A
CELEBRAÇÃO LITÚRGICA DO MATRIMÔNIO
By Pe.
Cristiano Marmelo Pinto[1]
1.
Introdução
A
celebração litúrgica do matrimônio foi se desenvolvendo ao longo dos séculos na
Igreja. Muitos de seus elementos foram absorvidos da celebração social do
matrimônio nas culturas, principalmente da cultura greco-romana com alguns
elementos do judaísmo, no que diz respeito ao caráter eucológico.
Tendo
já abordado sobre o processo de desenvolvimento histórico da celebração do
matrimônio, pretendemos agora refletir sobre as partes que constituem a
celebração litúrgica do matrimônio na Igreja.
O
Ritual do Matrimônio prevê duas situações para a celebração do matrimônio: a
normal, que seria dentro da celebração da missa, e outra fora da missa. Iremos
trabalhar a celebração dentro daquilo que seria sua normalidade, porém, não
desconsiderando a possibilidade de sua realização fora da missa. Aliás, esta
tem se tornado a maneira mais comum em nossas igrejas. Evidente que, no acompanhamento
dos noivos, o sacerdote deve julgar sobre a conveniência de realizar uma ou
outra forma do matrimônio.
2. O
Ritual do Matrimônio (segunda edição típica)
A
segunda edição típica do Ritual do Matrimônio apresenta uma introdução geral
bem elaborada. Nesta introdução geral, também chamada de praenotanda, estão consignadas as orientações doutrinais e
pastorais acerca do matrimônio e sua celebração. Nesta introdução, a parte
doutrinal aparece bem mais desenvolvida e enriquecida.
De
forma bem concisa e vibrante, faz-se uma apresentação do matrimônio, à luz da
história da salvação, expondo os diversos aspectos antropológicos, bíblicos,
teológicos, morais e espirituais do matrimônio (n. 1-11). Destacam-se nela as
alusões à aliança de Cristo com a Igreja e à ação do Espírito Santo, fonte da
caridade, da qual brotam o amor indiviso e a mútua doação dos esposos[2].
Ela dá uma devida
atenção aos aspectos práticos, relacionados com a preparação e celebração do
matrimônio. No tocante às orientações para a preparação da celebração, a
introdução fala que deve ser cuidadosa a celebração litúrgica e criteriosa a
modalidade a ser utilizada, conforme a realidade pastoral (Cf. RM 29-31).
O Ritual do Matrimônio
situa a sua celebração no contexto da celebração da eucaristia, atendendo a
solicitação do próprio Concílio Vaticano II, que afirma na constituição Sacrosanctum Concilium que
“habitualmente, celebre-se o matrimônio dentro da missa, após a leitura do
Evangelho e homilia, antes da oração dos fiéis” (SC 78).
No rito
latino, a celebração do matrimônio entre dois fiéis católicos normalmente
ocorre dentro da santa missa, em vista do vínculo de todos os sacramentos com o
mistério pascal de Cristo. Na eucaristia se realiza o memorial da nova aliança,
na qual Cristo se uniu para sempre à Igreja, sua esposa bem-amada pela qual se
entregou. Portanto, é conveniente que os esposos selem seu consentimento de
entregar-se um ao outro pela oferenda de suas próprias vidas, unindo-o à
oferenda de Cristo por sua Igreja, que se torna presente no sacrifício
eucarístico[3].
Deste modo, o Ritual do
Matrimônio põe em relevo a relação entre a celebração da eucaristia, memorial
da nova aliança, onde Cristo se une a Igreja, sua esposa, e a mútua entrega dos
esposos por meio do consentimento mútuo.
O
novo ritual dá igual relevo à liturgia da Palavra. Ele é enriquecido com
diversas opções de leituras, aplicando a prescrição conciliar de ampliar as
leituras dos lecionários. A constituição SC diz: “Nas celebrações litúrgicas
restaure-se a leitura da Sagrada Escritura mais abundante, variada e
apropriada” (n. 35). O Ritual do Matrimônio é acompanhado de um lecionário (ver
capítulo V do ritual), no qual são reunidas diversas leituras tanto do Antigo
como do Novo Testamento, bem como salmos e versículos para a aclamação.
O
novo Ritual do Matrimônio procura revisar os ritos próprios da celebração do
matrimônio. O ato mais importante é o consentimento dos esposos. O ritual
destaca o papel dos contraentes, afirmando que está acima da função de quem
preside a celebração. O rito do consentimento é precedido de um breve
interrogatório acerca dos requisitos básicos para a validade do consentimento.
