sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010


Os Sacramentos 2


Ione Buyst


1. OS SACRAMENTOS SÃO SÍMBOLOS?

Sacramentos: sinais sensíveis...

Temos o costume de chamar de “sacramentos” os gestos principais que expressam e sustentam nossa fé cristã: batismo, confirmação, eucaristia, reconciliação, unção dos enfermos, ordenação, matrimônio. São sinais sensíveis que realizam aquilo que significam (Cf. SC 7). E o que significam? São chamados a significar, cada qual a seu modo, o mistério da nossa fé, o mistério pascal de Jesus, o Cristo. Pelo batismo, somos mergulhados na morte de Jesus, para ressuscitarmos com ele (Cf. Rm 6, 3-11). Também, ao realizarmos a ação eucarística, realiza-se em nós, sacramentalmente, em mistério, a morte-ressurreição de Jesus, a sua páscoa.

Uma nova teoria para explicar os sacramentos...

Em cada época da história, os cristãos tentaram estudar e explicar, na medida do possível, estas ações sacramentais. Nenhuma explicação será jamais totalmente satisfatória, porque mistério tão grande não cabe em explicações; compreendemos apenas pela fé, instruída pelas Sagradas Escrituras; compreendemos pela experiência celebrativa e pela experiência do seguimento de Jesus no dia-a-dia de nossa vida. Mas, como somos seres racionais, devemos tentar explicar e entender racionalmente, até onde der...

Atualmente, a maneira de explicar o que acontece quando celebramos um sacramento passa pela “teoria simbólica”. A realidade teológica (sacramento) é analisada do ponto de vista antropológico, enquanto símbolo. Por exemplo, o que acontece no batismo? Num sinal sensível (mergulhar e retirar das águas), aparece e começa a atuar uma realidade escondida, oculta a nossos sentidos. Qual é esta realidade? O mistério pascal de Jesus Cristo. Deixando-nos batizar, optamos por uma vida de seguimento de Jesus, que viveu uma vida de doação, de entrega, de compromisso total com o reino de Deus. E confiamos que, assim, o Pai nos dará a vida em plenitude, numa comunhão de vida, para sempre. Somos identificados com Cristo na sua morte-ressurreição. Sua páscoa acontece em nós.

A graça supõe e assume a natureza...

O sinal sensível do batismo é um elemento da natureza (água), uma ação de nossa experiência cotidiana ou social com seu sentido evidente (mergulhar na água, correr o perigo de afogar-se numa enchente, ser retirado(a) das águas por outra pessoa, que às vezes até arrisca sua vida para nos salvar...). Este primeiro sentido recebe um complemento das Sagradas Escrituras, principalmente do Novo Testamento, onde este gesto se refere a Jesus e àqueles que se tornam seus seguidores: seu batismo no Jordão, seu batismo na morte, sua ressurreição, como salvamento por parte do Pai, e nossa participação em sua morte-ressurreição.
A força vital, a energia psíquica gerada pela simbolização é como que potencializada pelo Espírito Santo. O dinamismo do Espírito Santo se manifesta e trabalha no gesto humano simbólico. O Sopro Divino assume a água e a transforma, a transfigura, fazendo aparecer a vida divina na realidade humana. A realidade teologal se encarna e se manifesta e atua na realidade humana, antropológica, seguindo a lei da criação, a lei da encarnação e da epifania, a lei da ressurreição e da escatologia. A atuação do Espírito Santo passa pela ação simbólica; atinge-nos pela simbolização.

Seguindo a lei da criação...

Afinal, Deus nos fez assim, como seres corpóreos/espirituais. Ou como diz o relato bíblico da criação, somos feitos(as) de “barro e brisa”: o Senhor modelou um boneco de barro, soprou sobre ele com sua divina brisa, seu divino sopro, e assim nasceu o ser humano, como ser vivente. Por isso, a comunicação com os seres humanos, mesmo a mais espiritual, passa necessariamente pelo “barro”, pelo corpo, pelos sentidos, pela “matéria”. E os sacramentos seguem esta lógica, esta teo-lógica da criação. Nos sacramentos se unem a “matéria” e o Espírito.

Seguindo a lei da encarnação e da epifania (manifestação)...

