(D. João Lavrador)
«Andai sempre alegres, orai sem cessar e, em
todas as circunstâncias, dai graças, pois é a vontade de Deus em Jesus Cristo,
a vosso respeito» (1 Tes. 5, 16-18).
A
fé professada, a fé celebrada, a fé vivida, testemunhada ou anunciada, fazem
parte da mesma realidade da fé pessoal e comunitária que brota da relação de
Deus com o ser humano. Por isso, o compêndio da Igreja Católica diz-nos que
«sustentado pela graça divina, o homem responde a Deus com a obediência da fé,
que consiste em confiar-se completamente a Deus e acolher a Sua verdade,
enquanto garantida por Ele que é a própria verdade» (nº 25). E, seguidamente
enumera alguns exemplos bíblicos que nos manifestam o que é ser pessoa de fé.
Assim, «há muitos testemunhos, mas particularmente dois: Abraão, que, colocado
à prova, «teve fé em Deus» (Rm 4,3) e obedeceu sempre ao seu chamamento,
tornando-se por isso «pai de todos os crentes» (Rm 4,11.18 ); e a Virgem Maria,
que realizou de modo mais perfeito, durante toda a sua vida, a obediência da
fé: «Fiat mihi secundum Verbum tuum – Faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc
1, 38)» (nº 26).
A fé significa, deste modo, «aderir ao próprio Deus, entregando-se a Ele e dando assentimento a todas as verdades por Ele reveladas, porque Deus é a verdade. Significa crer num só Deus em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo» (nº 27).
Em
síntese, podemos afirmar que a fé é «dom gratuito de Deus e acessível a quantos
a pedem humildemente, é uma virtude sobrenatural necessária para a salvação. O
acto de fé é um acto humano, isto é, um acto da inteligência do homem que, sob
decisão da vontade movida por Deus, dá livremente o seu assentimento à verdade
divina. Além disso, a fé é certa porque fundada sobre a Palavra de Deus; é operante
«por meio da caridade» (Gal 5,6); é em contínuo crescimento, graças, em
especial, à escuta da Palavra de Deus e à oração. Ela faz-nos saborear, de
antemão, a alegria celeste» (nº 28).
Sendo
um acto pessoal a fé é, antes de mais, um acto eclesial. Cada um é chamado a
assumir a fé da Igreja. Di-lo o compêndio do Catecismo nos seguintes termos: «A
fé é um acto pessoal, enquanto resposta livre do homem a Deus que se revela.
Mas é ao mesmo tempo um acto eclesial, que se exprime na confissão: «Nós
cremos». De facto, é a Igreja que crê: deste modo, ela, com a graça do Espírito
Santo, precede, gera e nutre a fé do indivíduo. Por isso a Igreja é Mãe e
Mestra» (nº 29).
Para
explicitar este itinerário entre a fé professada, celebrada e vivida ou
testemunhada, a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, nº 7, refere que «a
sagrada Liturgia não esgota toda a acção da Igreja, porque os homens, antes de
poderem participar na Liturgia, precisam de ouvir o apelo à fé e à conversão:
«Como hão-de invocar aquele em quem não creram? Ou como hão-de crer sem o terem
ouvido? Como poderão ouvir se não houver quem pregue? E como se há-de pregar se
não houver quem seja enviado?» (Rom. 10, 14-15).
E,
prossegue afirmando que «é por este motivo que a Igreja anuncia a mensagem de
salvação aos que ainda não têm fé, para que todos os homens venham a conhecer o
único Deus verdadeiro e o Seu enviado, Jesus Cristo, e se convertam dos seus
caminhos pela penitência. Aos que crêem, tem o dever de pregar constantemente a
fé e a penitência, de dispô-los aos sacramentos, de ensiná-los a guardar tudo o
que Cristo mandou, de estimulá-los a tudo o que seja obra de caridade, de
piedade e apostolado, onde os cristãos possam mostrar que são a luz do mundo,
embora não sejam deste mundo, e que glorificam o Pai diante dos homens».
