sábado, 1 de novembro de 2014


UNIDADE NA DIVERSIDADE

 

Pe. Cristiano Marmelo Pinto

 

 

Hoje vivemos numa sociedade plural, diversa. Há por todo canto reivindicações pelo direito a diversidade em suas mais diferentes expressões. E isto constitui uma riqueza para toda a humanidade. O fato é que somos diferentes. As culturas são diferentes. E na diferença podem e devem se complementar. Deus criou o ser humano diferente, os fez homem e mulher (cf. Gn 1,27). Os fez assim para se complementarem. É o que afirma São Paulo quando diz que “Assim como num só corpo temos muitos membros, e os membros não tem todos a mesma função, de modo análogo, nós somos muitos e formamos um só corpo em Cristo” (Rm 12,5). São Paulo ressalta que os membros são diferentes, não possuem as mesmas funções, porém, formam uma unidade, um só corpo.



A pluralidade ou, a diversidade, não pode ser vir como divisor que nos separa uns dos outros, mas sim, que nos aproxima, que nos une, formando uma unidade no todo. Isto equivale dizer que na sociedade a diversidade se for vista na ótica da unidade e não da uniformidade, é uma riqueza para todos, pois, na complementaridade o benefício é de todos. O mesmo podemos dizer sobre a Igreja. A complementaridade na diversidade deve nos levar a unidade e não a uniformidade. A unidade enriquece, a uniformidade empobrece.



Olhando para a história da Igreja, vê-se claramente como a diversidade enriqueceu a fé cristã, aproximou povos, culturas, etc. O surgimento das ordens religiosas, cada qual diferente uma das outras, com espiritualidade própria, formou um leque de opções na busca da vivência da perfeição evangélica. Ainda hoje, o Senhor faz despertar diferentes movimentos, grupos e comunidades, todos diferentes, porém, unidos na busca de viver mais perfeitamente o Evangelho de Jesus. O Evangelho, levado pelos missionários, vai se inculturando nas mais diferentes culturas e povos, falando novas linguagens e enriquecendo todo o corpo, que é a Igreja.



No campo do pensamento cristão, surgem diferentes escolas teológicas, cada qual, lendo o Evangelho a partir de uma realidade concreta, promovendo a adesão ao Projeto de Jesus e a transformação da sociedade, implantando o Reino de Deus.



Tudo isso é sadio e necessário. A uniformidade só nos trás prejuízo. É como disse o papa Francisco em sua homilia de hoje que, a ditadura de um pensamento único mata a liberdade e a consciência dos povos. O papa adverte que o erro dos fariseus foi o de se terem fechado o coração para a novidade de Jesus. E num coração fechado nada entra, nem Deus. Como disse o papa: “É um pensamento fechado que não está aberto ao diálogo, à possibilidade de que haja uma outra coisa, à possibilidade de que Deus nos fale, nos diga como é o seu caminho, como fez com os profetas. Esta gente não tinha escutado os profetas e não escutava Jesus.” E o papa vai além, dizendo que nessa ditadura do pensamento único “Não há possibilidade de diálogo, não há possibilidade de abrir-se às novidades que Deus trás com os profetas. Fecharam os profetas, esta gente; fecham a porta à promessa de Deus. E quando na história da humanidade vem este fenômeno do pensamento único, quantas desgraças. No século passado nós vimos todos as ditaduras do pensamento único que acabaram por matar tanta gente...”



É o que se vê acontecer na Igreja nestes últimos tempos com grupos cada vez mais fechados, considerando-se donos de uma “verdade única”, não dispostos ao diálogo, muito menos a diversidade de pensamentos. E segundo o papa Francisco, este fenômeno do pensamento único é uma desgraça. Estes grupos são mais focados na doutrinação do que na evangelização. E nós sabemos, isto comprovado na história, o que a doutrinação pura criou na Igreja: uma massa de cristãos que até conhecem as normas da Igreja e sua doutrina, mas que não vive o Evangelho. É por isso que nos últimos tempos fala-se tanto de re-evangelização, ou de nova evangelização. Esta nova evangelização é direcionada em primeira instância aos cristãos que não vivem sua fé, tanto os que estão fora, como os que estão dentro da Igreja. Não é justo falar somente nos cristãos afastados da vivência comunitária, pois sabemos que, muitos que permanecem na comunidade ainda estão longe de viver plenamente o Evangelho de Jesus Cristo.