São João, o evangelista, diz que em Jesus “o Verbo se fez carne”; a Palavra de Deus se fez gente com a gente; ergueu seu barraco no meio de nós. Deus se fez “barro”, “matéria”, corpo, possível de ser ouvido, visto, apalpado... por nós, seres humanos, para que pudéssemos entrar em comunhão com ele e encontrar assim nossa felicidade. Assim o expressa o mesmo São João no início de sua primeira carta: “O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos e o que nossas mãos apalparam o Verbo da vida - porque a Vida manifestou-se (...) - o que vimos e ouvimos vo-lo anunciamos, para que estejais em comunhão conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo. E isto vos escrevemos para que a vossa alegria seja completa” (1Jo 1,1-4).

Por isso, os sacramentos seguem esta lógica, esta teologia da encarnação e da manifestação de Deus em nossa humanidade: a realidade divina se manifesta a nossos sentidos, em coisas para ver, ouvir, sentir, cheirar, saborear..., e desta maneira entra em comunhão conosco.

Seguindo a lei da ressurreição e da escatologia...

Pela ressurreição, o corpo torturado, mutilado, crucificado de Jesus transformou-se em um corpo espiritual, pneumático. Nele nos tornamos gente nova, não mais escravos da natureza humana, mas gente que se deixa guiar pelo Espírito de Deus que ressuscitou Jesus dos mortos. Com ele iniciam os novos céus e a nova terra, já presente em germe entre nós. E os sacramentos seguem esta lógica, esta teologia da ressurreição e de escatologia: nos sinais sacramentais já está espiritualmente presente a realidade futura, o reino dos céus, a vida que não termina com a morte.

Sacramento é mistério...

É bom lembrar ainda que, a partir do Concílio Vaticano II, a palavra “sacramento” (que vem do latim) está sendo de novo entendida como “mistério” (palavra grega que, nos primeiros séculos do cristianismo, foi traduzida por “sacramento”). Falamos da Igreja como mistério. “Mistérios” são também a eucaristia e o batismo..., porque neles transparece para nós e nos atinge o mistério de Deus, a vida de Deus; Deus enquanto realidade que sustenta e abrange tudo quanto existe. No sacramento vivido como ação simbólica, o mistério aparece e atua: tocando os sinais sensíveis, tocamos o mistério e somos transformados(as) por ele.

Isto nos ajuda a não restringir o sacramento ao momento da celebração: a ação sacramental faz aparecer o sentido de toda a nossa vida, vivida em comunhão com Jesus Cristo, como experiência do mistério de Deus no mistério da vida humana. Ajuda-nos ainda a não entender o sacramento como um gesto quase mágico (batizou, salvou): é o mistério que atua em nós, é Deus, é o Espírito Santo do Cristo ressuscitado, que vai, ao longo de toda a nossa vida e com a nossa participação, nos transformando, nos revitalizando.

Os sacramentos são ações simbólico-sacramentais

Para deixar claro esta realidade humano-divina, gosto de dizer que o batismo (assim como os outros sacramentos) é uma ação simbólico-sacramental. “Simbólica”, enquanto realidade humana: “sacramental”, enquanto realidade divina; “simbólico-sacramental”, enquanto realidade humano-divina, na qual o divino e o humano estão aliados, entrelaçados, inseparáveis. E espero que, assim, vocês tenham se recuperado do primeiro susto com a pergunta que está como título desde artigo! Sim, sacramentos são símbolos, ações simbólicas. Mas para entender isso, você deve superar o sentido muito limitado que às vezes se dá no linguajar cotidiano, quando se diz: “É apenas simbólico”, como se fosse uma coisa que não deva ser levada muito a sério ou que não seja real!

Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:

1. Qual a compreensão que nós temos de sacramento? E o povo que procura os sacramentos em nossa Igreja, o que pensam a respeito disso?
2. Como entender as três leis da simbologia (criação, encarnação e ressurreição)? Ficou claro para nós esta explicação?
3. Como entender a afirmação de que os “sacramentos são símbolos”?

2. SÍMBOLOS? OU SINAIS?

Todos os símbolos são sinais, mas nem todos os sinais são símbolos. Os sinais não simbólicos recebem sua significação como que de fora, pela convenção entre os membros de um determinado grupo cultural. São arbitrários; poderiam ser substituídos por outros. Um sinal vermelho no trânsito, por exemplo, é um sinal e não um símbolo.