1.1. Da Fé professada à Fé celebrada
A
pessoa tem necessidade de passar da relação professada à celebração. Isto
acontece na vida do quotidiano. Quando se conhece alguém e se progride nesse
mesmo conhecimento até atingir uma relação de amizade, o ser humano sente a
necessidade de celebrar os acontecimentos e a vida que sendo pessoais atingem
aqueles que lhe estão ligados. A celebração é requerida pela profundidade das
relações que ligam os homens e os povos.
Por
isso, também a celebração sustenta e é sustentada pela comunidade de pessoas.
Cada povo, na sua identidade própria, tem necessidade de congregar aqueles que
se identificam com os seus fundamentos através de actos celebrativos. Estes
procedimentos partem do individuo para a comunidade e apelam à comunidade para
uma maior integração e comunhão entre os seus membros.
No
que diz respeito à fé cristã, apesar destas características antropológicas e
comunitárias da celebração, esta é sempre iniciativa de Deus que chama e é Ele
mesmo que se oferece para congregar o Seu Povo.
Deste
modo, «a liturgia, acção sagrada por excelência, constitui o cume para onde
tendem todas as acções da Igreja e, simultaneamente, a fonte donde provém toda
a sua força vital. Através da liturgia, Cristo continua na sua Igreja, com ela
e por meio dela, a obra da nossa redenção» (SC, 219). Ou dito de outro modo,
«na liturgia, o Pai enche-nos das suas bênçãos no Filho encarnado, morto e
ressuscitado por nós, e derrama o Espírito Santo nos nossos corações. Ao mesmo
tempo a Igreja bendiz o Pai, mediante a adoração, o louvor e a acção de graças,
e implora o dom do seu Filho e do Espírito Santo» (SC, 221).
Realmente,
«na liturgia da Igreja, Cristo significa e realiza principalmente o seu
Mistério pascal. Doando o Espírito Santo aos Apóstolos, concedeu-lhes a eles e
aos seus sucessores o poder de realizar a obra da salvação por meio do
Sacrifício eucarístico e dos sacramentos, nos quais Ele próprio age agora para
comunicar a sua graça aos fiéis de todos os tempos e em todo o mundo» (SC,
222).
Através
da liturgia da comunidade cristã, «realiza-se a mais estreita cooperação entre
o Espírito Santo e a Igreja. O Espírito Santo prepara a Igreja para encontrar o
seu Senhor; recorda e manifesta Cristo à fé da assembleia; torna presente e
actualiza o Mistério de Cristo; une a Igreja à vida e à missão de Cristo e faz
frutificar nela o dom da comunhão» (SC, 223).
É
toda a vida de Deus na Sua revelação e na Sua relação com os seus filhos que
está presente na acção litúrgica. Os cristãos, membros de uma comunidade
celebrante, sentem nas suas vidas as exigências da missão de Jesus Cristo que
transportam para o mundo, porque antes saborearam os mistérios da Sua vida que
os faz desbordar de alegria.
1.2. A Celebração da Fé no Concilio
Vaticano II
«A
liturgia é a fonte primeira da vida divina que nos é comunicada, a primeira
escola da nossa vida espiritual, primeiro dom que podemos oferecer ao povo
cristão que, juntamente connosco, crê e ora, e primeiro convite ao mundo, para
que solte a sua língua muda em oração feliz e autêntica, e sinta o inefável
força regeneradora, ao cantar connosco os louvores divinos e as esperanças
humanas, por Cristo nosso Senhor e no Espírito Santo»(Discurso de Paulo VI, no
encerramento da segunda sessão do Concílio Vaticano II, 4 de Dezembro de 1963).
Com estas palavras definia Paulo VI a importância da vida litúrgica na acção
pastoral da Igreja.
O
Concilio Vaticano II, na Constituição sobre a Sagrada Liturgia (SC), no nº 2,
apresenta-nos a síntese do que se pretende com a celebração da fé, a relação da
comunidade cristã com a pessoa que é chamada a participar na fé da Igreja e a
celebrá-la, e o compromisso cristão que daí resulta. Eis o significativo texto:
«a liturgia, pela qual, especialmente no sacrifício eucarístico, se opera o
fruto da nossa Redenção, contribui em sumo grau para que os fiéis exprimam na
vida e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a autêntica natureza da
verdadeira Igreja, que é simultaneamente humana e divina, visível e dotada de
elementos invisíveis, empenhada na acção e dada à contemplação, presente no
mundo e, todavia, peregrina, mas de forma que o que nela é humano se deve
ordenar e subordinar ao divino, o visível ao invisível, a acção à contemplação,
e o presente à cidade futura que buscamos».
