segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Eu recomendo...

Olá pessoal. Segue abaixo uma lista de sites e blogs interessantes para quem ama a liturgia. Vale a pena conferir. Abraços e Paz para todos e todas.


http://arquiteturaeliturgia.blogspot.com/
(Blog interessante sobre arquitetura, liturgia e arte sacra. Vale a pena conferir)

http://euriferreira.blogspot.com/
(Blog de um grande amigo Eurivaldo S. Ferreira, músico, compositor, teólogo e membro da Rede Celebra - rede de animação litúrgica)

http://liturgiasal.blogspot.com/
(Blog do Serginho Valle. Traz dicas muito úteis sobre liturgia)

http://www.sacramentos.org/
(Site em espanhol com bastante material sobre os sacramentos em geral. Muito bom.)

http://www.liturgia.it/
(Excelente site em italiano sobre liturgia. Muita coisa boa se encontra lá.)

http://www.sdplviseu.web.pt/
(Site de portugal, do Secretariado Diocesano de Pastoral Litúrgica de Viseu. Excelente!)

http://www.liturgiaporamor.com.br/
(Mais na linha da Rede Celebra, traz material interessante Ofício Divino das Comunidades, Canto Litúrgico, Espaço Litúrgico e muito mais...)

Sentido Teológico-litúrgico do Altar Cristão



CRISTO É O ALTAR VERDADEIRO

Sabemos que os primeiros escritores cristãos, chamados Padres da Igreja, depois de terem lido, ouvido e meditado profundamente a Palavra de Deus, não tiveram nenhuma dúvida em afirmar que Cristo é a vítima, o sacerdote, o altar de seu sacrifício. Aliás, já a própria Palavra de Deus nos apresenta Cristo como o Cordeiro imolado (Ap 5,6), o Sacerdote supremo, o Altar vivo do Templo celeste (cf. Hb 4,14; 13,10). Portanto, Cristo, Cabeça e Mestre de todos nós, é o verdadeiro altar.

EM CRISTO SOMOS TAMBÉM ALTAR

Isto significa que, sendo Cristo a Cabeça do seu Corpo, que é a Igreja, logicamente seus membros e discípulos, os cristãos e as cristãs, podem ser considerados também, em Cristo, como outros tantos altares. Altares espirituais, nos quais se oferece a Deus o sacrifício de uma vida santa. Quer dizer: sobre o altar de nós mesmos, “sacrificamos” a nossa vida em favor dos nossos irmãos e irmãs, sobretudo os mais pobres. Como fez Jesus! Os próprios antigos Padres da Igreja sugerem toda essa compreensão de altar.

Santo Inácio de Antioquia († 117), ao ser levado a Roma para ser martirizado, fez o seguinte pedido: “Não me dêem nada mais do que ser imolado a Deus, enquanto o altar ainda estiver preparado”. São Policarpo († 156), ao exortar as viúvas a levarem uma vida santa, diz que elas “são altar de Deus”. E vejam o que escreve o papa São Gregório Magno (590-604): “Que é o altar de Deus? Não é o espírito dos que vivem no bem?...

É muito certo, pois, que se chame de altar o coração (dos justos)”. Ou também, usando outra imagem, a partir do escritor cristão Orígenes († 254), a Igreja hoje afirma: “Os fiéis que, entregues à oração, oferecem preces a Deus e imolam vítimas de súplicas, são pedras vivas com que o Senhor Jesus constrói o altar da Igreja” (cf. Ritual da dedicação de altar, n.º 2).

O ALTAR, MESA DO SACRIFÍCIO E DO BANQUETE PASCAL

Porque Cristo é o altar verdadeiro e, em Cristo, também nós somos altar, é natural que a mesa sobre a qual oferecemos a Deus o sacrifício de Cristo (e, em Cristo, o nosso sacrifício), e em torno da qual participamos do banquete pascal que nos é dado pelo Senhor, venha a ser chamada também de altar.

Neste sentido, a Igreja hoje nos ensina:

“Cristo Senhor, pelo memorial do sacrifício que, na ara (altar) da cruz, iria oferecer ao Pai, instituindo-o sob a figura de banquete sacrificial, santificou a mesa, em torno da qual os fiéis se reuniriam, a fim de celebrar a sua Páscoa.

Por conseguinte, o altar é a mesa do sacrifício e do banquete; nela o sacerdote, tornando presente o Cristo Senhor, realiza aquilo mesmo que o Senhor fez e entregou aos discípulos para que o fizessem em sua memória; o apóstolo claramente o indica ao dizer:

O pão que partimos, não é a comunhão com o corpo de Cristo? Já que há um só pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, visto que todos participamos desse único pão’” (Cor 10,16-17) (cf. Ritual da dedicação de altar, n.º 3).

SINAL DE CRISTO

Em todo lugar, atendendo às circunstâncias, os cristãos e cristãs podem celebrar o memorial do Cristo e sentar-se à mesa do Senhor. Mas é bom que haja um altar estável para a celebração da Ceia do Senhor. Harmoniza-se com o mistério eucarístico, motivo pelo qual se trata de um costume que vem da mais remota antiguidade cristã. No atual Ritual da dedicação de altar está escrito que, por sua natureza, o altar cristão “é a mesa própria para o sacrifício e o banquete pascal: mesa própria, onde o sacrifício da cruz se perpetua pelos séculos, até que Cristo venha; mesa onde os filhos da Igreja se congregam para dar graças a Deus e receber o Corpo e o Sangue de Cristo”.

E continua, citando a Instrução Geral sobre o Missal Romano:

“Portanto, em todas as igrejas o altar é ‘o centro da ação de graças que se realiza pela Eucaristia’, para o qual, de algum modo, convergem todos os outros ritos da Igreja”.

E diz mais: “Por realçar que no altar se celebra o memorial do Senhor e se dá aos fiéis seu Corpo e Sangue, os escritores eclesiásticos foram levados a vê-lo como sinal do próprio Cristo – e daí tornar-se comum a afirmação: ‘O altar é Cristo’” (ibid., n.º 4).

HONRA DOS MÁRTIRES

O altar é a mesa do Senhor. Esta é a sua maior dignidade. Na antiguidade era costume dos cristãos erigir o altar sobre os restos mortais dos Mártires. E tinham consciência de que não são os corpos dos Mártires que honram o altar, mas o altar é que torna nobre o sepulcro dos Mártires. Por isso, para honrar seus corpos e dos outros Santos, e também para significar que o sacrifício da Cabeça se perpetua no sacrifício dos membros, hoje se recomenda erigir os altares sobre os sepulcros destes ou encerrar suas relíquias sob os mesmos.

Deste modo, como escreve Santo Ambrósio de Milão († 397), “entrem as vítimas vitoriosas no lugar em que Cristo é a Vítima. Mas, sobre o altar, aquele que morreu por todos; e, sob ele, os resgatados pela paixão de Cristo”.

Faz lembrar a visão do evangelista João, exilado na ilha de Patmos, registrada no livro do Apocalipse:

“Vi debaixo do altar, com vida, os que tinham sido degolados por causa da palavra de Deus e do testemunho que guardavam” (Ap 6,9).

E o atual Ritual da dedicação de altar explicita: “Na verdade, todos os Santos podem, com justiça, ser chamados testemunhas de Cristo. Contudo, o testemunho dado pelo sangue possui força espiritual, que somente as relíquias dos Mártires, colocadas sob o altar, expressam de modo total e íntegro” (ibid., n.º 5).

O CUIDADO DO ALTAR, UM DESAFIO...

O altar cristão é importante “memória” do verdadeiro altar, que é Cristo. Nele, todo cristão e cristã são também altares espirituais. Ele é, ao mesmo tempo, a mesa do sacrifício e do banquete pascal, sinal de Cristo e honra dos Mártires.

Então, resta-nos um desafio: como tratá-lo e como cuidar dele, de maneira que ele possa evocar, de verdade, o mistério de Cristo e da Igreja? O que fazer com o altar, de tal maneira que sua presença no espaço litúrgico realmente nos fale deste mistério? Numa próxima ocasião buscaremos responder a esta pergunta.

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por José Ariovaldo da Silva, ofm
Publicado no site Mundo e Missão

quinta-feira, 21 de outubro de 2010


O cuidado com a celebração

Pe. Carlos Gustavo Haas


Falar de criatividade é uma tarefa complexa e difícil. Afinal, até o Vaticano II, a liturgia viveu uma fase de 400 anos de “imobilismo”, onde nada podia mudar. E mudar, também não é fácil.

Apresento aqui alguns pontos que poderão ser aprofundados numa reflexão individual ou nas equipes de liturgia.

1. “Ser criativos” em uma celebração

Quando queremos “ser criativos” em uma celebração, nossa primeira preocupação deve ser a participação mais plena, ativa e frutuosa da assembleia. O grande motivo para “mudar” palavras, gestos, sinais e ritos não é o gosto da equipe de liturgia ou o que vimos em um show ou mesmo em uma missa transmitida pela TV, mas sim, a maior participação no culto a Deus, integrado em nossa vida atual.

Cito as palavras de Bento XVI na Exortação “Sacramentum Caritatis”, n. 38: “O primeiro modo de favorecer a participação do povo de Deus no rito sagrado é a condigna celebração do mesmo; a arte da celebração é a melhor condição para a participação ativa. A arte da celebração resulta da fiel obediência às normas litúrgicas na sua integridade, pois é precisamente esse modo de celebrar que, há dois mil anos, garante a vida de fé de todos os crentes, chamados a viver a celebração enquanto povo de Deus, ‘sacerdócio real , nação santa’” (cf. 1Pd 2,4-5.9).

2. Ser “criativo” é ser fiel

Temos então um segundo elemento: ser “criativo” é ser fiel. Ser criativo não significa “inventar”. Não podemos confundir “criatividade” com “criativismo” – fazer algo diferente apenas por fazer diferente. Gosto do que escreveu Bento XVI: “A liturgia, por sua natureza, possui uma tal variedade de níveis de comunicação que lhe permitem cativar o ser humano na sua totalidade. A simplicidade dos gestos e a sobriedade dos sinais, situados na ordem e nos momentos previstos, comunicam e cativam mais do que o artificialismo de adições inoportunas” (Sacramentum Caritatis, 40).

O povo logo percebe quando propomos algo que vem apenas de um gosto ou ideia pessoal, ou quando somos criativos a partir do rito, do momento celebrativo, do mistério que estamos vivenciando.

No Documento 43 da CNBB, Animação da Vida Litúrgica no Brasil, n. 170, lemos: “Por criatividade não se deve entender tirar como que do nada, expressões litúrgicas inéditas. Pelo contrário, a verdadeira criatividade é orgânica: está ligada aos ritos precedentes como o celebrante de hoje aos do passado”.

4 cuidados que devemos ter

1. O “ativismo”: fazer na celebração um “desfile” de vários elementos, símbolos, gestos, ritos, sem silêncio, com movimentos em excesso. É a tentação de querer fazer tudo em uma única celebração.

2. O “intelectualismo”: é quando queremos explicar tudo que acontece em uma celebração. A celebração torna-se “cerebração”, poluída com comentários e mais comentários.

3 .O “espontaneismo”: deixar tudo para última hora, improvisar os ritos e gestos, deixando que aconteça apenas com a boa-vontade dos participantes. A verdadeira espontaneidade não é inventar um gesto. Os gestos mais expressivos da nossa existência são aqueles que, desde a nossa infância, nós enchemos de experiência humana, como abraçar a mãe, juntar as mãos, todos os gestos da oração que, para nós foram o meio próprio de nos encontrarmos com Deus; é aí que nós somos mais espontâneos. A verdadeira espontaneidade consiste em encher de novidade um gesto de sempre, pois os gestos e as palavras das pessoas não podem ser inventados até ao infinito.

4. O “fixismo”: repetir sempre a mesma coisa, caindo no formalismo e na rotina. Acaba cansando a assembleia, pois se torna algo sem o espírito próprio para o qual foi criado.

Enfim, para sermos criativos na liturgia, precisamos levar a sério tudo o que fazemos. A simples modificação de um gesto, sinal, atitude, acarreta uma profunda alteração do significado de muitas ações litúrgicas.

Zelar pela liturgia não significa “engessá-la”. “Liturgia é uma ação ritual, cuja característica é a repetição e a fidelidade à Tradição: “Façam isto (e não outra coisa!) para celebrar a minha memória (…)”. Liturgia não se inventa, se vive. O jogador de futebol não muda as regras do jogo; a cantora não inventa uma nova música, ignorando ou modificando a partitura. Ambos exercem sua criatividade ao entrar de corpo e alma no jogo de futebol ou na música; e dessa entrega nasce uma interpretação sempre nova, atual, surpreendente, tocante. É desse tipo de zelo que a liturgia precisa: unindo conhecimento e respeito pelas regras com entrega total ao ‘jogo’, levando a uma vivência profunda” (Ione Buyst, Liturgia em Mutirão, Edições CNBB, pág. 222).

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Pe. Carlos Gustavo Haas é Presbítero da Arquidiocese de Porto Alegre/RS, Assessor da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia da CNBB, Mestre em Liturgia pelo Pontifício Instituto Litúrgico Santo Anselmo, Roma.

Fonte:
http://revistaparoquias.com.br/index.php/2010/02/o-cuidado-com-a-celebracao/

Ministérios a serviço do povo

Márcio Antônio de Almeida

Quem já não se flagrou fazendo constatações apressadas sobre o povo que participa das celebrações nas comunidades? Selecionamos alguns exemplos de frases que se ouvem em reuniões de equipes de liturgia ou mesmo em encontros formação: “o povo não vai entender”; “o povo não vai participar”; “o povo não canta”; “o povo chega em cima da hora”; “o povo não está nem aí”. Estas afirmações podem revelar uma “terceirização” de responsabilidades pastorais, uma carência formativa dos agentes e um desconhecimento da própria definição de Igreja, povo de Deus, e da natureza da liturgia trazida pelo Concílio do Vaticano II.

A liturgia é fonte e cume da ação da Igreja (cf. SC n. 10). Por meio dela, o povo convocado se reúne em assembleia e animado pelos ministérios litúrgicos, escuta a Palavra e partilha do mesmo pão, do mesmo cálice. Ao fazer memorial da Páscoa de Cristo, renova-se a Aliança de amor com o Deus da vida. É páscoa de Cristo na páscoa do povo e páscoa do povo na páscoa de Cristo (cf. CNBB, Doc. 43, n. 300). Esse povo que celebra, mesmo sem um conhecimento litúrgico mais elaborado, expressa a fé no Deus da vida por meio de gestos e ações simbólicas, rituais.

O que fazer?

Antes de afirmar que o povo não vai entender, cabe às equipes estarem convencidas sobre o sentido da ação simbólica a ser realizada. Vale lembrar que a participação consciente, ativa e plena do povo (cf. SC 14) está relacionada ao nível de iniciação litúrgica das equipes de celebração e à qualidade do exercício ministerial. Os ministérios, à imagem do Cristo servidor, cumprem sua função e a comunidade dos fiéis, o povo, expressa sua adesão ao mistério celebrado e seu compromisso com a Boa Nova do Reino.

Neste sentido, há alguns pequenos detalhes a serem observados pela equipe que prepara as celebrações. Por exemplo, equipes “ruidosas” no celebrar tendem a perturbar a participação do povo, pois a movimentação de pessoas, gestos, sinais ou qualquer imprevisto, podem desviar a atenção da assembleia. Por isso, a consciência dessa limitação, por parte da equipe, é urgente e necessária para um serviço qualificado ao povo de Deus. Lembremo-nos que os ministérios brotam do meio do povo e se espera, no mínimo, que a dignidade do serviço prestado corresponda às expectativas desse povo.

Como fazer?

Queremos silêncio? Silenciemos. Na medida certa e no momento devido, o silêncio é capaz de preencher-nos do sentido do mistério.

Queremos respostas claras do povo? Sejamos claros naquilo que oramos, cantamos, proclamamos etc. A liturgia é um fazer objetivo que atinge em profundidade os sujeitos celebrantes. Por isso, durante as motivações, evitem-se comentários e explicações sobre o óbvio. É necessário “limpar” o supérfluo para que o rito possa se expressar com clareza e simplicidade por meio de seus sinais sensíveis.

Queremos a voz e a vez do povo? Que tal nos empenhar na preparação das celebrações da comunidade levando em conta o mistério celebrado no tempo litúrgico, na vida da comunidade, as pessoas concretas e os ministérios litúrgicos?

Aos poucos se descobre o valor das equipes de acolhida. Convém, no conjunto das pastorais, buscar um modo mais integrado de colocar em ação este serviço ao povo. Há casos de equipes que se desdobram na acolhida, mas o animador, ou mesmo quem preside, não tem a sensibilidade devida para conduzir o processo de acolher. Toda a comunidade se acolhe mutuamente, transparecendo a alegria do Ressuscitado. Nas celebrações da comunidade, acolher é servir, é deixar à vontade, trazer para perto, conduzir, direcionar, amar…

A equipe de celebração e os ministros do povo de Deus devem estar convencidos de suas atribuições (cf. SC 28-28). O povo vai celebrar convicto, “antenado” e comprometido se perceber que nossas ações se revestem de sentido teológico-espiritual, que se alcança por meio de um processo equilibrado de formação litúrgica aliado à experiência celebrativa. Assim sendo, o processo de seduzir o povo, de estimulá-lo à participação, de encantá-lo ao redor do Mistério Pascal é um desafio significativo para que a liturgia seja, de fato, o hoje da salvação.

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Márcio Antônio de Almeida é Liturgista e Musicólogo. Agente de Pastoral da Arquidiocese de São Paulo. Membro da Rede Celebra e da Equipe de Reflexão de Música Litúrgica da CNBB.

Fonte:
http://revistaparoquias.com.br/index.php/2010/09/ministerios-a-servico-do-povo/

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Benção pai! Benção mãe!


Cresci pedindo bênçãos para meus pais, tios e padrinhos. Até hoje mantenho este sadio costume, que sempre foi para mim algo maior do que uma obrigação cristã, tornando-se quase que um traço cultural enraizado profundamente na minha vida. Pedir a benção aos pais na hora da saída e chegada em casa era até pouco tempo atrás uma boa tradição do povo brasileiro. Mas ao longo da vida, lendo aqui e acolá os mais variados tipos de livros, encontrei-me com a literatura teológica e com a história do povo de Israel. Foi então que descobri que pedir bênçãos é uma das mais antigas formas de manifestar ao mundo que Deus está sempre ao nosso lado, ou em outra palavra, que nosso Deus é Emanuel! Pedir a bênção de Deus através dos mais velhos é um costume bíblico. O povo de Deus sempre pedia benção para seus pais ou padrinhos. Outra benção muito comum era aquela pedida para os líderes da comunidade. A liderança religiosa sempre abençoou o seu povo. A Bíblia nos instrui a pedir a bênção em todas as ocasiões, inclusive para santificar a nossa casa. Uma casa que recebe a benção de Deus terá muito mais fortaleza para enfrentar os desafios que porventura surgirem. Uma casa abençoada significa uma família também abençoada. A bênção de Deus anula toda marca da maldade.