O símbolo tem sua raiz no inconsciente e expressa uma experiência vivida a um nível anterior à conceituação. Ou, como o expressa um outro autor: é movido pelo autor: é movido pelo desejo, que é insaciável e almeja a totalidade do real, ou melhor, almeja Alguém que possa satisfazer nosso desejo.

Por isso, no símbolo existe como que uma relação interna que revela a unidade entre sinal sensível e realidade significada. Por exemplo, água como símbolo de purificação, de vida. A água em si já contém como que o sentido de purificação, de vida. Não é algo que é imposto de fora, racionalmente.

Símbolo não é o resultado de uma transferência de significação além da matéria, mas a própria articulação da densidade da matéria, que conserva sua totalidade de ser, em vez de ser escamoteada pelo espírito. (...) A matéria é investida pelo espírito.

Símbolos atingem o ser humano como um todo

Vamos nos lembrar de alguma celebração passada... O que ficou gravado em nossa memória? Provavelmente, os cantos, os símbolos e principalmente as ações simbólicas. Por que isso? Porque atingem nossa pessoa como um todo; não só a nossa mente, mas também nossa afetividade, partindo do corpo e, atingindo através dele, as camadas mais profundas de nosso ser.

Uma especialista em eutonia, Thérèse Bertherat, nos lembra o seguinte:

Cuidado com o corpo, disse-me há muito um psicanalista que assistira às minhas aulas. Nosso corpo pertence ao domínio da mãe. Quando você procura abordar o ser pelo corpo, você entra diretamente nas camadas arcaicas da personalidade.

E podemos dizer que nos liga não somente com o domínio da mãe, matriz geradora de nossa vida, mas nos liga ainda com a matriz geradora de toda vida: Deus.

A liturgia é feita com “sinais sensíveis” (SC 7), usados simbolicamente. Partindo de nosso corpo, penetram nossa afetividade, nossa consciência, nosso inconsciente...

São capazes de ligar, unir, juntar (symbállo):

• Corpo, alma, mente, espírito... de cada um de nós;
• As várias pessoas participantes, estreitando os laços na assembléia;
• Cada um de nós e a comunidade reunida com a realidade (tanto cósmica quanto histórica) que nos cerca;
• Cada um de nós e a comunidade reunida com Aquele que é a fonte da vida;
• Presente e passado, céu e terra, “matéria” e “espírito”...

Através de nossa participação nas ações simbólicas, temos acesso à realidade que existe para além do sensível, para a qual os símbolos e ações simbólicas remetem. E qual é esta realidade? Para nós, cristãos, esta realidade é o próprio Jesus Cristo glorificado em sua páscoa. Assim, a nossa participação na ação ritual da liturgia é páscoa de Cristo na páscoa da gente, páscoa da gente na páscoa de Cristo.

Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:

1. Conseguimos entender a diferença que existe entre “sinal” e “símbolo”?
2. Vamos elencar alguns “sinais” e alguns “símbolos” mais presentes em nossa vida para que possamos fazer bem esta distinção?
3. Quais as realidades de nossa vida, de nossa história e de nossa comunidade que um “símbolo” pode “ligar, unir, juntar”?

3. AÇÕES SIMBÓLICAS DE DIFERENTES PESOS E “DENSIDADES”

Nem todos os símbolos e ações simbólicas têm um peso igual. Há gestos considerados fundamentais, porque foram deixados pelo próprio Senhor Jesus, como por exemplo a ceia e o batismo; outros também têm um peso bastante grande, porque fazem parte da tradição apostólica; outros podem ser criados por cada comunidade.

Podemos imaginar a eucaristia no centro de vários círculos concêntricos; em volta dela, os outros sacramentos e sacramentais, e depois a Celebração da Palavra, a Liturgia das Horas...
Gestos litúrgicos no prolongamento de gestos cotidianos

Cada um dos gestos fundamentais dos sete sacramentos estão no prolongamento de gestos cotidianos, domésticos, muitos deles ligados à cozinha, à higiene e saúde... Estão no prolongamento também de gestos religiosos da piedade popular ou mesmo de outras religiões, fora de nosso universo cultural... Devemos estudar, observar e anotar as relações que existem entre eles.