Continua
o texto expressando a abrangência da acção litúrgica que não se limitando em
alimentar os que pertencem à comunidade cristã, capacita-os de verdade para
serem testemunhas de Jesus Cristo no mundo. Di-lo com as seguintes palavras: «A
liturgia, ao mesmo tempo que edifica os que estão na Igreja em templo santo no
Senhor, em morada de Deus no Espírito, até à medida da idade da plenitude de
Cristo, robustece de modo admirável as suas energias para pregar Cristo e
mostra a Igreja aos que estão fora, como sinal erguido entre as nações, para
reunir à sua sombra os filhos de Deus dispersos, até que haja um só rebanho e
um só pastor».
A
obra de redenção operada por Cristo está presente na Igreja, especialmente nas
acções litúrgicas. Está presente no sacrifício da Missa, quer na pessoa do
ministro - «O que se oferece agora pelo ministério sacerdotal é o mesmo que se
ofereceu na Cruz» -, quer e sobretudo sob as espécies eucarísticas. Está
presente com o seu dinamismo nos sacramentos, de modo que, quando alguém
baptiza, é o próprio Cristo que baptiza. Está presente na sua palavra, pois é
Ele que fala ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura. Está presente, enfim,
quando a Igreja reza e canta, Ele que prometeu: «Onde estiverem dois ou três
reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles» (Mt. 18,20) (Cfr. SC, 7).
No
dizer do Concilio, a liturgia é simultaneamente a meta para a qual se encaminha
a acção da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força. Na verdade, o
trabalho apostólico ordena-se a conseguir que todos os que se tornaram filhos
de Deus pela fé e pelo baptismo se reúnam em assembleia para louvar a Deus no
meio da Igreja, participem no sacrifício e comam a Ceia do Senhor (cfr. SC,
10).
Vejamos então as profundissimas palavras com as quais o Concilio nos convida a reconhecer o valor da celebração dos mistérios da fé. Diz ele: «A liturgia, por sua vez, impele os fiéis, saciados pelos “mistérios pascais”, a viverem “unidos no amor”; pede “que sejam fiéis na vida a quanto receberam pela fé”; e pela renovação da aliança do Senhor com os homens na Eucaristia, e aquece os fiéis na caridade urgente de Cristo» (SC, 10). Da liturgia, pois, prossegue, em especial da Eucaristia, «corre sobre nós, como de sua fonte, a graça, e por meio dela conseguem os homens com total eficácia a santificação em Cristo e a glorificação de Deus, a que se ordenam, como a seu fim, todas as outras obras da Igreja» (SC, 10).
Como
fonte e cume de toda a acção da Igreja, a liturgia coloca-se no dinamismo que
alimenta toda a acção da comunidade cristã e de todo o cristão, não só no seu
ser cristão, mas na sua vida de apostolado; e como cume, integra variadíssimas
formas de o cristão e a comunidade cristã se relacionarem com Deus, na escuta
da Sua Palavra, na oração, na interioridade e na meditação, na partilha
fraterna, isto é, toda a vida cristã.
1.3. A Participação dos Fiéis na
Celebração dos Mistérios da Fé
A
Igreja é Povo de Deus. Esta realidade torna-se visível na celebração. Por isso,
toda a comunidade é chamada a viver e a saborear os dons de Deus tornados
presentes e oferecidos pela Igreja.
Para
assegurar esta eficácia plena é necessário, porém, que os fiéis celebrem a
liturgia com rectidão de espírito, unam a sua mente às palavras que pronunciam,
cooperem com a graça de Deus, não aconteça de a receberem em vão.
Para
tal, recomenda o Concilio, devem os pastores de almas vigiar por que não só se
observem, na acção litúrgica, as leis que regulam a celebração válida e lícita,
mas também que os fiéis participem nela consciente, activa e frutuosamente
(Cfr. SC, 11).