Os
esposos celebram a sua aliança com Deus e entre eles. Manifestam o seu
consentimento absolutamente livre, o seu amor em todas as circunstâncias, o seu
desejo de fecundidade e o seu compromisso como pais e educadores;
comprometem-se a partilhar todos os bens e a formar uma comunidade que tenha um
só coração, uma só alma, tudo em comum, e a ser um só corpo[4].
No número 35,
a Introdução Geral do Ritual do Matrimônio destaca os
principais elementos da celebração do matrimônio. São eles: a liturgia da
Palavra; o consentimento; a bênção sobre os esposos e finalmente a comunhão
eucarística.
Entre
os elementos principais da celebração do matrimônio está a benção dos esposos (bênção nupcial), na qual se invoca a
bênção de Deus sobre os esposos[5].
Esta bênção é o elemento mais antigo e original da liturgia do matrimônio
cristão. Tem raiz na tradição oriental e a liturgia ocidental a incorporou à
missa nupcial, depois do Pai-nosso. Sobre a bênção nupcial falaremos mais
adiante.
Quando
uma das partes não é católica, porém batizada, a introdução indica o rito do
matrimônio sem missa (nn. 79-117). Quando uma das partes é um catecúmeno, ou
seja, alguém que está se preparando para ser batizado, ou então entre uma parte
não cristã, o rito a ser usado é o da celebração do matrimônio entre uma pessoa
católica e outra catecúmena ou não cristã (nn. 152-178).
Outra
peculiaridade do novo Ritual do Matrimônio é a possibilidade do matrimônio ser
assistido por uma testemunha leiga, na falta do presbítero ou do diácono.
Onde
faltam sacerdotes e diáconos, o bispo diocesano, com a prévia aprovação
favorável da Conferência dos Bispos e obtida a licença da Santa Sé, pode
delegar leigos para assistirem aos matrimônios. Escolha-se um leigo idôneo, que
seja capaz de formar os noivos e de realizar convenientemente a liturgia do
matrimônio[6].
A
reforma do Ritual do Matrimônio, aplicando os princípios e determinações do
Concílio Vaticano II, deu passos importantes e positivos para a celebração do
matrimônio. Deu uma concepção geral da liturgia sacramental, tendo em conta os
frutos obtidos anteriormente ao Vaticano II. Como afirma G. Flórez,
a aproximação
às fontes bíblicas, patrísticas e litúrgicas, a tradução dos textos litúrgicos
para as línguas vernáculas, a participação ativa da comunidade cristã nas
celebrações, a valorização e utilização da Palavra de Deus para alimentar a fé
no significado dos sacramentos e em geral nos aspectos teológicos da ação
litúrgica são passos importantes para o desenvolvimento do sentido litúrgico
dos fiéis[7].
A
reforma do Ritual do Matrimônio o enriqueceu grandemente. Deu unidade à ação
litúrgica, fazendo com que a celebração do matrimônio seja composta com todos
os elementos litúrgicos que têm significado importante na tradição litúrgica e
na realidade antropológica e sacramental do matrimônio, podendo adotar
elementos culturais que valorizem a própria celebração.
A
celebração do matrimônio, tal como é ordenada no novo Ritual do Matrimônio põe
em relevo dois elementos que ao longo da história da celebração do matrimônio
tiveram importância diferente: o primeiro é o consentimento dos esposos,
elemento imprescindível da celebração, e o segundo é a bênção nupcial, que é o
mais firme elo da tradição litúrgica do matrimônio.
É
evidente que a celebração litúrgica do matrimônio, tal como é disposta no novo
ritual, exige uma boa preparação de todas as partes e, principalmente, dos
noivos. “A preparação da celebração do sacramento deve ser feita com cuidado,
enquanto possível, com a presença dos noivos”[8].
O pároco deve analisar as condições para propor a melhor forma de celebração,
se dentro ou fora da missa; juntamente com os noivos, caso seja possível,
escolher bem as leituras, que serão comentadas na homilia; a maneira dos noivos
exprimirem o consentimento; a fórmula da bênção das alianças; a bênção nupcial,
as preces e os cantos e até mesmo o modo da ornamentação (Cf. RM 29-31).
3.
Características da liturgia do matrimônio
A
celebração dos sacramentos, em particular a eucaristia, constituem a expressão
máxima da oração da Igreja. Conforme afirma o Concílio Vaticano II: “A liturgia
é o cume para o qual tende a ação da Igreja, e, ao mesmo tempo, é a fonte donde
emana toda a sua força” (SC 10). Por meio dos sacramentos, Cristo se une à
Igreja para realizar nela sua obra de salvação. Sendo pois, oração de Cristo e
da Igreja, os sacramentos expressão e comunicam por meio de palavras e símbolos
e com uma ação litúrgica, o que a graça de Cristo quer realizar na Igreja e em
seus membros.