Os livros bíblicos de Esdras ou Neemias nos dizem que a bênção é "a mão de Deus sobre nós." Ambos usam essa expressão cerca de nove vezes, falando da "boa", "bondosa" e "poderosa" mão de Deus. A expressão bênção ou abençoar também tem, entre outros, o significado de falar bem de alguém. No Antigo Testamento, em geral, a bênção refere-se a bem-estar, a segurança e ao bem familiar e essa bênção está expressamente condicionada à obediência aos mandamentos de Deus: "Eis que, hoje, eu ponho diante de vós a bênção e a maldição: a bênção, quando cumprirdes os mandamentos do SENHOR, vosso Deus, que hoje vos ordeno; a maldição, se não cumprirdes os mandamentos do SENHOR, vosso Deus, mas vos desviardes do caminho que hoje vos ordeno, para seguirdes outros deuses que não conhecestes" (Dt 11.26-28).

Para o cristão a bênção é a presença de Jesus na nossa vida, levando-nos para perto de Deus pela ação do Espírito Santo: "Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual em Cristo" (Ef 1.3). A bênção nem sempre é o que desejamos, mas em todo caso se trata do que é bom e salutar para nós! A grande bênção de Deus para seus filhos é a Eucaristia. Quando o padre consagra pão e vinho, ele os abençoa e os faz ser verdadeiramente a presença real de Jesus Cristo entre nós. Não existe maior benção do que receber em nós o Cristo vivo e ressuscitado na forma eucarística.

A Igreja nos ensina a pedir uma benção para todas as ações que formos realizar: seja para sair em viagem, fechar um negócio, vender uma casa, antes de ir ao trabalho. Você deve pedir a bênção para os padres, para os pais e para todos aqueles com os quais você tem relação de amizade e carinho. Nada mais bonito do que o casal que se abençoa e abençoa os filhos.

Será que seus filhos não estão com tantas dificuldades e problemas pelo fato de você não os abençoar? Claro que a benção não vai impedir que nossa vida tenha desafios, mas abençoados certamente teremos mais possibilidades de enfrentar com paciência os problemas. É isso!


Padre Evaldo César de Souza, cssr

segunda-feira, 11 de outubro de 2010


Festa Litúrgica de Finados
2 de Novembro


Padre Evaldo César de Souza, C.Ss.R.

Enxugará as lágrimas de seus olhos e a morte já não existirá. Não haverá mais luto, nem pranto, nem dor, porque tudo isso já passou• (Ap 21,4).

Por que então a liturgia cristã interessou-se pelos mortos também fora da missa? Por que a Igreja dedicou um dia exclusivo à lembrança dos finados? Você acha válido rezar pelos falecidos? Como você se prepara para viver o momento de sua morte? Por que o ser humano preocupa-se tanto em marcar com sinais exteriores a morte de pessoas queridas?

1. História da Celebração

O Cristianismo nasceu embebido pela vida, morte e ressurreição de Jesus, chamado Cristo e subsiste pelo cultivo da memória deste homem. E como todo ser humano, o ápice da vida do filho de Deus foi sentir em sua carne a frieza da morte. Sem dúvida, ao doar amorosamente sua vida na cruz, Jesus viveu em sua própria carne a experiência da morte. Ele morreu realmente. Mas a Graça de Deus, confirmando a mensagem e o testemunho de vida de Jesus, o ressuscitou dos mortos e garantiu assim, a todos os fiéis que nele depositam suas esperanças, a possibilidade de transcender também a fase finita da vida e alcançar a plenitude da personalidade e potencialidades humanas, na realidade de fé que chamamos de Vida Eterna.

Desde a mais tenra idade o Cristianismo celebrou os fiéis que morreram unidos à sua comunidade de fé. Os mártires eram venerados nos locais de seu martírio e as primeiras construções genuinamente cristãs foram monumentos em homenagem a estes heróis da fé. Além disso, as perseguições imperiais obrigavam os cristãos a refugiarem em catacumbas para celebração dos exercícios litúrgicos. E as catacumbas nada mais eram que os primeiros cemitérios cristãos.

Os mais antigos sacramentários romanos atestam o uso de missas pelos defuntos. O costume de rezar pelos mortos em celebrações específicas parece ter surgido pelo fato de que não era possível realizar exéquias dos cristãos no momento da morte, tamanho o medo da perseguição pagã. Assim, dias depois do fato, geralmente uma semana ou mesmo trinta dias, a comunidade reunia-se para as devidas homenagens ao falecido e aos familiares.

Nos mosteiros irlandeses, no século VII, já encontramos rolos com os nomes de monges falecidos, que circulavam entre as comunidades, numa rústica forma de comunicação orante entre os religiosos. Para estes falecidos era sempre dedicado algum ofício religioso solene. Dessa tradição surgiram as necrologias, lista de nomes lidas nos ofícios e os obtuários, lembrando serviços fundados ou obras de misericórdia dos defuntos em suas datas. Passou-se claramente das menções globais aos nomes individuais.

Nos séculos IX e X, no auge do período carolíngio, já é possível encontrar o costume de anotar nomes de falecidos para oferecimento de missas, mas ainda mantém-se a vinculação com o nome de vivos, que faziam suas ofertas generosas para a comunidade cristã. Os “libri memoriales”•(Livros Memoriais) carolingianos continham de 15.000 a 40.000 nomes a serem lembrados. Durante as Eucaristias chegava-se a enumerar de 40 a 50 nomes por dia!

Mas foi em Cluny, o renomado Mosteiro francês, que começou a surgir uma explicação da oração pelos mortos. À Igreja Peregrina nos caminhos da história unia-se a Igreja Triunfante (os santos e santas) e à igreja Padecente (aqueles que mesmo mortos ainda não tinham alcançado a plenitude da Ressurreição). Esta união entre santos e pecadores, chamada de comunhão dos santos, já fazia parte da tradição cristã e foi teologicamente elaborada pelo mestre da escolástica, Santo Tomás de Aquino, nos seguintes termos:
Assim como no corpo natural a atividade de um membro se subordina ao bem estar de todo o corpo, também no corpo espiritual que é a Igreja, acontece o mesmo. E porque todos os fiéis são um só corpo, o bem de um comunica-se ao outro.

Tudo indica que foi no século X que, a partir do mosteiro do Cluny, instituiu-se a comemoração dos mortos para o dia 2 de novembro, em íntimo contato com a festa de todos os santos. A Festa dos Mortos será rapidamente celebrada em todo mundo cristão. Trata-se hoje de um dos feriados mais universais do nosso planeta.

2. Sentido da celebração de Finados

No dia de Finados, não festejamos a morte. Seria uma ignorância e uma contradição. Celebramos sim, nossa fé na ressurreição e a esperança do encontro na morada que Jesus nos preparou, no seio amoroso de Deus. A comemoração dos fiéis defuntos é uma oportunidade ímpar para agradecer a Deus pela existência daqueles que nos precederam e, de certa forma, participaram da construção de nossa própria história.

O gesto mais comum em Finados é a visita ao cemitério, a participação na Eucaristia e as devoções próprias de cada cultura, como acender velas, oferecer flores e enfeitar os túmulos dos falecidos. Em todos estes gestos antropologicamente enraizados no ser humano transparece a consciência que temos de nossa finitude e da necessidade absoluta de apego ao Divino para a manutenção da esperança em glorificação da existência.

Acendemos velas para lembrar que essa luz segue iluminando-nos, em nossos corações. Veneramos seus exemplos e imitamos sua fé (Hb 13,7). Enfeitamos as sepulturas com flores, símbolo da ressurreição. Nossos mortos são plantados como sementes, regadas com nossas lágrimas, e florescem ressuscitados no jardim do Senhor.

Além disso, ao recordar a vida de um ente querido, nós próprios deparamo-nos com a realidade da morte em nossa vida e pesamos nossos comportamentos pessoais e sociais. A presença da limitação e fraqueza da vida permite-nos ser mais humildes na consideração da validade de nossa vida. Não há como ficar insensível diante da finitude da carne humana!

3. Sentido Teológico de Finados: a certeza da Ressurreição

Nossa fé cristã é a fé no Ressuscitado. Esta certeza de fé elimina de nós toda e qualquer idéia de renascimento ou reencarnação. Somos únicos desde a concepção, durante a vida e após a morte. A razão de nossa fé na Ressurreição é a experiência radical de Jesus. Ele foi Ressuscitado pelo Pai (At 2, 22s), numa atitude amorosa que confirmou toda a obra realizada pelo homem de Nazaré em favor dos mais oprimidos e marginalizados.

O fundamento teológico para a nossa compreensão de fé em torno da vida que começa na morte está na Ressurreição de Jesus Cristo. É São Paulo que diz: "Se Cristo não tivesse ressuscitado, vã seria a nossa fé, e nós ainda estaríamos em nossos pecados" (1Cor 15, 17).

Nossa fé cristã é a fé no Ressuscitado. Esta certeza de fé elimina de nós toda e qualquer idéia de renascimento ou reencarnação. Somos únicos desde a concepção, durante a vida e após a morte. A razão de nossa fé na Ressurreição é a experiência radical de Jesus. Ele foi Ressuscitado pelo Pai (At 2, 22s), numa atitude amorosa que confirmou toda a obra realizada pelo homem de Nazaré em favor dos mais oprimidos e marginalizados.

O fundamento teológico para a nossa compreensão de fé em torno da vida que começa na morte está na Ressurreição de Jesus Cristo. É São Paulo que diz: "Se Cristo não tivesse ressuscitado, vã seria a nossa fé, e nós ainda estaríamos em nossos pecados" (1Cor 15, 17).

Nós cremos na ressurreição como um momento de transcendência de nossa realidade finita para uma realidade infinita ao lado de Deus. Na Ressurreição nossa vida é transformada. Assim como acontece com a semente que, ao ser lançada na terra, morre e desta morte nasce a nova vida, cremos que também nós vamos ressuscitar e assumir uma nova vida. Nós cremos que a nossa vida terrestre é uma preparação para a verdadeira e definitiva vida. Temos uma única oportunidade de viver no mundo e nos preparar para a eternidade.

O próprio Jesus viveu apenas uma única vida humana, iniciada no momento de sua concepção no seio virginal de Maria e consumada na cruz, quando exausto e sem forças, Jesus entrega sua vida nas mãos do Pai (Jo 19,30). Mas como já dissemos, Deus não permitiu ao Cristo permanecer preso nas cadeias da morte, mas o fez receber vida nova, ressuscitando-o e reafirmando assim o valor da vida justa sobre os poderes nefastos de uma sociedade marcada pela cultura de morte.

Mas Ele ressuscitou. O corpo físico de Jesus foi transformado em um corpo glorioso, que não ocupa mais espaço, não envelhece mais com o tempo e não morre mais. Este Cristo vivo e ressuscitado está na Eucaristia, está nos sacrários de nossas igrejas e está também na comunidade cristã, já que Ele disse: "Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, eu estarei presente" (Mt 18,20) ou então: "Eis que eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos" (Mt 28, 20). Nada pode nos separar do amor de Cristo.

Já teologia de oração pelos mortos alicerça-se na noção tradicional de purgatório, momento de expiação dos erros passados e de contemplação da face gloriosa de Deus. A teologia atual não aboliu, com se pensa, a noção de purgatório. Obviamente, a idéia de um fogo devorador que aflige atemporalmente os homens e mulheres que falecem afastados de Deus recebe hoje um tratamento mais aceitável. O purgatório seria a própria percepção de não realização da missão confiada por Deus a cada um de nós. Ao deparar-nos com a imensa distância entre o ideal sonhado por Deus e o real vivido, o ser humano sofre por ter sido tão leniente. Imediatamente, entretanto, contempla a glória de Deus e nela mergulha. Rezar pelos mortos significa ajudá-los a tomar consciência de que estão afastados do ideal de Deus.

4. Celebrando o dia de Finados

As celebrações litúrgicas do dia de hoje são comedidas e cercadas de um clima de saudade e tristeza. São comuns as missas rezadas nos cemitérios, onde um ou outro grupo pastoral pode estar presente para acolher as pessoas mais sensibilizadas.

Nas igrejas e capelas reze-se pelos fiéis defuntos que participaram da história da comunidade, mas evite-se enumerar nomes ou dar destaques a algum falecido. Mantenha a sobriedade dos cantos e respeite-se o silêncio com marca da celebração.

Entretanto, evite-se o clima de luto nas celebrações. Vale a pena recordar que o celebração de Finados marca a esperança cristã na Ressurreição e deve ser iluminada por aquela alegria que marca a fé cristã.

Para os celebrantes, atenção nas homilias. O Mistério da Ressurreição deve ser o centro da reflexão, aproveitando para refletir bem as palavras do Evangelho e esclarecendo o real sentido da morte para o cristão, numa catequese que contemple toda a eliminação de idéias estranhas tão espalhadas pela mentalidade do povo católico brasileiro.

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Fonte:
www.redemptor.com.br

sábado, 9 de outubro de 2010


DIDAQUÊ:
A Doutrina dos Apóstolos



CAPÍTULO I

1 Existem dois caminhos no mundo: o da vida e o da morte; o da luz e o das trevas. Neles foram estabelecidos dois anjos: o da justiça e o da iniqüidade. Porém, grande é a diferença entre esses dois caminhos. 2 Este é o caminho da vida: em primeiro lugar, deves amar ao Deus eterno que te criou; em segundo lugar, [deves amar] o teu próximo como a ti mesmo; assim, tudo o que não quiserdes que seja feito contigo, não o farás a outro. 3 A explicação destas palavras é a que segue.

CAPÍTULO II

1[...] 2 Não cometerás adultério; não matarás; não prestarás falso testemunho; não violarás a criança; não fornicarás; não praticarás a magia; não fabricarás poções; não matarás a criança mediante aborto, nem matarás o recém-nascido; não cobiçarás nada do teu próximo. 3 Não proferirás perjúrios; não falarás mal, nem recordarás das más-ações. 4 Não darás mal conselho, nem teu linguajar terá duplo sentido, pois a língua é uma armadilha para a morte. 5 Tua palavra não será vã, nem enganosa. 6 Não serás ambicioso, nem avarento, nem voraz, nem adulador, nem parcial, nem de maus costumes; não admitirás que se crie uma armadilha para o teu próximo. 7 Não odiarás a qualquer homem, mas o amareis mais que a tua própria vida.

CAPÍTULO III

1 Filho: afasta-te do homem mal e do homem falso. 2 Não sejas irado porque a ira conduz ao homicídio, nem desejes a maldade e a paixão pois disto tudo nasce a ira. 3... 4Não sejas astrólogo, nem purificador, pois estas coisas conduzem à vã superstição; nem sequer desejes ver ou ouvir estas coisas. 5Não sejas mentiroso porque a mentira conduz ao roubo; nem amante do dinheiro, nem da vadiagem, pois de tudo isto nascem os roubos. 6 Não sejas murmurador porque isto conduz à difamação; não sejas temerário, nem penses mal, pois de tudo isto nascem as difamações. 7 Ao contrário, sê manso, porque os mansos possuirão a terra santa. 8 Sê também paciente em teu trabalho; sê bom e temeroso de todas as palavras que escutas. 9 Não te enaltecerás nem te gloriarás perante os homens, nem infundirás a soberba na tua alma; não te unirás em espírito com os orgulhosos, mas te juntarás aos justos e humildes. 10 Receberás como bem as coisas adversas que te ocorrerem, sabendo que nada ocorre sem Deus.

CAPÍTULO IV

1Daquele que te ensina a palavra do Senhor Deus, te recordarás dia e noite. O respeitarás como ao Senhor, pois onde se apresentam as coisas relativas ao Senhor, ali está o Senhor. 2 Assim pois, busca o rosto dos santos, para que te entretenhas nas suas palavras. 3 Não causes divisões, mas põe paz entre os que se desentendem; julga retamente sabendo que também tu serás julgado; não derrubarás ninguém em desgraça. 4 Não terás dúvidas se será ou não verdadeiro. 5 Não sejas como aqueles que estendem a mão para receber e encolhem para dar. 6 Sim, graças às tuas mãos, tens a redenção dos pecados; não terás dúvidas ao dar, sabendo quem será o remunerador dessa recompensa. 7 Não te desviarás do necessitado, mas compartilharás todas as coisas com teus irmãos e não dirás que sãos tuas. Se somos co-partícipes no imortal, quanto mais devemos iniciá-lo já, a partir daqui? Eis que o Senhor quer dar a todos os Seus dons. 9 Não afastarás as tuas mãos dos teus filhos, mas desde a juventude lhes ensinarás o temor a Deus. 10 A teu servo ou a tua serva, que esperam no mesmo Senhor, não os obrigarás, com ira, que venham a temer ao Senhor e a ti, pois Ele não veio para discriminar pessoas, mas para aqueles em quem encontrou um espírito humilde. 11 Vós, servos, permanecei submissos aos vossos senhores como a Deus, com pudor e temor. 12 Odiarás toda hipocrisia e não farás o que não agrada a Deus. 13 Assim, pois, guarda, filho, o que tens ouvido e não lhe acrescentes coisas contrárias, nem as reduza. 14 Não te cerques da oração cm maus propósitos. Este é o caminho da vida.

CAPÍTULO V

1 Por outro lado, o caminho da morte é contrário àquele. Para começar, é mau e cheio de maldições: adultérios, homicídios, falsos testemunhos, fornicações, maus desejos, atos mágicos, poções malditas, roubos, vãs superstições, furtos, hipocrisias, repugnâncias, malícia, petulância, cobiça, linguajar imoral, inveja, ousadia, soberba, orgulho, vaidade. 2 Os que não temem a Deus, os que perseguem os justos, os que odeiam a verdade, os que amam a mentira, os que não conhecem a recompensa da verdade, os que não se aplicam ao bem, os que não têm um reto juízo, os que não cuidam pelo bem mas pelo mal 3 dos quais se esgota a paciência e cerca a soberba - os que perseguem aos remuneradores, os que não se compadecem do pobre, os que não se afligem com o aflito, os que não conhecem a seu Criador, os que assassinam os seus filhos, os que cometem o aborto, os que se afastam das boas obras, os que oprimem o trabalhador, os que se esquivam do conselho dos justos: Filho, afasta-te de todos estes!

CAPÍTULO VI

1 E vigia para que ninguém te afaste desta doutrina; do contrário, serás considerado sem disciplina. 2... 3... 4 Se a cada, com cuidado, fizeres estas coisas, estarás próximo do Deus vivo; se não o fizeres, estarás longe da verdade. 5 Põe todas estas coisas em teu espírito e não perderás a tua esperança; ao invés, por estes santos combates, chegarás à coroa. 6 Por Jesus Cristo, o Senhor que reina e é Senhor com Deus Pai e o Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos. Amém.