E,
insiste-se ainda sobre a participação de todos os fiéis, dizendo: «É desejo
ardente na mãe Igreja que todos os fiéis cheguem àquela plena, consciente e
activa participação nas celebrações litúrgicas que a própria natureza da
liturgia exige e que é, por força do baptismo, um direito e um dever do povo
cristão, «raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido» (1 Ped.
2,9; cfr. 2, 4-5) ( SC, 14).
Fixemos
as palavras do Concilio que sublinham como um direito e um dever de todo o povo
cristão a participar na liturgia. Certamente que este repto se dirige aos
Pastores para que levem em conta a participação de todos, cada um segundo o seu
carisma e ministério. Não estamos perante uma questão secundária ou de escolha
arbitrária, pelo contrário, sendo um direito e um dever, deve ser acolhido e
exercido no seio da comunidade.
O
cristão que celebra a sua fé deve conceder o primado à interiorização, ou seja,
à apropriação pessoal daquilo que ele escuta e realiza na liturgia. Somente uma
interiorização autêntica garante uma exteriorização capaz de exprimir aquilo
que se vive de maneira profunda. Este é o modo plenamente activo de viver a
liturgia, desejado pelo Concilio.
Formar
na compreensão da liturgia significa permitir aos fiéis entrar em contacto com
a própria essência do mistério cristão. É por isso que se afirma: «a liturgia é
a primeira e necessária fonte, onde os fiéis hão-de beber o espírito
genuinamente cristão» (SC, n. 14).
Mas
diz ainda o texto conciliar que compete aos Pastores a exigência de zelar pela
liturgia para que ela se realize segundo a dignidade que lhe é própria e apela,
como fica dito acima, para uma participação plena, consciente e activa.
Eis
um desafio profundo lançado à formação cristã, à experiência de comunhão, ao
exercício da corresponsabilidade que devem estar visivelmente presentes na
acção litúrgica. Eis a abertura para uma verdadeira comunidade inteiramente
ministerial, na qual cada um realiza o serviço a que é chamado segundo a sua
vocação e condição cristã.
1.4. Comunidade ministerial
A
liturgia é a expressão mais completa do mistério da Igreja, de tal maneira que
se pode afirmar que a comunidade cristã, segundo o modo de viver a celebração
litúrgica, exprime e manifesta a experiência de Igreja que ela mesma vive.
Deste
modo, o compromisso permanente da pastoral litúrgica deve continuar e tender
para as suas finalidades mais importantes, ou seja, a participação activa, a formação espiritual
e a co-responsabilidade ministerial.
Assim, trata-se de expressar e construir uma imagem de Igreja, povo de Deus, que celebra o Mistério. Isto é, a imagem de Igreja que se manifesta na comunidade real e quotidiana, que celebra o Domingo, que vive os ritmos do ano litúrgico, que se anima pelas suas próprias festas e tradições particulares e que está atenta aos pobres que vivem no meio dela. Com efeito, o povo de Deus na sua totalidade é povo sacerdotal e, excepto a distinção dos ministérios ordenados e não ordenados, todos os leigos são sujeitos litúrgicos capazes e habilitados para o ministério litúrgico, segundo a sua condição e nas suas várias formas(cfr. Piero Marini, art. «No 40º aniversário da promulgação da Constituição “Sacosanctum Concilium”, Rev. Renouveau liturgique Documents fondateurs, Centre national de pastoral liturgique, éditions du Cerf, Collection Liturgie, n. 14, Paris, 2004).
Na
liturgia deve transparecer o que a comunidade cristã é realmente, isto é, toda
ela ministerial. Povo de Deus convocado em assembleia para celebrar os
mistérios de Deus oferecidos na pessoa de Jesus Cristo e realizados pela acção
do Espírito Santo, e que reconhece os dons divinos que lhe são oferecidos em
ordem à partilha fraterna e à missão no meio do mundo.
Por
isso, na renovação conciliar, exige-se que cada um execute na liturgia o que
lhe diz respeito. Eis o enunciado conciliar: «Nas celebrações litúrgicas,
limite-se cada um, ministro ou simples fiel, exercendo o seu ofício, a fazer
tudo e só o que é de sua competência, segundo a natureza do rito e as leis
litúrgicas» (SC, 28).