Para
comunicar o mistério da graça de Deus, a liturgia sacramental busca, nos textos
da Sagrada Escritura, sua fonte primordial, pois é nela que contém por
excelência a revelação de Deus, mas também, recorre a tudo o que pode
contribuir para expressar de maneira clara e objetiva o mistério celebrado.
No
que diz respeito à celebração litúrgica do matrimônio, a liturgia da Igreja
recorre em primeiro lugar aos textos bíblicos em que se revela o projeto de
Deus a respeito do matrimônio. Mas a liturgia sacramental não se limita apenas
aos textos específicos, vai além, buscando em outros textos da Sagrada
Escritura tudo o que pode ser útil para promover uma plena e frutuosa
celebração do sacramento.
Além
dos textos bíblicos, a liturgia sacramental também fundamenta-se nos sinais,
pois eles são meios para expressar, representar e comunicar as realidades
significadas pelos sacramentos. G. Flórez afirma que:
o
sinal entra pelos sentidos até o interior do espírito humano e tem uma força de
projeção comunitária que a palavra nem sempre pode alcançar por si só. O sinal
tem uma capacidade especial para fazer chegar à comunidade uma mesma mensagem,
para significar, representar e comunicar a unidade e a universalidade da graça
de Jesus. Porém, tem também suas limitações próprias. Precisa do concurso da
palavra para poder expressar com clareza e luminosidade o que quer significar e
comunicar[9].
Na
celebração do matrimônio cristão se encontra uma variedade de ritos, que
procederam das mais diferentes culturas e tradições. Eles ajudam a sua
celebração, porém, o mais essencial é a decisão dos noivos de se unirem. A
identidade teológica do matrimônio está na decisão dos noivos de contraírem
matrimônio perante Deus e a Igreja.
As
palavras do consentimento matrimonial exercem a função de sinal no sacramento
do matrimônio. Diferentemente de outros sacramentos, não se trata, nesse caso,
de um elemento material, que se toma como meio de representação do que o
sacramento significa e realiza, mas de um compromisso que os noivos contraem
livremente e que os transforma em esposos[10].
Embora
a celebração do matrimônio tenha elementos da tradição bíblica e de diferentes
culturas, a liturgia do matrimônio não é simplesmente um aglomerado de
elementos ou ritos tirados dessas culturas e tradições, mas possui uma
estrutura própria, que faz parte do culto da Igreja. Por meio da liturgia
sacramental, a Igreja exerce sua missão de santificar os fiéis e de oferecer a
Deus um culto agradável e verdadeiro.
Através
da liturgia cristã do matrimônio, o Pai manifesta seu amor aos esposos, membros
do corpo de Cristo, e a Igreja oferece ao Pai aquilo que mais lhe agrada, o
amor de seu Filho, que se revela e manifesta no amor que os novos esposos
sentem entre si[11].
Deste
modo, a união dos esposos se torna um sinal da união de Cristo com sua Igreja e
como obra do Espírito Santo para enriquecer a Igreja com seus dons.
4. O
lugar da celebração do matrimônio
A Introdução Geral do Ritual do Matrimônio,
bem como a Constituição Conciliar sobre a Liturgia Sacrosanctum Concilium, afirmam que o lugar normalmente do
matrimônio é dentro da celebração da eucaristia. Porém, por motivos pastorais,
há a possibilidade de ser celebrado fora da missa[12].
Mas
a celebração do matrimônio hoje esbarra em grandes dificuldades que devem nos
questionar em relação ao modo de preparação para a sua celebração. Vê-se que os
noivos, que procuram a Igreja para a celebração do matrimônio, encontram-se
despreparados com uma fraca iniciação cristã, em alguns caso praticamente
ausente. Como afirmo no meu recente livro,
outro
problema que encontramos quando casais de noivos procuram a Igreja para pedir o
sacramento do matrimônio é a falta de fé. Este constitui um dos mais graves
problemas por revelar que o processo de iniciação cristã tem se mostrado
ineficiente, não despertando em nossos jovens uma fé madura e responsável[13].
Enquanto
o processo de iniciação cristã não levar os jovens à maturidade da fé, parece
que a melhor forma para a celebração do matrimônio é fora da missa. É
inadmissível a celebração do matrimônio na missa em que os noivos não possam
participar plenamente, inclusive da mesa eucarística.
O
Ritual do Matrimônio apresenta três possibilidades para a sua celebração: celebração do matrimônio dentro da missa;
celebração do matrimônio fora da missa;
e celebração do matrimônio entre uma
pessoa católica e outra catecúmena ou não-cristã.
