Frei Faustino Paludo, OFMCap
1. O Sacramento da conversão
A reconciliação é uma meta. As pessoas buscam incansavelmente a paz. Mas, para alcançá-la, é necessário um penoso caminho de conversão, de mudanças e de transformações. A verdadeira reconciliação começa no coração de cada pessoa. Isto é, o convite à conversão exige uma mudança de rumo. Contudo, o processo de mudança não afeta exclusivamente o indivíduo, mas tende a expandir-se aos demais – à comunidade e à sociedade.
No processo de conversão atuam diversos fatores: a) a consciência que quer dar um fim ao que está errado ou ao que desvia do rumo certo; b) a necessidade de se corrigir e reorganizar a vida em vista de um novo sentido e de uma nova prática; c) o pressuposto de que Deus está na origem da vida do ser humano e de que o amor misericordioso de Deus é quem dá sentido à existência humana. Converter-se é voltar o coração para Deus (cf Lc 15). É deixar-se reconciliar por Ele (2Cor 5,20) É inserir-se na dinâmica da Aliança. É participar do amor de Deus e ser testemunha da santidade de Deus na comunidade eclesial e no meio em que vive. Converter-se significa abandonar a antiga situação e abrir-se para a nova realidade de vida.
Já no Antigo Testamento Vemos o próprio Deus – por intermédio de seus profetas e mensageiros – convidando o povo à conversão (Sl 4,3; Sl 94,8; Is 44,22; Jr 18,11; Os 6,1). A conversão significa retorno ao Senhor, e, consequentemente, a renúncia ao mal, mudando o próprio modo de viver. O Salmo 51/50 oferece uma síntese da conversão e da misericórdia de Deus. A conversão se traduz em inúmeras práticas penitenciais.
A pregação de Jesus está centralizada no anúncio da conversão (metanóia), da penitência, como única via de ingresso e participação no reino de Deus e como única via de salvação. Não é por acaso que Jesus inicia seu ministério público convidando ao arrependimento: “Convertei-vos porque o reino de Deus chegou” (Mt 4,17; Mc 1,15). É um apelo que reflete a necessidade de colocar-se na dinâmica de quem acolhe a boa nova de salvação. A conversão é o movimento que, por um lado, significa abandonar o “velho homem” e, por outro, revestir-se do “novo” (Rm 6,6; Cl 3,9-10). Converter-se é tornar-se novo na opção de vida pela verdade e a autenticidade. Mais do que uma ação isolada, a mudança sugere a imagem “do caminho”. Isto é, algo dinâmico, que precisa ser feito, construído segundo os critérios apontados pela Palavra de Deus. “O caminho se faz caminhando”.
Notemos que a conversão é dom e graça de Deus. Mas também requer exercício e empenho no sentido de responder fielmente às exigências do Espírito e à identificação com Jesus Cristo, para o louvor e a gloria de Deus Pai. Neste prisma, o sacramento da Penitência celebra o encontro do filho pecador com o amor misericordioso do Pai. Encontro que renova a vida batismal ferida pelo pecado. Encontro que faz crescer no seguimento de Cristo e do seu Espírito. A conversão sincera é o pressuposto necessário para uma autêntica celebração do sacramento da Penitência.
Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:
1. A reconciliação é uma meta a ser alcançada. O que fazer para atingi-la?
2. O que exige uma verdadeira conversão?
3. Qual é o pressuposto básico da celebração da Penitência?
4. Vamos rezar o Salmo 51(51) com os passos da leitura orante?
2. Sacramento da reconciliação
Muitos se perguntam, hoje, pelo significado do sacramento da reconciliação no horizonte de uma sociedade onde a convivência harmônica e pacífica está se deteriorando face ao crescimento da violência, onde a vida e a dignidade das pessoas são ameaçadas.
Ora, o sacramento da Penitência está justamente enraizado na condição humana e na complexa realidade da convivência social. As pessoas ao mesmo tempo que aspiram viver em paz, reconciliadas consigo e com os semelhantes, experimentam a amargura das tensões e dos conflitos. Sentem-se contrariadas frente às adversidades e às rupturas. Em meio às contradições e frustrações, a reação imediata é o isolamento. De fato, quem se dedica ao ministério da Reconciliação, constata que há “muita solidão”! Pessoas que desejam avidamente ser ouvidas em seus desabafos. Contudo, da experiência do sentir-se só e ferido, ecoa o grito pela busca de uma nova realidade, da mudança de vida. É preciso mudar! Ninguém, em sã consciência, consegue viver só e em meio a conflitos e transgressões por muito tempo. “Levantar-me-ei e irei ter com meu pai” (Lc 15,18)!
O Sacramento da Penitência e da Reconciliação é a festa do reencontro e do amor misericordioso do Pai. É a celebração do perdão e da esperança. O pedido de perdão resgata o sentimento confiante e possibilita a abertura de novos horizontes de relações reconciliadas. O pedir perdão encerra um dinamismo humano muito maior que a simples oração interior, pois insere o ser humano na dinâmica da relação comunitária. “Pai pequei contra Deus e contra ti, já não mereço que me chamem teu filho” (cf Lc 15,21).
Mas, o “pedir perdão” requer a disponibilidade de alguém que se faça “todo escuta”, isto é, acolha com benevolência, ouça atenciosamente, permitindo à pessoa abrir seu coração. Saber ouvir é atitude que brota da bem-aventurança da misericórdia e, do reconhecimento da grandeza da pessoa do outro, apesar de seus limites (cf Jo 8,10-11). Nesta hora, a interlocução (o diálogo) reveste-se de significativa importância. Quem pede perdão, também espera ouvir uma palavra reconciliadora, ou seja, uma palavra que lhe dê a certeza do perdão e da paz. O perdão faz brilhar os olhos e exultar o coração ante as palavras: “irmão (a) tu estás perdoado (a)! Tu és amado (a) por Deus e liberto (a) em Jesus Cristo pela força de seu Espírito. Vai e viva em paz com todos!”
O sacramento da Reconciliação é a celebração do amor incondicional de Deus que se traduz em dom de perdão e de paz. No Sacramento da Penitência, os fiéis “obtêm da misericórdia divina o perdão da ofensa a Deus, e ao mesmo tempo são reconciliados com a Igreja que eles feriram pelo pecado e que colabora para sua conversão com a caridade, o exemplo e as orações” (RP. Introdução. 4). O importante é resgatar a comunhão com Deus e com a Igreja, olhando igualmente para a grande reconciliação com o universo, em vista da cultura de reconciliados (cf. Conclusões do Seminário sobre Reconciliação, publicado no Subsídio Deixai-vos Reconciliar, Estudos da CNBB 96, Brasília, Edições CNBB, 2008).
Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:
1. Como as pessoas reagem e convivem em meio à violência e aos conflitos sociais?
2. Quando você percebe que machucou alguém, como você reage? O que você faz?
3. Nos momentos difíceis de sua vida, o que você mais deseja? O que você busca?
4. Muita gente sente a necessidade de celebrar o sacramento. Você sabe como, onde, quando e com quem celebrá-lo?
3. A celebração do Sacramento da Reconciliação ao longo da história
A Tradição da Igreja afirma que “Cristo instituiu o sacramento da Penitência para todos os membros pecadores de sua Igreja, antes de tudo para aqueles que, depois do batismo, cometeram pecado grave e com isso perderam a graça batismal e feriram a comunhão eclesial” (Catecismo, 1446). Jesus edificou sua tenda entre nós (Jo 1, 14) para revelar o amor misericordioso do Pai e reconciliar a humanidade com Ele. Iniciou sua pregação conclamando à penitência: “fazei penitência e crede na Boa Nova” (Mc 1,15). Acolheu os pecadores, reconciliando-os com o Pai (Lc 5, 20; 7,48) e por fim, derramou seu sangue na cruz para o perdão dos pecados (Mt 26,28). Ao ressuscitar dentre os mortos, enviou o Espírito Santo sobre os seus discípulos concedendo-lhes o poder de perdoar os pecados (Jo 20, 19-23) e os enviou para pregar a penitência e o perdão dos pecados (Lc 24,47). Portanto, o sacramento da Penitência se enraíza na vida e na prática de Jesus.
A pregação vibrante da Boa Nova de Jesus pelos apóstolos fez com que a multidão clamasse: “irmãos, o que devemos fazer?”. Ao que Pedro responde: “arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo, para o perdão dos pecados” (At 2, 38). O batismo é o sacramento da primeira e fundamental conversão. O sacramento da Penitência representa a segunda conversão. “Salvos pelas águas do Batismo, nosso louvor se enfraqueceu pelo pecado que cometemos, mas o Sacramento da Reconciliação nos convida à penitência, nos renova na santidade” (cf Prefácio da Penitência, Missal Romano). Os Padres da Igreja consideravam a Reconciliação um “batismo laborioso” (cf. Sacramentum Caritatis, n. 20).
O processo histórico do sacramento da Penitência passou por diferentes etapas no seu desenvolvimento ao longo dos séculos. Destacaram-se três etapas: a) uma penitência longa e rígida para quem tivesse cometido os pecados graves do adultério, da apostasia e do homicídio após o batismo. Os pecadores eram afastados da comunidade e acompanhados pela oração da mesma, enquanto cumpriam longas penitências. Após demonstrarem arrependimento pelos pecados cometidos, eram reconciliados e readmitidos na comunidade e na participação eucarística. Tal penitência só podia realizaR-se uma vez na vida. Suas exigências tinham por finalidade a conversão. b) a rígida penitência pública e canônica, aos poucos, foi sendo substituída pela confissão privada e comutativa. Trata-se de uma prática dos monges da Irlanda introduzida no Continente Europeu. Os pecadores confessavam seus pecados ao bispo ou ao padre, sempre que recaíssem no pecado. Recebiam longas e pesadas penitências e somente depois de cumpridas é que recebiam a absolvição. As exigentes penitências podiam ser comutadas, isto é, substituídas por outras mais brandas, como a recitação dos salmos, peregrinações, doações etc. c) por fim, a Igreja adotou a confissão auricular. A confissão dos pecados, tanto graves como leves, era feita ao sacerdote no segredo do confessionário. O pecador declarava seus pecados, recebia uma palavra do confessor, era imediatamente absolvido e enviado ao cumprimento da penitência.
As diferentes etapas que caracterizaram o processo histórico do Sacramento da Penitência sublinham a atenção da Igreja para com seus membros pecadores que, arrependidos, desejam ardentemente retornar à comunhão com Deus e com os irmãos. Assim chegamos ao Concilio Vaticano II que pede: “o rito e as fórmulas da Penitência sejam revistos de tal forma que exprimam mais claramente a natureza e o efeito deste Sacramento” (SC 72).
Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:
1. Por que ainda hoje se fala “no sacramento da confissão”?
2. Buscando o sacramento da Penitência e da Reconciliação, o que mais as pessoas deveriam buscar e celebrar?
3. Como entender que Jesus Cristo instituiu o Sacramento da Penitência e Reconciliação?
4. Ler o Evangelho de João 20, 19-23.
4. A renovação do Sacramento da Reconciliação
O Concilio Vaticano II manifestou ao mundo a vontade da Igreja de se aproximar das pessoas humanas, inteirar-se de suas “alegrias e esperanças, tristezas e angústias” (Gaudium et Spes, 1) para auxiliá-las na compreensão de si mesmas, em especial, de suas tensões e conflitos. A ação mais eficaz que a Igreja pode empreender em vista da reconciliação e da unidade entre as pessoas, consiste em “buscar sem cessar a penitência e a renovação” (Ritual da Penitência (RP), n. 3). Nesta perspectiva, o Vaticano II definiu: “o rito e as fórmulas da Penitência sejam revistos de tal modo que expressem mais claramente a natureza e o efeito do Sacramento (Sacrosanctum Concilium, 72).
À luz da definição Conciliar e da caminhada pós-conciliar, o sacramento passou a ser compreendido como ação litúrgica, memorial do mistério pascal de Jesus Cristo, expressão máxima da misericórdia do Pai que, pela morte e ressurreição de seu Filho, reconciliou o mundo, pacificando tanto as coisas da terra como as do céu. Esta nova realidade de vida é obra do Espírito Santo que move os pecadores a se aproximarem do sacramento da reconciliação (cf RP, introdução, n. 6). A reconciliação é ação da Igreja que valoriza a pessoa e sua situação, os atos do pecador arrependido, a participação comunitária, a ação do ministro. Particular ênfase é dada à Palavra de Deus, à acolhida, à escuta e ao diálogo benevolente com o penitente, à absolvição com o gesto da imposição das mãos, à oração ou gesto de contrição e à ação de graças. Tudo para sublinhar a dinâmica da conversão, numa maior integração entre a vida penitencial e celebração da reconciliação.