• Eucaristia tem a ver com agradecer, fazer um brinde para homenagear alguém..., comemorar um aniversário ou uma vitória com comes e bebes, confraternização, comer e beber para se alimentar, tomar refeição juntos, festejar...; tem a ver com a festa das folias de Reis e do Divino, com sua fartura de comida e bebida partilhada...

• Batismo tem a ver com tomar banho, quase se afogar e ser retirado da água, salvar alguém de uma enchente; tem a ver com os banhos medicinais da hidroterapia; tem a ver com os batismos e banhos em tantos ritos religiosos...

• Ungir tem a ver com passar óleo, bálsamo, unguento, creme, pomada medicinal (azeite, óleo de almíscar, de pinho, de alfazema,...). Tem a ver com passar perfume... É sinal do Espírito de Deus com o qual somos consagrados para Deus, consagrados para a missão messiânica (Cristo= Ungido= Messias); sinal do Espírito que penetra em nós para dar força, dignidade, alívio; sinal do Espírito que nos faz espalhar na sociedade a boa-nova de Jesus Cristo, como um perfume agradável e cheiroso que conquista, anima e dá alegria...

• O sacramento da reconciliação tem a ver com os gestos da pessoa que reconhece seu erro, pede perdão, sente-se perdoada, tem a ver com a reconciliação de duas ou mais pessoas que se desentenderam... Vamos observar ou lembrar as expressões verbais e os gestos com os quais, no dia-a-dia, as pessoas se reconciliam... (abraços, apertos de mão, olhar, sorriso, presentes...).

É importante a gente sentir e fazer sentir a relação que existe entre os gestos cotidianos, os gestos religiosos e os gestos expressamente sacramentais. É importante valorizar ações simbólicas que estão como que no prolongamento dos sete sacramentos e vice-versa:

• Ligada ao batismo está a aspersão com água (na celebração dominical, nas bênçãos, nas exéquias...)
• Ligado à celebração eucarística está o ágape, ou refeição fraterna.
• Ligados com o sacramento da ordem estão os ritos para reconhecimento de outros ministérios, como ministros (as) extraordinários (as) da sagrada comunhão, ministro (as) do batismo etc.
• Ligadas ao sacramento da reconciliação estão as celebrações penitenciais.
• Ligadas ao sacramento do matrimônio estão as celebrações de bodas, com sua bênção das alianças.

Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:

1. Você já tinha percebido que os gestos e ritos sacramentais tem tudo a ver com nossos gestos e ritos cotidianos?
2. Qual a frase que mais lhe chamou a atenção neste artigo? Por que? Como ela pode lhe ajudar a melhor compreender, celebrar e viver os sacramentos?

4. A LITURGIA COMO REALIDADE SIMBÓLICO-SACRAMENTAL

Sacramentos são liturgia, liturgia é sacramento

Sacramentos são ações simbólico-sacramentais, pelas quais o Cristo Ressuscitado, presente em sua Igreja, nos atinge e nos transforma com seu Espírito vivificante. Por seus sinais sensíveis, quando realizados na fé, trazem presente e realizam em nós aquilo que significam: a salvação, a páscoa, a chegada do Reino, nossa comunhão em Deus.

Acontece que toda essa teologia que encontramos no início da constituição conciliar sobre a Sagrada Liturgia (SC 5-8) não diz respeito somente aos sacramentos, mas à liturgia como um todo. Basta olhar a seqüência dos capítulos da constituição para nos darmos conta disso. Vejam: o capítulo primeiro trata da liturgia em geral (incluindo os sacramentos); os capítulos seguintes tratam de várias celebrações litúrgicas específicas ou de alguns de seus elementos: Eucaristia, demais sacramentos e sacramentais, ofício divino, ano litúrgico, música sacra, arte sacra e sagradas alfaias.