E,
mais ainda, «os que servem ao altar, os leitores, comentadores e elementos do
grupo coral desempenham também um autêntico ministério litúrgico. Exerçam,
pois, o seu múnus com piedade autêntica e do modo que convêm a tão grande
ministério e que o Povo de Deus tem o direito de exigir» (SC, 29).
A
eclesiologia de comunhão transparece em todos os textos conciliares. Ela é sem
sombra de dúvida o fundamento de toda a concepção de Igreja presente no
desenrolar dos trabalhos do concilio e nos textos posteriores.
A
visibilidade da comunhão está patente na Assembleia reunida para celebrar as
maravilhas de Deus, mas exige a partilha dos diversos serviços no desenrolar da
acção litúrgica.
A
corresponsabilidade na missão da Igreja a que todos os cristãos são chamados
toma lugar já na vida litúrgica da comunidade cristã. Isto exige formação,
exercício ministerial, consciência da partilha dos dons pessoais de acordo com
a sua vocação.
1.5. A beleza na celebração
No
contexto da cultura actual e na intuição conciliar não poderemos ignorar a
relevância da beleza no acto litúrgico. É necessário transmitir a imagem de uma
Igreja que celebra, anuncia e vive o Mistério de Jesus Cristo na beleza e na
dignidade da celebração. Uma beleza que não é apenas formação, formalismo
estético, mas que se fundamenta na "simplicidade nobre", capaz de
manifestar a relação entre os elementos humano e o divino da liturgia (Cfr.
Piero Marini, Ob. Cit.).
Toda
a forma de beleza eleva o homem e, por isso, esta torna-se uma linguagem
universal para a relação com o transcendente.
A
reforma litúrgica do Concilio Vaticano II tem como horizonte a comunhão do
crente com Deus que se manifesta de diversos modos e apoiada em variadas fontes,
também na beleza da acção litúrgica. Esta deve deixar transparecer a presença
de Jesus Cristo no centro da liturgia, o que poderá ser tanto mais evidente,
quanto mais se puder sentir nas celebrações a contemplação, a adoração, a
gratuidade e a acção de graças.
O
salmista cantava «majestade e esplendor O precedem, poder e beleza estão no seu
templo» [Sl. 96(95)]. Ou ainda, «a Sua obra é esplendor e majestade» (Sl 111
[110].
Assim,
a liturgia continuará, também graças à sua beleza, a ser fonte e ápice, escola
e norma de vida cristã.
A
presença misteriosa e real de Cristo e o ser protagonista no rito celebrado
exige da linguagem litúrgica o esplendor da nobre simplicidade, segundo a
célebre afirmação do Concílio Vaticano II (cf. SC, 34). Fala-se no «esplendor
da nobre simplicidade», porque esta é a expressão completa utilizada pelos
Padres conciliares. Nela é-nos concedido encontrar a relação intrínseca entre
beleza, nobreza e simplicidade.
Para
nos ajudar a compreender melhor a relação da beleza com o mistério celebrado,
vejamos um texto do Papa Bento XVI, na exortação apostólica pós-sinodal sobre a
Eucaristia, Sacramentum caritatis, que diz: «A relação entre mistério
acreditado e mistério celebrado manifesta-se, de modo peculiar, no valor
teológico e litúrgico da beleza. De facto, a liturgia, como aliás a revelação
cristã, tem uma ligação intrínseca com a beleza: é esplendor da verdade,
veritatis splendor (...) Referimo-nos aqui a este atributo da beleza, vista não
como mero esteticismo, mas como modalidade com que a verdade do amor de Deus em
Cristo nos alcança, fascina e arrebata, fazendo-nos sair de nós mesmos e
atraindo-nos assim para a nossa verdadeira vocação: o amor (...) A verdadeira
beleza é o amor de Deus que nos foi revelado definitivamente no mistério
pascal. A beleza da liturgia pertence a este mistério; é expressão excelsa da
glória de Deus e, de certa forma, constitui o céu que desce à terra (...)
Concluindo, a beleza não é um factor decorativo da acção litúrgica, mas seu
elemento constitutivo, enquanto atributo do próprio Deus e da sua revelação.
