na liturgia têm produzido mais ruídos sonoros do que expressão do sagrado. O excesso de volume dos instrumentos, abafando a voz da assembléia, o monopólio do canto, ficando apenas para os cantores da banda, a não compreensão das regras litúrgicas e o não conhecimento do canto litúrgico, tem feito de muitas celebrações momentos de desavenças e desgosto.

Os instrumentos são de muita utilidade na liturgia, desde que esteja a serviço da própria liturgia, da Palavra, do rito e da própria comunidade que celebra. Não há uma classificação dos instrumentos quanto ao uso na liturgia. Seu uso vai depender do contexto no qual se insere na celebração. Os documentos da Igreja abriram espaço para uma inculturação dos instrumentos musicais. Para isto deve-se levar em conta o gênio, a tradição e a cultura de cada povo. Alguns radicais tentam satanizar certos instrumentos. Mas na verdade não existe uma classificação entre instrumentos sagrados ou profanos. É verdade que os documentos da Igreja classificam o órgão de tubo como sendo o mais adequado para o uso na liturgia, mas é igualmente verdade que a diversidade de instrumentos tem valorizado muito o canto e a música litúrgica. Isto não podemos negar. Entre os instrumentos musicais mais usados em nossas comunidades podemos destacar: o violão, os instrumentos de percussão, o acordeão, o órgão, teclado, as flautas, os metais, entre tantos outros. Os instrumentos devem ser tocados de forma adequada ao momento celebrativo e a natureza da própria assembléia. Eles não podem abafar a voz do povo, nem a do grupo de canto.
O instrumentista deve também estar profundamente envolvido na ação litúrgica por sua atenção e participação. Vale aqui o mesmo que foi dito para o grupo de canto.

O papel do instrumentista na celebração é de fundamental importância. Eles têm a função de criar um clima de oração e meditação. Além disto, são os instrumentos que sustentam o canto do povo, determinam em que ritmo serão cantados, o tom, etc.

Os instrumentistas de preferência deveriam acompanhar o andamento do povo e não tocar de tal forma que o povo tenha que correr atrás do instrumento.

A afinação dos instrumentos nunca deve ser feita na igreja, enquanto o povo está chegando, ou quase na hora de começar a celebração. É preciso respeitar quem chega antes na igreja para fazer sua oração pessoal.

Profissionalismo é muito bom na hora de tocar. Mas lembre: você também é um ministro, está a serviço da comunidade. Não se imponha e nem dê show.

O cantor do salmo – o salmista

Sobre o ministério do salmista já dedicamos um artigo inteiro. Quero apenas dar alguns toques para este integrante do canto litúrgico. Por muito tempo o salmista foi um mero desconhecido de todos nós. Porém nos últimos tempos, esta figura está voltando e retomando o seu lugar na ação litúrgica. O salmista é a pessoa encarregada de entoar o salmo responsorial nas celebrações litúrgicas. É importante lembrar que o Salmo é Palavra de Deus. Por isso merece, como as demais, igual respeito e atenção. O salmista pode ser considerado como um cantor-leitor da Palavra de Deus. Precisa ter uma boa formação bíblico-litúrgica, espiritual, musical, aprender as melodias dos salmos, uma formação prática, saber quando subir na estante de leituras, como se comunicar com a assembléia, como usar o microfone, etc. Existem muito material disponível sobre os salmos musicalizados. Merece atenção o livro de partituras “Cantando os Salmos e Aclamações” de Ir. Míria T. Kolling, acompanhado de 3 cds duplos. Também foram publicados dois volumes com os salmos do Ofício Divino das Comunidades. Todo este material foi publicado pela Paulus. Sobre o ministério do salmista, vale a pena dar uma lidinha no livrinho da Ione Buyst “O ministério de leitores e salmistas”, das Paulinas. Existem também muitos livros editados sobre os salmos. Fica também a indicação para ler o artigo publicado por mim sobre o “ministério do salmista”.

