terça-feira, 26 de março de 2019



ESSENCIALIZAR A VIDA

Essencial! Hoje é comum ouvirmos essa palavra sem ao menos aprofundarmos o que significa, ou na melhor das hipóteses, sem nos importarmos com o seu significado. É preciso buscar o essencial. Mas numa sociedade do supérfluo, como é possível buscar o essencial? Numa época em que vidas se gastam na procura desenfreada de acumular, falar de essencial parece até uma coisa ultrapassada.

Mas a grande verdade é que a vida se faz do essencial, e o supérfluo pode torná-la mais difícil, mais pesada. Embora precisamos do que é essencial em nossa vida, nem sempre damos prioridade para ele. O ar é essencial para a vida, assim como a água e o alimento, mas nem sempre eles são prioridades, basta ver o que a humanidade tem feito com o ar, com a água, por exemplo. Os valores são essenciais em nossa vida, mas nem sempre nos importamos tanto com os valores, do mesmo modo como nos importamos com sentimentos e coisas ruins que nos afetam. Por isso é importante essencializar a vida.

Mas o que significa “essencial”? Essencial significa indispensável, necessário, algo muito importante que não pode faltar. Do latim “essentiale”, refere-se à essência, ou seja, a substância, o que constitui a natureza íntima das pessoas ou coisas. Essência – “essentia” indica a natureza ou característica essencial de uma pessoa. Indica o que é fundamental, indispensável em uma pessoa.

O oposto do essencial é o supérfluo. Supérfluo, do latim “superfluus”, é aquilo que transcende o necessário, que é demais, demasiado, excedente e às vezes, desnecessário. Pode ser também algo ou alguém que apresenta caráter desnecessário, dispensável.

O problema é que na maioria das vezes damos mais importância ao supérfluo do que ao essencial. Quantos gastam seu tempo correndo atrás de coisas, de riquezas, de prazeres, e esquece-se de cultivar o que é essencial em sua vida. E quando essas coisas lhe faltam percebe-se vazio, descobre que sua vida não tem sentido. Há coisas na vida que são essenciais e que colocamos em segundo plano, e por outro lado, potencializamos situações, coisas e sentimentos supérfluos ou desnecessários. Pe. Flávio Sobreiro diz no livro “Amor sem fronteiras” que: “Acumulamos ódio, raiva, desejo de vingança, e muitas vezes nem temos noção de que estamos sobrecarregando nosso coração com um fardo pesado demais”. É verdade! As vezes nos importamos mais com os sentimentos ruins e nos esquecemos que também temos coisas boas em nós. Nos apegamos ao feio, ao ruim, e esquecemos da beleza que há em nós.

Temos medo de perder o que nos é supérfluo para viver do essencial. Clarice Lispector diz: “Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar, mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com as duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar”. Sua descoberta de que o supérfluo de uma “terceira perna” não lhe era mais essencial, porque, essencial é ter duas pernas, a assusta, porque normalmente temos medo de abandonar o que não é necessário em nossa vida.

Mário de Andrade diz que: “O essencial faz a vida valer a pena”. E Carlos Drummond de Andrade diz que: “O essencial é viver!” Nem sempre conseguimos ver o que é essencial porque temos dificuldade em colocar o que é supérfluo no seu devido lugar: o segundo plano. Antoine de Saint-Exupéry afirma que: “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”. Daí a necessidade de começar a ver com o coração e descobrir o essencial. É preciso olhar para dentro de nós na busca do essencial, como nos aconselha Arthur Schopenhauer ao dizer que: “O que temos dentro de nós é o essencial para a felicidade humana”. Também Caio Fernando Abreu deduz isso de uma maneira formidável ao dizer: “Depois de todas as tempestades e naufrágios o que fica de mim e em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro”.