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Fonte:
B. Altaner/A.Stuiber. Patrologia, ed. Paulinas, pp. 89/91

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Como "matar" a sua Igreja


Robson Campos Leite


1. Não freqüente as atividades paroquiais com assiduidade, mas quando você for lá, procure algo para reclamar. Com certeza você sempre vai encontrar. Fique de olho. Explore isto!

2. Ao comparecer a qualquer atividade, dedique-se em encontrar falhas nos líderes. Veja se o padre ou os dirigentes estão fazendo as coisas corretas. Se encontrar falhas, fale, espalhe para os outros. Critique de verdade. Agora, quanto às coisas boas que fazem ou dizem, não comente nada, não elogie, fique na sua, em absoluto silêncio.

3. Nunca aceite missão, compromisso ou incumbência alguma; lembre-se que é mais fácil criticar do que realizar.

4. Se o padre ou o Conselho Paroquial, ou qualquer outra liderança pedir sua opinião sobre um assunto importante, responda que não tem nada a dizer e depois espalhe como deveriam ser as coisas, de acordo com a sua “opinião”.

5. Não faça mais que o absolutamente necessário, nunca se coloque à disposição para nada, espere ser convidado para que você tenha prestígio diante dos outros; porém, quando o padre e seus auxiliares estiverem trabalhando com boa vontade e interesse para que tudo corra bem, afirme que sua igreja está sendo dirigida e dominada por um grupinho.

6. Não leia os boletins de sua igreja; afirme que neles não há nada de interessante e que eles deveriam ser diferentes. Mas não ajude a fazê-los!

7. Se você for convidado para qualquer serviço, simplesmente seja esperto(a) e recuse. Alegue que você não tem tempo e depois critique com a seguinte afirmação: “por que não fazem tal coisa assim?”

8. Quando você tiver qualquer problema de relacionamento com o padre, ou qualquer líder, procure vingar-se fazendo acusações mentirosas e divulgando “erros” por eles cometidos. Não será difícil, pois eles, como todas as pessoas humanas, estão cheios de falhas.

9. E quando ouvir alguma fofoca, conte a outros rapidamente, mesmo que você saiba que a fonte não é confiável e que o correto é ouvir os dois lados.

10. Sugira, insista e cobre a realizações de cursos, palestras, encontros, reuniões, mas, quando forem realizados, não se inscreva nem compareça. Depois critique dizendo que não é feito nada.

11. Após tudo isso, quando sua igreja não tiver mais reuniões, boletins, encontros, trabalhos de evangelização etc., estufe seu peito e diga: “Eu não disse que isso ia acontecer?”



Fonte:
http://www.pime.org.br/missaojovem/mjconsfraliderar.htm

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Documentos da Igreja: "Mystici Corporis" de Pio XII


CARTA ENCÍCLICA
"MYSTICI CORPORIS"

DE SUA SANTIDADE
O PAPA PIO XII

SOBRE
O CORPO MÍSTICO DE JESUS CRISTO
E NOSSA UNIÃO NELE COM CRISTO



Aos Veneráveis Irmãos Patriarcas,
Primazes, Arcebispos, Bispos e demais
Ordinários em paz e comunhão com a Sé Apostólica


INTRODUÇÃO

1. A doutrina do Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja (cf. Cl 1,24), recebida dos lábios do próprio Redentor e que põe na devida luz o grande e nunca assaz celebrado benefício da nossa íntima união com tão excelsa Cabeça, é de sua natureza tão grandiosa e sublime que convida à contemplação todos aqueles a quem move o Espírito de Deus; e, iluminando as suas inteligências, incita-os eficazmente a obras salutares, consentâneas com a mesma doutrina. Por isso resolvemos entreter-nos convosco sobre tão relevante assunto, expondo e explicando principalmente a parte relativa à Igreja militante. Move-nos a fazê-lo não só a excepcional importância da doutrina, mas também as circunstâncias atuais da humanidade.

Propomo-nos, pois, falar das riquezas entesouradas no seio da Igreja que Cristo adquiriu com seu sangue (At 20, 28) e cujos membros se gloriam de uma Cabeça coroada de espinhos. Isto mesmo já é prova evidente de que a verdadeira glória e grandeza não nascem senão da dor; por isso nós quando compartilhamos dos sofrimentos de Cristo, devemos alegrar-nos, para que também na renovação da sua glória jubilemos e exultemos (cf. 1Pd 4,13).

3, E para começar, note-se que assim como o Redentor do gênero humano foi perseguido, caluniado, atormentado por aqueles mesmos que vinha salvar, assim a sociedade por ele fundada também neste ponto se parece com o divino Fundador. Com efeito, ainda que não neguemos, antes gostosamente e bendizendo a Deus confessemos, que também nestes tempos tão agitados há muitos que, embora separados do redil de Cristo, olham para a Igreja como para o único porto de salvação, contudo não ignoramos que a Igreja de Deus não só é soberbamente desprezada e perseguida por aqueles que, menoscabada a luz da sabedoria cristã, voltam miseramente às doutrinas, usos e costumes do antigo paganismo, mas freqüentemente é desconhecida, descurada, aborrecida por muitos cristãos, que se deixam seduzir pelas aparências, falsas doutrinas, ou arrastar pelos atrativos e corrupção do mundo. É por isso que Nós, veneráveis irmãos, obedecendo à voz da nossa própria consciência, vamos expor à vista de todos e celebrar a beleza, louvores e glória da santa madre Igreja, a quem depois de Deus tudo devemos.

4. Confiamos que estes nossos pensamentos e exortações, em conseqüência das atuais circunstâncias, produzirão os mais copiosos frutos nos fiéis; porquanto sabemos que os infinitos trabalhos e sofrimentos desta nossa tempestuosa idade que tão terrivelmente torturam gente sem número, se forem recebidos serena e resignadamente da mão de Deus, converterão como que naturalmente os corações dos bens caducos da terra aos bens celestes e eternos, e despertarão neles uma sede misteriosa das coisas espirituais e um desejo ardente que, sob o impulso do Espírito Santo, os mova e quase force a procurar com mais diligência o reino de Deus. O homem, quanto mais se desprende das vaidades do mundo e do amor desordenado dos bens presentes, tanto mais se dispõe para perceber a luz dos mistérios celestes. Ora, talvez nunca a vaidade e inanidade das coisas da terra se manifestou mais eloqüentemente que hoje, quando desabam reinos e nações, quando os abismos dos vastos oceanos engolem imensas riquezas e tesouros de toda a espécie, quando cidades e vilas e férteis campos se cobrem de imensas ruínas e se mancham de sangue fraterno.

5. Confiamos ainda que o que vamos expor sobre o Corpo Místico de Cristo não será desagradável nem inútil aos que vivem fora do seio da Igreja católica. E isto, não só porque a sua benevolência para com a Igreja parece aumentar de dia para dia, senão também porque vendo eles atualmente como as nações se erguem contra as nações e os reinos contra os reinos, e crescem indefinidamente as discórdias, os antagonismos e as sementeiras do ódio, se volverem os olhos para a Igreja, se contemplarem a sua unidade de origem divina, por virtude da qual os homens de todas as nacionalidades se unem a Cristo com vínculos fraternos, então sem dúvida ver-se-ão forçados a admirar uma tal sociedade de amor e sentir-seão atraídos com o auxílio da graça a participar da mesma unidade e caridade.

6. Há ainda uma razão especial e suavíssima pela qual nos ocorreu ao espírito e grandemente nos deleita esta doutrina. Durante o passado ano, XXV do nosso episcopado, pudemos com grandíssima consolação contemplar um espetáculo que luminosa e expressivamente fez resplandecer a imagem do corpo místico de Cristo em todas as cinco partes do mundo. Nesse sentido, apesar dessa interminável guerra de extermínio ter destruído miseramente a fraterna comunidade dos povos, por toda parte, onde temos filhos em Cristo, todos com uma só vontade e amor - refletindo em si as preocupações e ansiedades de todos -, elevavam o pensamento e o coração para o Pai comum, que governa em tempos tão adversos a nau da Igreja católica. Esse espetáculo não só demonstra a admirável unidade da família cristã, mas atesta também que assim como nós com amor paterno abraçamos os povos de todas as nações, assim também os católicos de todo o mundo, embora pertencentes a povos que se guerreiam mutuamente, olham para o vigário de Cristo como para o pai amantíssimo de todos que, mantendo perfeito equilíbrio entre ambas as partes contendentes e guiando-se por perfeita retidão de juízo, superior a todas as tempestades das perturbações humanas, recomenda e defende com todas as forças a verdade, a justiça, a caridade.

7. Também não foi menor a nossa consolação ao sabermos a boa vontade com que espontaneamente fora oferecida e reunida uma quantia para levantar na Cidade eterna um templo em honra do nosso predecessor e santo do nosso nome, Eugênio I. Ora como esse templo, levantado por desejo e com o óbolo dos fiéis, conservará perene a memória deste faustíssimo acontecimento, assim desejamos dar um atestado da nossa gratidão nesta encíclica onde precisamente se trata das pedras vivas que, colocadas sobre a pedra angular que é Cristo, formam o templo santo, muito mais sublime que qualquer templo material, isto é, a morada de Deus no Espírito (Cf. Ef 2,21-22;1Pd 2,5).

8. Mas a causa principal que nos leva a tratar agora assaz difusamente desta excelsa doutrina é a nossa solicitude pastoral. É verdade que muito se tem escrito sobre este argumento; nem ignoramos que hoje não poucos se dão com grande empenho a estes estudos, com os quais também se deleita e nutre a piedade cristã. Este movimento parece dever-se ao renovado estudo da sagrada liturgia, a maior freqüência da mesa eucarística, e finalmente ao culto mais intensificado do sacratíssimo Coração de Jesus de que hoje gozamos por vê-lo mais difundido; tudo isso moveu muitos a uma mais profunda contemplação das imperscrutáveis riquezas de Cristo que se conservam na Igreja. Acrescem ainda os documentos sobre a Ação católica publicados nestes últimos tempos; os quais tornaram mais estreitos os vínculos dos fiéis entre si e com a hierarquia eclesiástica, particularmente com o romano pontífice, e contribuíram sem dúvida grandemente para pôr na devida luz esta doutrina. Todavia se isso que acabamos de dizer é muito consolador, temos de confessar que não só autores separados da verdadeira Igreja espalham graves erros nesta matéria, mas que também entre os fiéis vão serpejando opiniões ou inexatas ou de todo falsas, que podem desviar os espíritos da reta senda da verdade.

9. De fato, enquanto por um lado perdura o falso racionalismo que tem por absurdo tudo o que transcende e supera a capacidade da razão humana, e com ele outro erro parecido, o naturalismo vulgar que não vê nem quer reconhecer na Igreja de Cristo senão uma sociedade puramente jurídica; por outro lado grassa por aí um falso misticismo que perverte as Sagradas Escrituras, pretendendo remover os limites intangíveis entre as criaturas e o Criador.

10. Ora esses erros entre si opostos fazem que alguns, cheios de infundado temor, considerem esta sublime doutrina como perigosa e fujam dela como do fruto do paraíso, belo e proibido. Não; os mistérios revelados por Deus não podem ser prejudiciais ao homem, nem devem permanecer infrutíferos como tesouro enterrado no campo; senão que nos foram dados por Deus, para proveito espiritual dos que piamente os contemplam. Pois como ensina o Concílio Vaticano "a razão iluminada pela fé, quando indaga com diligência, piedade e sobriedade, alcança sempre por graça de Deus alguma inteligência, sempre frutuosíssima, dos mistérios, quer pela analogia com os conhecimentos naturais, quer pela relação que os mistérios têm entre si e com o último fim do homem"; embora, como adverte o mesmo sagrado concílio, "nunca ela chegue a compreender os mistérios como as verdades que constituem o seu próprio objeto".(1)

11. Portanto, tendo nós maduramente ponderado tudo isso diante de Deus, para que a incomparável formosura da Igreja resplandeça com nova glória, para que mais esplendidamente se manifeste a excelsa e sobrenatural nobreza dos fiéis que no corpo de Cristo se unem à sua cabeça: enfim para fechar de uma vez a porta a muitos erros que pode haver nesta matéria, julgamos nosso dever pastoral expor a todo o povo cristão nesta encíclica a doutrina do corpo místico de Jesus Cristo e da união dos fiéis com o divino Redentor no mesmo Corpo, e juntamente deduzir desta suavíssima doutrina alguns ensinamentos, com os quais o maior conhecimento do mistério produza frutos cada vez mais abundantes de perfeição e santidade.

PRIMEIRA PARTE
A IGREJA CORPO, "MÍSTICO" DE CRISTO


12. Ao meditar este ponto da doutrina católica ocorrem-nos logo aquelas palavras do Apóstolo: "Onde o pecado avultou, superabundou a graça" (Rm 5, 20). Sabemos que Deus constituiu o primeiro progenitor do gênero humano em tão excelsa condição, que com a vida terrena transmitiria aos seus descendentes a vida sobrenatural da graça celeste. Mas depois da triste queda de Adão toda a humana linhagem, infeccionada pela mancha original, perdeu o consórcio da natureza divina (cf. 2Pd 1, 4) e todos ficamos sendo filhos de ira (Ef 2,3). Deus, porém, na sua infinita misericórdia "amou tanto ao mundo que lhe deu seu Filho unigênito" (Jo 3,16); e o Verbo do Eterno Pai, com a mesma divina caridade, revestiu a natureza humana da descendência de Adão, mas inocente e imaculada, para que do novo e celeste Adão dimanasse a graça do Espírito Santo a todos os filhos do primeiro pai; e estes que pelo primeiro pecado tinham sido privados da filiação adotiva de Deus, pelo Verbo encarnado, feitos irmãos segundo a carne do Filho unigênito de Deus, recebessem o poder de virem a ser filhos de Deus (cf. Jo 1,12). E assim Jesus crucificado não só reparou a justiça do Eterno Pai ofendida, senão que nos mereceu a nós, seus consangüíneos, inefável abundância de graças. Essas graças podia ele distribuí-las diretamente por si mesmo a todo o gênero humano. Quis, porém, comunicá-las por meio da Igreja visível, formada por homens, afim de que por meio dela todos fossem, em certo modo, seus colaboradores na distribuição dos divinos frutos da Redenção. E assim como o Verbo de Deus, para remir os homens com suas dores e tormentos, quis servir-se da nossa natureza, assim, de modo semelhante, no decurso dos séculos se serve da Igreja para continuar perenemente a obra começada. (2)

13. Ora, para definir e descrever esta verdadeira Igreja de Cristo - que é a santa, católica, apostólica Igreja romana (3) - nada há mais nobre, nem mais excelente, nem mais divino do que o conceito expresso na denominação "corpo místico de Jesus Cristo"; conceito que imediatamente resulta de quanto nas Sagradas Escrituras e dos santos Padres freqüentemente se ensina.

1. A IGREJA É UM "CORPO"

Corpo único, indiviso, visível


14. Que a Igreja é um corpo, ensinam-nos muitos passos da sagrada Escritura: "Cristo, diz o Apóstolo, é a cabeça do corpo da Igreja" (Cl 1,18). Ora, se a Igreja é um corpo, deve necessariamente ser um todo sem divisão, segundo aquela sentença de Paulo: "Nós, muitos, somos um só corpo em Cristo" (Rm 12,5). E não só deve ser um todo sem divisão, mas também algo concreto e visível, como afirma nosso predecessor de feliz memória Leão XIII, na encíclica "Satis cognitum": "Pelo fato mesmo que é um corpo, a Igreja torna-se visível aos olhos". (4) Estão pois longe da verdade revelada os que imaginam a Igreja por forma, que não se pode tocar nem ver, mas é apenas, como dizem, uma coisa "pneumática" que une entre si com vínculo invisível muitas comunidades cristãs, embora separadas na fé.

15. O corpo requer também multiplicidade de membros, que unidos entre si se auxiliem mutuamente. E como no nosso corpo mortal, quando um membro sofre, todos os outros sofrem com ele, e os sãos ajudam os doentes; assim também na Igreja os membros não vivem cada um para si, mas socorrem-se e auxiliam-se uns aos outros, tanto para mútua consolação, como para o crescimento progressivo de todo o Corpo.

Corpo composto "orgânica" e "hierarquicamente"

16. Mais ainda. Como na natureza não basta qualquer aglomerado de membros para formar um corpo, mas é preciso que seja dotado de órgãos ou membros com funções distintas e que estejam unidos em determinada ordem, assim também a Igreja deve chamar-se corpo sobretudo porque resulta de uma boa e apropriada proporção e conjunção de partes e é dotada de membros diversos e unidos entre si. É assim que o Apóstolo descreve a Igreja quando diz: "como num só corpo temos muitos membros, e os membros não têm todos a mesma função, assim muitos somos um só corpo de Cristo, e todos e cada um membros uns dos outros" (Rm 12,4).

17. Não se julgue, porém, que esta bem ordenada e "orgânica" estrutura do corpo da Igreja se limita unicamente aos graus da hierarquia; ou, ao contrário, como pretende outra opinião, consta unicamente de carismáticos, isto é, dos féis enriquecidos de graus extraordinárias, que nunca hão de faltar na Igreja. E fora de dúvida que todos os que neste corpo estão investidos de poder sagrado, são membros primários e principais, já que são eles que, por instituição do próprio Redentor, perpetuam os ofícios de Cristo doutor, rei e sacerdote. Contudo os santos Padres, quando celebram os ministérios, graus, profissões, estados, ordens, deveres deste corpo místico, não consideram só os que têm ordens sacras, senão também todos aqueles que, observando os conselhos evangélicos, se dão à vida ativa, à contemplativa, ou à mista, segundo o próprio instituto; bem como os que, vivendo no século, se consagram ativamente a obras de misericórdia espirituais ou corporais; e, finalmente, também os que vivem unidos pelo santo matrimônio. Antes é de notar que, sobretudo nas atuais circunstâncias, os pais e as mães de família, os padrinhos e madrinhas, e notadamente todos os seculares que prestam o seu auxílio à hierarquia eclesiástica na dilatação do reino de Cristo, ocupam um posto honorífico, embora muitas vezes humilde, na sociedade cristã, e podem muito bem sob a inspiração e com o favor de Deus subir aos vértices da santidade, que por promessa de Jesus Cristo nunca faltará na Igreja.