O coral

O coral não foi abolido pela reforma litúrgica do Concílio Vaticano II. Ele exerce um verdadeiro ministério quando auxilia a assembléia celebrante a cantar. O coral pode valorizar muito a liturgia cantada. Sua função ministerial é: enriquecer o canto do povo; criar espaços de descanso que fomentem a contemplação em celebrações festivas e animar o canto da assembléia. É importante lembrar que o coral faz parte da assembléia celebrante. Ele não pode eliminar o canto do povo, pois este é quem deve cantar. O papa Pio XII na encíclica “Mediator Dei”, nº. 189, diz: “Tenham em conta as exigências da comunidade cristã, mais do que o critério e o gosto pessoal dos artistas”. Portanto, não se trata de cantar belas peças musicais, mas em primeiro lugar de ajudar o povo a cantar a liturgia, podendo executar algumas partes sozinho, intercalar com a assembléia, mas nunca ignorá-la, transformando os fiéis em meros ouvintes. Podem contribuir em muito cantando a vozes com arranjos, enquanto o povo faz a parte dele. Com a renovação litúrgica o lugar do coral é próximo do povo, nunca distante. Deveríamos evitar o “coro”. Os documentos recomendam que as novas igrejas ao serem construídas pensem num lugar próximo a assembléia, um lugar reservado, mas não distante. O coral faz parte do corpo da assembléia. Assim como os demais ministros da música litúrgica, os membros do coral devem receber uma formação técnico-musical e um preparo litúrgico-espiritual. Devem ser incentivados à participação plena na celebração.

Sobre os ensaios de canto com a assembléia

Não é possível cantar bem sem ensaiar tanto quanto necessário, tomando em consideração a característica de cada povo, as possibilidades de cada assembléia e a importância de cada canto na celebração, sua função ritual. Deve-se conduzir o povo a uma participação gradual dos cantos até atingir a participação plena. Para isso é preciso ser constante em ensaiar, todos os domingos, cinco ou dez minutos antes da celebração. Quem vai dirigir o ensaio deve ser discreto, comunicativo e deve incentivar a assembléia a aprender o canto mostrando sua beleza e o Mistério que é expresso através do canto. O dirigente do ensaio deve conduzir de tal modo o povo ao canto, com gestos naturais, dinâmicos, criativos, envolventes e acolhedor. O grupo de canto já deve ter ensaiado os cantos da celebração antes. Não é o momento do grupo aprender, mas da assembléia.

O ensaio deve ser preparado com antecedência. É preciso levar em conta as pessoas que irão cantá-los: crianças, jovens, adultos, idosos... É importante localizar antes do ensaio as dificuldades mais freqüentes que um canto possa apresentar. Pode-se ensaiar os cantos por trechos. Isto facilita o aprendizado. Uma forma muito boa para ensaiar os cantos é o animador cantar o canto três vezes sozinho, antes de pedir que a comunidade comece a cantar junto com ele. Após ter cantado três vezes, ele pedirá para que a comunidade comece a cantar. Após o cantor e a comunidade ter cantado pela primeira vez juntos, é hora de um bom elogio a assembléia. Isto motivará mesmo os desafinados.


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Bibliografia

DOCUMENTOS SOBRE A MÚSICA LITÚRGICA. São Paulo: Paulus, 2005.
CNBB. Estudo sobre os cantos da missa. Estudo 12. São Paulo: Paulinas, 1978.
ALCALDE, Antonio. Canto e Música Litúrgica. São Paulo: Paulinas, 1998.
GELINEAU, J. Canto e Música no culto cristão. Petrópolis: Vozes, 1968.
FREI FABRETI. Dinâmica para a Equipe de Liturgia. Petrópolis: Vozes, 1991.
BUYST, Ione. Equipe de Liturgia. São Paulo: Paulinas, 2006.
BUYST, Ione. O ministério de leitores e salmistas. São Paulo: Paulinas, 2001.
REVISTA DE LITURGIA. Números: 187,188, 189, 190, 191, 192.






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* Presbítero da Diocese de Santo André, Especialista em Liturgia pelo Centro de Liturgia e Mestrando em Liturgia pela PUC-SP.


CANTO E MÚSICA LITÚRGICA
princípios teológicos,
litúrgicos, pastorais e estéticos


Pe. Cristiano Marmelo Pinto


Esquentando a nossa conversa...

O saudoso papa João Paulo II, na carta que escreveu aos músicos, diz o seguinte: “O aspecto musical das celebrações litúrgicas, portanto, não pode ser relegado nem à improvisação nem ao arbítrio de pessoas individualmente...” Podemos notar uma preocupação do papa para que seja levado a sério a função ministerial do canto e música na liturgia. Para isto, é importante que os músicos e animadores do canto na liturgia, procurem aperfeiçoar seus conhecimentos tanto litúrgicos, como musicais. É igualmente importante que se dedique tempo para que não haja improvisações. Outra questão importante, está ressaltada no mesmo parágrafo, o caráter comunitário do canto litúrgico. Não é feito de um indivíduo, mas da comunidade. Por isso, deve-se levar em conta este aspecto do canto litúrgico, para não corres o risco do gosto pessoal do cantor, ou do grupo de canto.