5. As
partes da liturgia do matrimônio
As
partes da liturgia do matrimônio são as seguintes:
a)
Ritos Iniciais (entrada e acolhida)
b)
Liturgia da Palavra
c)
Rito Sacramental do Matrimônio
d)
Liturgia Eucarística (quando celebrado dentro da missa)
e)
Rito Finais
Não faremos aqui um
tratado sobre cada parte da celebração litúrgica do matrimônio. Mas queremos
traçar alguns elementos dos ritos que compõem a celebração do matrimônio. Não
consideraremos a princípio a celebração dentro da missa, embora seja o seu
lugar por excelência, mas explanaremos o que é próprio do sacramento do
matrimônio.
a) Ritos Iniciais (entrada e acolhida)
Os
ritos iniciais são compostos pelas seguintes partes: entrada dos noivos e
acolhida, admoestação.
O
Ritual do Matrimônio prevê duas modalidades para ser feita à acolhida dos
noivos na igreja. Na primeira modalidade o sacerdote dirige-se à porta da
igreja e acolhe os noivos, mostrando que a Igreja participa da sua alegria. Em
seguida faz-se a procissão para o presbitério[14].
A segunda modalidade dá-se da seguinte forma: o sacerdote dirige-se ao seu
lugar no presbitério. Quando os noivos chegam ao seu lugar, o sacerdote os
acolhe e cordialmente os saúda, mostrando que a Igreja participa da alegria
deles[15].
No
entanto, é costume que a entrada dos noivos aconteça da seguinte forma: entra
os padrinhos e madrinhas seguidas do noivo acompanhado da sua mãe. Aos pés do
presbitério ele espera a chegada da noiva. A noiva entra conduzida pelo pai e
encaminha lentamente até o noivo que está à sua espera. Estando próxima do presbitério,
o pai a entrega para o noivo e os dois se dirigem para seu lugar, onde são
acolhidos pelo sacerdote.
O
Conselho Pontifício para a Família orienta que:
com
uma particular e concreta atenção aos nubentes e à sua situação, o celebrante,
evitando de modo absoluto as preferências de pessoa, deverá, ele mesmo,
interrogar-se sobre a verdade dos símbolos que a ação litúrgica usa. Assim, ao
acolher e saudar os nubentes, os seus pais, se presentes, as testemunhas e a
assembleia, será o intérprete vivo da comunidade que acolhe os nubentes[16].
Terminada
a acolhida o sacerdote faz o sinal da cruz e, em seguida, voltado para o povo,
de braços aberto, saúda com uma das fórmulas propostas pelo Ritual do
Matrimônio.
Após
esta saudação, o Ritual do Matrimônio propõe duas fórmulas de alocução para
dispor os noivos à celebração do matrimônio. Na primeira fórmula o sacerdote
dirige-se aos presentes convidando-os a participar e acompanhar os noivos com a
amizade e a oração fraterna. Faz um esboço da celebração, convidando a todos
para ouvir atentamente a Palavra de Deus e em seguida elevar as orações, por
meio de Jesus Cristo, a Deus Pai, para que ele acolha, abençoe e mantenha os
noivos sempre unidos. Na segunda, o sacerdote dirige-se diretamente aos noivos,
mostrando a eles que a Igreja participa da alegria deles e os recebe de
coração, bem como aos pais, parentes e amigos.
Omite-se
o ato penitencial. Se o matrimônio for celebrado dentro da missa, o Ritual do
Matrimônio prevê que nos dias em que se permite as missas rituais, seja
utilizada a missa de casamento com suas leituras próprias. Nos dias assinalados
pela Tabela dos dias litúrgicos, usa-se a missa do dia, conservando a bênção
nupcial e a fórmula própria da bênção final. Quando o matrimônio acontecer em dia
de domingo, e é participado por toda a
comunidade paroquial, deve-se celebrar a missa do dia, seja nos domingos do
tempo de natal ou do tempo comum[17].
No
rito previsto para a celebração do matrimônio fora da missa, prevê-se uma
oração para encerrar os ritos iniciais[18].
b) Liturgia da Palavra
Após
os ritos iniciais, realiza-se a liturgia da Palavra. Pode-se escolher três
leituras para a celebração do matrimônio, sendo a primeira do Antigo
Testamento, mas no tempo pascal, esta deverá ser tirada do Apocalipse.
O
Ritual do Matrimônio foi enriquecido imensamente com um conjunto de textos
bíblicos que exprimem mais peculiarmente a importância e a dignidade do
matrimônio no mistério da salvação[19].
Os textos selecionados para compor o lecionário do matrimônio são abundantes e
adaptam as diversas situações.
A
liturgia da Palavra é parte integrante e essencial da liturgia. Ela é de grande
importância para uma celebração digna e proveitosa para o matrimônio, tanto
para os noivos como para toda a comunidade reunida.