Corpo dotado de órgãos vitais, isto é, sacramentos

18. E como o corpo humano nos aparece dotado de energias especiais com que provê à vida, saúde e crescimento seu e de todos os seus membros, assim o Salvador do gênero humano providenciou admiravelmente ao seu corpo místico enriquecendo-o de sacramentos, que com uma série ininterrupta de graças amparam o homem desde o berço até ao último suspiro, e ao mesmo tempo provêem abundantissimamente às necessidades sociais da Igreja. Com efeito, pelo Batismo os que nasceram a esta vida mortal, não só renascem da morte do pecado e são feitos membros da Igreja, senão que, assinalados com o caráter espiritual, se tornam capazes de receber os outros dons sagrados. Com a Crisma infunde-se nova força nos féis para conservarem e defenderem corajosamente a santa madre Igreja e a fé que dela receberam. Pelo sacramento da Penitência oferece-se aos membros da Igreja caídos em pecado uma medicina salutar, que serve não só a restituir-lhes a saúde, mas a preservar os outros membros do corpo místico do perigo de contágio, e até a dar-lhes estímulo e exemplo de virtude. E não basta. Pela sagrada Eucaristia alimentam-se e fortificam-se os fiéis com um mesmo alimento e se unem entre si e a divina Cabeça de todo o Corpo com um vínculo inefável e divino. Finalmente ao leito dos moribundos acode a Igreja, mãe compassiva, e com o sacramento da Extrema-unção, se nem sempre lhes dá a saúde do corpo, por Deus assim o dispor, dá-lhes às almas feridas a medicina sobrenatural, abre-lhes o céu, onde como novos cidadãos e seus novos protetores gozarão por toda a eternidade da divina bem-aventurança.

19. As necessidades sociais da Igreja proveu Cristo de modo especial com dois sacramentos que instituiu: com o Matrimônio em que os cônjuges são reciprocamente um ao outro ministros da graça, proveu ao aumento externo e bem ordenado da sociedade cristã; e, o que é ainda mais importante, à boa e religiosa educação da prole, sem a qual o corpo místico correria perigo; com a Ordem dedicam-se e consagram-se ao serviço de Deus os que hão de imolar a Hóstia eucarística, sustentar a grei dos féis com o Pão dos Anjos e com o alimento da doutrina, dirigi-la com os divinos mandamentos e conselhos e purüicá-la com o batismo e a penitência, enfim fortalecê-la com as outras graças celestes.

Corpo formado por membros determinados

20. E a esse propósito deve notar-se que assim como Deus no princípio do mundo dotou o homem de um riquíssimo organismo com que pudesse sujeitar as outras criaturas e multiplicar-se e encher a terra, assim ao princípio da era cristã proveu a Igreja dos recursos necessários para vencer perigos quase inumeráveis e povoar não só toda a terra, mas também o reino dos céus.

21. Como membros da Igreja contam-se realmente só aqueles que receberam o lavacro da regeneração e professam a verdadeira fé, nem se separaram voluntariamente do organismo do corpo, ou não foram dele cortados pela legítima autoridade em razão de culpas gravíssimas. "Todos nós, diz o Apóstolo, fomos batizados num só Espírito para formar um só Corpo, judeus ou gentios, escravos ou livres" (lCor 12,13). Portanto como na verdadeira sociedade dos fiéis há um só corpo, um só Espírito, um só Senhor, um só batismo, assim não pode haver senão uma só fé (cf. Ef 4,5), e por isso quem se recusa a ouvir a Igreja, manda o Senhor que seja tido por gentio e publicano (cf. Mt 18,17). Por conseguinte os que estão entre si divididos por motivos de fé ou pelo governo, não podem viver neste corpo único nem do seu único Espírito divino.

22. Não se deve, porém, julgar que já durante o tempo da peregrinação terrestre, o corpo da Igreja, por isso que leva o nome de Cristo, consta só de membros com perfeita saúde, ou só dos que de fato são por Deus predestinados à sempiterna felicidade. Por sua infinita misericórdia o Salvador não recusa lugar no seu corpo místico àqueles a quem o não recusou outrora no banquete (Mt 9,11; Mc 2,16; Lc 15,2). Nem todos os pecados, embora graves, são de sua natureza tais que separem o homem do corpo da Igreja como fazem os cismas, a heresia e a apostasia. Nem perdem de todo a vida sobrenatural os que pelo pecado perderam a caridade e a graça santificante e por isso se tornaram incapazes de mérito sobrenatural, mas conservam a fé e a esperança cristã, e alumiados pela luz celeste, são divinamente estimulados com íntimas inspirações e moções do Espírito Santo ao temor salutar, à oração e ao arrependimento das suas culpas.

23. Tenha-se, pois, sumo horror ao pecado que mancha os membros místicos do Redentor; mas o pobre pecador que não se tornou por sua contumácia indigno da comunhão dos fiéis, seja acolhido com maior amor, vendo-se nele com caridade operosa um membro enfermo de Jesus Cristo: Pois que é muito melhor, como nota o bispo de Hipona, "curá-los no corpo da Igreja, do que amputá-los como membros incuráveis".(5) "Enquanto o membro está ainda unido ao corpo não há por que desesperar da sua saúde; uma vez amputado, nem se pode curar, nem se pode sarar".(6)

2. A IGREJA É O CORPO "DE CRISTO"

24. Temos visto até aqui, veneráveis irmãos, que a Igreja pela sua constituição se pode assemelhar a um corpo; segue-se que mostremos mais em particular, por que motivos se deve chamar não um corpo qualquer, mas o corpo de Jesus Cristo. Deduz-se isto do fato que nosso Senhor é o fundador, a cabeça, o conservador e salvador deste corpo místico.

a) Cristo foi o "Fundador" deste corpo

25. Devendo expor brevemente o modo como Cristo fundou o seu corpo social, acode-nos antes de mais nada esta sentença de nosso predecessor de feliz memória Leão XIII: "A Igreja, que já concebida, nascera do lado do segundo Adão, adormecido na cruz, manifestou-se pela primeira vez à luz do mundo de modo insigne no celebérrimo dia de Pentecostes".(7) De fato o divino Redentor começou a fábrica do templo místico da Igreja, quando na sua pregação ensinou os seus mandamentos; concluiu-a quando, glorificado, pendeu da Cruz; manifestou-a enfim e promulgou-a quando mandou sobre os discípulos visivelmente o Espírito paráclito.

26. Durante o seu ministério público escolhia os Apóstolos, enviando-os como ele próprio tinha sido enviado pelo Pai (Jo 17,18), como mestres, guias, agentes da santidade na assembléia dos fiéis; designava o chefe deles e seu vigário em terra (cf. Mt 16,18-19); fazia-lhes conhecer tudo o que tinha ouvido do Pai (Jo 15,15; 17,8.14); indicava também o batismo (cf. Jo 3,5) como meio para os que no futuro cressem serem incorporados no Corpo da Igreja; finalmente chegando ao anoitecer da vida, durante a última ceia, instituía a Eucaristia, admirável sacrifício e admirável sacramento.

27. Ter ele consumado no patíbulo da cruz a sua obra, afirmam-no, numa série ininterrupta de testemunhos, os santos Padres, que notam ter a Igreja nascido na cruz do lado do Salvador, qual nova Eva, mãe de todos os viventes (cf. Gn 3,20). "Agora, diz o grande Ambrósio tratando do lado de Cristo aberto, é ela edificada, agora formada, agora esculpida, agora criada... Agora é a casa espiritual elevada a sacerdócio santo".(8) Quem devotamente investigar esta venerável doutrina, poderá sem dificuldade ver as razões em que ela se funda.

28. E primeiramente com a morte do Redentor, foi abrogada a antiga Lei e sucedeu-lhe o Novo Testamento; então com o sangue de Cristo foi sancionada para todo o mundo a Lei de Cristo com seus mistérios, leis, instituições e ritos sagrados. Enquanto o divino Salvador pregava num pequeno território - pois que não fora enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel (cf. Mt 15,24) - corriam juntos a Lei e o Evangelho,(9)) mas no patíbulo, onde morreu, anulou a Lei com as suas prescrições (cf. Ef 2,15), afixou a cruz o quirógrafo do Antigo Testamento (cf. Cl 2,14), estabelecendo, com o sangue, derramado por todo o gênero humano, a Nova Aliança (cf. Mt 26,28;1Cor 11,25). "Então, diz S. Leão Magno falando da cruz do Senhor, fez-se a transferência da Lei para o Evangelho, da Sinagoga para a Igreja, de muitos sacrifícios para uma única hóstia, tão evidentemente, que ao exalar o Senhor o último suspiro, o místico véu, que fechava os penetrais do templo e o misterioso santuário, se rasgou improvisamente de alto a baixo".(10)

29. Portanto na cruz morreu a Lei antiga; dentro em pouco será sepultada e se tornará mortífera,(11) para ceder o lugar ao Novo Testamento, para o qual tinha Cristo escolhido ministros idôneos na pessoa dos apóstolos (cf. 2Cor 3,6): e é pela virtude da cruz que o Salvador, constituído cabeça de toda a família humana já desde o seio da Virgem, exerce plenamente o seu múnus de cabeça da Igreja. "Pela vitória da cruz, segundo o doutor angélico, mereceu o poder e domínio sobre todas as gentes",(12) por ela enriqueceu imensamente aquele tesouro de graça que na glória do céu distribui incessantemente aos seus membros mortais; pelo sangue derramado na cruz fez com que, removido o obstáculo da ira divina, pudessem todos os dons celestes e em primeiro lugar as graças espirituais do Novo e Eterno Testamento correr das fontes do Salvador para a salvação dos homens, sobretudo dos fiéis; enfim na árvore da cruz adquiriu a sua Igreja, isto é, os membros do seu corpo místico, pois que estes não seriam a ele incorporados nas águas do batismo, se não fosse pela virtude salutífera da cruz, onde o Senhor já adquiriu sobre eles domínio pleníssimo.

30. Se nosso Salvador por sua morte foi feito cabeça da Igreja no pleno sentido da palavra, igualmente pelo seu sangue foi a Igreja enriquecida daquela abundantíssima comunicação do Espírito que divinamente a ilustra desde que o Filho do homem foi elevado e glorificado no seu doloroso patíbulo. Então como nota santo Agostinho,(13) rasgado o véu do templo, o orvalho dos dons do Paráclito, que até ali descera somente sobre o velo, isto é, sobre o povo de Israel, começou deixando o velo enxuto, a regar a Igreja e abundantemente toda a terra, quer dizer a Igreja católica, que não conhece fronteira de estirpe ou território. Como no primeiro instante da encarnação, o Filho do Eterno Pai ornou a natureza humana, consigo substancialmente unida, com a plenitude do Espírito Santo, para que fosse apto instrumento da divindade na hora cruenta da redenção; assim na hora da sua preciosa morte enriqueceu a sua Igreja com mais copiosos dons do Paráclito, para a tornar válido e perpétuo instrumento do Verbo encarnado na distribuição dos divinos frutos da redenção. De fato a missão jurídica da Igreja e o poder de ensinar, governar e administrar os sacramentos não têm força e vigor sobrenatural para edificar o corpo de Cristo, senão porque Cristo pendente da cruz abriu à sua Igreja a fonte das divinas graças com as quais pudesse ensinar aos homens doutrina infalível, governá-los salutarmente por meio de pastores divinamente iluminados, e inundá-los com a chuva das graças celestes.

31. Se considerarmos atentamente todos estes mistérios da cruz, já nos não parecerão obscuras as palavras do Apóstolo, onde ensina aos Efésios que Cristo com o sangue fez um povo único de judeus e gentios "destruindo na sua carne a parede interposta", que separava os dois povos; e que ab-rogou a Antiga Lei "para dos dois formar em si mesmo um só homem novo", isto é, a Igreja; e a ambos, reunidos num só Corpo, reconciliar com Deus pela cruz (cf. Ef 2,14-16).

32. A Igreja que com seu sangue fundara, robusteceu-a com energias especiais descidas do céu, no dia de Pentecostes. Com efeito, depois de ter solenemente investido no seu ofício aquele que já antes tinha designado para seu vigário, subiu ao céu; e, sentado à direita do Pai, quis manifestar e promulgar a sua esposa com a descida visível do Espírito Santo, com o ruído do vento impetuoso e com as línguas de fogo (cf. At 2,1-4). Como ele próprio ao princípio do seu público ministério tinha sido manifestado pelo Eterno Pai por meio do Espírito Santo que em figura de pomba desceu e pousou sobre ele (cf. Lc 3,22; Mc 1,10), assim igualmente quando os Apóstolos estavam para começar o sagrado ofício de pregar, mandou Cristo Senhor nosso do céu o seu Espírito que, tocando-os com línguas de fogo, mostrou, como com o dedo de Deus, a missão e o múnus sobrenatural da Igreja.

b) Cristo é a "cabeça" deste corpo

33. Em segundo lugar prova-se que este corpo místico, que é a Igreja, é realmente distinguido com o nome de Cristo, porque ele deve ser considerado de fato como sua cabeça. "Ele é, diz S. Paulo, a cabeça do corpo da Igreja" (Cl 1,18). Ele é a cabeça, da qual todo o corpo convenientemente organizado e coordenado recebe crescimento e desenvolvimento na sua edificação (cf. Ef 4,16, com Cl 2,19).

34. Bem sabeis, veneráveis irmãos, com que eloqüência e esplendor trataram este assunto os doutores escolásticos e principalmente o Doutor angélico e comum; e não ignorais que os seus argumentos reproduzem fielmente a doutrina dos santos Padres; os quais, por sua parte, não faziam senão expor e comentar as sentenças da divina linguagem da Escritura.

35. Queremos, contudo, para comum utilidade tocar aqui brevemente este ponto. E primeiro é evidente que o Filho de Deus e da Virgem Santíssima deve chamar-se cabeça da Igreja por motivo de singularíssima excelência. A cabeça está colocada no alto. Ora quem foi colocado mais alto do que Cristo-Deus, o qual, como Verbo do Eterno Pai, deve ser considerado "primogênito de toda a criação"? (Cl 1,15).

Quem, elevado a maior altura do que Cristo-homem, o qual, nascido da Virgem imaculada, é verdadeiramente e par natureza Filho de Deus, e por sua prodigiosa e gloriosa ressurreição com que triunfou da morte, é o "primogênito dos mortos" (Cl 1,18; Ap 1,5). Quem, finalmente, colocado em maior altura do que aquele que de modo admirável, qual "único medianeiro entre Deus e os homens" (1Tm 2,5), ajunta a terra com o céu; que exaltado na cruz, como num trono de misericórdia, atraiu tudo a si (cf. Jo 12,32); e que, filho do homem eleito entre milhões, é amado por Deus mais que todos os homens, todos os anjos e todas as criaturas?(14)

36. E porque Cristo ocupa lugar tão sublime, com razão é ele só a reger e governar a Igreja; nova razão para se assemelhar à cabeça. Como a cabeça, para o dizer com as palavras de santo Ambrósio, é "a cidade real" do corpo,(15) e, sendo dotada de maiores qualidades, dirige naturalmente todos os membros, aos quais sobrestar para olhar por eles, (16) assim o divino Redentor empunha o timão e governa toda a república cristã. Uma vez que governar uma sociedade composta de homens não é outra coisa do que com útil providência, meios aptos e retas normas conduzi-los a um fim determinado,(17) é fácil de ver que nosso Salvador, modelo e exemplar dos bons pastores (cf. Jo 10,1-18;1Pd 5,115), exercita maravilhosamente todos estes ofícios.

37. Ele na sua vida mortal instruiu-nos com leis, conselhos, avisos, em palavras que não passarão nunca e para os homens de todos os tempos serão Espírito e vida (cf. Jo 6,63). Além disso deu aos apóstolos e seus sucessores o tríplice poder de ensinar, reger e santificar, poder definido com especiais leis, direitos e deveres, que constituem a lei fundamental de toda a Igreja.

38. Mas nosso divino Salvador governa e dirige também por si mesmo e diretamente a sociedade que fundou; pois que ele reina nas inteligências e corações dos homens e dobra e compele a seu beneplácito as vontades ainda mais rebeldes. "O coração do rei está na mão do Senhor; inclinálo-á para onde quiser" (Pr 21,1). Com este governo interno ele, qual "pastor e bispo das nossas almas" (cf. 1Pd 2,25) não só tem cuidado de cada um em particular, mas também de toda a Igreja; tanto quando ilumina e fortalece os sagrados pastores para que fel e frutuosamente se desempenhem de seus ofícios, como quando - em circunstâncias particularmente graves - faz surgir no seio da Igreja homens e mulheres de santidade assinalada, que sejam de exemplo aos outros fiéis, para incremento do seu corpo místico. Acresce ainda que Cristo do céu vela sempre com particular amor pela sua esposa intemerata, que labuta neste terrestre exílio; e quando a vê em perigo, ou por si mesmo, ou pelos seus anjos (cf. At 8,26; 9,119; 10,1-7; 12,3-10), ou por aquela que invocamos como auxílio dos cristãos, e pelos outros celestes protetores, salva-a das ondas procelosas e, serenado e abonançado o mar, consola-a com aquela paz "que supera toda a inteligência" (Fl 4,7).

39. Não se julgue, porém, que o seu governo se limita a uma ação invisível,(18) ou extraordinária. Ao contrário, o divino Redentor governa o seu corpo místico de modo visível e ordinário por meio do seu vigário na terra. Vós bem sabeis, veneráveis irmãos, que Cristo nosso Senhor, depois de ter, durante a sua carreira mortal, governado pessoalmente e de modo visível o seu "pequeno rebanho" (Lc 12,32), quando estava para deixar este mundo e voltar ao Pai, confiou ao príncipe dos apóstolos o governo visível de toda a sociedade que fundara. E realmente, sapientíssimo como era, não podia deixar sem cabeça visível o corpo social da Igreja que instituíra. Nem se objete que com o primado de jurisdição instituído na Igreja ficava o corpo místico com duas cabeças. Porque Pedro, em força do primado, não é senão vigário de Cristo, e por isso a cabeça principal deste corpo é uma só: Cristo; o qual, sem deixar de governar a Igreja misteriosamente por si mesmo, rege-a também de modo visível por meio daquele que faz as suas vezes na terra; e assim a Igreja, depois da gloriosa ascensão de Cristo ao céu não está educada só sobre ele, senão também sobre Pedro, como fundamento visível. Que Cristo e o seu vigário formam uma só cabeça ensinou-o solenemente nosso predecessor de imortal memória Bonifácio VIII, na carta apostólica "Unam Sanctam"(19) e seus sucessores não cessaram nunca de o repetir.

40. Em erro perigoso estão, pois, aqueles que julgam poder unir-se a Cristo, cabeça da Igreja, sem aderirem fielmente ao seu vigário na terra. Suprimida a cabeça visível e rompidos os vínculos visíveis da unidade, obscurecem e deformam de tal maneira o corpo místico do Redentor, que não pode ser visto nem encontrado de quantos demandam o porto da eterna salvação.

41. Tudo o que dissemos da Igreja universal deve afirmar-se igualmente das comunidades cristãs particulares, assim orientais como latinas, das quais consta e se compõe uma só Igreja católica; por isso que também a elas governa Jesus Cristo por meio da voz e autoridade dos respectivos prelados. Os bispos não só devem ser considerados como membros mais eminentes da Igreja universal, pois que se unem com nexo singularíssimo à cabeça de todo o corpo, e com razão se chamam "os primeiros dos membros do Senhor",(20) mas nas próprias dioceses, como verdadeiros pastores, apascentam e governam em nome de Cristo os rebanhos que lhes foram confiados;(21) ainda que nisto mesmo não sejam plenamente independentes, mas estão sujeitos à autoridade do romano pontífice, de quem receberam imediatamente o poder ordinário de jurisdição que possuem. Devem pois ser venerados, pelo povo cristão, como sucessores dos apóstolos por instituição divina;(22) a eles, como sagrados com a unção do Espírito Santo, muito melhor que às autoridades deste mundo, ainda que elevadas, se pode aplicar aquela sentença: "Não toqueis nos meus ungidos" (1Cr 16,22; Sl 104,15).

