segunda-feira, 4 de maio de 2009



“Presente está pela Palavra”
A Palavra de Deus
proclamada na celebração litúrgica



Pe. Cristiano Marmelo Pinto
Mestrando em Liturgia



Estamos em pleno mês da Bíblia, da Palavra de Deus! Creio que esta é uma oportunidade ótima para refletirmos sobre a Palavra de Deus na liturgia. A constituição Sacrosanctum Concilium, além de promover uma ampla reforma da liturgia, também resgatou a importância da Palavra de Deus em nossas celebrações. A liturgia num período de deslocamento de eixo, muitas vezes substituiu a leitura da Bíblia pela vida de santos, privilegiando uma religiosidade devocional. O mesmo aconteceu com a Eucaristia, dando margem as diversas devoções eucarísticas, por exemplo, a adoração ao santíssimo, ao invés de reforçar a própria comunhão do Corpo do Senhor. Estas tendências foram superadas pela reforma litúrgica, preparada pelo movimento litúrgico e bíblico do século passado.

Porém, precisamos abrir nossos corações para acolher a Palavra proclamada em nossas liturgias e podermos comungar do “Pão da Palavra”, que é o mesmo Cristo presente no “Pão da Eucaristia”.


Com efeito, o concílio na constituição dogmática Dei Verbum afirma que “A Igreja sempre venerou a Sagrada Escritura da mesma forma como o próprio Corpo do Senhor” (DV 21). O concílio pretendeu resgatar a relação com a Palavra de Deus que os cristãos tinham no início da Igreja. Aliás, toda a tentativa da reforma litúrgica foi de resgatar a liturgia original da Igreja romana, chamada “liturgia romana pura”, ou seja, a liturgia celebrada pelas primeiras comunidades da Igreja de Roma, da qual somos herdeiros.

Com esta afirmação da constituição Dei Verbum, podemos dizer que a Palavra de Deus é tão venerada quando o Corpo eucarístico de Cristo. Isto nos leva a outra afirmação do concílio Vaticano II na constituição Sacrosanctum Concilium sobre a presença de Cristo na liturgia: “está presente na Igreja, sobretudo na liturgia... presente está pela sua Palavra, pois é Ele mesmo que fala quando se lêem as Sagradas Escrituras” (SC 7). A Palavra de Deus tem a mesma importância que a Eucaristia para a vida da Igreja e para a liturgia. São Jerônimo diz: “Quanto a mim, penso que o Evangelho é o corpo do Cristo e que a Sagrada Escritura é sua doutrina. Quando o Senhor fala em comer sua carne e beber seu sangue, é certo que fala do mesmo mistério (da eucaristia). Entretanto seu verdadeiro corpo e seu verdadeiro sangue são (também) a Palavra da Escritura e sua doutrina”.

O papa Paulo VI, em sua encíclica Mysterium fidei sobre a Eucaristia, insiste que a presença real de Cristo na Eucaristia não exclui outros modos de presença real. Diz o papa: “Esta presença, chamamo-la de real não a título exclusivo como se as outras presenças não fossem reais, mas, por excelência, porque ela é substancial” (cf. 30). Para ele, a presença na eucaristia é substância porque está ligada a substância do pão. Mas a presença na Palavra é igualmente real.

Na celebração litúrgica as duas mesas estão intimamente unidas: a mesa da Palavra e a mesa da Eucaristia. O concílio Vaticano II retomou o ensinamento da Tradição da Igreja sobre as duas mesas (cf. DV 21). Isto não é novidade na Igreja. Já na metade do século VIII a.C. o profeta Amós falou de uma fome da Palavra que o povo teria semelhante à fome de pão. Assim diz o profeta: “Eis que virão dias, em que enviarei fome à terra, não fome de pão, nem sede de água, mas de ouvir a Palavra do Senhor” (Am 8,11). Marcos nota que antes de Jesus multiplicar os pães, ele multiplica a Palavra (cf. Mc 6,30-44). Para Jesus, pão e palavra se resumem na obediência a vontade do Pai. “Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou” (Jo 4,34).

A celebração litúrgica é o lugar privilegiado para a proclamação da Palavra de Deus. Pois ela é o eixo de toda a liturgia. Na liturgia a Palavra é sempre viva e atual. E esta palavra não é destinada a um indivíduo isoladamente, mas ao povo de Deus, a comunidade celebrante. O povo de Deus é convocado por Deus no Espírito Santo para escutar a Palavra e colocá-la em prática.

A Palavra de Deus proclamada na ação litúrgica tem sua eficácia quando: 1) Cristo estiver presente no ato de sua proclamação; 2) quanto mais conteúdo da mensagem implicar sua ação salvífica; 3) quando o leitor estiver compenetrado em seu ministério de proclamação da Palavra. Estes elementos não podem faltar na proclamação da Palavra na liturgia.

A proclamação da Palavra de Deus na liturgia deve provocar na assembléia celebrante uma participação ativa e consciente, ou seja, uma resposta viva e concreta. Os fiéis devem dar uma resposta de fé. Para tornar-se verdadeiramente em “Palavra da Salvação”, ela deve passar de palavra escrita para palavra viva e eficaz que comunica o plano de Deus e atinja os corações de todos os seus ouvintes. Jesus nunca quis ser lido, mas proclamado para atingir o mais íntimo dos ouvintes, transformá-los e convertê-los.

Que ao compreendermos a importância da Palavra de Deus na liturgia, sua função memorial, e principalmente a presença real de Cristo em sua Palavra proclamada, passemos a participar mais ativamente e conscientemente da liturgia da Palavra e deixemos que esta Palavra nos transforme em criaturas novas para implantarmos em nossa sociedade o Reino de Deus.


Pe. Cristiano Marmelo Pinto
Mestrando em Liturgia








Referências bibliográficas:
COMPÊNDIO DO VATICANO II: constituições, decretos, declarações. Petrópolis: Vozes, 1968.
ALDAZÁBAL, J. A Mesa da Palavra I: elenco das leituras da missa. São Paulo: Paulinas, 2007.
FARNÉS, Pedro. A Mesa da Palavra II: leitura da Bíblia no ano litúrgico. São Paulo: Paulinas, 2007.
DEISS, Lucien. A Palavra de Deus celebrada. Petrópolis: Vozes, 1998.
CELAM. Manual de Liturgia II: a celebração do mistério pascal fundamentos teológicos e elementos constitutivos. São Paulo: Paulus, 2005.

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