Continua dizendo o papa: “...mas há de ser confiado a uma direção harmoniosa, no respeito pelas normas e as competências, como significativo fruto de uma formação litúrgica adequada.” A música possui uma sacramentalidade. O documento do Concilio Vaticano II, sobre a liturgia, Sacrosanctum Concilium, 112, afirma que a música é parte integrante da liturgia. Ela está inserida na ação litúrgica. O papa Pio X vai dizer no Motu proprio Tra Le Sollecitudini que: “A música liturgia como parte integrante da liturgia, participa do seu fim: ‘a glorificação de Deus e santificação do homem’. Sua principal função é revestir de melodias os textos litúrgicos, acrescentando mais eficácia ao texto.

Há frutos desta preocupação em nossa Igreja no Brasil. Após o Concílio, procurou-se produzir uma verdadeira música litúrgica, em conformidade com as orientações da Igreja. Exemplo disto são os Encontros de Canto Pastoral... Mas ainda temos grandes desafios pela frente. É preciso criar um repertório bíblico-litúrgico. A Sacrosanctum Concilium diz que a fonte de inspiração dos compositores deve ser, sobretudo bíblica e litúrgica (SC121). Também é urgente a preocupação com a formação litúrgico-musical dos animadores e animadoras do canto litúrgico. Sem conhecermos adequadamente a liturgia e a função ritual do canto litúrgico, não poderemos atender adequadamente os propósitos da renovação litúrgica. É importante para nós o conhecimento exato da liturgia e do nosso ministério como animadores(as) do canto. Somente através do conhecimento correto, poderemos respeitar a função ritual de cada canto na celebração da liturgia, respeitando o seu lugar e o papel que desempenha no contexto litúrgico-celebrativo. Isto é importante! Principalmente em nossos dias, pois, vivemos uma dispersão e uma verdadeira confusão em se tratando de canto litúrgico.

A introdução do texto que nós estamos refletindo nos chama a atenção para nossa responsabilidade em relação ao canto litúrgico. Infelizmente têm se produzido cantos sem nenhum critério litúrgico, e pior ainda, introduzido estes cantos na celebração. Isto é grave e precisa ser corrigido! Cantos selecionados sem critério algum, podem produzir efeitos devastadores em nossas liturgias. É preciso saber discernir, ter critérios, seguir as orientações da Igreja, para não agirmos como maus administradores. Por isso é importante o que vocês estão fazendo. Pararam um pouco para aprender novos cantos a estudarem a liturgia.

O texto da CNBB está dividido em quatro partes. Cada uma delas estuda o canto litúrgico num diferente aspecto, porém, não menos importante que o outro.

a) Ponto de vista teológico
b) Ponto de vista litúrgico
c) Ponto de vista pastoral
d) Ponto de vista estético

Tentaremos sem tomar muito tempo, Falar sobre estes quatros ponto de vistas.

PONTO DE VISTA TEOLÓGICO

“O canto brota da vida da comunidade”. Na celebração litúrgica, a comunidade, principalmente através do canto, celebra e dá testemunho da sua esperança, proclamando a obra salvadora de Deus, realizada no Mistério Pascal de Jesus. “O canto bruta da profundeza do ser...” Está enraizado no nosso desejo por vida, por justiça... O canto é sinal da nossa alegria... O canto é a imagem do sacrifício espiritual... Como dizia Santo Agostinho: “Cantar é próprio de quem ama”. O compositor de música litúrgica deve buscar sua fonte de inspiração na vivência cotidiana do Mistério de Cristo na vida do povo.

“A música litúrgica reflete o Mistério da Encarnação de Cristo”. O Mistério da Encarnação acontece dentro de um contexto sócio-cultural. Ainda hoje, a salvação acontece a partir da realidade cultural de cada povo. A música litúrgica também deve se encarnar na cultura de cada povo. A Sacrocanctum Concilium abre a liturgia para uma verdadeira adaptação a cultura de cada povo. Quando ela vai tratar especificamente do canto diz-se o seguinte: “Estime-se como se deve e dê-se-lhe o lugar que lhe compete, tanto na educação do sentido religioso desses povos como na adaptação da liturgia à sua mentalidade.” Resumindo: deve-se valorizar as raízes musicais de cada povo, de cada cultura...

A principal fonte inspiradora da música litúrgica deve ser bíblico-litúrgica. Ou seja: ela deve buscar na Sagrada Escritura e na própria liturgia sua inspiração. As melhores referências são os salmos e cânticos bíblicos.