Portanto, não somente nos gestos centrais dos sacramentos Cristo está presente e atua com seu Espírito, mas em todas as celebrações litúrgicas (ofício divino, por exemplo) e na celebração litúrgica como um todo, em todos os seus elementos (assembléia, ministérios, palavra, música, silêncio, gestos e atitudes do corpo, ano litúrgico, espaço sagrado...). Vale a pena reler o n. 7 da constituição conciliar, que fala dessas várias maneiras de Cristo estar presente na liturgia: no ministro da celebração eucarística, no pão e no vinho eucarísticos, nos sacramentos, pela sua palavra, quando a Igreja ora e salmodia:

“Para levar a efeito obra tão importante [obra da salvação], Cristo está presente em sua Igreja, sobretudo nas ações litúrgicas. Presente está no sacrifício da missa, tanto na pessoa do ministro, “pois aquele que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na cruz”, como sobretudo sob as espécies eucarísticas. Presente está pela sua força nos sacramentos, de tal forma que quando alguém batiza é Cristo mesmo que batiza. Presente está pela sua palavra, pois é ele mesmo que fala quando se lêem as Sagradas Escrituras na igreja. Está presente finalmente quando a Igreja ora e salmodia, ele que prometeu: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, aí estarei no meio deles” (Mt 18, 20)”.

Assim, a liturgia como um todo é celebrado sacramental do mistério pascal de Jesus Cristo. A liturgia como um todo tem força simbólico-sacramental e como tal deve ser celebrada e vivida.

A cada gesto, a cada palavra, a cada olhar..., estamos trazendo presente e atuante (ou não!) o mistério e a força da páscoa de Jesus, que veio para transformar nossas vidas: entrar na igreja, andar, encontrar-se com os irmãos, fazer o sinal da cruz, abraçar-nos uns aos outros(as), beijar o altar, proclamar ou ouvir a palavra, cantar, mergulhar no silêncio, ver as flores que enfeitam o espaço de celebração... Em todos esses gestos e momentos, podemos viver (ou não!) o encontro com o Ressuscitado e, através dele, com o Pai, no Espírito Santo.

Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:

1. Vamos ler juntos e comentar o número 7 da Constituição Sacrosanctum Concilium?
2. Olhando para as nossas comunidades: os sacramentos são valorizados e vividos como ações simbólicas? Como podemos ajudar as pessoas a perceberem esta realidade?

5. NÃO À “SIMBOLOMANIA”

Infelizmente, tanto no estudo da teologia, como na prática pastoral, a liturgia é tratada muitas vezes como se fosse um enfeite, uma parte “externa”, um “embrulho” para a graça sacramental. Não é levada suficientemente a sério enquanto realidade simbólico-sacramental. Os sinais sensíveis, nem mesmo os dos gestos sacramentais, são vividos como ações simbólicas: é água de qualquer jeito; são hóstias que não têm aparência nem gosto de pão e que são entregues sem levar em conta o relacionamento pessoal entre quem dá e quem recebe; é vinho só para os padres; são textos bíblicos lidos de folhetos, são pessoas que estão juntas no mesmo espaço, porém já sem se reconhecerem e sem se tratarem como irmãos e irmãs, como Corpo de Cristo... Caímos no formalismo, no ritualismo, no sacramentalismo, na rotina.

“Simbolomania”

E aí, quando a própria liturgia já não é vivida como ação simbólico-sacramental, surge a necessidade de criar... símbolos! Outro dia, alguém disse que estamos sofrendo de “simbolomania”: queremos “encher” a celebração de “símbolos” (serão, de fato, símbolos? Ou apenas objetos mostrados à assembléia, com longas apresentações, querendo “explicar” o que significam ou “simbolizam”?). Nós nos esquecemos de que a ação simbólica mais central, mais importante, porque mais densa de expressão de nossa fé, é a celebração da Eucaristia (ceia do Senhor). Ao redor dela giram também e participam de sua dimensão sacramental, todos os outros elementos que juntos formam a realidade litúrgica. Portanto, não se trata de nos preocupar em trazer uma série de símbolos e ações simbólicas na liturgia, mas de redescobrir cada gesto, cada objeto, cada pessoa..., dentro da liturgia como ação ou realidade simbólico-sacramental. Trata-se de vivenciar profundamente cada parte da celebração como manifestação, participação e comunhão no mistério revelado em Jesus.

Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:

1. A sua comunidade sofre de “simbolomania”? Caso sim, como remediar?
2. Como sugestão:
• Vamos tentar viver a liturgia, com todos os seus elementos, como ação simbólico-sacramental, começando com a própria Eucaristia e os demais sacramentos e sacramentais.
• Introduzindo outros símbolos ou ações simbólicas, vamos fazer com que estejam integrados no tempo litúrgico, na ação litúrgica que estamos celebrando.


Fonte:
www.cnbb.org.br (Liturgia em Mutirão III)

sábado, 20 de fevereiro de 2010


Os Sacramentos

Pe. Gregório Lutz, CSSp


1. O que se entende por “Sacramento”?

Muitos católicos dizem que os sacramentos são sinais de graça. Alguns dizem com mais precisão que são sinais eficazes de graça. Outros acrescentarão que foram instituídos por Jesus Cristo. E certamente não faltará quem diz que existem sete sacramentos, e os enumera: Batismo, confirmação, eucaristia, penitência, unção dos enfermos, ordem e matrimônio. Mas assim é realmente claro o que é um sacramento?

Para conseguirmos mais clareza, olhemos uma vez como se realiza um sacramento, por exemplo, o batismo, um casamento ou uma celebração da eucaristia! Há sempre um grupo grande ou pequeno de pessoas reunidas que ouvem a Palavra de Deus e a ela respondem em oração e canto, e há sempre também um rito, gestos e sinais, acompanhados por palavras que dizem o que este gesto significa. Tal significado vai sempre além da simples ação física. A ação sacramental opera a salvação, leva a ação salvífica de Cristo aqui e agora a efeito nas pessoas que celebram o sacramento. Esta eficácia dos sacramentos é evidentemente obra divina que se dá através das ações simbólicas dos ministros dos sacramentos, e não sem a cooperação da assembléia dos fiéis e, sobretudo, daqueles que recebem um sacramento. Estes devem se abrir para o dom da graça que Deus lhes quer dar no respectivo sacramento. E toda a comunidade reunida participa da ação sacramental, pelo menos ouvindo a Palavra de Deus e respondendo a ela em ação de graças e louvor, assim como em súplica e intercessão.

A instituição dos sacramentos por Jesus Cristo procurava-se - e muitos ainda procuram - prová-la para cada sacramento do Novo Testamento. Isso é possível para o batismo e a eucaristia, talvez ainda para a penitência; para os outros sacramentos é mais difícil ou impossível. Mas, sobretudo a partir do Concílio Vaticano II, a origem dos sacramentos em Jesus Cristo não se vê como instituição jurídica, mas como um nascimento do próprio Jesus.

Reflexões posteriores mais detalhadas sobre a origem dos sacramentos, sua estrutura em sinais e palavras, e a ação sacramental em conjunto de Deus e da Igreja, nos ajudarão a entender ainda melhor o que é mesmo um sacramento.

Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:
1. Que definição ou descrição de “sacramento” você aprendeu na catequese?
2. Que perguntas esta definição ou descrição deixou em aberto?
3. O que você diria agora em breves palavras, se alguém perguntasse: o que é um sacramento?

2. A origem dos Sacramentos

Geralmente se diz que os sacramentos foram instituídos por Jesus Cristo. No entanto, os evangelhos nos relatam apenas a respeito de dois sacramentos que foram claramente instituídos por Jesus: a eucaristia e o batismo. Na aparição do Senhor ao grupo dos apóstolos na tarde do dia da ressurreição, quando Ele soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo! A quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; aos quais retiverdes, ser-lhes-ão retidos”, se vê ainda a instituição do sacramento da penitência.

Poderia-se entender a instituição dos sacramentos como uma ordem, um ato jurídico de Jesus. Mas para podermos afirmar tal instituição dos outros sacramentos não se encontram dados suficientes no Novo Testamento, embora todos os sete sejam de alguma maneira mencionados nos Atos ou em cartas dos apóstolos.