Quando fazemos esse trabalho de deixar o supérfluo e partir em busca do essencial em nós, quando deixamos de olhar com outros olhos e passamos a olhar com o coração, e olhamos para dentro de nós mesmos, vamos descobrir lá no fundo que para além de tantas outras coisas, Deus é o primeiro essencial em nossa vida. O ar é essencial, a água, o alimento, a liberdade, etc., mas Deus deve ocupar o primeiro plano em nossa vida. É por isso que Jesus diz: “Não andeis, pois, inquietos, dizendo: que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos? Porque todas estas coisas os gentios procuram. Decerto vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas; mas, buscai primeiro o Reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6,31-33). O conselho de Jesus é para que busquemos Deus primeiramente, o necessário virá como acréscimo. É preciso que o nosso coração esteja em Deus para que ele seja essencial em nossa vida. Acertadamente Jesus diz que: “Onde esta o seu tesouro, aí estará também o seu coração” (Mt 6,21).

Martha Medeiros diz que: “O que está em pauta é a busca, a causa incessante ao que nos é essencial”. Precisamos fazer esse caminho de busca do essencial. Não é fácil e às vezes acontece de forma sofrida e doida. O essencial é aquilo que, quando em nossa vida tudo cair, ele sobra. Quando as vaidades, quando o supérfluo cair, o que sobrar é essencial e essencial é que quando isso acontecer não nos vejamos vazios. Por isso é importante essencializar a vida, dar valor, importância ao que vale a pena, principalmente aquilo que passa a constituir o que nós somos, porque, sem o essencial não somos nada.

Paz!
Pe. Cristiano Marmelo Pinto


UMA IGREJA MENOS BUROCRÁTICA E MAIS EVANGÉLICA

Religião significa re-ligar. Isto mesmo. Por mais que os críticos de religião afirmam que a religião é um atraso na vida do povo, ela tem a função de religar a pessoa humana com o transcendente-Deus, consigo mesmo e com os outros. Jesus em toda a sua prática procurou reestabelecer a conexão entre Deus e seu povo, aproximando as pessoas de Deus e tornando Deus cada vez mais próximo de nossa vida. Não é por menos que ele iniciou seu ministério público entre aqueles que eram excluídos da religião, que na época era baseada num sistema que dividia as pessoas entre “puros” e “impuros”. É o antigo dilema quando se vive uma religião burocrática, apegada as normas, criando entre nós um sistema parecido com o do tempo de Jesus, dividindo as pessoas entre “os que podem” e “os que não podem”. E assim, criamos um incalculável grupo de pessoas que são privadas de se aproximar de Deus, isto porque não se enquadram no sistema das normas religiosas.

Ao estabelecer as normas para a escolha dos novos bispos, e isto vale também para nós padres e deve valer para todos os cristãos, o Papa Francisco disse querer mais pastores do que homens distantes do povo, ou seja, homens de “cúrias”. O papa pediu que os pastores tenham o “cheiro das ovelhas”. Isto significa se misturar, estar onde o povo estar. Certamente Jesus tinha o cheiro de suas ovelhas. Era muito criticado por andar entre os pecadores, as prostitutas e outras classes mal vistas em sua época. Mas isto não o impediu de levar seu projeto em frente. Acompanhamos todo esforço do Papa Francisco em reaproximar a Igreja do povo e o povo da Igreja, tornando-a menos burocrática e mais missionária, evangélica (no sentido exato da palavra). Ele deseja uma Igreja em saída, uma Igreja como um Hospital de Campanha.

Tudo isto também vale para nossos leigos, que muitas vezes preferem uma pastoral de manutenção, ou seja, permanecer na zona de conforto pastoral, e relutam em ir para fora, negando o mandato de Jesus para irmos ao mundo evangelizar. E evangelizar não significa despejar na cabeça das pessoas uma infinidade de regras, sendo que muitos não poderão seguir, mas de reaproximar, religar a conexão com Deus, com o outro e com o mundo. É surpreendente a coragem de nosso Papa em quebrar tabus. Vejam os temas propostos no último Sínodo dos Bispos sobre a família?! Temas que nunca imaginávamos ser pauta num Sínodo da Igreja, agora estão presentes: casais de segunda união, casais homoafetivos, entre outros.

Então, se o Papa demonstra esta extraordinária e evangélica coragem, por que nós permanecemos na covardia e no conforto de nossas normas? Por que continuarmos pregando uma religião que não cumpre seu papel de religar, reaproximar as pessoas de Deus e dos outros? Por que muitos ainda possuem uma postura moralista e nem um pouco pastoral? Para isto é preciso deixar nossa zona de conforto, abandonar os gabinetes curiais e ir se misturar com as ovelhas, mesmo que talvez o cheiro não seja tão bom.

