quarta-feira, 10 de março de 2010

CELEBRAR A RETOMADA DO RUMO CERTO: EIS A QUESTÃO


Frei José Ariovaldo da Silva, OFM

1. O ser humano, “desnorteado”: chamado a retomar o rumo de Deus

De repente, o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus e vivendo num paraíso (cf. Gn cap. 1 e 2), se viu sem rumo, sem norte (“desnorteado”!), desequilibrado, muito inseguro, frágil e, ao mesmo tempo, prepotente, violento (e até mortalmente violento!), egoísta, dado à corrupção de todo tipo, sem serenidade na convivência social, muito confuso... É o que transparece já a partir das primeiras páginas a Sagrada Escritura (cf. Gn cap. 3, 4, 6, 7, 11, 19, 27,12ss etc.).

No meio dessa gente, sempre tem alguém que se salva, que se mantém no rumo de Deus. É o caso de Noé e sua família, com quem Deus chega a fazer aliança (cf. Gn cap. 9). É caso de Abraão que deixa sua terra para seguir o rumo de Deus, e Deus faz uma aliança também com ele (cf. Gn cap. 12 e 17). É o caso, depois, de inúmeros descendentes de Abraão que, no meio de dificuldades e contratempos, se esforçam por se deixar conduzir pelo Senhor. Deus, para eles, vai sendo percebido e assumido como o rumo certo de uma vida realizada e feliz. E Deus os acolhe amorosamente.

Lendo as páginas da Bíblia, vemos como Deus vai se revelando como o verdadeiro rumo para o ser humano. Mostrou-o quando, “ouvindo o clamor do povo” (cf. Ex 3,7-10), operou através do seu servo Moisés a libertação da escravidão do Egito (cf. Ex cap. 12 a 15). Mostrou-o, sustentando o povo na caminhada pelo deserto (cf. Ex 15,22-18,27). Mostrou-o, por ocasião da aliança do Sinai (cf. Ex 19 e 20), inclusive prometendo: “Se vocês realmente ouvirem minha voz e guardarem a minha aliança, serão minha propriedade exclusiva dentre todos os povos. De fato, é minha toda a terra, mas vocês serão para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa” (cf. Ex 19,3-6). Mostrou-o, quando amorosamente acolhia de volta o povo que, eventualmente, resolvia tomar outro rumo e depois se arrependia. E assim por diante...

Sobretudo através dos sábios e profetas, Deus continuou se mostrando, insistente e repetidamente, como sendo o rumo mais certo para o futuro mais certo. E sempre pronto a acolher amorosamente quem se “desnorteou”. Por isso, exclama o salmista: “Bendize, ó minha alma, ao Senhor!... Ele perdoa tuas culpas todas, e cura todas as tuas enfermidades. Ele resgata do fosso tua vida e te coroa de misericórdia e compaixão... O Senhor é compassivo e clemente, lento para a cólera e rico em misericórdia” (Sl 103,1.3-4.8).

Na voz dos profetas vemos constantemente o apelo: Quem tomou outro rumo, volte para o rumo de Deus, pois ele não rejeita ninguém. E quem está no rumo de Deus, não tome outro rumo. A experiência mostra que não vale a pena enveredar por outro. Amor, bondade, perdão, justiça, misericórdia, solidariedade, são algumas características do rumo de Deus. E Deus ainda vai dar a prova final (quando vier o Messias) de que o seu é o rumo mais certo.

2. Peguem o rumo de Deus, porque o seu Reino está próximo!

Assim, aproximando-se o ponto alto da história da salvação de Deus, aparece o profeta João Batista, pregando sobre Deus lá no deserto. E avisava: “Convertam-se porque está próximo o reino dos céus” (cf. Mt 3,1-12; Mc 1,1-8; Lc 3,1-20; Jo 1,19-28). Em outras palavras: Mudem de rumo! Peguem o rumo de Deus, porque a expressão máxima deste rumo está muito próxima de nós: o Messias!

Muita gente, sobretudo o povo mais humilde, passou a acreditar naquilo que João ensinava e, realmente, enveredava pelo rumo de Deus, procurando viver uma vida de solidariedade, honestidade e respeito para com as pessoas. E para simbolizar esta mudança de rumo (entrando – mergulhando – “de cabeça” no rumo apontado pelo profeta) com o conseqüente perdão dos pecados, as pessoas eram batizadas (isto é, mergulhadas) nas águas do rio Jordão. João, no entanto, alertava: Atenção, pessoal! Eu não sou o Messias, não. Eu mergulho vocês na água. Mas, aquele que vem depois de mim, muito mais forte do que eu, este vai mergulhar (batizar) vocês no Espírito Santo. Em outras palavras, ele vai mergulhar vocês “de cabeça” para dentro do sentido máximo do rumo de Deus, que é o próprio Espírito de Deus que nos acolhe e nos perdoa.

Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:
1. Olhando para a Bíblia, em que momentos as pessoas se desviaram do “rumo” proposto por Deus?
2. Qual a atitude de Deus Pai diante dos erros da humanidade?
3. E hoje? Quando e como nós nos desviamos do rumo?

3. Jesus e sua páscoa: revelação e presença vitoriosa do rumo reconciliador de Deus

Vimos no artigo anterior que João Batista pedindo a conversão e batizando. E não há de ver que o próprio Jesus, solidarizando-se com todo aquele povo, se faz batizar nas águas do Jordão, (cf. Mt 3,13-17; Mc 1,9-11; Lc 3,21-22; Jo 1,29-34)! E o que acontece? Aquele mergulho simbólico nas águas nos fala de Jesus como alguém nítida e totalmente mergulhado no Espírito de Deus. Tão mergulhado está, que nele não podemos ver outro senão o próprio Filho de Deus, o verdadeiro “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Já no início de sua missão, o próprio Jesus anuncia: “Completaram-se os tempos, está próximo o reino de Deus, convertam-se e creiam no Evangelho”.

E como aparece, na prática, que Jesus é o próprio Filho de Deus e, portanto, a expressão máxima do rumo de Deus? Pela sua radical solidariedade com o ser humano. Pela sua encarnação, vida, ações, palavras, sofrimento, morte, ressurreição e dom do Espírito, nós o vemos mergulhado “de cabeça” no abismo da nossa condição humana cheia de anjos e demônios, para nos libertar do pecado e da morte e nos reconciliar com Deus. Assim sendo, ele é o próprio rumo de Deus que nos liberta para a plena realização do ser humano: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (cf. Jo 14,1-14).

Aos que acreditam nesse Jesus e o assumem como o rumo mais certo, ele os perdoa e os cura, pois, sendo Filho de Deus, tem poder para isso (cf. Mc 2,1-12; 2,13-17; Lc 7,36-50; Jo 8,3-11). A Zaqueu ele anuncia: “Hoje a salvação entrou em sua casa”. É que Zaqueu, “chefe dos publicanos e rico”, considerado um “pecador”, vendo Jesus e acolhendo-o “com alegria” em sua casa, resolveu pegar o rumo de Deus, com a promessa de reparar os danos causados aos outros (cf. Lc 19,1-10). A parábola do Filho Pródigo representa bem a história de quem (podemos pensar no ouvinte da Palavra), ao perceber-se de repente “desnorteado” e “sem rumo”, retoma o rumo da casa do Pai e se vê amorosa e festivamente acolhido pelo Pai (cf. Lc 15,11-32).

A páscoa de Jesus (paixão, morte, ressurreição, ascensão e dom do Espírito) é a prova mais nítida e contundente da certeza do rumo reconciliador de Deus. Prova esta que foi transmitida aos apóstolos no dia da páscoa, para que a passassem adiante. Foi quando o ressuscitado soprou sobre eles dizendo: “Recebam o Espírito Santo. Se vocês perdoarem os pecados dos homens, serão perdoados. Se não lhes perdoarem, não serão perdoados” (Jo 20,22-23). E Pedro (após a “explosão do Espírito Santo” na festa de Pentecostes), depois daquele longo discurso falando da ressurreição de Cristo (cf. At 2,1-36), dá uma significativa resposta ao povo que indagava sobre o que então devia ser feito: “Arrependam-se e cada um de vocês seja batizado no nome de Jesus para a remissão dos pecados e vocês receberão o Espírito Santo” (At 2,38). Em outras palavras: Convertam-se, isto é, mudem de rumo; enveredem pelo novo rumo que definitivamente se instaurou pela páscoa, o do Reino de Deus. E como símbolo desta decisão de vocês, pelo qual vocês também são perdoados e admitidos no Reino, sejam batizados (mergulhados na água) em nome de Jesus Cristo.

Foi o que aconteceu, daí para frente. Como símbolo da conversão e entrada no rumo de Deus, e o conseqüente perdão dado por Deus por força da Páscoa, a pessoa era mergulhada na água. Inclusive, para que a decisão pudesse ser a mais madura possível, logo foi se instituindo nas comunidades cristãs um tempo de intenso exercício de conversão e acolhida do dom de Deus (período de catecumenato) antes de a pessoa assumir o rumo de Cristo dentro da comunidade eclesial.

Perguntas para reflexão pessoal ou em grupos:
1. Por que Jesus quis ser batizado?
2. Qual a atitude de Jesus para com os pecadores? O que mais lhe chama a atenção?
3. O que a realidade da Páscoa de Jesus, sua morte e ressurreição, tem a ver com a nossa reconcição?

Fonte: Liturgia em Mutirão III - CNBB
http://www.cnbb.org.br/site/component/docman/cat_view/236-liturgia-em-mutirao-iii

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