42. É, por isso, imensa a nossa dor quando somos informados de que não poucos de nossos irmãos no episcopado, porque de todo o coração se fizeram modelos do seu rebanho (cf. 1Pd 5,3) e defendem estrênua e fielmente, como devem, "o depósito da fé" a eles confiado (cf. 1Tm 6,20); porque zelam o cumprimento das leis santíssimas, impressas pela mão de Deus nos corações dos homens, e a exemplo do supremo Pastor defendem o próprio rebanho contra a rapacidade dos lobos, não só se vêem eles próprios perseguidos e vexados, mas - o que para eles é bem cruel e penoso - vêem tratadas igualmente as suas ovelhas, os colaboradores do seu apostolado, e as próprias virgens consagradas a Deus. Essas injustiças, consideramo-las como feitas a nós mesmos e repetimos a eloqüente frase do nosso predecessor de imortal memória, Gregório Magno: A nossa honra é a honra de nossos irmãos; e, então, verdadeiramente somos honrados, quando a nenhum deles se nega a honra que lhes é devida.(23)

43. Todavia não se julgue que Cristo, cabeça da Igreja, por estar posto tão alto, dispensa a cooperação do corpo; pois que deve armar-se do corpo místico o que Paulo afirma do corpo humano: "Não pode a cabeça dizer aos pés: não preciso de vós" (lCor 12,21). É mais que evidente que os fiéis precisam do auxílio do divino Redentor, pois que ele disse: "Sem mim nada podeis fazer" (Jo 15,5), e segundo o Apóstolo, todo o aumento deste corpo místico na sua edificação vem-lhe de Cristo, sua cabeça (Cf. Ef 4,16; Cl 2,19). Contudo é igualmente verdade, por mais admirável que pareça, que Cristo também precisa dos seus membros. E isso, em primeiro lugar, porque a pessoa de Jesus Cristo é representada pelo sumo pontífice, e este, para não ficar esmagado sob o peso do múnus pastoral, precisa confiar a outros parte não pequena da sua solicitude, e todos os dias deve ser ajudado pelas orações de toda a Igreja. Além disso nosso Salvador, enquanto rege por si mesmo de modo invisível a Igreja, quer ser ajudado pelos membros deste corpo místico na realização da obra da redenção; não por indigência ou fraqueza da sua parte, mas ao contrário porque ele assim o dispôs para maior honra da sua esposa intemerata. Com efeito, morrendo na cruz, deu à Igreja, sem nenhuma cooperação dela, o imenso tesouro da redenção; ao tratar-se porém de distribuir este tesouro, não só faz participante a sua incontaminada esposa desta obra de santificação, mas quer que em certo modo nasça da sua atividade. Tremendo mistério, e nunca assaz meditado: Que a salvação de muitos depende das orações e dos sacrifícios voluntários, feitos com esta intenção, pelos membros do corpo místico de Jesus Cristo, e da colaboração que pastores e féis, sobretudo os pais e mães de família, devem prestar ao divino Salvador.

44. Agora aos motivos expostos para demonstrar que Cristo Senhor nosso deve dizer-se cabeça do seu corpo social, acrescentemos outros três entre si intimamente conexos.

45. Começamos pela mútua relação que existe entre a cabeça e o corpo, pelo fato de serem da mesma natureza. Neste ponto note-se que a nossa natureza, bem que inferior à angélica, a vence por bondade de Deus: "De fato Cristo, como diz o Doutor de Aquino, é cabeça dos Anjos; pois que preside aos Anjos também segundo a humanidade... e enquanto homem ilumina os Anjos e influi sobre eles. Mas quanto à conformidade de natureza Cristo não é cabeça dos Anjos, porque não assumiu os Anjos, mas, segundo o Apóstolo, a descendência de Abraão".(24) E não só assumiu Cristo a nossa natureza, mas fez-se nosso consangüíneo num corpo passível e mortal. Ora se o Verbo "se aniquilou a si mesmo tomando a forma de servo" (Fl 2,7) fê-lo também para tornar os seus irmãos segundo a carne consortes da natureza divina (cf. 2Pd 1,4) tanto no exílio terreno pela graça santificante, como na pátria celeste pela eterna bem-aventurança. De fato se o Unigênito do Eterno Pai quis ser falho do homem, foi para que nós nos conformássemos à imagem do Filho de Deus (cf: Rm 8,29) e nos renovássemos segundo a imagem daquele que nos criou (cf. Cl 3,10). Por conseguinte todos os que se gloriam do nome de cristãos, não só olhem para o divino Salvador como para um altíssimo e perfeitíssimo exemplar de todas as virtudes, mas evitando cuidadosamente o pecado e praticando diligentemente a virtude, procurem reproduzir em seus costumes a sua doutrina e vida, de modo que, quando o Senhor aparecer, sejam semelhantes a ele na glória, vendo-o tal qual é (cf. 1Jo 3,2).

46. Deseja Cristo que cada um de seus membros se lhe assemelhe; mas deseja igualmente que se lhe assemelhe todo o corpo da Igreja. O que sucede quando ela, seguindo as pistas de seu fundador, ensina, governa, e imola o divino sacrifício; quando abraça os conselhos evangélicos, e reproduz em si mesma a pobreza, a obediência e a virgindade do Redentor; quando, nos muitos e variados institutos que como jóias a adornam, nos faz em certo modo ver Cristo, ora no monte contemplando, ora pregando às turbas, ora sarando os enfermos e feridos e convertendo os pecadores, ora, enfim, fazendo bem a todos. Não é, pois, para admirar se ela, enquanto vive nesta terra, se vê também, como Cristo, exposta a perseguições, vexações e sofrimentos.

47. Depois Cristo é cabeça da Igreja, porque avantajando-se na plenitude e perfeição dos dons sobrenaturais, desta plenitude haure o seu corpo místico. Com efeito, notam muitos Padres, assim como no corpo humano a cabeça possui todos os cinco sentidos, ao passo que o resto do corpo possui unicamente o tato, assim todas as virtudes, dons e carismas que há na sociedade cristã, resplandecem de modo singularíssimo na cabeça, Cristo. "Aprouve que nele habitasse toda a plenitude" (Cl 1,19); a ele exornam todos os dons que acompanham a união hipostática; porquanto nele habita o Espírito Santo com tal plenitude de graças, que não se pode conceber maior. A ele foi dado poder sobre a carne (cf. Jo 17,2); nele se encerram "todos os riquíssimos tesouros de sabedoria e ciência" (Cl 2,3). A própria ciência de visão é nele tal que supera absolutamente em compreensão e clareza a ciência correspondente de todos os bem-aventurados. Enfim, é ele tão cheio de graça e verdade, que todos nós recebemos da sua inexaurível plenitude (cf. Jo 1,14-16).

48. Essas palavras do discípulo, a quem Jesus amava com singular caridade, levam-nos a expor a última razão que de modo particular demonstra ser Cristo Senhor Nosso cabeça de seu corpo místico. E é que assim como da cabeça partem os nervos, que; difundindo-se por todos os membros do corpo, lhes comunicam sensibilidade e movimento, assim também o divino Salvador infunde na sua Igreja força e vigor, com que os fiéis conhecem mais claramente e mais avidamente apetecem as coisas de Deus. Dele provém ao corpo da Igreja toda a luz que ilumina divinamente os féis, e toda a graça com que se fazem santos como ele é santo.

49. Cristo ilumina toda a sua Igreja: prova-o um sem número de passos da Sagrada Escritura e dos santos Padres. "A Deus nunca ninguém o viu; foi o Filho Unigênito, que está no seio do Pai, que no-lo deu a conhecer" (cf. Jo 1,18). Vindo da parte de Deus como Mestre (cf. Jo 3,2), para dar testemunho a verdade (cf. Jo 18,37) iluminou com tanta luz a primitiva Igreja dos apóstolos, que o príncipe deles exclamava: "Senhor, para quem iremos? Vós tendes palavras de vida eterna" (cf. Jo 6,68). Assistiu do céu os evangelistas, que como membros de Cristo, escreveram o que ele, como cabeça, lhes ditou e ensinou.(25) E hoje a nós que moramos neste exílio terrestre é autor da fé, como na pátria é o seu consumador (cf. Hb 12,2). Ë ele que infunde nos féis a luz da fé; ele que aos pastores e doutores e sobre todos ao seu vigário na terra enriquece divinamente com os dons sobrenaturais de ciência, entendimento e sabedoria, para que conservem fielmente o tesouro da fé, o defendam corajosamente, piedosa e diligentemente o expliquem e valorizem; Ele é enfim o que invisível preside e dirige os concílios da Igreja.(26)

50. Cristo é autor e operador de santidade. Já que nenhum ato salutar pode haver que dele não derive como fonte soberana: "Sem mim, diz ele, nada podeis fazer" (cf. Jo 15,5). Se nos sentimos movidos à dor e contrição dos pecados cometidos, se com temor e esperança filial nos convertemos a Deus, é sempre a sua graça que nos comove. A graça e a glória brotam da sua inexaurível plenitude. Sobretudo aos membros mais eminentes de seu corpo místico enriquece o Salvador continuamente com os dons de conselho, fortaleza, temor, piedade, para que todo o corpo cresça cada dia mais em santidade e perfeição. E quando com rito externo se ministram os sacramentos da Igreja, é ele que opera o efeito deles nas almas.(27) É ele também que, nutrindo os fiéis com a própria carne e sangue, serena os movimentos desordenados das paixões; é ele que aumenta as graças e prepara a futura glória das almas e dos corpos. Todos esses tesouros da divina bondade reparte ele aos membros do seu corpo místico não só enquanto os obtém do Eterno Pai como vítima eucarística na terra e como vítima glorificada no céu, mostrando as suas chagas e apresentando as suas súplicas, mas também porque "segundo a medida do dom de Cristo" (Ef 4,7) escolhe, determina, distribui a cada um as suas graças. Donde se segue que do divino Redentor, como de fonte manancial, "todo o corpo bem organizado e unido recebe por todas as articulações, segundo a medida de cada membro, o influxo e energia que o faz crescer e aperfeiçoar na caridade" (Ef 4,16; cf. Cl 2,19).

c) Cristo é o "sustentador" deste corpo

51. O que até aqui expusemos, veneráveis irmãos, explicando resumidamente o modo como Cristo Senhor Nosso quer que da sua divina plenitude desça sobre a Igreja a abundância de seus dons, para que ela se lhe assemelhe o mais possível, serve para explicar a terceira razão que demonstra como o corpo social da Igreja é corpo de Cristo, isto é, por ser nosso Salvador quem divinamente sustenta a sociedade que fundou.

52. Observa Belarmino, com muita sutileza, (28) que com esta denominação de corpo Cristo não quer dizer somente que ele é a cabeça do seu corpo místico, senão também que sustenta a Igreja, de tal maneira que a Igreja é como uma segunda personificação de Cristo. Afirma-o também o Doutor das gentes, quando, na epístola aos Coríntios, chama, sem mais, Cristo a Igreja (l Cor 12,12), imitando de certo o divino Mestre que, quando ele perseguia a Igreja, lhe bradou do céu: "Saulo, Saulo, por que me persegues?" (cf. At 9,4; 22, 7; 26,14). Antes são Gregório Nisseno diz-nos que o Apóstolo repetidamente chama Cristo à Igreja; (29) nem vós, veneráveis irmãos, ignorais aquela sentença de Agostinho: "Cristo prega a Cristo".(30)

53. Todavia essa nobilíssima denominação não deve entender-se como se aquela inefável união, com que o Filho de Deus assumiu uma natureza humana determinada, se estende a toda a Igreja; mas quer dizer que o Salvador comunica à sua Igreja os seus próprios bens de tal forma que ela, em toda a sua vida visível e invisível, é um perfeitíssimo retrato de Cristo. De fato em força da missão jurídica com que o divino Redentor enviou os apóstolos ao mundo, como o Pai o enviara a ele (cf. Jo 17,18 e 20,21), é ele que pela sua Igreja batiza, ensina, governa, ata, desata, oferece e sacrifica. E com aquela mais elevada comunicação, interior e sublimíssima, de que falamos acima, descrevendo o modo como a cabeça influi nos membros, Cristo faz que a Igreja viva da sua vida sobrenatural, penetra com a sua divina virtude todo o corpo, e a cada um dos membros, segundo o lugar que ocupa no corpo, nutre-o e sustenta-o do mesmo modo que a videira sustenta e torna frutíferas as vides aderentes à cepa.(31)

54. Se bem considerarmos esse divino princípio de vida e atividade, dado por Cristo, enquanto constitui a própria fonte de todos os dons e graças criadas, compreenderemos facilmente que não é outra coisa senão o Espírito Paráclito que procede do Pai e do Filho e de modo peculiar se diz "Espírito de Cristo" ou "Espírito do Filho" (Rm 8, 9; 2 Cor 3,17; Gl 4,6). Com esse Espírito de graça e de verdade ornou o Filho de Deus a sua alma logo no imaculado seio da Virgem; esse Espírito deleita-se em habitar na alma do Redentor, como no seu templo predileto; esse Espírito mereceu-no-lo Cristo derramando o próprio sangue; e, soprando sobre os apóstolos, comunicou-o à Igreja para perdoar os pecados (cf. Jo 20,22); e ao passo que só Cristo o recebeu sem medida (cf. Jo 3,34), aos membros do corpo místico dá-se da plenitude de Cristo e só na medida que ele o quer dar (cf. Ef 1,8; 4,7). Depois que Cristo foi glorificado na cruz, o seu Espírito é comunicado à Igreja em copiosíssima efusão para que ela e cada um dos seus membros se pareçam cada vez mais com o Salvador. É o Espírito de Cristo que nos faz filhos adotivos de Deus (cf. Rm 8,14-17; Gl 4,6-7), para que um dia "todos, contemplando a face descoberta, a glória do Senhor, nos transformemos na sua própria imagem cada vez mais resplandecente" (cf. 2Cor 3,18).

55. A esse Espírito de Cristo, como a princípio invisível, deve atribuir-se também a união de todas as partes do corpo tanto entre si como com sua cabeça, pois que ele está todo na cabeça, todo no corpo e todo em cada um dos membros; conforme as suas funções e deveres, e segundo a maior ou menor saúde espiritual de que gozam, está presente e assiste de diversos modos. É ele que com o hálito de vida celeste em todas as partes do corpo é o princípio de toda a ação vital e verdadeiramente salutar. É ele que, embora resida e opere divinamente em todos os membros, contudo também age nos inferiores por meio dos superiores; ele enfim que cada dia produz na Igreja com sua graça novos incrementos, mas não habita com a graça santificante nos membros totalmente cortados do corpo. Essa presença e ação do Espírito de Jesus Cristo exprimiu-a sucinta e energicamente nosso sapientíssimo predecessor, de imortal memória, Leão XIII, na encíclica "Divinum Illud" por estas palavras: "Baste afirmar que, sendo Cristo cabeça da Igreja, o Espírito Santo é a sua alma".(32)

56. Se, porém, considerarmos aquela força e energia vital com que o divino Fundador sustenta toda a família cristã, não já em si mesma, mas nos efeitos criados que produz, então veremos que consiste nas dons celestes que nosso Redentor juntamente com seu Espírito dá a Igreja e juntamente com o mesmo Espírito, opera, como doador da luz sobrenatural e causa eficiente da santidade. E é por isso que a Igreja não menos que todos os santos, membros seus, pode fazer sua aquela grande sentença do Apóstolo: "Vivo; já não eu; mas vive Cristo em mim" (Gl 2,20).

d) Cristo é o "conservador" deste corpo

57. O que temos dito da "cabeça mística" (33) ficaria incompleto, se não tocássemos, ao menos brevemente, aquela outra sentença do mesmo Apóstolo: "Cristo é a cabeça da Igreja; ele é o Salvador do seu corpo" (Ef 5,23). Nestas palavras temos a última razão pela qual a Igreja é dita corpo de Cristo: Cristo é o Salvador divino desse corpo. Com razão foi pelos samaritanos proclamado "Salvador do mundo" (Jo 4,42); antes deve sem dúvida alguma dizer-se "Salvador de todos", embora com são Paulo devamos acrescentar: "sobretudo dos fiéis" (cf. 1Tm 4,10). De fato com seu sangue, mais que todos os outros, comprou ele os seus membros que constituem a Igreja (At 20,28). Tendo, porém, já exposto detalhadamente esse ponto quando acima tratamos da Igreja nascida da cruz, de Cristo iluminador, santificador e sustentador do seu corpo místico, não há por que demorarmo-nos em maiores explanações; meditemo-lo antes com humildade e atenção, dando contínuas graças a Deus. O que nosso divino Salvador começou outrora, pendente da cruz, não cessa de o perfazer continuamente na celeste bem-aventurança: "A nossa cabeça, diz santo Agostinho, ora por nós; acolhe uns membros, castiga outros, a outros purifica, a outros consola, a outros cria, a outros chama, a outros torna a chamar, a outros corrige, a outros reintegra".(34) A nós é dado cooperar com Cristo nesta obra, "de um e por um somos salvos e salvamos".(35)

3. A IGREJA É O CORPO "MÍSTICO" DE CRISTO

58. Passamos já, veneráveis irmãos, a expor as razões com que desejamos mostrar que o corpo de Cristo, que é a Igreja, se deve denominar místico. Essa denominação, usada já por vários escritores antigos, comprovam-na não poucos documentos pontifícios. E há muitas razões para se dever adotar: pois que por ela o corpo social da Igreja, cuja cabeça e supremo regedor é Cristo, pode distinguir-se do seu corpo físico, nascido da Virgem Maria e que agora está sentado à destra do Pai ou oculto sob os véus eucarísticos; pode também distinguir-se, e isto é importante por causa dos erros atuais, de qualquer corpo natural, quer físico, quer moral.

59. De fato, enquanto no corpo natural o princípio de unidade junta de tal maneira as partes que cada uma fica sem própria subsistência, ao contrário no corpo místico a força de mútua coesão, por mais íntima que seja, une os membros de modo que conservam perfeita e própria personalidade. Além disso, se considerarmos a relação entre o todo e os diversos membros em todo e qualquer corpo físico dotado de vida, os membros particulares destinam-se, em última análise, unicamente ao bem de todo o composto, ao passo que toda a sociedade de homens, considerado o fim último da sua unidade, é finalmente ordenada ao proveito de todos e cada um dos membros, como pessoas que são. Portanto, para voltarmos ao nosso ponto, como o Filho do Eterno Pai desceu do céu por amor da nossa eterna salvação, assim fundou o corpo da Igreja e o enriqueceu do seu divino Espírito para procurar e conseguir a bem-aventurança das almas imortais, conforme aquela sentença do Apóstolo; "Todas as coisas são vossas; vós, porém, sois de Cristo; e Cristo de Deus" (l Cor 3,23);(36) A Igreja como é ordenada ao bem dos fiéis, assim é destinada a glória de Deus e à daquele que ele mandou, Jesus Cristo.