Após
a proclamação do Evangelho faz-se a homilia. O sacerdote expõe o mistério do
matrimônio cristão, a dignidade do amor conjugal, a graça sacramental e os
deveres dos esposos.
Após a
leitura do Evangelho, o sacerdote exponha, partindo do texto sagrado, o
mistério do matrimônio cristão, a dignidade do amor conjugal, a graça do
sacramento e os deveres do casal, levando sempre em conta a situação das
pessoas[20].
A
Palavra de Deus proclamada na celebração do matrimônio expressa o sentido do
amor humano revelado na história da salvação. No amor entre um homem e uma
mulher revela-se o amor de Deus pelo povo da Aliança e de Jesus Cristo por sua
Igreja. São Paulo irá dizer que “este mistério é grande” (Ef 5,32).
c) Rito Sacramental do Matrimônio
Terminada
a liturgia da Palavra com a homilia, inicia-se o rito sacramental do
matrimônio. Este rito é composto das seguintes partes: diálogo antes do
consentimento, consentimento, aceitação do consentimento, bênção e entrega das
alianças e preces dos fiéis.
Estando todos de pé, e
tendo se colocado as testemunhas em lugar adequado, o sacerdote dirige aos
noivos algumas palavras sobre a grandeza do sacramento do matrimônio conforme
propõe o Ritual do Matrimônio ou usando outras palavras. Na fórmula proposta
pelo ritual recorda-se a ligação existente entre o batismo e o matrimônio. Pelo
batismo os noivos foram consagrados e agora com o sacramento do matrimônio,
serão enriquecidos e fortalecidos por Cristo com a finalidade de que sejam
fiéis um ao outro e assumam com responsabilidade os deveres do matrimônio.
Diálogo antes do consentimento
Os
noivos são interrogados sobre a sua liberdade, a fidelidade e a aceitação de
assumirem a educação dos filhos, dom de Deus para o casal. A este
interrogatório cada um deve responder pessoalmente diante de todos.
N. e
N., viestes aqui para unir-vos em matrimônio. Por isso, eu vos pergunto perante a
Igreja: é de livre e espontânea vontade que o fazeis? (cada um responde: Sim!)
Abraçando
o matrimônio, ides prometer amor e fidelidade um ao outro. É por toda a vida
que o prometeis? (cada um responde: Sim!)
Estais
dispostos a receber com amor os filhos que Deus vos confiar, educando-os na lei
de Cristo e da Igreja? (cada um responde: Sim!)[21]
Este
interrogatório feito aos noivos sobre a liberdade, fidelidade e o desejo de
terem filhos e os educarem na lei de Cristo e da Igreja, tem hoje grande
importância, considerando que vivemos numa sociedade contrária em contrair
compromissos permanentes, uma mentalidade divorcista e anti-natalidade. O
interrogatório pretende proclamar publicamente durante a ação litúrgica do
matrimônio e diante da comunidade reunida as condições necessárias para tornar
possível o sacramento do matrimônio.
Os
esposos celebram a sua aliança com Deus e entre eles. manifestam o seu
consentimento absolutamente livre, o seu amor em todas as circunstâncias, o seu
desejo de fecundidade e o seu compromisso como pais e educadores[22].
Consentimento e aceitação
O
consentimento pode ser realizado de dois modos: uma fórmula dialogal onde os
nubentes se declaram um ao outro dando o seu consentimento em receber a outra
parte por esposa ou esposo. Sem dúvida que a primeira fórmula é a mais
apropriada.
O
noivo diz: Eu, N., te recebo, N., por minha esposa e te prometo ser fiel,
amar-te e respeitar-te na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os
dias de nossa vida.
A
noiva diz: Eu, N., te recebo, N., por meu esposo e te prometo ser fiel, amar-te
e respeitar-te na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias de
nossa vida[23].
Na segunda fórmula, os
noivos respondem as perguntas do sacerdote dando o seu consentimento. Esta
segunda é proposta caso haja algum motivo pastoral.
Não há
dificuldade de observar que o consentimento, expresso em forma de diálogo, é
muito mais vívido para significar a parte dos esposos no sacramento, sem que
seja obstáculo a questão teológica sobre o ministro do sacramento[24].
O
consentimento mútuo dos noivos é ponto essencial da celebração do matrimônio.
Por isso, deve-se destacar bem a grandeza do gesto e suas palavras. Os noivos
se doam e aceitam mutuamente diante de toda a comunidade reunida e diante de
Deus.
Após
o consentimento mútuo, dá-se a aceitação do consentimento por parte do
sacerdote que o acolhe “por uma frase deprecativa que coloca mais em destaque a
ação de Deus do que o papel do ministro”[25].