Tudo isto nos há-de tornar conscientes da atenção que se deve prestar à acção
litúrgica, a fim de que brilhe segundo a sua própria natureza» (n. 35).
A
realidade da beleza está muito presente na Igreja que na sua longa história
jamais teve receio de prover a celebração litúrgica com as expressões mais
elevadas da arte: da arquitectura à escultura, à música e às alfaias sagradas.
Isto mesmo nos ensinam os santos que, não obstante a sua pobreza pessoal e a
sua caridade heróica, sempre desejaram que ao culto se destinasse quanto há de
melhor.
Vejamos
ainda o que nos diz Bento XVI num belo texto pronunciado em Paris, no qual
realça que «as nossas liturgias da terra, inteiramente dedicadas a celebrar este
gesto único da história, nunca conseguirão expressar totalmente a sua densidade
infinita. Sem dúvida, a beleza dos ritos jamais será bastante requintada,
suficientemente cuidada nem muito elaborada, porque nada é demasiado belo para
Deus, que é a Beleza infinita. As nossas liturgias terrenas não poderão ser
senão um pálido reflexo da liturgia que se celebra na Jerusalém do céu, ponto
de chegada da nossa peregrinação na terra. Possam, porém, as nossas celebrações
aproximar-se o mais possível dela, permitindo-nos antegozá-la!» (Homilia
durante a celebração das Vésperas na Catedral de Notre Dame, Paris, 12 de
Setembro de 2008).
Porque
na liturgia age o Cristo total e é igualmente obra da Igreja, o que é essencial
é que no final seja superada a diferença entre o agir de Cristo e o nosso
próprio agir, que haja uma progressiva harmonização entre a sua vida e a nossa
vida, entre o seu sacrifício de adoração e o nosso, de tal maneira que existe
um único agir, seu e ao mesmo tempo nosso. Aquilo que são Paulo afirma não pode
deixar de ser a indicação do que é essencial alcançar, em virtude da celebração
litúrgica, ao dizer: «Fui crucificado com Cristo; já não sou eu que vivo, é
Cristo que vive em mim» (Gl 2, 19-20).
1.6. A Celebração da Fé no contexto do processo evangelizador
Como diz o Santo Padre Bento XVI, Porta Fidei, o Ano da Fé é convite para uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo. No mistério da sua morte e ressurreição, Deus revelou plenamente o Amor que salva e chama os homens à conversão de vida por meio da remissão dos pecados (cf. Act 5, 31). Para o apóstolo Paulo, este amor introduz o homem numa vida nova: «Pelo Baptismo fomos sepultados com Ele na morte, para que, tal como Cristo foi ressuscitado de entre os mortos pela glória do Pai, também nós caminhemos numa vida nova» (Rm 6, 4).
Por
isso, «em virtude da fé, esta vida nova plasma toda a existência humana segundo
a novidade radical da ressurreição. Na medida da sua livre disponibilidade, os
pensamentos e os afectos, a mentalidade e o comportamento do homem vão sendo
pouco a pouco purificados e transformados, ao longo de um itinerário jamais
completamente terminado nesta vida. A “fé, que actua pelo amor” (Gl 5, 6),
torna-se um novo critério de entendimento e de acção, que muda toda a vida do
homem» (cf. Rm 12, 2; Cl 3, 9-10; Ef 4, 20-29; 2 Cor 5, 17) (nº 6).
E,
mais à frente, continua afirmando que com o seu amor, Jesus Cristo atrai a Si
os homens de cada geração: em todo o tempo, Ele convoca a Igreja confiando-lhe
o anúncio do Evangelho, com um mandato que é sempre novo. Por isso, também hoje
é necessário um empenho eclesial mais convicto a favor duma nova evangelização,
para descobrir de novo a alegria de crer e reencontrar o entusiasmo de
comunicar a fé.
Realmente,
na descoberta diária do seu amor, ganha força e vigor o compromisso missionário
dos crentes, que jamais pode faltar. Com efeito, a fé cresce quando é vivida
como experiência de um amor recebido e é comunicada como experiência de graça e
de alegria. A fé torna-nos fecundos, porque alarga o coração com a esperança e
permite oferecer um testemunho que é capaz de gerar: de facto, abre o coração e
a mente dos ouvintes para acolherem o convite do Senhor a aderir à sua Palavra
a fim de se tornarem seus discípulos (Cfr. nº 7).