60. Se compararmos o corpo místico com o moral, veremos que a diferença não é leve, mas importantíssima e gravíssima. No corpo moral não há outro princípio de unidade senão o fim comum e a comum cooperação sob a autoridade social para o mesmo fim; ao passo que no corpo místico de que falamos, a essa tendência comum do mesmo fim junta-se outro princípio interno, realmente existente e ativo, tanto de todo o composto, como em cada uma das partes, e tão excelente, que supera imensamente todos os vínculos de unidade que unem o corpo, quer físico, quer moral. Esse princípio é, como acima dissemos, de ordem não natural mas sobrenatural, antes em si mesmo absolutamente infinito e incriado: o Espírito divino, que, como diz o Angélico, "sendo um só e o mesmo enche e une toda a Igreja".(37)

61. Por conseguinte esse termo bem entendido lembra-nos que a Igreja, sociedade perfeita no seu gênero, não consta só de elementos sociais e jurídicos. Ela é muito mais excelente que quaisquer outras sociedades humanas (38) às quais excede quanto a graça supera a natureza, quanto as coisas imortais se avantajam as mortais e caducas.(39) As Comunidades humanas, sobretudo a Sociedade civil, não são para desprezar, nem para ser tidas em pouca conta; mas a Igreja não está toda em realidades desta ordem, como o homem todo não é só corpo mortal.(40) É verdade que os elementos jurídicos, em que a Igreja se estriba e de que se compõe, nascem da divina constituição que Cristo lhe deu, e servem para conseguir o fim sobrenatural; contudo o que eleva a sociedade cristã a um grau absolutamente superior a toda a ordem natural, é o Espírito do Redentor, que, como fonte de todas as graças, dons e carismas, enche perpétua e intimamente a Igreja e nela opera. O organismo do nosso corpo é por certo obra-prima do Criador, mas fica imensamente aquém da excelsa dignidade da alma; assim a constituição social da república cristã, embora apregoe a sabedoria do seu divino Arquiteto, é, contudo, de ordem muitíssimo inferior, quando se compara aos dons espirituais de que se adorna e vive, e à fonte divina donde eles dimanam.

4. A IGREJA JURÍDICA E A IGREJA DA CARIDADE

62. De quanto até aqui expusemos, veneráveis irmãos, é evidente que estão em grave erro os que arbitrariamente ungem uma Igreja como que escondida e invisível; e não menos aqueles que a consideram como simples instituição humana com determinadas leis e ritos externos, mas sem comunicação de vida sobrenatural. (41) Ao contrário, assim como Cristo, cabeça e exemplar da Igreja, "não é todo se nele se considera só a natureza humana visível... ou só a natureza divina invisível... mas é um de ambas e em ambas as naturezas...: assim o seu corpo místico";(42) pois que o Verbo de Deus assumiu a natureza humana passível, para que, uma vez fundada e consagrada com seu sangue a sociedade visível, "o homem fosse reconduzido pelo governo visível às realidades invisíveis".(43)

63. Por isso lamentamos também e reprovamos o erro funesto dos que sonham uma Igreja ideal, uma sociedade formada e alimentada pela caridade, à qual, com certo desprezo, opõem outra que chamam jurídica. Enganam-se grandemente os que introduzem tal distinção; pois que vêem que o divino Redentor pela mesma razão por que ordenou que a sociedade humana por ele fundada fosse perfeita no seu gênero e dotada de todos os elementos jurídicos e sociais, a saber, para perdurar na terra a obra salutífera da Redenção, (44) por essa mesma razão e para conseguir o mesmo fim quis que fosse enriquecida de dons e graças celestes pelo Espírito Paráclito. O Eterno Pai quis que ela fosse "o reino do seu Filho muito amado" (Cl 1,13); mas realmente um reino em que todos os fiéis prestassem homenagem plena de entendimento e de vontade, (45) e com humildade e obediência se conformassem àquele que por nós "se fez obediente até à morte" (Fl 2,8). Portanto nenhuma oposição ou contradição pode haver entre a missão invisível do Espírito Santo e o múnus jurídico dos pastores e doutores recebido de Cristo; pois que as duas coisas, como em nós o corpo e a alma, mutuamente se completam e aperfeiçoam e provêm igualmente do único Salvador nosso, que não só disse ao emitir o sopro divino: "Recebei o Espírito Santo" (Jo 20, 22), mas em voz alta e clara acrescentou: "Como o Pai me enviou a mim, assim eu vos envio a vós" (Jo 20, 21), e também: "Quem vos ouve a mim ouve" (Lc 10,16).

64. E se às vezes na Igreja se vê algo em que se manifesta a fraqueza humana, isso não deve atribuir-se a sua constituição jurídica, mas àquela lamentável inclinação do homem para o mal, que seu divino Fundador às vezes permite até nos membros mais altos do seu corpo místico para provar a virtude das ovelhas e dos pastores e para que em todos cresçam os méritos da fé cristã. Cristo, como acima dissemos, não quis excluir da sua Igreja os pecadores; portanto se alguns de seus membros estão espiritualmente enfermos, não é isso razão para diminuirmos nosso amor para com ela, mas antes para aumentarmos a nossa compaixão para com os seus membros.

65. Sem mancha alguma, brilha a santa madre Igreja nos sacramentos com que gera e sustenta os filhos; na fé que sempre conservou e conserva incontaminada; nas leis santíssimas que a todos impõe, nos conselhos evangélicos que dá; nos dons e graças celestes, pelos quais com inexaurível fecundidade (46) produz legiões de mártires, virgens e confessores. Nem é sua culpa se alguns de seus membros sofrem de chagas ou doenças; por eles ora a Deus todos os dias: "Perdoai-nos as nossas dívidas" e incessantemente com fortaleza e ternura materna trabalha pela sua cura espiritual.

66. Quando, por conseguinte, denominamos "místico" o corpo de Jesus Cristo, a força mesmo do termo é para nós uma grave lição; a lição que ressoa nestas palavras de são Leão: "Reconhece, ó cristão, a tua dignidade; e feito consorte da natureza divina, vê que não recaias por um comportamento indigno na tua antiga baixeza. Lembrate de que cabeça e de que corpo és membro".(47)

SEGUNDA PARTE
UNIÃO DOS FIÉIS COM CRISTO


67. Agrada-nos agora, veneráveis irmãos, tratar da nossa união com Cristo no corpo da Igreja; a qual, como bem diz santo Agostinho, (48) por ser uma coisa grande, misteriosa e divina, acontece muitas vezes ser mal-entendida e explicada. Primeiramente é claro que é uma união estreitíssima: na Sagrada Escritura não só se compara à união do casto matrimônio, e à unidade vital dos sarmentos com a videira e dos membros do nosso corpo (cf. Ef 5, 22-23; Jo 15,1-5; Ef 4, 16), mas descreve-se como tão íntima, que a tradição antiquíssima continuada nos Padres e fundada naquela sentença do Apóstolo: "ele (Cristo) é a cabeça do corpo da Igreja" (Cl 1,18), ensina que o divino Redentor forma com seu corpo social uma única pessoa mística, ou como diz santo Agostinho: o Cristo total. (49) O próprio Salvador na sua oração sacerdotal não duvidou comparar esta união à maravilhosa unidade com que o Pai está no Filho e o Filho no Pai (Jo 17, 21-23).

1. Vínculos jurídicos e sociais

68. A nossa união em Cristo e com Cristo vê-se em primeiro lugar do fato que, sendo a família cristã por vontade de seu Fundador um corpo social e perfeito, deve necessariamente possuir a união dos membros que resulta da conspiração destes para o mesmo fim. E quanto mais nobre é o fim a que tende esta conspiração, quanto mais é divina a fonte donde ela procede, tanto mais excelente é a união. Ora o fim é altíssimo: a contínua santificação dos membros do mesmo corpo para a glória de Deus e do Cordeiro que foi sacrificado (Ap 5,12-13). A fonte diviníssima: não só o beneplácito do Eterno Pai e a vontade expressa do Salvador, mas também a interna inspiração e moção do Espírito Santo nas nossas inteligências e corações. E realmente se não podemos fazer o mais pequenino ato salutar senão no Espírito Santo, como podem inumeráveis multidões de todas as gentes e estirpes tender de comum acordo para a suprema glória do Deus uno e trino, senão por virtude daquele que procede como único e eterno amor do Pai e do Filho?

69. E porque este corpo social de Cristo, como acima dissemos, por vontade do seu Fundador deve ser visível, é força que aquela conspiração de todos os membros se manifeste também externamente, pela profissão da mesma fé, pela recepção dos mesmos sacramentos, pela participação ao mesmo sacrifício, pela observância prática das mesmas leis. E ainda absolutamente necessário que haja um chefe supremo visível a todos, que coordene e dirija eficazmente para a consecução do fim proposto a atividade comum; e este é o vigário de Cristo na terra. Pois que, como o divino Redentor enviou o Paráclito, Espírito de verdade, para que em sua vez (cf. Jo 14,16 e 26) tomasse o governo invisível da Igreja, assim mandou a Pedro e aos seus sucessores que, representando na terra a sua pessoa, tomassem o governo visível da família cristã.

2. Virtudes teologais

70. A esses vínculos jurídicos, que já por si excedem grandemente os de qualquer outra sociedade humana, mesmo suprema, junta-se necessariamente outra causa de união naquelas três virtudes que nos unem estreitissimamente com Deus: a fé, a esperança e a caridade cristã. "Um só Senhor, uma só fé", como diz o Apóstolo (Ef 4,5): aquela fé com que aderimos a um só Deus e àquele que ele mandou, Jesus Cristo (cf. Jo 17,3). Quão intimamente por meio desta fé nos unimos a Deus, ensinam-no as palavras do discípulo amado: "Quem confessar que Jesus é Filho de Deus, Deus permanece nele e ele em Deus" (1 Jo 4,15). Nem é menor a união, que por ela se estabelece entre nós e com a divina cabeça; pois que todos os fiéis que "temos o mesmo Espírito de fé" (2Cor 4,13), somos iluminados pela mesma luz de Cristo, sustentados pelo mesmo manjar de Cristo, e governados pela mesma autoridade e magistério de Cristo. E se em todos floresce o mesmo Espírito de fé, todos vivemos também a mesma vida "na fé do Filho de Deus que nos amou e se entregou a si mesmo por nós" (cf. Gl 2, 20); e Cristo, nossa cabeça, recebido em nós pela fé viva e habitando em nossos corações (cf. Ef 3,17), como é autor da nossa fé, será também o seu consumador (cf. Hb 12,2).

71. Se, nesta vida, pela fé aderimos a Deus qual fonte da verdade, pela virtude da esperança cristã desejamo-lo qual fonte da bem-aventurança, "esperando a bem-aventurada esperança e o advento da glória do grande Deus" (Tt 2,13). Por causa daquele comum desejo do reino dos céus pelo qual renunciamos a ter pátria permanente aqui na terra, mas demandamos a celeste (cf. Hb 13,14), e anelamos a glória eterna, não duvidou dizer o Apóstolo das gentes: "Um corpo só e um só Espírito, como é uma a esperança da vocação com que fostes chamados" (Ef 4,4); mais ainda, Cristo reside em nós como esperança da glória (cf. Cl 1,27).

72. Mas se os vínculos da fé e da esperança, que nos unem com o Redentor divino no seu corpo místico, são fortes e importantes, não são menos importantes e eficazes os laços da caridade. Se até naturalmente nada há mais excelente do que o amor, fonte da verdadeira amizade, que dizer daquele amor soberano, que o próprio Deus infunde nas nossas almas? "Deus é caridade, e quem permanece na caridade permanece em Deus e Deus nele" (1 Jo 4,16). A caridade, como por força de uma lei estabelecida por Deus, faz com que ele desça a morar nas almas que o amam, dando-lhes amor por amor, segundo aquela sentença: "Se alguém me ama, também meu Pai o amará e viremos a ele e estabeleceremos nele a nossa morada" (Jo 14,23): Portanto a caridade une-nos com Cristo mais intimamente que qualquer outra virtude; em cujo amor inflamados tantos filhos da Igreja jubilam de por ele sofrer afrontas e tolerar e suportar tudo; por árduo que fosse, até ao último alento e à efusão do próprio sangue. Por isso nos exorta vivamente o Salvador com estas palavras: "Permanecei no meu amor". E porque a caridade é vã e aparente se não se demonstra e torna efetiva com boas obras, por isso acrescenta logo: "Se observardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; como eu observei os mandamentos de meu Pai e permaneço no seu amor" (Jo 15,9-10).

73. Mas a esse amor de Deus e de Cristo é preciso que corresponda a caridade para com o próximo. E realmente como podemos nós afirmar que amamos o Redentor divino, se odiamos aqueles que ele, para os fazer membros do seu corpo místico, remiu com seu precioso sangue? Por isso o Apóstolo, entre todos predileto de Cristo, nos adverte: "Se alguém disser que ama a Deus, e odiar a seu irmão, mente. Pois quem não ama a seu irmão, a quem vê, como pode amar a Deus, a quem não vê? E nós recebemos este mandamento, que quem ama a Deus ame também a seu Irmão" (1Jo 4,20-21). Antes devemos afirmar que tanto mais unidos estaremos com Deus, e com Cristo, quanto mais "formos membros uns dos outros" (Rm 12,25), solícitos uns pelos outros (lCor 12,25); e por outra parte, tanto mais viveremos entre nós unidos e estreitados pela caridade, quanto mais ardente for o amor que nos unir a Deus e à nossa divina cabeça.

74. O Filho unigênito de Deus já antes do princípio do mundo nos abraçou no seu infinito conhecimento e eterno amor. Amor que ele demonstrou palpavelmente e de modo verdadeiramente assombroso assumindo a nossa natureza em unidade hipostática; donde segue, como ingenuamente nota Máximo de Turim, que "em Cristo nos ama a nossa carne".(50)

75. Esse amorosíssimo conhecimento que o divino Redentor de nós teve desde o primeiro instante da sua encarnação, excede tudo quanto a razão humana pode alcançar; pois que ele pela visão beatífica de que gozou apenas concebido no seio da Mãe Santíssima, tem continuamente presente todos os membros do seu corpo místico e a todos abraça com amor salvífico. Ó admirável dignação da divina bondade para conosco! Ó inconcebível ordem da imensa caridade! No presépio, na cruz, na glória sempiterna do Pai, Cristo vê e abraça todos os membros da Igreja muito mais claramente, com muito maior amor do que a mãe o filho que tem no regaço, do que cada um de nós se conhece e ama a si mesmo.

76. Do dito até aqui vê-se facilmente, veneráveis irmãos, por que é que o Apóstolo Paulo repete tantas vezes que Cristo está em nós e nós em Cristo. O que se demonstra também com uma razão mais sutil. Cristo está em nós como acima demoradamente expusemos, pelo seu Espírito que ele nos comunica, e pelo qual opera em nós de modo que tudo o que o Espírito Santo opera em nós de divino, deve dizer-se que é Cristo também que o opera.(51) "Se alguém não tem o Espírito de Cristo, diz o Apóstolo, esse não pertence a ele; mas se Cristo está em vós... o Espírito é vida pela justiça" (Rm 8, 9-10).

77. Dessa mesma comunicação do Espírito de Cristo segue que a Igreja vem a ser como o complemento e plenitude do Redentor; por isso que todos os dons, virtudes e carismas que se encontram na cabeça de modo eminente, superabundante e eficiente, dela derivam a todos os membros da Igreja e neles, conforme o lugar que ocupam no corpo místico de Cristo, dia a dia se aperfeiçoam, e Cristo como que se completa na Igreja. (52) Nessas palavras acenamos a razão por que, segundo a doutrina de Agostinho, já antes brevemente indicada, a cabeça mística que é Cristo, e a Igreja, que é na terra como outro Cristo e faz as suas vezes, constituem um só homem novo, em quem se juntam o céu e a terra para perpetuar a obra salvífica da cruz; este homem novo é Cristo cabeça e corpo, o Cristo total.

3. A inabitação do Espírito Santo

78. Certamente não desconhecemos quão difícil de entender e de explicar é esta doutrina da nossa união com o divino Redentor, e especialmente da habitação do Espírito Santo nas almas, pelos véus do mistério que a recatam e tornam obscura à investigação da fraca inteligência humana. Mas sabemos também que da investigação bem feita e persistente e do conflito e concurso das várias opiniões, se a investigação for orientada pelo amor da verdade e pela devida submissão à Igreja, brotam faíscas e se acendem luzes com que, mesmo neste gênero de ciências sagradas, se pode obter verdadeiro progresso. Por isso não censuramos os que, por diversos caminhos, se esforçam por atingir e quanto possível declarar este tão sublime mistério da nossa admirável união com Cristo. Uma coisa, porém, devem todos ter por certa e indubitável, se não querem desviar-se da verdadeira doutrina e do reto magistério da Igreja: rejeitar toda a explicação desta mística união que pretenda elevar os fiéis tanto acima da ordem criada, que cheguem a invadir a divina, a ponto de se atribuir em sentido próprio um só que seja dos atributos de Deus. Retenham também firmemente aquele outro princípio certíssimo, que nestas matérias é comum à SS. Trindade tudo o que se refere e enquanto se refere a Deus como suprema causa eficiente.

79. Note-se também que se trata de um mistério recôndito, que neste exílio terrestre nunca se poderá completamente desvendar ou compreender nem explicar em linguagem humana. Diz-se que as Pessoas divinas habitam na criatura inteligente enquanto presentes nela de modo imperscrutável, dela são atingidas por via de conhecimento e amor, (53) de modo porém absolutamente íntimo e singular, que transcende a natureza humana. Para formarmos disto uma idéia ao menos aproximativa, não devemos descurar o caminho e método que o Concílio Vaticano tanto recomenda nestas matérias, para obter luz com que se possa vislumbrar alguma coisa dos divinos arcanos, isto é, a comparação dos mistérios entre si e com o bem supremo a que se dirigem. E é assim que Nosso sapientíssimo Predecessor de feliz memória Leão XIII, tratando desta nossa união com Cristo e da habitação do Espírito Paráclito em nós, muito oportunamente fixa os olhos na visão beatífica, que um dia no céu completará e consumará esta união mística. "Esta admirável união, diz ele, que com termo próprio se chama "inabitação", difere apenas daquela com que Deus no céu abraça e beatifica os bem-aventurados, só pela nossa condição (de viajores na terra)".(55) Naquela visão poderemos com os olhos do Espírito, elevados pelo lume da glória, contemplar de modo inefável o Pai, o Filho e o Divino Espírito, assistir de perto por toda a eternidade às processões das divinas Pessoas e gozar de uma bem-aventurança semelhantíssima àquela que faz bem-aventurada a santíssima e indivisível Trindade.