Deus
confirme este compromisso que manifestastes perante a Igreja e derrame sobre
vós as suas bênçãos! Ninguém separe o que Deus uniu[26]!
Bênção das alianças
O
matrimônio possui um símbolo muito rico: as alianças. Como todo símbolo na
liturgia, elas querem trazer à memória, tornar presente o que significam: o
amor e a fidelidade que os nubentes prometeram um ao outro. Elas realçam este
aspecto que deve ser lembrado pelos novos esposos por toda a vida. Porém, como
todo símbolo utilizado na liturgia, elas devem também remeter os esposos para
aquele que é o significado maior de sua união, que torna-se também, símbolo da
união de Cristo com sua Igreja. Os esposos cristãos vivem seu matrimônio em
Cristo e dele devem dar testemunho, expressando no amor humano o amor que fez
com que Cristo entregasse sua vida incondicionalmente pela sua Igreja. Um amor
que se doa constantemente, sem limites. A aliança é um dos elementos fundamentais
na revelação de Deus com o povo de Israel, que encontra sua expressão
definitiva em Jesus Cristo. Deste
modo, a aliança estabelecida pelos esposos também possui um caráter definitivo
e indissolúvel. Para viver o amor e a fidelidade simbolizados pelas alianças,
os esposos invocam a ajuda de Deus.
O
sacerdote abençoa com uma das fórmulas propostas pelo Ritual do Matrimônio.
Deus
abençoe estas alianças que ides entregar um ao outro em sinal de amor e
fidelidade. Amém[27].
Em
seguida dá-se a entrega das alianças. Os esposos colocam as alianças no dedo
anular um do outro dizendo a seguinte fórmula:
N.,
recebe esta aliança em sinal do meu amor e da minha fidelidade. Em nome do Pai,
e do Filho, e do Espírito Santo[28].
É
importante lembrar que durante a bênção e a entrega das alianças não deve haver
música, pois neste momento, assim como no consentimento, a palavra tem a
primazia. Todos devem ouvir bem o que os nubentes estão dizendo.
Preces dos fiéis
O
rito sacramental do matrimônio é concluído com a oração da comunidade. “A oração dos fiéis que se segue quer
recolher a oração dos próprios esposos e de toda a assembleia por aqueles que
se uniram em matrimônio”[29].
O matrimônio estabelece um novo lar e enriquece a comunidade dos fiéis. Por
este motivo, todos elevam a Deus suas preces em favor dos esposos, do novo lar.
Mas,
porque todos sabem o que a experiência humana revela todos os dias: que é
grande a dificuldade que há de viver o amor na fidelidade, na generosidade, na
unidade de um só coração, eis que a assembleia inteira elevará a Deus sua
oração, para que a graça se faça tão imperativa que possa surpreender estas
duas liberdades e não lhes permita se desligarem nunca[30].
d) Liturgia Eucarística (quando
celebrado dentro da missa)
A
forma ordinária ou normal para a celebração do matrimônio é dentro da missa[31].
Embora a forma corrente a que nos acostumamos celebrar este sacramento seja
fora da missa, isto por diversas razões. A partir do Concílio Vaticano II, a
liturgia eucarística para o matrimônio ficou muito enriquecida. O missal romano
apresenta três opções de formulários para a celebração do matrimônio dentro da
missa.
Para a
liturgia eucarística do sacramento do matrimônio faz-se tudo segundo o rito da
missa; destacando três momentos: a participação dos esposos na apresentação dos
dons, a introdução da recordação dos esposos na oração eucarística, a comunhão
sobre as duas espécies[32].
Apresentação dos dons
Na
apresentação dos dons, o Ritual do Matrimônio propõe que o casal possa levar
até o altar pão e vinho[33].
Este gesto deve ressaltar a íntima união entre o matrimônio e a eucaristia.
Oração sobre as oferendas e
Prefácios
O
Missal Romano apresenta três opções de oração sobre as oferendas. Porém, seu
conteúdo não se difere muito. Para a oração eucarística, o missal apresenta
três prefácios que são de livre escolha. Estes prefácios apresentam toda a
teologia do matrimônio. Os três situam o matrimônio na perspectiva da economia
da salvação, inserida no mistério pascal de Cristo.
O
primeiro é gelasiano e o texto do sacramentário foi integralmente copiado. Vê
na união conjugal a multiplicação dos filhos adotivos, de forma que a Igreja
cresce graças ao matrimônio; o segundo destaca a aliança de Deus com seu povo;
o terceiro exalta o amor de Deus que consagra o amor humano[34].
Bênção nupcial
Certamente
o elemento mais característico do matrimônio dentro da liturgia eucarística é a
bênção nupcial.