O Ritual da Penitência apresenta três formas distintas de celebração: a) Rito para a reconciliação individual dos penitentes; b) Rito para a reconciliação de vários penitentes com confissão e a absolvição individuais; c) Rito para reconciliação de vários penitentes com confissão e absolvição gerais. Por fim, apresenta ainda uma série de Celebrações Penitenciais não sacramentais. Cada uma dessas formas tem seu valor. A Reconciliação individual, através do diálogo personalizado com o penitente, tem a possibilidade de considerar melhor a caminhada de fé, o engajamento comunitário e social, as necessidades e situações concretas do penitente, estimulando-o à conversão, além de favorecer ao ministro o desempenho de sua função como sacerdote, pastor, médico e guia. A Reconciliação de vários penitentes (celebração comunitária) expressa o sentido eclesial e comunitário do sacramento. Esta segunda forma, favorece a participação, a acolhida, a proclamação e a escuta da Palavra, o exame de consciência, a oração comum e a ação de graças. Esta forma destaca o valor da mediação da Igreja na graça da reconciliação. A Reconciliação com confissão e absolvição geral é reservada para necessidades e situações especiais (cf Código de Direito Canônico, cân 961).
O Ritual recomenda, no que se refere às formas individual e comunitária, que a utilização sistemática de uma não obscureça os valores da outra. A utilização das diversas formas, de acordo com o espírito do Ritual e com prudentes critérios pastorais, poderá servir para um maior aprofundamento na graça da reconciliação e evitará que se caia em práticas rotineiras. Todavia, a prática sacramental da penitência requer um planejamento pastoral que organize e articule sua celebração com critérios amplos e realistas, tendo presente o significado dos tempos litúrgicos e o ritmo espiritual da comunidade cristã.
Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:
1. Que motivos levam as pessoas buscarem o sacramento da Penitência? Ou o que afasta as pessoas do sacramento?
2. Quais são as formas rituais do sacramento e qual você mais procura? Por quê?
3. Como celebramos este Sacramento em nossa comunidade?
5. Sacramento enriquecido pela Palavra de Deus
“A palavra de Deus ilumina o fiel para o reconhecimento de seus pecados, chama-o à conversão e leva-o a confiar na misericórdia divina” (RP, n. 17). O atual Ritual da Penitência e Reconciliação recupera o espaço e a função da Palavra de Deus em vista da sincera conversão.
O Lecionário do Ritual foi enriquecido com inúmeros textos Bíblicos (numa média de 80 textos). Além das leituras previstas no Ritual, “podem-se, selecionar outras, segundo a necessidade e a condição das assembléias” (cf RP. P. 80).
Alguém poderia pensar que a proclamação da Palavra de Deus só seria possível na reconciliação de vários penitentes (celebração comunitária). Não! O Rito para a “reconciliação individual dos penitentes”, recomenda: “o sacerdote, se julgar oportuno, lê ou diz de cor algum texto da Sagrada Escritura que proclame a misericórdia de Deus e exorte a pessoa à conversão” (RP, n. 43). O fato da Palavra de Deus ser recomendada no rito da “reconciliação individual” realça ainda mais sua proclamação na celebração comunitária. “Convém que o sacramento da penitência comece com a escuta da palavra, pela qual Deus chama à penitência e conduz à verdadeira conversão interior” (RP 24).
Por que esse lugar privilegiado para a Palavra de Deus? O chamado à conversão feito outrora por Jesus, hoje, ressoa na Igreja. “Desde então, a Igreja jamais deixou de convidar os homens à conversão e a manifestarem a vitória de Cristo sobre o pecado pela celebração da penitência” (RP, 1).
A Palavra de Deus além de iluminar a vida, o senso de pecado e o exame de consciência, renova também a compreensão e a prática do sacramento da Reconciliação. Pois, ao mesmo tempo que questiona, restabelece a relação do Pai com o pecador arrependido. Reconcilia-o consigo mesmo e com a comunidade dos irmãos. Insere-o num novo projeto de vida marcado por relações reconciliadas e reconciliadoras.
À luz da Palavra, o encontro pessoal com Deus transformará a celebração penitencial numa proclamação de fé, numa confissão dos pecados e numa manifestação de alegria pela paz recebida. “Depois de receber o perdão dos pecados, o penitente proclama a misericórdia de Deus e lhe rende graças em breve aclamação da Sagrada Escritura” (RP 20; 29). Quando celebramos a Penitência e a Reconciliação, geralmente escolhemos textos que falem direta e explicitamente do perdão. Tudo bem, mas o Ritual sugere também outros textos que ajudam a questionar e rever toda a nossa vida cristã, nossas opções, nossos valores. Por exemplo, temos no Lecionário do Ritual o texto das Bem-Aventuranças, da Profissão de fé de Pedro, etc.
A valorização da Palavra de Deus na celebração deste sacramento, poderá se transformar num elemento fundamental para a renovação do modo de se entender o pecado, o exame de consciência, a declaração dos pecados e sua relação com a vida dos cristãos. Mais rico, mais profundo e mais sincero será o caminho de quem se deixa interpelar pessoalmente pela Palavra do Deus vivo que, na sua misericórdia, chama à conversão e à relação filial e comunitária.
Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:
1. O que motivou o Concílio Vaticano II valorizar a Palavra de Deus no Sacramento da Penitência?
2. Na perspectiva do Sacramento da Penitência, que apelos a Palavra de Deus nos faz?
3. Vamos escolher um dos textos bíblicos que o Ritual nos propõe e fazer juntos a leitura orante?
6. Os atos do penitente
Muitas pessoas se perguntam: “o que é necessário para uma boa celebração do sacramento da Reconciliação”? Entre os diferentes aspectos valorizados pelo Concílio, o Ritual da Penitência sublinha os atos da pessoa do penitente, ou seja, a contrição, a confissão e a satisfação (cf. RP n. 6).
Entre os atos do penitente apontados pelo Ritual, a contrição ocupa o primeiro lugar. Trata-se da dor e do arrependimento pelo pecado cometido. O arrependimento é o ato mais profundamente humano que reconstrói aquilo que o pecado destrói. O pecador, movido pelo Espírito Santo (cf RP. n. 6), toma consciência de seu pecado, experimenta a dor pela ofensa cometida e se põe a caminho em busca do perdão (cf RP n. 6). A parábola do Pai e dos Dois Filhos nos revela que o dinamismo que impulsiona à busca de vida nova não está no pecado em si, mas na percepção da graça de Deus. “Na casa do meu pai ...” (cf Lc 15, 17s). Nesta hora, o ser humano pecador não se sente só com sua culpa, mas experimenta a presença de alguém, que embora distante, o espera. A consciência do pecado, longe de afastar a pessoa humana de Deus, aproxima-se dele e a ajuda a descobrir melhor seu amor e sua graça.