4. A Eucaristia sinal de unidade

80. A precedente exposição da doutrina da íntima união do corpo místico de Cristo com a sua cabeça afigura-se-nos incompleta sem uma breve referência neste lugar a santíssima Eucaristia, pela qual a união nesta vida mortal é levada ao seu auge.

81. Ordenou Cristo Senhor nosso que esta admirável e nunca assaz louvada união que nos une entre nós e com a nossa cabeça divina, fosse manifestada aos féis de modo especial pelo sacrifício eucarístico; no qual o celebrante faz às vezes não só do divino Salvador, mas também de todo o corpo místico e de cada um dos féis; e, por sua parte, os fiéis unidos nas orações e votos comuns, pelas mãos do celebrante, apresentam ao eterno Pai o Cordeiro imaculado - presente no altar à voz unicamente do sacerdote -, como vítima agradável de louvor e propiciação pelas necessidades de toda a Igreja. E do mesmo modo que, morrendo na cruz, o divino Redentor se ofereceu a si mesmo ao Pai como cabeça de todo o gênero humano, assim nesta "oblação pura" (Ml 1,11) não só se oferece a si mesmo ao Pai celeste, como cabeça da Igreja, mas em si oferece os seus membros místicos; pois que a todos, até os fracos e enfermos, tem amorosissimamente encerrados no Coração.

82. O sacramento da eucaristia ao mesmo tempo que é viva e admirável imagem da unidade da Igreja - pois que o pão da hóstia é um, resultante de muitos grãos (56) dá-nos o próprio autor da graça sobrenatural, para dele haurirmos o Espírito da caridade que nos fará viver não a nossa, mas a vida de Cristo e amar o próprio Redentor em todos os membros do seu corpo social.

83. Se, portanto, nas angustiosas circunstâncias atuais houver muitíssimos que se abracem com Jesus escondido sob os véus eucarísticos de tal maneira que nem a tribulação, nem a angústia, nem a fome, nem a nudez, nem os perigos, nem a perseguição, nem a espada os possa separar da sua caridade (cf. Rm 8,35), então sem dúvida a sagrada comunhão, providencialmente restituída em nossos dias a um uso mais freqüente desde a infância, poderá ser fonte daquela fortaleza que não raro produz e sustenta o heroísmo entre os cristãos.

TERCEIRA PARTE
EXORTAÇÃO PASTORAL

1. ERROS RELATIVOS À VIDA ASCÉTICA

a) Falso misticismo


84. Estas verdades, veneráveis irmãos, se os fiéis as compreenderem e recordarem bem diligentemente, ajudá-los-ão a acautelar-se dos erros a que expõe a investigação deste difícil assunto, quando feita a capricho, como alguns a fazem, não sem grande perigo para a fé católica e perturbação das almas. Com efeito, não faltam alguns que, por não considerarem bastante que S. Paulo falava nesta matéria só por metáforas, nem distinguirem, como é absolutamente necessário, os sentidos particulares e próprios dos termos corpo físico, moral, místico, introduzem uma falsa noção de unidade, afirmando que o Redentor e os membros da Igreja formam uma pessoa física, e ao passo que atribuem aos homens propriedades divinas, fazem Cristo Senhor nosso sujeito a erros e à humana inclinação para o mal. A tais falsidades opõem-se a fé católica e os sentimentos dos santos Padres; mas opõem-se igualmente o pensamento e a doutrina do apóstolo das gentes, que se bem une Cristo e o seu corpo místico com uma união admirável, contudo contrapôs-nos um ao outro como Esposo à esposa (cf. Ef 5,22-23).

b) Falso "quietismo"

85. Não menos contrário à verdade e perigoso é o erro daqueles que da misteriosa união de todos nós com Cristo pretendem deduzir um mal-entendido "quietismo", que atribui toda a vida espiritual dos féis e todo o progresso na virtude unicamente à ação do Espírito Santo, excluindo ou menosprezando a correspondência e colaboração que devemos prestar-lhe. Ninguém pode negar que o divino Espírito de Cristo é a única fonte donde deriva toda a energia sobrenatural na Igreja e nos membros, pois que, como diz o salmista, "o Senhor concede a graça e a glória" (Sl 83,12). Contudo o perseverar constantemente nas obras de santidade, o progredir fervorosamente na graça e na virtude, o esforçar-se generosamente por atingir o vértice da perfeição cristã, enfim o excitar, na medida do possível, os próximos a consegui-la, tudo isso não quer o celeste Espírito realizá-lo, se o homem não faz, dia a dia, com energia e diligência, o que está ao seu alcance. "Os benefícios divinos, diz santo Ambrósio, não se fazem aos que dormem, mas aos que velam".(57) Se neste nosso corpo mortal os membros se desenvolvem e robustecem com o exercício cotidiano, muito mais, sem dúvida, sucede no corpo social de Cristo, cujos membros gozam de liberdade, consciência e modo próprio de agir. Por isso o que disse: "Vivo, não já eu; mas Cristo vive em mim" (Gl 2,20), esse mesmo não duvidou afirmar: "A sua graça (de Deus) não foi em mim estéril, mas trabalhei mais que todos eles; se bem que não eu, mas a graça de Deus comigo" (l Cor 15,10). E, pois, evidente que, com essas falsas doutrinas, o mistério de que tratamos não se utiliza para proveito espiritual dos fiéis, mas converte-se em triste causa de sua ruína.

c) Erros relativos à confissão sacramental e à oração

86. O mesmo sucede com a falsa opinião dos que pretendem que não se deve ter em conta a confissão freqüente das faltas veniais; pois que mais importante é a confissão geral, que a esposa de Cristo, com seus filhos a ela unidos no Senhor, faz todos os dias, por meio dos sacerdotes antes de subirem ao altar de Deus. É verdade, e vós bem sabeis, veneráveis irmãos, que há muitos modos e todos muito louváveis, de obter o perdão dessas faltas; mas para progredir mais rapidamente no caminho da virtude, recomendamos vivamente o pio uso, introduzido pela Igreja sob a inspiração do Espírito Santo, da confissão freqüente, que aumenta o conhecimento próprio, desenvolve a humildade cristã, desarraiga os maus costumes, combate a negligência e tibieza espiritual, purifica a consciência, fortifica a vontade, presta-se à direção espiritual, e, por virtude do mesmo sacramento, aumenta a graça. Portanto os que menosprezam e fazem perder a estima da confissão freqüente à juventude eclesiástica, saibam que fazem uma coisa contrária ao Espírito de Cristo e funestíssima ao corpo místico do Salvador.

87. Há ainda alguns que afirmam não terem as nossas orações verdadeira eficácia impetrativa e trabalham por espalhar a opinião de que a oração feita em particular pouco vale e que é a oração pública, feita em nome da Igreja, que tem verdadeiro valor, por partir do corpo místico de Jesus Cristo. Não é exato; o divino Redentor não só uniu estreitamente a si a Igreja como esposa queridíssima, senão também nela as almas de todos e cada um dos fiéis, com quem deseja ardentemente conversar na intimidade, sobretudo depois da comunhão. E embora a oração pública, feita por toda a Igreja, seja mais excelente que qualquer outra, graças a dignidade da esposa de Cristo, contudo todas as orações, ainda as mais particulares, têm o seu valor e eficácia, e aproveitam também grandemente a todo o corpo místico; no qual não pode nenhum membro fazer nada de bom e justo, que em razão da comunhão dos santos não contribua também para a salvação de todos. Nem aos indivíduos por serem membros desse corpo se lhes veda que peçam para si graças particulares, mesmo temporais, com a devida sujeição à divina vontade; pois que continuam sendo pessoas independentes com suas indigências próprias. (58) Quanto à meditação das coisas celestes, os documentos eclesiásticos, a prática e exemplos de todos os Santos provam bem em quão grande estima deve ser tida por todos.

88. Por último não falta quem diga que as nossas súplicas não devem dirigir-se a pessoa de Jesus Cristo, mas a Deus ou ao Eterno Pai por Cristo; pois que o Salvador, como cabeça do seu corpo místico, deve considerar-se apenas qual "medianeiro entre Deus e os homens" (1Tm 2,5). Também isso é contrário ao modo de pensar da Igreja, contrário ao costume dos fiéis e é falso. Cristo, para falar com propriedade e precisão, é cabeça de toda a Igreja segundo ambas as naturezas conjuntamente; (59) e ele próprio afirmou aliás solenemente: "Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, fá-la-ei" (Jo 14,14). E bem que no sacrifício eucarístico principalmente - onde Cristo é, ao mesmo tempo, sacerdote e vítima e por isso de modo especial, exerce as funções de conciliador - as orações se dirijam ordinariamente ao Eterno Pai pelo seu Unigênito, contudo não raro, e até no santo sacrifício, dirigem-se também ao divino Redentor; pois que todos os cristãos devem saber claramente que Jesus Cristo homem é também Filho de Deus. Por isso quando a Igreja militante adora e invoca o Cordeiro imaculado e vítima sagrada, parece responder à voz da Igreja triunfante, que perpetuamente canta: "Ao que está sentado no trono e ao Cordeiro, bênção e honra e glória e poder nos séculos dos séculos" (Ap 5,13).

2. EXORTAÇÃO A AMAR A IGREJA

89. Até aqui, veneráveis irmãos, meditando o mistério da nossa arcana união com Cristo, procuramos, como doutor da Igreja universal, iluminar as inteligências com a luz da verdade; agora julgamos conforme ao nosso múnus pastoral excitar os corações a amar o corpo místico, com ardente caridade, que não se fique em pensamentos e palavras, mas se traduza em obras. Se os fiéis da antiga lei cantaram da cidade terrena: "Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, paralise-se a minha mão direita; fique presa a minha língua ao meu paladar, se eu não me lembrar de ti, se não tiver Jerusalém como a primeira das minhas alegrias" (Sl 136,5-6); com quanto maior ufania e júbilo não devemos nos regozijar por habitarmos a cidade edificada sobre o monte santo, com pedras vivas e escolhidas, "tendo por pedra angular Cristo Jesus" (Ef 2,20;1Pd 2,45). Realmente não há coisa mais gloriosa, mais honrosa, mais nobre, que fazer parte da Igreja, santa, católica, apostólica, romana, na qual nos tornamos membros de tão venerando corpo; nos governa uma tão excelsa cabeça; nos inunda o mesmo Espírito divino; a mesma doutrina, enfim, e o mesmo Pão dos Anjos nos alimenta neste exílio terreno, até que, finalmente, vamos gozar no céu da mesma bem-aventurança sempiterna.

a) Com amor sólido

90. Mas para que não nos deixemos enganar pelo anjo das trevas, transfigurado em anjo de luz (cf. 2Cor 11,14), seja esta a suprema lei do nosso amor: amar a esposa de Cristo tal como Cristo a quis e a adquiriu com seu sangue. Portanto não só devemos amar sinceramente os sacramentos, com que a Igreja, mãe extremosa; nos sustenta, e as solenidades com que nos consola e alegra, os cantos sagrados e a liturgia, com que eleva as nossas almas à, coisas do céu, mas também os sacramentais e os vários exercícios de piedade com que suavemente impregna de Espírito de Cristo e conforta as almas. E não só é nosso dever pagar com amor, como bons filhos, o seu materno amor para conosco, senão também venerar a sua autoridade que ela recebeu de Cristo e com que cativa as nossas inteligências em homenagem a Cristo (cf. 2Cor 10,5); e não menos obedecer às suas leis e preceitos morais, às vezes molestos à nossa natureza decaída; refrear a rebeldia deste nosso corpo com penitência voluntária, e até mortificar-nos, privando-nos de quando em quando de coisas agradáveis, embora não perigosas. Nem basta amar o corpo místico no esplendor da cabeça divina e dos dons celestes que o exornam; devemos com amor efetivo amá-lo tal qual se nos apresenta na nossa carne mortal, composto de elementos humanos e enfermiços, embora por vezes desdigam um pouco do lugar que ocupam em tão venerando corpo.

b) Que nos faça ver Cristo na Igreja

91. Ora para que esse amor sólido e perfeito more nas nossas almas e cresça de dia para dia, é preciso que nos acostumemos a ver na Igreja o próprio Cristo. Pois que é Cristo que vive na sua Igreja, por ela ensina, governa e santifica; é Cristo que de vários modos se manifesta nos vários membros da sua sociedade. Se todos os fiéis se esforçarem por viver realmente com esse vivo espírito de fé, não só prestarão a devida honra e reverência aos membros mais altos deste corpo místico, sobretudo aos que um dia têm de dar conta das nossas almas (cf. Hb 13,17), mas amarão de modo particular aqueles que o Salvador amou com singularíssima ternura, quais são os enfermos, chagados, fracos, todos os que precisam de remédio natural ou sobrenatural; a infância, cuja inocência está hoje exposta a tantos perigos, e cuja alma se pode modelar como branda cera; os pobres nos quais com sua compaixão se deve reconhecer e socorrer a pessoa de Jesus Cristo.

c) Imitemos o amor de Cristo para com a Igreja

92. Como com razão adverte o Apóstolo: "Os membros do corpo que parecem mais fracos são os mais necessários; e os que temos por mais vis, cercamo-los de maior honra" (l Cor 12,22-23). Gravíssima sentença que nós, cônscios da obrigação que nos incumbe pelo nosso altíssimo oficio, devemos repetir, ao vermos com profunda mágoa que às vezes são privados da vida os deformes, dementes e afetos por doenças hereditárias, por inúteis e de peso à sociedade; e que alguns celebram isso como uma conquista do progresso, sumamente vantajoso ao bem comum. Ora, que homem sensato há que não veja isso não só como uma violação flagrante da lei natural e divina,(60) impressa em todos os corações, mas também que não lhe repugne atrozmente aos sentimentos de humanidade? O sangue desses infelizes, tanto mais amados do Redentor quanto mais dignos de compaixão, "brada a Deus da terra" (cf. Gn 4,10).

93. Mas para que esta genuína caridade, com que devemos ver o Salvador na Igreja e nos seus membros, não venha pouco a pouco a arrefecer, é bom contemplemos ao mesmo Cristo como supremo modelo de amor para com a Igreja.

94. E primeiramente imitemos a vastidão daquele amor, esposa de Cristo é só a Igreja; contudo o amor do divino Esposo é tão vasto, que a ninguém exclui, e na sua esposa abraça a todo o gênero humano; pois que o Salvador derramou o seu sangue na cruz para conciliar com Deus a todos os homens de todas as nações e estirpes, e para os reunir num só corpo. Por conseguinte o verdadeiro amor da Igreja exige não só que sejamos todos no mesmo corpo membros uns dos outros, cheios de mútua solicitude (cf. Rm 12,5;1Cor 12,25), que se alegrem com os que se alegram e sofram com os que sofrem (cf. lCor 12,26), mas que também nos outros homens ainda não incorporados conosco na Igreja, reconheçamos outros tantos irmãos de Jesus Cristo segundo a carne, chamados como nós para a mesma salvação eterna. É verdade que hoje não faltam - é um grande mal - os que vão exaltando a rivalidade, o ódio, o rancor, como coisas que elevam e nobilitam a dignidade e o valor do homem. Nós, porém, que magoados vemos os funestos frutos de tal doutrina, sigamos o nosso Rei pacífico, que nos ensinou a amar os que não são da mesma nação ou mesma estirpe (cf. Lc 10,33-37) até os próprios inimigos (cf. Lc 6,27-35; Mt 5,44-48). Nós, compenetrados dos suavíssimos sentimentos do Apóstolo das gentes, com ele cantemos o comprimento, a largura, a sublimidade, a profundeza da caridade de Cristo (cf. Ef 3,18), que nem a diversidade de nacionalidade, ou de costumes pode quebrar, nem a vastidão imensa do oceano diminuir, nem as guerras, justas ou injustas, arrefecer.

95. Nesta hora tremenda, veneráveis irmãos, em que tantas dores torturam os corpos e tantas angústias lancinam as almas, é preciso acender em todos esta caridade sobrenatural, para que os bons - lembramos principalmente os que pertencem a associações de beneficência e mútuo socorro - combinando os seus esforços, como em admirável porfia de compaixão e misericórdia, acudam a tão imensas necessidades das almas e dos corpos, e assim por toda parte resplandeça a generosidade inesgotável do corpo místico de Jesus Cristo.

96. Mas porque à vastidão da caridade com que Cristo amou a Igreja corresponde a constância ativa da mesma caridade, nós também amemos o corpo místico de Cristo com o mesmo amor perseverante e industrioso. Nosso divino Redentor, desde a encarnação, quando lançou os primeiros fundamentos da Igreja, até ao fim da sua vida mortal, nem um só instante passou em que com exemplos fulgentíssimos de virtude, pregando, ensinando, legislando, não trabalhasse até cair de fadiga - ele o Filho de Deus! -em formar ou consolidar a Igreja. Desejamos pois que todos os que reconhecem por mãe a Igreja, ponderem seriamente que não só ao clero e aos que se consagram ao serviço do corpo místico de Jesus Cristo, mas a cada um na sua esfera, incumbe a obrigação de incremento do mesmo corpo. Notem-no de modo particular - como aliás já o fazem tão louvavelmente - os que militam nas fileiras da Ação católica e colaboram com os bispos e sacerdotes no apostolado e os que em pias associações prestam o seu auxílio para o mesmo fim. Não há quem não veja que a ação de todos esses é, nas presentes circunstâncias, de grande peso e de suma importância.

97. Também não podemos aqui silenciar a respeito dos pais e mães de família, a quem nosso divino Salvador confiou os membros mais tenros de seu corpo místico; mas com todo o ardor os exortamos, por amor de Cristo e da Igreja, a que olhem com o máximo cuidado pelos filhos que o Senhor lhes deu, e procurem precavê-los contra as inúmeras ciladas em que hoje tão facilmente se encontram enredados.

98. De modo peculiar manifestou o Redentor o seu ardentíssimo amor à Igreja nas súplicas que por ela dirigiu ao Pai celeste. Todos sabem - para lembrar isto apenas - que pouco antes de subir ao patíbulo da cruz, orou ardentissimamente por Pedro (cf. Lc 22,32), pelos outros apóstolos (cf. Jo 17,9-19) e por todos aqueles que pela pregação da divina palavra haviam de crer nele (cf. Jo 17,20-23). À imitação deste exemplo de Cristo roguemos todos os dias ao Senhor da messe que mande obreiros para a sua messe (cf. Mt 9,38; Lc 10,2) e todos os dias suba a nossa oração encomendando a Deus todos os membros do corpo místico: primeiro os bispos, a quem está confiado o cuidado das suas dioceses, depois os sacerdotes, os religiosos e religiosas, que por especial vocação chamados ao serviço de Deus; na pátria ou em terras pagãs defendem, aumentam, dilatam o reino do divino Redentor. Nenhum membro do corpo místico fique fora desta comum oração; mas lembrem-se especialmente os que vivem acabrunhados das dores e angústias deste desterro e os defuntos que se purificam no Purgatório. Nem se esqueçam os catecúmenos, que se instruem na doutrina cristã, para que quanto antes possam receber o batismo.