A
importância dessa bênção é ressaltada pelo contexto do lugar em que se situa:
logo depois do Pai nosso, e substituindo a oração seguinte ao Pai nosso e à da
paz; isso põe esta oração numa clara relação com a comunhão eucarística,
expressamente mencionada[35].
Como afirma Valter M.
Goedert:
A
bênção nupcial está inserida no contexto das bênçãos bíblicas, lembrando a
fecundidade matrimonial como expressão da bênção divina e da aliança de Cristo
com a Igreja, que fundamenta e dá sentido à fecundidade sacramental[36].
O
Ritual do Matrimônio apresenta três fórmulas para a bênção nupcial. A primeira
encontra-se no n. 74. As demais fórmulas estão nos nn. 242-244 do ritual. A
primeira fórmula já aparece no Sacramentário Gregoriano e foi muito usada na
Igreja latina durante muitos séculos. As outras duas são de formação mais
recentes. Por este motivo, daremos preferência à primeira fórmula para a bênção
nupcial.
Na
segunda edição típica do Ritual do Matrimônio, a primeira fórmula passou por
importantes mudanças ao final do texto, fazendo menção mais explícita ao
Espírito Santo.
G.
Flórez afirma que, o novo ritual na sua segunda edição típica,
introduz
novidades oportunas na fórmula litúrgica da bênção nupcial. Em primeiro lugar,
na exortação inicial, o sacerdote pede à comunidade que ore para que Deus
derrame a bênção de sua graça sobre os novos esposos, não somente sobre a
esposa (n.73). A oração que figura no texto da missa consta de uma tríplice
invocação e de uma tríplice prece e termina pedindo pelos dois esposos (n. 74).
A tríplice oração atende primeiro a ambos os esposos, depois à esposa e em
terceiro ao esposo[37].
As
mudanças mais importantes são as seguintes: introduz-se um parágrafo sobre o
esposo, de modo que não somente a esposa é destinatária da bênção, mas ambos;
resume-se o elenco das santas mulheres que a Sagrada Escritura apresenta como
exemplo de esposa e mãe, por motivo catequético; e a conclusão, praticamente
nova.
Acrescentou-se
ao ritual, como já havíamos dito, outras duas fórmulas para a oração da bênção
nupcial. A primeira faz uma tríplice invocação em favor dos esposos (n. 242). A
segunda, mais breve, intercede numa mesma prece sobre ambos os esposos (n.
244).
Nos
três formulários de bênção aparece uma invocação a Deus pedindo que envie sobre
os esposos o Espírito Santo. “Enviai sobre eles a graça do Espírito Santo, para
que, impregnados da vossa caridade, permaneçam fiéis na aliança conjugal”
(primeiro formulário); “infundi em seus corações a força do Espírito Santo”
(segundo formulário); e “que a força do Espírito Santo inflame, do alto, os
seus corações” (terceiro formulário).
Quanto
ao conteúdo do primeiro formulário, diz G. Flórez:
A
bênção nupcial começa evocando três dados que são decisivos para a compreensão
do sacramento do matrimônio: a união do primeiro casal querida por Deus, a
união de Cristo com a Igreja significada no matrimônio e a bênção que Deus faz
do matrimônio. As preces que prolongam a bênção nupcial pedem a graça e a
fidelidade para os esposos; o amor, a paz e as virtudes das santas mulheres da
Bíblia, para a esposa; e um coração cheio de confiança, respeito e amor por sua
esposa, para o esposo. A bênção conclui pedindo a unidade dos esposos na fé e
na obediência a Deus, na fidelidade conjugal e na integridade dos costumes, a
fim de que possam dar testemunho de Cristo e alcançar a bem-aventurança dos
santos[38].
A
bênção nupcial vem ganhando notável importância nas adaptações do Ritual do
Matrimônio, que pede para que ela não seja omitida e que se faça com a mais
devida solenidade. Deste modo procura-se recuperar e revalorizar um dos
elementos mais característicos da celebração do matrimônio.
A comunhão
É
previsto que o casal possa comungar sob as duas espécies, juntamente com seus
pais, testemunhas e parentes. Também no rito fora da missa, o casal poderá
receber a comunhão eucarística. Deve-se, porém, observar a conveniência de
haver ou não a comunhão.
e) Ritos finais
A
celebração do matrimônio é concluída com uma última bênção. Esta bênção pode
ser simples, caso seja celebrado fora da missa, ou então, uma das bênçãos
proposta pelo Ritual do Matrimônio[39].
6.
Conclusão
A
celebração litúrgica do matrimônio se transformou num grande desafio pastoral e
litúrgico para nossa Igreja. A liturgia do matrimônio tem se distanciado da sua
finalidade tanto pelo despreparo dos noivos, que
desconhecem o verdadeiro sentido sacramental do matrimônio e de sua celebração,
como também por parte daqueles que deveriam zelar pela celebração digna do
sacramento.