Conclui-se, então, sublinhando como que em síntese que este Ano suscite, em cada crente, o anseio de confessar a fé plenamente e com renovada convicção, com confiança e esperança. Será uma ocasião propícia também para intensificar a celebração da fé na liturgia, particularmente na Eucaristia, que é «a meta para a qual se encaminha a acção da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força».
Simultaneamente,
refere ainda o texto, espera-se que o testemunho de vida dos crentes cresça na
sua credibilidade. Descobrir novamente os conteúdos da fé professada,
celebrada, vivida e rezada e reflectir sobre o próprio acto com que se crê, é
um compromisso que cada crente deve assumir, sobretudo neste Ano (Cfr. nº 9).
Este
escrito realça o objectivo unificador de todas as acções da Igreja em ordem à
evangelização. Neste sentido se afirma a necessidade de atender à confissão da
fé, à sua celebração e ao testemunho que dela emerge para tocar o mundo onde se
vive.
Mas
diremos ainda mais, cada uma destas acções da comunidade e de cada cristão
estão interligadas entre si. A verdadeira profissão de fé exige a celebração
autêntica e vice-versa. O mesmos e diga do testemunho que para ser
verdadeiramente cristão não pode alhear-se da profissão da fé da celebração dos
mistérios da fé.
A
vida da fé é uma unidade, embora se reconheça nela um conjunto de passos
essenciais para uma clareza de adesão e de encontro com Cristo.
Neste
itinerário muito se aproveita da pedagogia da iniciação cristã pela qual a
pessoa é convidada a transformar a sua vida à luz do mistério pascal de Cristo
e a entregar-se inteiramente a Ele como Sua discípula.
No
que diz respeito à nova evangelização, na homilia da Eucaristia de encerramento
do recente sínodo sobre esta mesma temática,
o Santo Padre distinguia entre a pastoral ordinária, a missão ad gentes
e a nova evangelização direccionada sobretudo para as pessoas baptizadas que,
porém, não vivem as exigências do Baptismo.
Quanto
à primeira sublinha a importância de celebrar os sacramentos da iniciação
cristã antecedidos de uma catequese adequada e realça a importância do
sacramento da penitência. Refere que é através deste itinerário sacramental que
passa o chamamento universal do Senhor à santidade. Só os santos têm uma
linguagem testemunhal que se torna compreensível a todos.
No
que diz respeito à segunda, isto é a missão ad gentes, esta destina-se àqueles
que ainda não conhecem a Cristo. Para estes exige-se o primeiro anuncio para o
qual são imprescindíveis os leigos de modo que se tornem protagonistas de um
novo ardor missionário. Destaca-se o papel da globalização nos novos cenários
para um primeiro anuncio mesmo em países tradicionalmente cristãos. Se por um
lado, refere o Papa, todos os homens têm o direito de conhecer Jesus Cristo e o
seu Evangelho; do mesmo modo, corresponde o dever dos cristãos – de todos os
cristãos: sacerdotes, religiosos e leigos – de anunciarem a Boa Nova.
Em
terceiro lugar, focam-se os países secularizados. Estes necessitam de uma
atenção especial para que novamente se encontrem com Jesus Cristo, redescubram
a alegria da fé e voltem a integrar a comunidade cristã, onde celebrem e
partilhem a mesma fé.
A
nova evangelização diz respeito a toda a vida da Igreja e deve atingir todos os
homens e mulheres em qualquer situação em que se encontrem.
Para
além dos métodos tradicionais de pastoral, sempre válidos, realça ainda o Santo
Padre, que a Igreja procura lançar mão de novos métodos, valendo-se também de
novas linguagens, apropriadas às diversas culturas do mundo, para implementar
um diálogo de simpatia e amizade que se fundamenta em Deus que é Amor. Em
várias partes do mundo, a Igreja já encetou este caminho de criatividade
pastoral para se aproximar das pessoas afastadas ou à procura do sentido da
vida, da felicidade e, em última instância, de Deus.