99. Desejamos também vivamente que essas orações abracem com ardente caridade tanto aqueles a quem não raiou ainda a luz do Evangelho, nem entraram no redil seguro da Igreja, como os que um triste dissídio na fé ou na unidade separa de nós, que embora indignos; representamos a pessoa de Jesus Cristo na terra. Repitamos aquela oração divina do Salvador ao Pai celeste: "Que todos sejam um, como tu, ó Pai, em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós: para que o mundo creia que tu me enviaste" (Jo 17,21).

100. Os que não pertencem ao organismo visível da Igreja católica, como sabeis, veneráveis irmãos, confiamo-los também, desde o princípio do nosso pontificado, à proteção e governo do alto, protestando solenemente que a exemplo do bom pastor tínhamos um só desejo: "que eles tenham vida e a tenham em abundância". (61) Esta nossa solene declaração queremos reiterar, depois de pedirmos as orações de toda a Igreja nesta encíclica em que celebramos os louvores "do grande e glorioso corpo de Cristo", (62) convidando a todos e cada um com todo o amor da nossa alma, a que espontaneamente e de boa vontade cedam às íntimas inspirações da graça divina e procurem sair de um estado em que não podem estar seguros de sua eterna salvação, (63) pois, embora por desejo e voto inconsciente, estejam ordenados ao corpo místico do Redentor, carecem de tantas e tão grandes graças e auxílios que só na Igreja católica podem encontrar. Entrem, pois, na unidade católica e unidos conosco no corpo de Jesus Cristo, conosco venham a fazer parte, sob uma só cabeça, da sociedade da gloriosíssima caridade.(64) Nós, jamais cessaremos as nossas súplicas ao Espírito de amor e verdade, e esperamo-los de braços abertos não como a estranhos, mas como a filhos que vêm para a sua casa paterna.

101. Mas se desejamos que sem interrupção subam até Deus as orações de todo o corpo místico implorando que os errantes entrem quanto antes no único redil de Jesus Cristo, declaramos contudo ser absolutamente necessário que eles o façam espontânea e livremente, pois que ninguém crê, senão por vontade. (65) Por conseguinte se alguns que não crêem são realmente forçados a entrar nos templos, a aproximar-se do altar e a receber os sacramentos, não se fazem verdadeiros cristãos: (66) a fé, sem a qual "é impossível agradar a Deus" (Hb 1,6), deve ser libérrima "homenagem da inteligência e da vontade".(67) Se, portanto, acontecesse que, contra a doutrina constante da Sé Apostólica, (68) alguém fosse obrigado a abraçar contra sua vontade a fé católica, nós, conscientes do nosso dever, não podemos deixar de o reprovar. Mas porque os homens são livres e podem, sob o impulso de más paixões e apetites desordenados, abusar da própria liberdade, então é necessário que o Pai das luzes, pelo Espírito de seu amado Filho, os mova e atraia eficazmente à verdade. Ora, se muitos ainda - infelizes - estão longe da verdade católica e não querem ceder às inspirações da graça divina, é porque não só eles, (69) mas também os fiéis não oram mais fervorosamente por essa intenção. Por isso nós uma e outra vez exortamos a todos a que, por amor da Igreja e seguindo o exemplo do divino Redentor, o façam continuamente.

102. Nas atuais circunstâncias, mais que oportuno, é necessário orar fervorosamente pelos reis e príncipes e por todos os que governam e que podem com a proteção externa auxiliar a Igreja, para que, restabelecida a ordem, por impulso da divina caridade, do meio das ondas tenebrosas desta tormenta surja "a paz, fruto da justiça" (Is 32,17), o atribulado gênero humano e a santa Igreja possam viver uma vida sossegada e tranqüila em toda a piedade e honestidade (cf.1Tm 2,2). Peçamos a Deus que amem a sabedoria os que regem os povos (cf. Sb 6,23), de modo que nunca lhes quadre esta formidável sentença do Espírito Santo: "O Altíssimo examinará as vossas obras e perscrutará os vossos pensamentos, porque sendo ministros do seu reino, não governastes retamente, nem observastes a lei da justiça, nem caminhastes segundo a vontade de Deus. Horrendo e de improviso vos aparecerá, porque será rigorosíssimo o juízo dos que governam. Ao humilde concede-se misericórdia; mas os poderosos serão poderosamente atormentados. Deus não recuará diante de ninguém, nem se inclinará diante de nenhuma grandeza; porque o pequeno e o grande criou-os ele, e de todos cuida igualmente; aos mais fortes, porém, ameaça-os mais forte suplício. Para vós, ó reis, são estas minhas palavras, a fim de que aprendais a sabedoria e não venhais a cair" (Sb 6,4-10).

103. Mas Cristo Senhor nosso mostrou seu amor à esposa imaculada não só trabalhando incansavelmente e orando constantemente, senão também com as dores e ignomínias que, por ela, espontânea e amorosamente tolerou. "Tendo amado aos seus... amou-os até ao fim" (Jo 13,1) e foi com seu sangue que ele adquiriu a Igreja (cf. At 20,28). Sigamos de boa vontade as sangüinolentas pisadas de nosso Rei, como exige a necessidade de assegurarmos a nossa salvação: "Se fomos enxertados nele pela semelhança da sua morte, sê-lo-emos também pela ressurreição" (Rm 6,5) e "se morrermos com ele, com ele viveremos" (2Tm 2,11). Exige-o igualmente a caridade verdadeira e efetiva para com a Igreja e para com as almas, que ela continuamente gera a Cristo. Com efeito, ainda que o Salvador, pelos seus cruéis tormentos e morte dolorosíssima, mereceu à Igreja um tesouro infinito de graças, contudo essas graças, por disposição da providência divina, são-nos comunicadas por partes; e a sua maior ou menor abundância depende não pouco também das nossas boas obras, com que impetramos da bondade divina e atraímos sobre os próximos a chuva dos dons celestes. Será esta chuva abundantíssima, se não nos contentarmos em oferecer a Deus fervorosas preces, sobretudo participando devotamente e, quanto possível, todos os dias, ao sacrifício eucarístico, mas também procuramos, com obras de misericórdia cristã, aliviar os sofrimentos de tantos indigentes; se preferirmos os bens eternos às coisas caducas deste mundo; se refrearmos este corpo mortal com voluntária mortificação, negando-lhe todo o ilícito, e impondo-lhe fadigas e austeridades; se recebermos com humildade, como da mão de Deus, os trabalhos e dores desta vida presente. E assim que, segundo o Apóstolo, "completaremos o que falta à paixão de Cristo na nossa carne, por amor do seu corpo que é a Igreja" (cf. Cl 1,24). Enquanto isto escrevemos, depara-se-nos à vista uma quase infinita multidão de infelizes, cuja sorte nos arranca lágrimas da maior compaixão: doentes, pobres, mutilados, caídos na viuvez ou na orfandade, e muitíssimos que em conseqüência dos sofrimentos próprios ou dos seus se vêem às portas da morte. A todos os que assim, por um motivo ou por outro, jazem imersos na tristeza e na angústia, exortamos com coração paterno a que levantem confiadamente os olhos ao céu e ofereçam os seus trabalhos Àquele que um dia os recompensará divinamente. Lembrem-se todos que a sua dor não é inútil; mas que será proveitosíssima a eles, e também à Igreja, se com esta intenção a sofrerem pacientemente. Para isso ajudá-los-á muitíssimo o oferecimento cotidiano de si mesmos a Deus, como usam fazer os membros do Apostolado da oração, pia associação, que nós aqui encarecidamente recomendamos, como sumamente aceita ao Senhor.

104. Mas se em todo o tempo devemos unir os nossos sofrimentos com os do divino Redentor para a salvação das almas, muito mais hoje em dia, veneráveis irmãos, quando o imenso incêndio da guerra abrasa quase todo o mundo e causa tantas mortes, tantas desgraças, tantos trabalhos; hoje de modo especial é dever de todos fugir dos vícios, das seduções do século, das paixões desenfreadas da carne, e não menos da vaidade e futilidade das coisas terrenas, que nada aproveitam à vida cristã, nada para ganhar o céu. Ao contrário fixemos bem no Espírito aquelas gravíssimas palavras de Nosso imortal predecessor Leão Magno, quando afirmava que pelo batismo nos tornamos carne do Crucificado,(70) e a belíssima oração de santo Ambrósio: "Leva-me, ó Cristo, na tua cruz, a qual é a salvação dos errantes, o único descanso dos cansados, única vida dos mortais".(71)

105. Antes de terminar, não podemos conter-nos de exortar a todos uma e muitas vezes a que amem a santa madre Igreja com amor industrioso e ativo. Pela sua incolumidade, prosperidade e progresso ofereçamos todos os dias ao Eterno Pai as nossas orações, trabalhos e sofrimentos, se realmente temos a peito a salvação de toda a família humana remida com o sangue divino. E enquanto no céu relampeja a tormenta, e grandes perigos ameaçam a humana sociedade e a própria Igreja, confiemo a nós, e todas as nossas coisas ao Pai das misericórdias, suplicando: "Olhai, Senhor, para esta vossa família, pela qual nosso Senhor Jesus Cristo não duvidou entregar-se em mãos de malfeitores e sofrer o tormento da cruz".(72)

EPÍLOGO
A VIRGEM SENHORA NOSSA


106. Realize, veneráveis irmãos, estes nossos paternos votos, que sem dúvida são também os vossos, e alcança-nos a todos verdadeiro amor para com a Igreja, a Virgem Mãe de Deus, cuja alma santíssima foi mais repleta do divino Espírito de Jesus Cristo que todas quantas saíram das mãos de Deus, e que "em nome de toda a natureza humana" deu o seu consentimento para que se efetuasse o "matrimônio espiritual entre o Filho de Deus e a natureza humana".(73) Ela foi que com parto admirável, porque fonte de toda a vida celestial, nos deu Cristo Senhor nosso, já no seu seio virginal ornado da dignidade de cabeça da Igreja; e recém-nascido o apresentou aos primeiros dentre os judeus e gentios que o foram adorar qual Profeta, Rei e Sacerdote. Foi ela que com seus rogos maternos "em Caná da Galiléia" moveu o seu Unigênito a operar o admirável prodígio, pelo qual "creram nele os seus discípulos" (Jo 2,11). Foi ela, a Imaculada, isenta de toda a mancha original ou atual, e sempre intimamente unida com seu Filho, que, como outra Eva, juntamente com o holocausto dos seus direitos maternos e do seu materno amor, o ofereceu no Gólgota ao Eterno Pai por todos os filhos de Adão, manchados pela sua queda miseranda; de modo que a que era fisicamente Mãe da nossa divina cabeça foi, com novo título de dor e de glória, feita espiritualmente mãe de todos os seus membros. Foi ela que com suas eficacíssimas orações obteve que o Espírito do divino Redentor, dado já na cruz, fosse depois em dia de Pentecostes conferido com aqueles dons prodigiosos à Igreja recém-nascida. Ela finalmente, suportando com ânimo forte e confiante imensas dores, verdadeira Rainha dos mártires, mais que todos os fiéis, "completou o que falta à paixão de Cristo... pelo seu corpo que é a Igreja" (Cl 1,24), e assistiu o corpo místico de Cristo, nascido do Coração rasgado do Salvador, (74) com o mesmo amor e solicitude materna com que amamentou e acalentou no berço o menino Deus.

107. Ela pois, Mãe santíssima de todos os membros de Cristo, (75) a cujo Coração Imaculado confiadamente consagramos todos os homens, e que agora em corpo e alma refulge na glória e reina juntamente com seu Filho, nos alcance dele que sem interrupção corram os caudais da graça da excelsa cabeça para todos os membros do corpo místico, e, como nos tempos passados, assim hoje proteja a Igreja com seu poderoso patrocínio e lhe obtenha finalmente a ela e a toda a humana sociedade tempos mais tranqüilos.

108. Confiado nesta celeste esperança, como penhor das graças celestes e atestado da Nossa particular benevolência, a todos e a cada um de vós, veneráveis irmãos, e aos rebanhos a vós confiados, concedemos de todo o coração a bênção apostólica.



Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 29 de junho, festa dos Santos apóstolos Pedro e Paulo, no ano de 1943, V do nosso pontificado.


PIO PP. XII

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Notas

1. Sessio III, Const. Dei Filius de fide cath., c. 4.
2. Cf. Conc.Vat. I, Const. Pastor aeternus de Eccl. Christi; prol.
3. Cf. ibidem, Const. Dei Filius de fide cath., cap. 1.
4. Cf . AAS 28 (1895-96), p. 710.
5. S. Agostinho, Epist.157, 3, 22; Migne, PL, 32, 686.
6. S. Agostinho, Sermo CXXXII, 1; Migne, PL, 38, 754.
7. Encíclica Divinum Illud; AAS 29(1896-97), p. 649.
8. S. Ambrósio, In Luc., II, 87; Migne, PL 15,1585.
9. S.'Iomás, Summa theol. I-II, q.103, a. 3, ad 2.
10. S. Leão M., Sermo 68, 3; Migne, PL 54, 374.
11. Cf. s. Jerônimo e s. Agostinho, Epist.112,14 e 116,16; Migne, PL 22, 924 et 943; S. Tomás, Summa theol., I-II, q.103, a. 3 ad 2; a. 4 ad 1; Concil. Flor., pro Iacob.: Mansi, 31,1738.
12. Cf. S. Tomás, Summa theol., III, q. 42, a. 1.
13. Cf. De peccato orig., XXV, 29; Migne, PL 44, 400.
14. Cf. Cirilo Alex., Comm. in Joh. I, 4; Migne PG 73, 69; S. Tomás, Summa theol.; I, q. 20, a. 4 ad 1.
15. Hexaëm., VI. 55; Migne, PL 14, 265.
16. Cf. s. Agostinho, De agon. Christ. XX, 22; Migne, PL 40, 301.
17. Cf. s. Tomás, Summa theol.; l, q. 22, aa. l- 4.
18. Cf. Leão XIII, enc. Satis Cognitum, AAS 28(1895-9fi), p. 725.
19. Cf. Corpus luris Canonici, Extr. comm., I, 8,1.
20. S. Greg. Magno, Moralia, XIV, 35, 43; Migne, PL LXXV,1062.
21. Cf. Conc. Vat. I, Const. Pastor aeternus de Eccl., cap. 3.
22. Cf. Cod. Iur. Can., cân. 329, § 1.
23. Cf. Epist. ad Eulog., 30; Migne, PL 77, 933.
24. Comm. in Ep. ad Eph., cap. l, lect 8; Hb. 2,16-17.
25. Cf. s. Agostinho, De cons. evang., I, 35, 54; Migne, PL 34,1070.
26. Cf . s.Cirilo Alex., Ep. 55 de Symb.; Migne, PG 77, 293.
27. Cf. s. Tomás, Summa theol., III, q. 64, a: 3.
28. Cf. De Rom. Pont., I, 9; De Concil., II,19.
29. Cf. S. Greg. Niss., De vita Moysis; Migne, PG 44, 385.
30. Cf. Sermo 354, 1; Migne, PL 39,1563.
31. Cf. Leão XIII, enc. "Sapientiae Christianae'; AAS 22(1889-90), p. 392; enc. "Satis cognitum'; AAS 28(1895-96), p. 710.
32. AAS 29 (1896-97), p. 650.
33. Cf. s. Ambrosio, De Elia et ieiun., 10, 36-37, e in Psal. 118, serm. 20, 2; Migne, PL 14, 710 e 15,1483.
34. Comentário aos Salmos, 85,5.
35. S, Clem. Alex., Strom., VII, 2; Migne, PG 9, 413.
36. Pio XI, enc. "Divini Redemptoris": AAS 29(1937), p. 80.
37. De veritate, q. 29, a. 4 c.
38. Cf. Leão XIII, "Sapientiae Christianae"; AAS 22(1889-90), p. 392.
39. Cf. Leão XIII, enc. "Satis cognitum"; AAS 28 (1895-96), p. 724.
40. Cf. ibidem, p. 710.
41. Cf. ibidem, p. 710.
42. Cf. ibidem, p. 710.
43. S. Tomás, De Veritate, q. 29, a. 4 ad 3.
44. Conc. Vat. I, Sess. IV, Const, dogm. Pastor aeternus de Eccl., prol.
45. Conc. Vat. I, Sess. III, Const. Dei Filius de fide cath., c. 3
46. Cf. Conc. Vat. I, Sess. III, const. Dei Filius de fide cath., cap 3.
47. Sermo 21, 3; Migne, PL 54,192-193.
48. Cf. s. Agostinho, Contra Faust., 21,8; Migne, PL 42, 392.
49. Cf. Comentário aos Salmos, 17,51 e 90,2,1.
50. Sermo 29; Migne, PL 57, 594.
51. Cf, s. Tomás, Comm. in Ep. ad Eph., cap. 2, lect. 5.
52. Cf. s. Tomás, Comm. in Ep, ad Eph., cap. l, lect. 8.
53. Cf. s. Tomás, Summa theol., I, q. 43, a. 3.
54. Sess. III, const. Dei Filius de fide cath., c. 4.
55. Cf. enc. "Divinum illud" ; AAS 29(1896-97), p. 653.
56. Cf. Didaché IX,4.
57. Expos. Evan. sec. Luc., IV, 49; Migne, PL 15,1626.
58. Cf. s.Tomás, Summa theol., II-II, q. 83, aa. 5 e 6.
59. Cf. s. Tomás, De Veritate, q. 29, a. 4 c.
60. Cf. Decret. S. Officii, 2.12.1940, AAS 32(1940, p. 553.
61. Carta enc. "Summi Pontificatus", AAS 31(1939), p. 419.
62. S. Ireneo, Adv. Haer., N, 33, 7; Migne PG 7,1076.
63. Cf. Pio IX, "Iam vos omnes", 13.09.1868: Act. Conc. Vat., C. L., VII,10.
64. Cf. Gelásio I, Epist. XIV Migne, PL 59, 89.
65. Cf. s. Agostinho, In Ioann. Ev. tract., 26, 2; Migne, PL 30,1607.
66. Cf. ibidem.
67. Conc. Vat. I, Const. Dei Filius de fide cath., cap. 3.
68. Cf. Leão XIII, enc. "Immortale Dei", AAS 18(1885-86), pp.174-175, Cod. Iur. Can., c.1351.
69. Cf. s. Agostinho, ibidem.
70. Cf. Sermo 63, 6; 66, 3; Migne, PL 54, 359 e 366.
71. In Ps.188, 22,30; Migne, PL 15,1521.
72. Offic. da Semana santa.
73. s. Tomás, Summa theol., III, q. 80, a. 1.
74. Cf. Off. Sacratíssimo Coração, hino das vésp.
75. Cf Pio X, enc. "Ad diem illum", AAS 36(1903-04), p. 453.