“A música litúrgica se insere na dinâmica do memorial...” Através do canto, palavras, melodias, ritmos, harmonias, gestos e dança... a música litúrgica nos ajuda a entrar em contato com a obra salvífica de Deus... É memorial porque não celebra algo do passado, mas que se realiza no hoje de nossa história... A salvação acontece hoje em nossas vidas. Ela torna presente...

“A música litúrgica tem um papel pedagógico...” Ela leva a comunidade a penetrar no Mistério Pascal de Cristo. A liturgia celebra o Mistério Pascal de Cristo e o canto litúrgico participa desta mesma finalidade. Ela brota da ação do Espírito Santo... É ele quem suscita na comunidade a alegria do louvor... alegria pascal... É uma alegria escatológica. Vivendo no hoje a nossa fé, esperamos o amanhã no céu. A música litúrgica expressa a natureza sacramental da Igreja. Ela ajuda a criar comunidade, o corpo místico de Cristo. Une os corações e as vozes...

PONTO DE VISTA LITÚRGICO

“A música litúrgica participa da natureza sacramental da liturgia.” Ela nos ajuda a celebrar cantando o Mistério de Cristo. O Concilio Vaticano II definiu a música como parte integrante da liturgia e, quanto mais unida à ação litúrgica, tanto mais santa, litúrgica será. Deste modo ela não é enfeite... Não é uma coisa que se acrescente a liturgia, a oração... Mas foi, é e sempre será, parte essencial da liturgia cristã.

Uma característica fundamental da música litúrgica é que ela é essencialmente – canto da comunidade. Proporciona a participação da comunidade na celebração através da música e do canto. A música litúrgica deve ajudar a introduzir a comunidade nos Mistérios de Cristo. A comunidade não é uma soma de indivíduo. A comunidade são pessoas que vivem em comunhão, e é a serviço desta comunhão que a música está. Não se deve privilegiar apenas algumas pessoas, ou grupos, mas a comunidade como um todo. A música litúrgica tem que destacar o caráter comunitário da liturgia e nunca individual ou de grupos ou movimentos.

“A música litúrgica é música ritual.” A música está em função de cada momento ritual. Em outras palavras, cantamos o rito, e não inserimos nele algo alheio. É o que queremos dizer quando se falamos em: Não cantar NA liturgia (qualquer coisa, mesmo que bonito), mas cantar A liturgia (cantar os próprios textos litúrgicos, os próprios ritos), levando em conta a natureza de cada rito litúrgico. Há cantos que é rito, ou seja, o próprio rito cantado, e outros que acompanham o rito.

“A música litúrgica está a serviço da Palavra.” Pio X afirma que a principal finalidade da música litúrgica é revestir de adequada melodia o texto litúrgico (TlS 1). O Concílio Vaticano II diz que: “O canto litúrgico, intimamente unido com o texto, constitui parte necessária ou integrante da liturgia” (SC 112). O que deve sobressair é o texto e não a música. O texto deve ser audível. Jamais a música poderá encobri-lo, dificultando a assembléia de entender o que se canta. O Mistério Pascal de Cristo é celebrado dentro do Ano Litúrgico. A música litúrgica deverá obedecer esta pedagogia, se adequando a cada tempo litúrgico e suas festas.

PONTO DE VISTA PASTORAL

“A música litúrgica encarna as finezas e cuidados do Bom Pastor para com seu rebanho.” Aqui há uma preocupação pastoral. Pastoral significa cuidado para com o rebanho. Vejo aqui a importância da Pastoral da Música Litúrgica. O canto litúrgico deve-se caracterizar pela participação de todos da comunidade. Para isto é necessário trabalhar para que o povo tenha uma adequada formação tanto litúrgica como também em relação a música litúrgica, sua função ritual. Para isto acontecer é necessário gastar tempo formando-se para formar os outros. É preciso também ensinar o povo a cantar o canto litúrgico... Parar de ficar dando desculpas do tipo: “O povo chega sempre em cima da hora”, “temos pouco tempo pra isto”, etc.

“A música litúrgica, por outro lado,reflete aquela solidariedade que caracteriza os discípulos de Cristo na sua relação com toda a humanidade...” A Constituição Pastoral Gaudium et Spes, no parágrafo 1, diz que: as alegrias e tristezas da humanidade, são igualmente dos discípulos de Cristo, pois, a Igreja está ligada ao gênero humano e a sua história. Na liturgia celebramos a salvação realizada em Jesus Cristo. Esta salvação é oferecida a todos, e cabe a Igreja oferecê-la. A liturgia celebra a vida de todos. Trazemos nossas alegrias, nossas conquistas... Também trazemos nossas tristezas, angústias e dificuldades... O canto litúrgico não pode ficar alheio a esta realidade. Deve refletir a vida do povo, da comunidade... Os animadores do canto litúrgico devem estar atentos as características de cada assembléia celebrante.