No ato da confissão, o arrependimento interior é revelado pela manifestação dos pecados. Confessar os pecados com arrependimento é uma expressão humana e faz parte das exigências da reconciliação. Revelando ao confessor seus pecados, o penitente se insere na dinâmica comunitária da ação penitencial da Igreja que acolhe e perdoa o pecador sinceramente arrependido. Santo Agostinho via na confissão dos pecados a atitude da humildade do pecador arrependido e do louvor ao Deus da misericórdia. A confissão sincera dos pecados se traduz na manifestação da dor que requer acolhida, grito que faz ecoar o desejo de paz, reconciliação e comunhão com Deus e com os irmãos.
A conversão se completa pela satisfação das culpas (comumente chamada de “penitência”), pela mudança de vida e pela reparação dos danos causados (cf RP, n. 6). A ofensa impõe uma ação visível de reparação, uma prática nova de vida. As obras da satisfação “devem se constituir em ações de culto, caridade, misericórdia e reparação” (João Paulo II). Contudo, o perdão que Deus concede ao pecador é gratuito, não depende da satisfação, mas da sinceridade da conversão. O Ritual da penitência exalta o sentido da satisfação afirmando que ela repara e cura o que o pecado destrói e estraga, remedeia os efeitos do pecado e serve para renovar a vida. A satisfação se constitui num sinal externo do começo ou da retomada da vida nova, sobretudo pela prática do amor ao próximo.
Estes atos do penitente expressam e simbolizam a conversão. Embora distintos, um supõe e remete ao outro. Na perspectiva da fé, juntos devem manifestar a sincera e a profunda rejeição daquilo que gera o pecado. São atos que revelam a assimilação da boa nova: “convertam-se e acreditem no Evangelho” (Mc 1,15).
Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:
1. O que uma pessoa deve fazer ao desejar celebrar uma boa confissão?
2. Qual é significado de cada um dos atos do penitente?
3. Por que os diferentes atos do penitente não são independentes, mas um supõe outro?
7. O ministério da Reconciliação
Só Deus perdoa os pecados (cf Mc 2,7). Não é o padre! a obra da reconciliação, revelada por Jesus Cristo, confiada aos apóstolos e confirmada pelo Espírito Santo, é iniciativa do Pai. Ele é o “único que pode perdoar os pecados” (RP n. 8). “É Deus quem reconcilia com ele o mundo por meio de Cristo” (2Cor 5,19). São Paulo exorta: “em nome de Cristo, suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus” (2Cor 5, 20). Deus é a fonte da graça reconciliadora e do ministério da reconciliação. A Igreja, como povo de Deus, é instrumento da conversão e do perdão. Impulsionada pelo Espírito Santo, ela age de diversos modos no exercício da obra da reconciliação que Deus lhe confiou. Chama à conversão pela pregação da Palavra, intercede em favor dos pecadores, ajuda aos penitentes a fim de que reconheçam e confessem suas faltas e, assim, obtenham a misericórdia de Deus (cf. RP n. 8).
A Igreja exerce o ministério do sacramento da Penitência por meio dos bispos e dos presbíteros. Contudo, os ministros do sacramento da Penitência e da Reconciliação, em virtude do sacramento da Ordem, acolhem os penitentes e perdoam seus pecados “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (RP n. 9). Eles não são proprietários, mas servos do perdão de Deus, agindo em nome e segundo a caridade de Cristo. O ministro age sempre em nome de Jesus Cristo, o Bom Pastor e da Igreja, comunidade orante e acolhedora. Através do ministro, Jesus Cristo se encontra com o pecador arrependido e lhe comunica: “a paz esteja contigo”! Libertando-o do pecado, enche-o de luz e de alegria. Deus Pai acolhe e comunica ao penitente seu amor misericordioso. Santo Afonso afirmava que a ação primordial do ministro consistia em “tornar-se imagem do Pai celeste”. Mais do que um inquisidor, o ministro da Reconciliação, é um irmão entre os irmãos, que acolhe com gentileza, escuta com afeição, orienta com firme sabedoria e, animado pela compaixão de Cristo, proclama com largueza a Boa-Nova do perdão.
Ao ministro do sacramento da Penitência, o Ritual recomenda: acolha com benevolência e saúde amavelmente o penitente que se aproxima para confessar seus pecados; faça o sinal-da-cruz juntamente com o penitente; exorte o penitente à confiança na misericórdia de Deus; leia um texto da Sagrada Escritura que proclame a misericórdia de Deus e a conversão; ajude o penitente, se necessário, a fazer a confissão íntegra; oriente à contrição de suas culpas, recordando-lhe que ele, pelo sacramento da penitência, morrendo e ressuscitando com Cristo, renova-se no mistério pascal; sugira ao penitente, segundo a sua condição, a penitência para a satisfação do pecado e renovação de sua vida; solicite que manifeste sua contrição; proclame a absolvição, com as mãos estendidas sobre a cabeça do penitente; louve a Deus por sua misericórdia; despeça o penitente animando-o a viver em paz (cf RP nn. 41-47);
Do ministro da Penitência, além de esmerada preparação teológica e equilíbrio afetivo, requer-se comprovada consciência e experiência das realidades humanas. Ele deve primar pelo respeito e delicadeza, pelo amor à verdade e fidelidade às orientações da Igreja, para conduzir o penitente no rumo do encontro reconciliador com Deus e com a Igreja.
Seria oportuno aqui, recordar uma parte da prece de ordenação presbiteral, onde o Bispo reza sobre o ordenando: “que ele esteja sempre unido a nós, Senhor, para implorar a vossa misericórdia em favor do povo a ele confiado e em favor de todo o mundo”.
Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:
1. Como você entende o ministério do confessor? Que dúvidas você tem?
2. E que experiências significativas este ministério já lhe proporcionou em sua vida?
3. Sugerimos estudar este artigo juntamente com o padre de sua comunidade e dialogar com ele sobre este ministério.
Fonte: Liturgia em Mutirão III - CNBB
http://www.cnbb.org.br/site/component/docman/cat_view/236-liturgia-em-mutirao-iii
1. O Sacramento da conversão
A reconciliação é uma meta. As pessoas buscam incansavelmente a paz. Mas, para alcançá-la, é necessário um penoso caminho de conversão, de mudanças e de transformações. A verdadeira reconciliação começa no coração de cada pessoa. Isto é, o convite à conversão exige uma mudança de rumo. Contudo, o processo de mudança não afeta exclusivamente o indivíduo, mas tende a expandir-se aos demais – à comunidade e à sociedade.
No processo de conversão atuam diversos fatores: a) a consciência que quer dar um fim ao que está errado ou ao que desvia do rumo certo; b) a necessidade de se corrigir e reorganizar a vida em vista de um novo sentido e de uma nova prática; c) o pressuposto de que Deus está na origem da vida do ser humano e de que o amor misericordioso de Deus é quem dá sentido à existência humana. Converter-se é voltar o coração para Deus (cf Lc 15). É deixar-se reconciliar por Ele (2Cor 5,20) É inserir-se na dinâmica da Aliança. É participar do amor de Deus e ser testemunha da santidade de Deus na comunidade eclesial e no meio em que vive. Converter-se significa abandonar a antiga situação e abrir-se para a nova realidade de vida.
Já no Antigo Testamento Vemos o próprio Deus – por intermédio de seus profetas e mensageiros – convidando o povo à conversão (Sl 4,3; Sl 94,8; Is 44,22; Jr 18,11; Os 6,1). A conversão significa retorno ao Senhor, e, consequentemente, a renúncia ao mal, mudando o próprio modo de viver. O Salmo 51/50 oferece uma síntese da conversão e da misericórdia de Deus. A conversão se traduz em inúmeras práticas penitenciais.
A pregação de Jesus está centralizada no anúncio da conversão (metanóia), da penitência, como única via de ingresso e participação no reino de Deus e como única via de salvação. Não é por acaso que Jesus inicia seu ministério público convidando ao arrependimento: “Convertei-vos porque o reino de Deus chegou” (Mt 4,17; Mc 1,15). É um apelo que reflete a necessidade de colocar-se na dinâmica de quem acolhe a boa nova de salvação. A conversão é o movimento que, por um lado, significa abandonar o “velho homem” e, por outro, revestir-se do “novo” (Rm 6,6; Cl 3,9-10). Converter-se é tornar-se novo na opção de vida pela verdade e a autenticidade. Mais do que uma ação isolada, a mudança sugere a imagem “do caminho”. Isto é, algo dinâmico, que precisa ser feito, construído segundo os critérios apontados pela Palavra de Deus. “O caminho se faz caminhando”.
Notemos que a conversão é dom e graça de Deus. Mas também requer exercício e empenho no sentido de responder fielmente às exigências do Espírito e à identificação com Jesus Cristo, para o louvor e a gloria de Deus Pai. Neste prisma, o sacramento da Penitência celebra o encontro do filho pecador com o amor misericordioso do Pai. Encontro que renova a vida batismal ferida pelo pecado. Encontro que faz crescer no seguimento de Cristo e do seu Espírito. A conversão sincera é o pressuposto necessário para uma autêntica celebração do sacramento da Penitência.
Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:
1. A reconciliação é uma meta a ser alcançada. O que fazer para atingi-la?
2. O que exige uma verdadeira conversão?
3. Qual é o pressuposto básico da celebração da Penitência?
4. Vamos rezar o Salmo 51(51) com os passos da leitura orante?
2. Sacramento da reconciliação
Muitos se perguntam, hoje, pelo significado do sacramento da reconciliação no horizonte de uma sociedade onde a convivência harmônica e pacífica está se deteriorando face ao crescimento da violência, onde a vida e a dignidade das pessoas são ameaçadas.
Ora, o sacramento da Penitência está justamente enraizado na condição humana e na complexa realidade da convivência social. As pessoas ao mesmo tempo que aspiram viver em paz, reconciliadas consigo e com os semelhantes, experimentam a amargura das tensões e dos conflitos. Sentem-se contrariadas frente às adversidades e às rupturas. Em meio às contradições e frustrações, a reação imediata é o isolamento. De fato, quem se dedica ao ministério da Reconciliação, constata que há “muita solidão”! Pessoas que desejam avidamente ser ouvidas em seus desabafos. Contudo, da experiência do sentir-se só e ferido, ecoa o grito pela busca de uma nova realidade, da mudança de vida. É preciso mudar! Ninguém, em sã consciência, consegue viver só e em meio a conflitos e transgressões por muito tempo. “Levantar-me-ei e irei ter com meu pai” (Lc 15,18)!
O Sacramento da Penitência e da Reconciliação é a festa do reencontro e do amor misericordioso do Pai. É a celebração do perdão e da esperança. O pedido de perdão resgata o sentimento confiante e possibilita a abertura de novos horizontes de relações reconciliadas. O pedir perdão encerra um dinamismo humano muito maior que a simples oração interior, pois insere o ser humano na dinâmica da relação comunitária. “Pai pequei contra Deus e contra ti, já não mereço que me chamem teu filho” (cf Lc 15,21).
Mas, o “pedir perdão” requer a disponibilidade de alguém que se faça “todo escuta”, isto é, acolha com benevolência, ouça atenciosamente, permitindo à pessoa abrir seu coração. Saber ouvir é atitude que brota da bem-aventurança da misericórdia e, do reconhecimento da grandeza da pessoa do outro, apesar de seus limites (cf Jo 8,10-11). Nesta hora, a interlocução (o diálogo) reveste-se de significativa importância. Quem pede perdão, também espera ouvir uma palavra reconciliadora, ou seja, uma palavra que lhe dê a certeza do perdão e da paz. O perdão faz brilhar os olhos e exultar o coração ante as palavras: “irmão (a) tu estás perdoado (a)! Tu és amado (a) por Deus e liberto (a) em Jesus Cristo pela força de seu Espírito. Vai e viva em paz com todos!”
O sacramento da Reconciliação é a celebração do amor incondicional de Deus que se traduz em dom de perdão e de paz. No Sacramento da Penitência, os fiéis “obtêm da misericórdia divina o perdão da ofensa a Deus, e ao mesmo tempo são reconciliados com a Igreja que eles feriram pelo pecado e que colabora para sua conversão com a caridade, o exemplo e as orações” (RP. Introdução. 4). O importante é resgatar a comunhão com Deus e com a Igreja, olhando igualmente para a grande reconciliação com o universo, em vista da cultura de reconciliados (cf. Conclusões do Seminário sobre Reconciliação, publicado no Subsídio Deixai-vos Reconciliar, Estudos da CNBB 96, Brasília, Edições CNBB, 2008).
Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:
1. Como as pessoas reagem e convivem em meio à violência e aos conflitos sociais?
2. Quando você percebe que machucou alguém, como você reage? O que você faz?
3. Nos momentos difíceis de sua vida, o que você mais deseja? O que você busca?
4. Muita gente sente a necessidade de celebrar o sacramento. Você sabe como, onde, quando e com quem celebrá-lo?
3. A celebração do Sacramento da Reconciliação ao longo da história
A Tradição da Igreja afirma que “Cristo instituiu o sacramento da Penitência para todos os membros pecadores de sua Igreja, antes de tudo para aqueles que, depois do batismo, cometeram pecado grave e com isso perderam a graça batismal e feriram a comunhão eclesial” (Catecismo, 1446). Jesus edificou sua tenda entre nós (Jo 1, 14) para revelar o amor misericordioso do Pai e reconciliar a humanidade com Ele. Iniciou sua pregação conclamando à penitência: “fazei penitência e crede na Boa Nova” (Mc 1,15). Acolheu os pecadores, reconciliando-os com o Pai (Lc 5, 20; 7,48) e por fim, derramou seu sangue na cruz para o perdão dos pecados (Mt 26,28). Ao ressuscitar dentre os mortos, enviou o Espírito Santo sobre os seus discípulos concedendo-lhes o poder de perdoar os pecados (Jo 20, 19-23) e os enviou para pregar a penitência e o perdão dos pecados (Lc 24,47). Portanto, o sacramento da Penitência se enraíza na vida e na prática de Jesus.
A pregação vibrante da Boa Nova de Jesus pelos apóstolos fez com que a multidão clamasse: “irmãos, o que devemos fazer?”. Ao que Pedro responde: “arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo, para o perdão dos pecados” (At 2, 38). O batismo é o sacramento da primeira e fundamental conversão. O sacramento da Penitência representa a segunda conversão. “Salvos pelas águas do Batismo, nosso louvor se enfraqueceu pelo pecado que cometemos, mas o Sacramento da Reconciliação nos convida à penitência, nos renova na santidade” (cf Prefácio da Penitência, Missal Romano). Os Padres da Igreja consideravam a Reconciliação um “batismo laborioso” (cf. Sacramentum Caritatis, n. 20).
O processo histórico do sacramento da Penitência passou por diferentes etapas no seu desenvolvimento ao longo dos séculos. Destacaram-se três etapas: a) uma penitência longa e rígida para quem tivesse cometido os pecados graves do adultério, da apostasia e do homicídio após o batismo. Os pecadores eram afastados da comunidade e acompanhados pela oração da mesma, enquanto cumpriam longas penitências. Após demonstrarem arrependimento pelos pecados cometidos, eram reconciliados e readmitidos na comunidade e na participação eucarística. Tal penitência só podia realizaR-se uma vez na vida. Suas exigências tinham por finalidade a conversão. b) a rígida penitência pública e canônica, aos poucos, foi sendo substituída pela confissão privada e comutativa. Trata-se de uma prática dos monges da Irlanda introduzida no Continente Europeu. Os pecadores confessavam seus pecados ao bispo ou ao padre, sempre que recaíssem no pecado. Recebiam longas e pesadas penitências e somente depois de cumpridas é que recebiam a absolvição. As exigentes penitências podiam ser comutadas, isto é, substituídas por outras mais brandas, como a recitação dos salmos, peregrinações, doações etc. c) por fim, a Igreja adotou a confissão auricular. A confissão dos pecados, tanto graves como leves, era feita ao sacerdote no segredo do confessionário. O pecador declarava seus pecados, recebia uma palavra do confessor, era imediatamente absolvido e enviado ao cumprimento da penitência.
As diferentes etapas que caracterizaram o processo histórico do Sacramento da Penitência sublinham a atenção da Igreja para com seus membros pecadores que, arrependidos, desejam ardentemente retornar à comunhão com Deus e com os irmãos. Assim chegamos ao Concilio Vaticano II que pede: “o rito e as fórmulas da Penitência sejam revistos de tal forma que exprimam mais claramente a natureza e o efeito deste Sacramento” (SC 72).
Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:
1. Por que ainda hoje se fala “no sacramento da confissão”?
2. Buscando o sacramento da Penitência e da Reconciliação, o que mais as pessoas deveriam buscar e celebrar?
3. Como entender que Jesus Cristo instituiu o Sacramento da Penitência e Reconciliação?
4. Ler o Evangelho de João 20, 19-23.
4. A renovação do Sacramento da Reconciliação
O Concilio Vaticano II manifestou ao mundo a vontade da Igreja de se aproximar das pessoas humanas, inteirar-se de suas “alegrias e esperanças, tristezas e angústias” (Gaudium et Spes, 1) para auxiliá-las na compreensão de si mesmas, em especial, de suas tensões e conflitos. A ação mais eficaz que a Igreja pode empreender em vista da reconciliação e da unidade entre as pessoas, consiste em “buscar sem cessar a penitência e a renovação” (Ritual da Penitência (RP), n. 3). Nesta perspectiva, o Vaticano II definiu: “o rito e as fórmulas da Penitência sejam revistos de tal modo que expressem mais claramente a natureza e o efeito do Sacramento (Sacrosanctum Concilium, 72).
À luz da definição Conciliar e da caminhada pós-conciliar, o sacramento passou a ser compreendido como ação litúrgica, memorial do mistério pascal de Jesus Cristo, expressão máxima da misericórdia do Pai que, pela morte e ressurreição de seu Filho, reconciliou o mundo, pacificando tanto as coisas da terra como as do céu. Esta nova realidade de vida é obra do Espírito Santo que move os pecadores a se aproximarem do sacramento da reconciliação (cf RP, introdução, n. 6). A reconciliação é ação da Igreja que valoriza a pessoa e sua situação, os atos do pecador arrependido, a participação comunitária, a ação do ministro. Particular ênfase é dada à Palavra de Deus, à acolhida, à escuta e ao diálogo benevolente com o penitente, à absolvição com o gesto da imposição das mãos, à oração ou gesto de contrição e à ação de graças. Tudo para sublinhar a dinâmica da conversão, numa maior integração entre a vida penitencial e celebração da reconciliação.