A
celebração do matrimônio deve expressar sua natureza e sacramentalidade,
obedecendo aos requisitos litúrgicos para a realização da celebração. Com a
renovação conciliar da liturgia, a celebração do matrimônio foi imensamente
enriquecida. Para resgatar sua celebração como prescreve as normas e a própria
natureza da liturgia, é preciso empenhar-se para promover uma adequada e
correta preparação dos noivos.
É
evidente que o problema tem sua origem já na ineficiente iniciação cristã a que
muitos têm recebido em nossas igrejas. Porém, é dever nosso, nos preocupar com
a preparação e celebração do matrimônio.
Os documentos da Igreja falam de uma preparação remota (que tem início
na catequese), uma preparação próxima (durante o noivado) e uma preparação
imediata (em vista da celebração litúrgica do matrimônio). Esta preparação
imediata é aquela que precede imediatamente à celebração do sacramento e se
distingue das demais, porque agora tem lugar uma catequese mais diretamente
litúrgico-sacramental sobre o batismo, sobre a confirmação [...], sobre a
penitência, sobre a eucaristia e sobretudo sobre o sacramento do matrimônio[40].
[1] Presbítero
da Diocese de Santo André, São Paulo. Mestre em Teologia Sistemática com
Especialização em Liturgia pela PUC-SP. Membro da coordenação do Curso de
Pós-Graduação Lato Sensu em Liturgia, Ciência e Cultura da Faculdade de
Teologia da PUC-SP. Coordenador da Comissão Diocesana de Liturgia da Diocese de
Santo André.
[2]
CLEMENTE, José Carlos Isnard, “Apresentação”. In: Ritual do Matrimônio. São Paulo: Paulus, 1993.
[3]
Catecismo da Igreja Católica, n. 1621.
[4] PAREDES,
José Cristo Rey García. O que Deus
uniu... p. 412.
[5] FLÓREZ,
Gonzalo. Matrimônio e família... p. 289.
[6] RM, n.
25; CIC, cânon 1112.
[7] FLÓREZ,
Gonzalo. Matrimônio e família... p.
291.
[9] FLÓREZ,
Gonzalo. Matrimônio e família... p.
277.
[12] Cf. RM.
n. 29; SC 78.
[13] PINTO,
Cristiano Marmelo. Celebrar o matrimônio
hoje. p. 44-45.
[16]
CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A FAMÍLIA. Preparação
para o sacramento do matrimônio, n. 67.
[18] Cf. RM, n. 89. Ver também
outras orações propostas nos números 223 a 228.
[19] Cf. RM,
nn. 179-222 (vários textos a serem usados
no rito do matrimônio e na missa “pelos esposos”).
[22]
PAREDES, José Cristo Rey García. O que
Deus uniu..., p. 412.
[24]
FERNÁNDEZ, Conrado F. Matrimônio. In: CELAM. Manual de liturgia III. São Paulo: Paulus, 2005, p. 282.
[25]
ÉVENOU, J. O matrimônio. In: MARTIMORT, A. G. A Igreja em
oração. Vol. 3. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 178.
[26] RM, n.
64. O Ritual do Matrimônio propõe ainda uma outra fórmula. Cf. n. 64, segunda
fórmula.
[27] RM, n.
66. Outras fórmulas propostas pelo Ritual do Matrimônio, ver os nn. 229-230.
[29]
BOROBIO, Dionisio. Celebrar para viver:
liturgia e sacramentos da Igreja. São Paulo: Loyola, 2009, p. 382.
[30]
CHARBONNEAU, Paul-Eugène. Curso de
preparação ao matrimônio. São Paulo, Herder, 1971, p. 147-148.
[32] DANNA, Valter. Due cuori, una Chiesa: percorso per la preparazione dei fidanzati alla
vita cristiana nel matrimonio. Torino: Effata Editrice, 2004, p.
101.
[34] NOCENT,
Adrien. O matrimônio cristão. In: NOCENT, A. Os sacramentos: teologia e história da celebração. (Anamnesis 4),
São Paulo: Paulinas, 1989, p. 400-401.
[35] FLÓREZ,
Gonzalo. Matrimônio e família... p.
283.
[36]
GOEDERT, Valter Maurício. Casamento:
fidelidade na esperança. São Paulo: Paulinas, 2005, pp. 80-81.
[37] FLÓREZ,
Gonzalo. Matrimônio e família... Nota
43. p. 290.
[38] Ibidem., Nota 44. p. 290.
[39] Cf. RM,
nn. 77.249-250.
[40]
BOROBIO, Dionisio. Patoral dos
sacramentos. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 251.