“A música litúrgica é fruto da inspiração de quem vive inserido no meio do povo e no seio da comunidade...” O documento nº 7, da CNBB sobre a Pastoral da Música Litúrgica, orienta para que os compositores de canto litúrgico produzam músicas com as verdadeiras características da música litúrgica, músicas que possam ser cantadas por todos. É preciso que o músico, compositor e animador do canto tenham uma boa formação litúrgica e musical. Tudo isto para que possamos cantar o Mistério de Cristo presente em nossas vidas.

PONTO DE VISTA ESTÉTICO

“A música litúrgica... brota da cultura musical do povo...” A música litúrgica deve se utilizar dos gêneros musicais de cada povo, cada cultura... Os elementos musicais de nossa cultura brasileira, tão rica em ritmos, deve estar presente na música litúrgica. O compositor litúrgico deve expressar o tempo litúrgico, as festas e os momentos da celebração, aproveitando a variedade de gênero musical, buscando o que melhor se encaixe para cada momento ritual, tempo litúrgico, festa, etc. Na Constituição Sacrosanctum Concilium, 119, ao tratar da música em lugares de missão diz o seguinte: “Procure-se, cuidadosamente, que na sua formação musical, os missionários sejam aptos, na medida do possível, para promover a música tradicional dos nativos...” A música é uma linguagem privilegiada que exprime e manifesta a alma e a cultura do povo. Para a liturgia ser autêntica, é preciso usar a linguagem musical que melhor exprime a fé o povo celebrante (cf. Doc. 7 – CNBB).

“A música litúrgica privilegia a linguagem poética.” Deve-se evitar textos complicados, de cunho explicativos, didáticos, doutrinários, catequéticos, moralizantes e idealistas. Estes tipos de textos são estranhos a liturgia. A linguagem a ser usada é a poética, que mais se ajusta ao caráter simbólico da liturgia.

“A música litúrgica prioriza o texto.” Todo o resto está a serviço desta realidade: expressão plena da palavra. Para isto é necessário respeitar cada momento ritual, pois a música deve ser adequada para cada um. Não se canta o canto de abertura da mesma forma que o ato penitencial, a aclamação ao evangelho, canto de comunhão, etc. O mesmo deve ser observado para os outros sacramentos. O texto do canto deve focalizar: a função ministerial (ritual), o tempo litúrgico, a festa... Deve-se levar em conta também, os critérios estabelecidos pelo: Concílio Vaticano II: “Os textos destinados aos cantos litúrgicos sejam conformes à doutrina católica, e sejam tirados principalmente da Sagrada Escritura e das fontes litúrgicas” (SC 112c). Pelos documentos do CELAM: “Os textos litúrgicos levem em conta a dimensão social e comunitária do cristianismo.” Doc 7, da CNBB sobre a Pastoral da Música Litúrgica diz: “Não são admissíveis textos alienados da realidade da vida, nem tampouco textos que instrumentalizem a celebração litúrgica para veicular uma ideologia.”

É importante que haja um verdadeiro casamento entre texto e música em relação a música litúrgica. O texto deve obedecer a métrica e a cadência dos versos, bem como os acentos das palavras, sejam levados em conta pela música, evitando o descompasso. O canto gregoriano e a polifonia sacra continuam sendo boas referências para a composição de cantos litúrgicos. O sistema modal é excelente fonte de inspiração.

O texto que estamos acabando de refletir, termina fazendo uma importante observação: deve-se respeitar a inspiração original do compositor, conforme está expressa na partitura. Caso seja alterada, pode-se perder a riqueza original da inspiração, e empobrecer a qualidade estética da música.


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Bibliografia consultada:

Documentos da Igreja. Documentos sobre a Música Litúrgica. São Paulo: Paulus, 2005.
CNBB. Pastoral da Música Litúrgica no Brasil. Doc. 1. São Paulo: Paulinas, 1976.
CNBB. A Música Litúrgica no Brasil. Estudo 79. São Paulo: Paulus, 1999.
CNBB. Canto e Música na Liturgia: princípios teológicos, litúrgicos, pastorais e estéticos. Brasília: Edições CNBB, 2005.