O Ritual da Penitência apresenta três formas distintas de celebração: a) Rito para a reconciliação individual dos penitentes; b) Rito para a reconciliação de vários penitentes com confissão e a absolvição individuais; c) Rito para reconciliação de vários penitentes com confissão e absolvição gerais. Por fim, apresenta ainda uma série de Celebrações Penitenciais não sacramentais. Cada uma dessas formas tem seu valor. A Reconciliação individual, através do diálogo personalizado com o penitente, tem a possibilidade de considerar melhor a caminhada de fé, o engajamento comunitário e social, as necessidades e situações concretas do penitente, estimulando-o à conversão, além de favorecer ao ministro o desempenho de sua função como sacerdote, pastor, médico e guia. A Reconciliação de vários penitentes (celebração comunitária) expressa o sentido eclesial e comunitário do sacramento. Esta segunda forma, favorece a participação, a acolhida, a proclamação e a escuta da Palavra, o exame de consciência, a oração comum e a ação de graças. Esta forma destaca o valor da mediação da Igreja na graça da reconciliação. A Reconciliação com confissão e absolvição geral é reservada para necessidades e situações especiais (cf Código de Direito Canônico, cân 961).
O Ritual recomenda, no que se refere às formas individual e comunitária, que a utilização sistemática de uma não obscureça os valores da outra. A utilização das diversas formas, de acordo com o espírito do Ritual e com prudentes critérios pastorais, poderá servir para um maior aprofundamento na graça da reconciliação e evitará que se caia em práticas rotineiras. Todavia, a prática sacramental da penitência requer um planejamento pastoral que organize e articule sua celebração com critérios amplos e realistas, tendo presente o significado dos tempos litúrgicos e o ritmo espiritual da comunidade cristã.
Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:
1. Que motivos levam as pessoas buscarem o sacramento da Penitência? Ou o que afasta as pessoas do sacramento?
2. Quais são as formas rituais do sacramento e qual você mais procura? Por quê?
3. Como celebramos este Sacramento em nossa comunidade?
5. Sacramento enriquecido pela Palavra de Deus
“A palavra de Deus ilumina o fiel para o reconhecimento de seus pecados, chama-o à conversão e leva-o a confiar na misericórdia divina” (RP, n. 17). O atual Ritual da Penitência e Reconciliação recupera o espaço e a função da Palavra de Deus em vista da sincera conversão.
O Lecionário do Ritual foi enriquecido com inúmeros textos Bíblicos (numa média de 80 textos). Além das leituras previstas no Ritual, “podem-se, selecionar outras, segundo a necessidade e a condição das assembléias” (cf RP. P. 80).
Alguém poderia pensar que a proclamação da Palavra de Deus só seria possível na reconciliação de vários penitentes (celebração comunitária). Não! O Rito para a “reconciliação individual dos penitentes”, recomenda: “o sacerdote, se julgar oportuno, lê ou diz de cor algum texto da Sagrada Escritura que proclame a misericórdia de Deus e exorte a pessoa à conversão” (RP, n. 43). O fato da Palavra de Deus ser recomendada no rito da “reconciliação individual” realça ainda mais sua proclamação na celebração comunitária. “Convém que o sacramento da penitência comece com a escuta da palavra, pela qual Deus chama à penitência e conduz à verdadeira conversão interior” (RP 24).
Por que esse lugar privilegiado para a Palavra de Deus? O chamado à conversão feito outrora por Jesus, hoje, ressoa na Igreja. “Desde então, a Igreja jamais deixou de convidar os homens à conversão e a manifestarem a vitória de Cristo sobre o pecado pela celebração da penitência” (RP, 1).
A Palavra de Deus além de iluminar a vida, o senso de pecado e o exame de consciência, renova também a compreensão e a prática do sacramento da Reconciliação. Pois, ao mesmo tempo que questiona, restabelece a relação do Pai com o pecador arrependido. Reconcilia-o consigo mesmo e com a comunidade dos irmãos. Insere-o num novo projeto de vida marcado por relações reconciliadas e reconciliadoras.
À luz da Palavra, o encontro pessoal com Deus transformará a celebração penitencial numa proclamação de fé, numa confissão dos pecados e numa manifestação de alegria pela paz recebida. “Depois de receber o perdão dos pecados, o penitente proclama a misericórdia de Deus e lhe rende graças em breve aclamação da Sagrada Escritura” (RP 20; 29). Quando celebramos a Penitência e a Reconciliação, geralmente escolhemos textos que falem direta e explicitamente do perdão. Tudo bem, mas o Ritual sugere também outros textos que ajudam a questionar e rever toda a nossa vida cristã, nossas opções, nossos valores. Por exemplo, temos no Lecionário do Ritual o texto das Bem-Aventuranças, da Profissão de fé de Pedro, etc.
A valorização da Palavra de Deus na celebração deste sacramento, poderá se transformar num elemento fundamental para a renovação do modo de se entender o pecado, o exame de consciência, a declaração dos pecados e sua relação com a vida dos cristãos. Mais rico, mais profundo e mais sincero será o caminho de quem se deixa interpelar pessoalmente pela Palavra do Deus vivo que, na sua misericórdia, chama à conversão e à relação filial e comunitária.
Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:
1. O que motivou o Concílio Vaticano II valorizar a Palavra de Deus no Sacramento da Penitência?
2. Na perspectiva do Sacramento da Penitência, que apelos a Palavra de Deus nos faz?
3. Vamos escolher um dos textos bíblicos que o Ritual nos propõe e fazer juntos a leitura orante?
6. Os atos do penitente
Muitas pessoas se perguntam: “o que é necessário para uma boa celebração do sacramento da Reconciliação”? Entre os diferentes aspectos valorizados pelo Concílio, o Ritual da Penitência sublinha os atos da pessoa do penitente, ou seja, a contrição, a confissão e a satisfação (cf. RP n. 6).
Entre os atos do penitente apontados pelo Ritual, a contrição ocupa o primeiro lugar. Trata-se da dor e do arrependimento pelo pecado cometido. O arrependimento é o ato mais profundamente humano que reconstrói aquilo que o pecado destrói. O pecador, movido pelo Espírito Santo (cf RP. n. 6), toma consciência de seu pecado, experimenta a dor pela ofensa cometida e se põe a caminho em busca do perdão (cf RP n. 6). A parábola do Pai e dos Dois Filhos nos revela que o dinamismo que impulsiona à busca de vida nova não está no pecado em si, mas na percepção da graça de Deus. “Na casa do meu pai ...” (cf Lc 15, 17s). Nesta hora, o ser humano pecador não se sente só com sua culpa, mas experimenta a presença de alguém, que embora distante, o espera. A consciência do pecado, longe de afastar a pessoa humana de Deus, aproxima-se dele e a ajuda a descobrir melhor seu amor e sua graça.