No entanto, a origem dos sacramentos em Jesus Cristo pode ser vista de outra maneira, como de fato vários Padres da Igreja a tem visto e como o Concílio Vaticano II, que também a esse respeito voltou às fontes, reafirmou. Conforme eles, os sacramentos não têm sua origem num ato jurídico de Jesus, mas no seu próprio ser. Como Ele é sacramento do Pai e a Igreja é sacramento de Jesus Cristo, assim a Igreja, o sacramento universal, se desdobra nos sete sacramentos. Eles têm, portanto, sua origem em Jesus, como a Igreja mesma. O Vaticano II diz em sua Constituição sobre a Sagrada Liturgia, a “Sacorsanctum Concilium”, citando Santo Agostinho: “Do lado aberto de Cristo dormindo na cruz nasceu o admirável sacramento de toda a Igreja” (SC 5). A origem da Igreja e, com ela, dos sacramentos, é, portanto, não um mandato jurídico, e sim um ato vivencial Dele, pelo qual o Senhor da Glória se torna e fica presente na Igreja, seu corpo místico, até o fim dos tempos.

O evangelista São João escreve no seu evangelho que Jesus morrendo entregou o espírito. Com isso ele quer dizer mais do que simplesmente afirmar a morte de Jesus. Pelo contexto do quarto evangelho é claro que São João quer dizer que Jesus na sua morte entregou o Espírito Santo e que assim nasceu a Igreja com os sacramentos, particularmente os do batismo e da eucaristia, simbolizados pelo sangue e a água que jorraram do lado aberto de Jesus.

Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:
1. Porque a explicação da origem dos sacramentos aqui apresentada pode satisfazer mais do que a tradicional, que supõe um ato jurídico de Jesus para cada sacramento?
2. Por que os sacramentos podem ser chamados “sinais do amor de Deus”?

3. Os sacramentos como sinais da ação de Deus

Os sacramentos são sinais. Um sinal remete a uma realidade diferente do próprio sinal. Por exemplo, um sinal numa estrada que diz que até uma determinada cidade a distância é de tantos quilômetros, remete a esta cidade. Mas o sinal não é a cidade. Há outros sinais que remetem a uma outra realidade, mas de alguma maneira esta outra realidade já está presente no sinal mesmo. Por exemplo, o respirar de um corpo humano ou de um animal é sinal de que este corpo vive. O sinal do respiro não apenas remete à vida, mas ele mesmo é vida. Tais sinais que remetem e já contêm em si a realidade significada, normalmente são chamados de símbolos.

Devemos ainda lembrar que não somente coisas ou objetos podem ser sinais, mais igualmente gestos e ações. Assim, por exemplo, o sinal ou símbolo principal do batismo não é bem a água, mas a ação que se realiza com a água, o mergulho nela ou o derramamento da mesma. No entanto, os sinais dos nossos sete sacramentos podem ser ambíguos em seu significado. Um mergulho na água pode levar ao afogamento e a morte, mas pode também refrescar e vitalizar o organismo, pode dar a sensação de um novo nascimento. Os sinais e símbolos sacramentais podem ter sua origem em culturas que não são bem conhecidas, como é o caso da unção. Além de ser curativo e servir para fortalecer o corpo, ela pode significar, a partir da sua origem em Israel, a bênção de Deus ou a instituição de um rei ou sacerdote. Por isso que é muito importante a palavra que acompanha um gesto sacramental, porque determina o que ele significa na respectiva ação sacramental.

Na celebração dos sacramentos, além do rito central ou essencial, também outros elementos rituais tem valor simbólico, igualmente os objetos do culto, a assembléia e os ministros, sobretudo os ministros próprios do sacramento e até o espaço no qual se realiza a celebração

Necessariamente coloca-se, neste contexto, a pergunta: Como tais sinais, ações, pessoas e objetos que entram no rito do sacramento, podem ter valor salvífico? Isso é possível porque Deus está agindo nos sacramentos. Ele está presente e agindo na Igreja, da qual os sacramentos são os momentos mais intensos de vida, desde que a Igreja com seus sacramentos nasceu na cruz, quando Jesus entregou o Espírito. Os sacramentos são um prolongamento da presença e ação de Jesus no mundo. A ação de Deus se mostra e realiza não somente pela ação dos ministros da celebração, mas também de todos aqueles que na celebração se abrem para a ação de Deus, em primeiro lugar quem recebe o sacramento. Assim pode-se realizar aquilo que os sacramentos e toda a liturgia visam: levar a efeito a obra de salvação realizada por Jesus, sobretudo na sua páscoa.

Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:
1. Por que os sinais sacramentais não são magia?
2. A quem se deve que os sacramentos levam a efeito a salvação?