A teologia nas suas mais diferentes expressões e escolas, procura responder a necessidade desta nova evangelização. Enriquece a Igreja e a fé, encarnando o Evangelho nas diferentes culturas, elaborando novas linguagens para a compreensão da fé em Jesus Cristo, e respondendo aos anseios e aos clamores dos povos. Uniformizar isto é criar uma “ditadura de um pensamento único”. É empobrecer a experiência de fé que se dá de modo diferente em todas as culturas.



Por isso, a unidade deve levar em conta a diversidade de pensamentos teológicos, e a diversidade deve levar a unidade na fé. Abrir-se a novidade de Deus que fala de modos diferentes (cf. Hb 1,1). E como diz certa canção: “Nós somos muitos, mas formamos um só corpo, que é o Corpo do Senhor, a sua Igreja, pois todos nós participamos do mesmo pão da unidade, que é o Corpo do Senhor, a comunhão” (letra de Pe. José Weber).

O CRISTÃO E A RESPONSABILIDADE SOCIAL

 
Pe. Cristiano Marmelo Pinto

 

Hoje é crescente a preocupação quanto à fome. Prevê-se que em algumas poucas décadas o número dos famintos aumentará consideravelmente no mundo. É já sabemos que a fome está presente em muitas realidades. Isto levanta um sério questionamento: o porquê da fome no mundo se existe tantas terras a serem cultivadas. O Brasil é um dos grandes produtores de alimento no mundo e como ainda existe gente passando fome entre nós? Há uma resposta simples: a má distribuição de renda; e outra resposta mais complexa e profunda que leva a resposta da primeira: a ganância, a concentração desonesta nas mãos de uns poucos faz com que os famintos desta terra não tenham acesso ao necessário para viver com dignidade. É aí que entra a liturgia da Palavra de hoje.

 

A princípio podemos dizer que São Tiago faz uma dura crítica aos ricos que concentram os bens e não se importam com os pobres. Mais também aqueles que se dizem cristãos, porém, vivem num individualismo cruel e muitas vezes são causadores de tantas injustiças. E como tem gente que se preocupam com seus bens e não se importam com os outros, com os famintos, com os pobres. No dia do juízo, seus próprios bens, tomados pela ferrugem e pelas traças (cf. Tg 5,2-3), serão seus acusadores. Tiago não chama a atenção apenas para a questão da injustiça social, mas, junto com ela, também caminha a omissão de muitos que relutam em promover um mundo mais justo e solidário. Ai todos nós entramos. Se nossa atitude for de passividade, de irresponsabilidade, de recusa de serviço ao necessitado, também incorreremos as consequentes penalidades, no dia do juízo. Em sintonia com o a liturgia de hoje, o Concílio Vaticano II insiste na urgência em socorrer os necessitados e famintos desde mundo (cf. GS 69). Não podemos jogar a culpa somente nas autoridades públicas que deveriam prover melhores condições de vida para o nosso povo, mas também nós somos culpados, visto que, além de nossa omissão, também somos nós que escolhemos nossos políticos.

 

A incoerência cristã leva a morte de muitos. É o que nos chamou a atenção o papa Francisco em sua homilia de hoje. E esta incoerência não se dá apenas no campo moral entendido na área da sexualidade, como muitas vezes nos atemos, mas principalmente no campo social. Infelizmente hoje na Igreja perdemos o senso de pecado social. Consideramos somente o pecado do indivíduo no sentido moral e não nos preocupamos com nossa possível contribuição para a desgraça de muitos em nossa sociedade. Isto é o que Jesus no evangelho chama de escândalo. Diz Ele: “Se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada no pescoço” (Mc 9,42). Estes pequeninos são os pobres e famintos. São aqueles que são feitos “invisíveis” aos olhos de nossa sociedade e de nós cristãos. Por que ainda temos que insistir em nossas igrejas para que a comunidade traga alimentos para serem destinados aos famintos? E mesmo assim, muitos não trazem! É sério o que Jesus está dizendo: “melhor ser jogado no mar”, ou seja, atirado fora, porque não vale pra nada. Uma fé egoísta, individualista, insensível ao sofrimento do outro não serve para nada. Melhor mesmo que seja jogado fora, porque isto é escandaloso diante do projeto de Deus, que deseja vida para todos. É escandaloso dizer-se cristão, e permanecer com o coração fechado para as necessidades dos pobres. É escandaloso um cristão não partilhar. Certa vez foi perguntado para uma pessoa de “igreja” o que ela poderia fazer se um pobre lhe pedisse ajuda. E ela respondeu que só poderia rezar. Isto é escandaloso e esta oração não vale nada. Não vale nada ter as duas mãos elevadas para os céus, enquanto ao nosso lado os famintos morrem de fome e de sede de justiça.