Quando
nos referirmos à evangelização deparamo-nos com a riqueza da Evangelii
Nuntiandi que ao assunto que nos ocupa, a importância da celebração na
evangelização, dedica sobretudo dois número.
O
primeiro (nº 43) realça a relevância da liturgia da Palavra, nomeadamente a
homilia que no dizer deste documento pode ser muito proveitosa para os fiéis
que celebram o mistério pascal através da Eucaristia, desde que «seja simples,
clara, directa, adaptada, profundamente aderente ao ensinamento evangélico e
fiel ao Magistério da Igreja, animada por um ardor apostólico equilibrado que
lhe advém do seu carácter próprio, cheia de esperança, nutriente para a fé e
geradora de paz e de unidade».
O
segundo (nº 47) sublinha o papel dos sacramentos na evangelização. Esta não se
esgota no anúncio e na pregação. Como deve atingir a vida, natural e
sobrenatural, exprime toda a sua riqueza na relação intima entre a Palavra
Revelada e os Sacramentos. Estes verdadeiramente bem preparados e celebrados
são autenticamente sacramentos da fé.
Neste
percurso evangelizador, exige-se o anuncio kerigmático; a catequese
propriamente dita que conduz à conversão e á adesão a Jesus Cristo,
configura-nos a Jesus Cristo e torna-nos seus discípulos; a celebração dos
mistérios da nossa fé; a construção da comunidade pela partilha fraterna e pelo
testemunho cristão no meio do mundo em atitude de serviço à pessoa e à
sociedade.
Conclusão
A
terminar, diria que a formação integral da pessoa cristã exige a unidade entre
as três áreas: anuncio, celebração e partilha fraterna. Se à partida o anúncio
parece prioritário e é-o de verdade, porque sem o anúncio não se abre a porta
da fé, também é verdade que numa celebração preparada e realizada
adequadamente, bem vivida, se introduz a pessoa no ambiente da fé e da
celebração, se purifica e se eleva a fé. Daí o cuidado que deve merecer a
celebração litúrgica, sobretudo a Eucaristia, para que seja verdadeiramente a
celebração da fé e que conduz à fé.
Num
tempo de neo-paganismo, com muitos modelos religiosos fabricados pelo ser
humano, exige-se uma vivência litúrgica que seja a celebração de Deus tal como
se revelou em Jesus Cristo e aberta à acção do Espírito Santo. Daí a
necessidade de saber centrar bem a liturgia cristã, no que toca à celebração da
Eucaristia, dos demais sacramentos, à oração e à celebração da Palavra de Deus
e, sobretudo, a consciência da realidade Trinitária na celebração.
Muitos
dos nossos contemporâneos são atraídos ao transcendente pela via da beleza.
Dizia-o o Santo Padre na bênção da Catedral da Sagrada Família de Barcelona,
referindo-se à expressão de beleza que Antoni Gaudi espelhou naquele templo,
referindo que «colaborou genialmente para a edificação da consciência humana
ancorada no mundo, aberta a Deus, iluminada e santificada por Cristo. E
realizou algo que é uma das tarefas mais importantes hoje: superar a ruptura
entre consciência humana e consciência cristã, entre existência neste mundo
temporal e abertura a uma vida eterna, entre beleza das coisas e Deus como
Beleza». Fê-lo, não com palavras mas com pedras, traços, planos e cumes. «E a
beleza é a grande necessidade do homem; constitui a raiz da qual brota o tronco
da nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de
Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convida à liberdade e
extirpa do egoísmo».
A
celebração litúrgica deve primar pela harmonia e pela elevação espiritual de
tal modo que quem nela participe se reconheça a experienciar o invisível, ou
seja a beleza de Deus.
Por
último diria que é importante que reconheçamos que a celebração da fé se
integra no processo evangelizador. A Igreja tem o seu método para evangelizar
ao qual se deve obedecer. Partindo do primeiro anúncio, passando pela catequese
catecumenal ou de iniciação cristã, chegando á celebração dos mistérios da fé,
culminando na Eucaristia, na opção cristã de vida, na partilha fraterna e no
testemunho cristão no mundo.
+ João Lavrador, Bispo Auxiliar do Porto
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