Paz no coração!
Pe. Cristiano Marmelo Pinto



HOMILIA DA FESTA 
DA ANUNCIAÇÃO DO SENHOR
(Is 7,10-14;8,10; Sl 39; Hb 10,4-10; Lc 1,26-38)

Hoje nós celebramos a festa da anunciação do Senhor. A exatamente daqui a nove meses estaremos celebrando o nascimento de Jesus. Mas podemos também pensar esta festa como a festa do “Sim” de Maria. Pelo seu sim ela concebeu em seu seio por obra do Espírito Santo o Filho de Deus. Uma humilde jovem entra para a história da salvação de forma significativa e determinante por haver dado um sim ao chamado de Deus. A verdade é que a partir daí a história da humanidade começa a mudar, e o nascimento de seus Filho divide essa mesma história, iniciando uma nova etapa para a humanidade.

Mas, como provocação, gostaria de chamar a atenção para dois fatos presentes no evangelho, e, creio eu, ser esse o fator que determinou o sim de Maria.

Em primeiro lugar, o anjo aparece para Maria e faz uma saudação. Esta saudação é importante. O evangelho diz que o anjo entrou onde Maria estava e disse: “Alegra-te, cheia de graça” (Lc 1,28). Alegria é um estado de satisfação extrema, sentimento de contentamento ou de prazer excessivo.  O que deveria então causar em Maria essa alegria ou contentamento extremo? Um fato importante: “O Senhor está contigo!” (Lc 1,28). Penso que esta saudação do anjo liga o evangelho com a primeira leitura. Emanuel significa “Deus está conosco”. O evangelho diz que Maria ficou pensando sobre o significado daquela saudação. Eis ai, que o profeta Isaías responde: Maria e cada um de nós devemos nos alegrar porque o “Emanuel” – o “Deus conosco” chegou.

Para nós deve ser motivo de alegria o simples fato de sabermos que, não importa a situação em que estamos vivendo, Deus está conosco. Seja nos momentos bons ou ruins, Deus está sempre conosco.

O segundo fato que quero chamar a atenção é que da certeza de que Deus estava com ela, Maria se enche de coragem para assumir todos os riscos de se torna Mãe de Jesus e responde com o seu “Sim”. O evangelho narra que: “Maria, então disse: ‘Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). O “Sim” de Maria brotou da certeza de que Deus estava com ela. E como consequência, ela se fez serva, ou seja, colocou-se a serviço da Deus, cumprindo a sua vontade.

Todos nós somos chamados por Deus. Ele espera de cada um de nós um sim generoso como o de Maria. Mas não pode ser um sim como muitas vezes respondemos, do tipo: “Tá bom, eu faço”. Esse tipo de sim não é generoso. O que Deus espera de nós é um “Sim” maiúsculo como o de Maria, que se coloca a serviço, que corre, como Maria, apressadamente, as regiões montanhosas da vida, para servir os mais necessitados de nossa ajuda, de nossa solidariedade.

O nosso sim deve nos levar a servir as “Isabeis” e aos “Zacarias” de hoje. E são tantos as margens da vida, esquecidos pela nossa sociedade nas regiões montanhosas dessa vida. Nosso “Sim” deve nos levar lá onde eles estão.

E por fim, o evangelho mostra Maria perturbada com aquelas palavras do anjo e que questiona como aquilo iria acontecer. No processo de discernimento do chamado é comum ficar perturbado, questionar. Faz parte e não é nenhum pecado. Mesmo porque o chamado de Deus muda o rumo de nossa vida. E é comum quando se tem o rumo mudado ficar perturbado, desorientado. Mas, Deus vai esclarecendo tudo, nos mostrando o caminho, nos orientando. Que não tenhamos medo de discernir para que o nosso sim seja verdadeiro e seguro. Só assim, teremos a certeza de que Deus estará conosco para enfrentarmos todos os desafios do seu chamado.

Que assim seja.
Pe. Cristiano Marmelo Pinto