 

Precisamos ser sal, como diz Jesus (cf. Mc 9,50). Sal que dá sabor ao mundo. Sal que transforma a realidade injusta de nossa sociedade num mundo melhor e mais justo para todos. Cristão de verdade possui um profundo senso de responsabilidade social, senão, nossa fé é em vão, pois o mesmo São Tiago nos diz que, sem as obras nossa fé é morta (cf. Tg 2,17).

“VAI FRANCISCO, E RESTAURA A MINHA IGREJA EM RUÍNAS.”
 
Pe. Cristiano Marmelo Pinto
 
Esta foi a mensagem que São Francisco de Assis, no século XIII, recebeu diante da cruz na velha e em ruínas capelinha de São Damião, em Assis na Itália. Inicialmente ele pensou que se tratava de reconstruir a antiga igreja caindo aos pedaços. Com esse pensamento ele restaurou três igrejas. Mais tarde São Francisco se deu conta de que não se tratava de reformar igrejas em ruínas, mas a própria Igreja, que estava distante de sua vocação, imersa em escândalos. E ele levou sua missão a cabo, buscando sempre com docilidade e prudência, resgatar a alegria de viver o Evangelho como forma de vida para o cristão. Logo ganhou adeptos e o número de seguidores de sua proposta foi aumentando consideravelmente. Da iniciativa de Francisco de Assis gerou a vasta família franciscana, hoje espalhada por todos os cantos.
 
Nos últimos tempos, Deus, por meio do Espírito Santo, nos providenciou outro Francisco. Não o de Assis, mas com o espírito de Assis. Hoje, ele completa um ano de pontificado e toda a Igreja se alegra e celebra esta data como verdadeira obra do Espírito Santo de Deus. Os tempos são outros, os apelos são muitos, e a situação semelhante a da época do Francisco de Assis.
 
Mas, diante dos fatos de ontem e de hoje, devemos nos perguntar: a Igreja está em ruínas mesmo? O que de fato está em ruína na Igreja, para que Deus suscitasse em nossa época um “outro” Francisco? A Igreja em si não pode estar em ruínas, nem ontem e nem hoje. Ela é constituída por pessoas humanas, mas não podemos esquecer que também é de origem divina. E Deus não deixa que sua obra caia em ruínas. O que está em ruínas então? Muitos membros da Igreja. Às vezes acusamos os outros, o mundo moderno de seu afastamento de Deus e, não percebemos que também nós podemos nos afastar de seus planos. São Francisco de Assis ao redigir a regra de vida dos frades, inicia dizendo que “a regra de vida do frade menor é viver o Evangelho”. Ai está o problema. Muitas vezes falamos do Evangelho nos esquecendo de vivê-lo. Pregamos o Reino de Deus e vivemos os “reinos” deste mundo. Ao invés de nos tornarmos homens e mulheres de Deus, nos tornamos, sim, homens e mulheres do mundo. É nesse ponto que entra o Francisco de hoje, nos chamando a um retorno as nossas origens: uma Igreja seguidora de Cristo e não voltada para as coisas do mundo. Recuperar a alegria de viver o Evangelho e anunciá-lo com a vida. Não adianta uma reforma das estruturas se não houver simultaneamente uma conversão pessoal a Cristo e ao seu Evangelho. Muito mais do que mudar as estruturas, às vezes caducas, é preciso mudar a mentalidade. E o papa Francisco tem demonstrado isso em suas falas e comportamentos. Francisco de Assis compreendeu isso e promoveu uma mudança tão radical que dura séculos na Igreja. A meu ver, o papa Francisco também entendeu de que ruína se trata. E nós? Será que também estamos entendendo?
 
Rezo para que Deus continue lhe dando saúde e coragem para mudar o que for necessário na Igreja. E que possamos, a seu exemplo, seguir o mesmo caminho, voltando nosso coração para Deus.