No ato da confissão, o arrependimento interior é revelado pela manifestação dos pecados. Confessar os pecados com arrependimento é uma expressão humana e faz parte das exigências da reconciliação. Revelando ao confessor seus pecados, o penitente se insere na dinâmica comunitária da ação penitencial da Igreja que acolhe e perdoa o pecador sinceramente arrependido. Santo Agostinho via na confissão dos pecados a atitude da humildade do pecador arrependido e do louvor ao Deus da misericórdia. A confissão sincera dos pecados se traduz na manifestação da dor que requer acolhida, grito que faz ecoar o desejo de paz, reconciliação e comunhão com Deus e com os irmãos.
A conversão se completa pela satisfação das culpas (comumente chamada de “penitência”), pela mudança de vida e pela reparação dos danos causados (cf RP, n. 6). A ofensa impõe uma ação visível de reparação, uma prática nova de vida. As obras da satisfação “devem se constituir em ações de culto, caridade, misericórdia e reparação” (João Paulo II). Contudo, o perdão que Deus concede ao pecador é gratuito, não depende da satisfação, mas da sinceridade da conversão. O Ritual da penitência exalta o sentido da satisfação afirmando que ela repara e cura o que o pecado destrói e estraga, remedeia os efeitos do pecado e serve para renovar a vida. A satisfação se constitui num sinal externo do começo ou da retomada da vida nova, sobretudo pela prática do amor ao próximo.
Estes atos do penitente expressam e simbolizam a conversão. Embora distintos, um supõe e remete ao outro. Na perspectiva da fé, juntos devem manifestar a sincera e a profunda rejeição daquilo que gera o pecado. São atos que revelam a assimilação da boa nova: “convertam-se e acreditem no Evangelho” (Mc 1,15).
Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:
1. O que uma pessoa deve fazer ao desejar celebrar uma boa confissão?
2. Qual é significado de cada um dos atos do penitente?
3. Por que os diferentes atos do penitente não são independentes, mas um supõe outro?
7. O ministério da Reconciliação
Só Deus perdoa os pecados (cf Mc 2,7). Não é o padre! a obra da reconciliação, revelada por Jesus Cristo, confiada aos apóstolos e confirmada pelo Espírito Santo, é iniciativa do Pai. Ele é o “único que pode perdoar os pecados” (RP n. 8). “É Deus quem reconcilia com ele o mundo por meio de Cristo” (2Cor 5,19). São Paulo exorta: “em nome de Cristo, suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus” (2Cor 5, 20). Deus é a fonte da graça reconciliadora e do ministério da reconciliação. A Igreja, como povo de Deus, é instrumento da conversão e do perdão. Impulsionada pelo Espírito Santo, ela age de diversos modos no exercício da obra da reconciliação que Deus lhe confiou. Chama à conversão pela pregação da Palavra, intercede em favor dos pecadores, ajuda aos penitentes a fim de que reconheçam e confessem suas faltas e, assim, obtenham a misericórdia de Deus (cf. RP n. 8).
A Igreja exerce o ministério do sacramento da Penitência por meio dos bispos e dos presbíteros. Contudo, os ministros do sacramento da Penitência e da Reconciliação, em virtude do sacramento da Ordem, acolhem os penitentes e perdoam seus pecados “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (RP n. 9). Eles não são proprietários, mas servos do perdão de Deus, agindo em nome e segundo a caridade de Cristo. O ministro age sempre em nome de Jesus Cristo, o Bom Pastor e da Igreja, comunidade orante e acolhedora. Através do ministro, Jesus Cristo se encontra com o pecador arrependido e lhe comunica: “a paz esteja contigo”! Libertando-o do pecado, enche-o de luz e de alegria. Deus Pai acolhe e comunica ao penitente seu amor misericordioso. Santo Afonso afirmava que a ação primordial do ministro consistia em “tornar-se imagem do Pai celeste”. Mais do que um inquisidor, o ministro da Reconciliação, é um irmão entre os irmãos, que acolhe com gentileza, escuta com afeição, orienta com firme sabedoria e, animado pela compaixão de Cristo, proclama com largueza a Boa-Nova do perdão.
Ao ministro do sacramento da Penitência, o Ritual recomenda: acolha com benevolência e saúde amavelmente o penitente que se aproxima para confessar seus pecados; faça o sinal-da-cruz juntamente com o penitente; exorte o penitente à confiança na misericórdia de Deus; leia um texto da Sagrada Escritura que proclame a misericórdia de Deus e a conversão; ajude o penitente, se necessário, a fazer a confissão íntegra; oriente à contrição de suas culpas, recordando-lhe que ele, pelo sacramento da penitência, morrendo e ressuscitando com Cristo, renova-se no mistério pascal; sugira ao penitente, segundo a sua condição, a penitência para a satisfação do pecado e renovação de sua vida; solicite que manifeste sua contrição; proclame a absolvição, com as mãos estendidas sobre a cabeça do penitente; louve a Deus por sua misericórdia; despeça o penitente animando-o a viver em paz (cf RP nn. 41-47);
Do ministro da Penitência, além de esmerada preparação teológica e equilíbrio afetivo, requer-se comprovada consciência e experiência das realidades humanas. Ele deve primar pelo respeito e delicadeza, pelo amor à verdade e fidelidade às orientações da Igreja, para conduzir o penitente no rumo do encontro reconciliador com Deus e com a Igreja.
Seria oportuno aqui, recordar uma parte da prece de ordenação presbiteral, onde o Bispo reza sobre o ordenando: “que ele esteja sempre unido a nós, Senhor, para implorar a vossa misericórdia em favor do povo a ele confiado e em favor de todo o mundo”.
Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:
1. Como você entende o ministério do confessor? Que dúvidas você tem?
2. E que experiências significativas este ministério já lhe proporcionou em sua vida?
3. Sugerimos estudar este artigo juntamente com o padre de sua comunidade e dialogar com ele sobre este ministério.
Fonte: Liturgia em Mutirão III - CNBB
http://www.cnbb.org.br/site/component/docman/cat_view/236-liturgia-em-mutirao-iii
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