quarta-feira, 28 de dezembro de 2016


A LITURGIA DO MATRIMÔNIO - I
Pe. Cristiano Marmelo Pinto
1. Introdução

A celebração litúrgica do matrimônio foi se desenvolvendo ao longo dos séculos na Igreja. Muitos de seus elementos foram absorvidos da celebração social do matrimônio nas culturas, principalmente da cultura greco-romana com alguns elementos do judaísmo, no que diz respeito ao caráter eucológico.


Tendo já abordado sobre o processo de desenvolvimento histórico da celebração do matrimônio, pretendemos agora refletir sobre as partes que constituem a celebração litúrgica do matrimônio na Igreja.


O Ritual do Matrimônio prevê duas situações para a celebração do matrimônio: a normal, que seria dentro da celebração da missa, e outra fora da missa. Iremos trabalhar a celebração dentro daquilo que seria sua normalidade, porém, não desconsiderando a possibilidade de sua realização fora da missa. Aliás, esta tem se tornado a maneira mais comum em nossas igrejas. Evidente que, no acompanhamento dos noivos, o sacerdote deve julgar sobre a conveniência de realizar uma ou outra forma do matrimônio.

2. O Ritual do Matrimônio (segunda edição típica)

A segunda edição típica do Ritual do Matrimônio apresenta uma introdução geral bem elaborada. Nesta introdução geral, também chamada de praenotanda, estão consignadas as orientações doutrinais e pastorais acerca do matrimônio e sua celebração. Nesta introdução, a parte doutrinal aparece bem mais desenvolvida e enriquecida.

De forma bem concisa e vibrante, faz-se uma apresentação do matrimônio, à luz da história da salvação, expondo os diversos aspectos antropológicos, bíblicos, teológicos, morais e espirituais do matrimônio (n. 1-11). Destacam-se nela as alusões à aliança de Cristo com a Igreja e à ação do Espírito Santo, fonte da caridade, da qual brotam o amor indiviso e a mútua doação dos esposos[1].


Ela dá uma devida atenção aos aspectos práticos, relacionados com a preparação e celebração do matrimônio. No tocante às orientações para a preparação da celebração, a introdução fala que deve ser cuidadosa a celebração litúrgica e criteriosa a modalidade a ser utilizada, conforme a realidade pastoral (Cf. RM 29-31).

O Ritual do Matrimônio situa a sua celebração no contexto da celebração da eucaristia, atendendo a solicitação do próprio Concílio Vaticano II, que afirma na constituição Sacrosanctum Concilium que “habitualmente, celebre-se o matrimônio dentro da missa, após a leitura do Evangelho e homilia, antes da oração dos fiéis” (SC 78).

No rito latino, a celebração do matrimônio entre dois fiéis católicos normalmente ocorre dentro da santa missa, em vista do vínculo de todos os sacramentos com o mistério pascal de Cristo. Na eucaristia se realiza o memorial da nova aliança, na qual Cristo se uniu para sempre à Igreja, sua esposa bem-amada pela qual se entregou. Portanto, é conveniente que os esposos selem seu consentimento de entregar-se um ao outro pela oferenda de suas próprias vidas, unindo-o à oferenda de Cristo por sua Igreja, que se torna presente no sacrifício eucarístico[2].


Deste modo, o Ritual do Matrimônio põe em relevo a relação entre a celebração da eucaristia, memorial da nova aliança, onde Cristo se une a Igreja, sua esposa, e a mútua entrega dos esposos por meio do consentimento mútuo.


O novo ritual dá igual relevo à liturgia da Palavra. Ele é enriquecido com diversas opções de leituras, aplicando a prescrição conciliar de ampliar as leituras dos lecionários. A constituição SC diz: “Nas celebrações litúrgicas restaure-se a leitura da Sagrada Escritura mais abundante, variada e apropriada” (n. 35). O Ritual do Matrimônio é acompanhado de um lecionário (ver capítulo V do ritual), no qual são reunidas diversas leituras tanto do Antigo como do Novo Testamento, bem como salmos e versículos para a aclamação.


O novo Ritual do Matrimônio procura revisar os ritos próprios da celebração do matrimônio. O ato mais importante é o consentimento dos esposos. O ritual destaca o papel dos contraentes, afirmando que está acima da função de quem preside a celebração. O rito do consentimento é precedido de um breve interrogatório acerca dos requisitos básicos para a validade do consentimento.

Os esposos celebram a sua aliança com Deus e entre eles. Manifestam o seu consentimento absolutamente livre, o seu amor em todas as circunstâncias, o seu desejo de fecundidade e o seu compromisso como pais e educadores; comprometem-se a partilhar todos os bens e a formar uma comunidade que tenha um só coração, uma só alma, tudo em comum, e a ser um só corpo[3].


No número 35, a Introdução Geral do Ritual do Matrimônio destaca os principais elementos da celebração do matrimônio. São eles: a liturgia da Palavra; o consentimento; a bênção sobre os esposos e finalmente a comunhão eucarística.

Entre os elementos principais da celebração do matrimônio está a benção dos esposos (bênção nupcial), na qual se invoca a bênção de Deus sobre os esposos[4]. Esta bênção é o elemento mais antigo e original da liturgia do matrimônio cristão. Tem raiz na tradição oriental e a liturgia ocidental a incorporou à missa nupcial, depois do Pai-nosso. Sobre a bênção nupcial falaremos mais adiante.

Quando uma das partes não é católica, porém batizada, a introdução indica o rito do matrimônio sem missa (nn. 79-117). Quando uma das partes é um catecúmeno, ou seja, alguém que está se preparando para ser batizado, ou então entre uma parte não cristã, o rito a ser usado é o da celebração do matrimônio entre uma pessoa católica e outra catecúmena ou não cristã (nn. 152-178).

Outra peculiaridade do novo Ritual do Matrimônio é a possibilidade do matrimônio ser assistido por uma testemunha leiga, na falta do presbítero ou do diácono.

Onde faltam sacerdotes e diáconos, o bispo diocesano, com a prévia aprovação favorável da Conferência dos Bispos e obtida a licença da Santa Sé, pode delegar leigos para assistirem aos matrimônios. Escolha-se um leigo idôneo, que seja capaz de formar os noivos e de realizar convenientemente a liturgia do matrimônio[5].



A reforma do Ritual do Matrimônio, aplicando os princípios e determinações do Concílio Vaticano II, deu passos importantes e positivos para a celebração do matrimônio. Deu uma concepção geral da liturgia sacramental, tendo em conta os frutos obtidos anteriormente ao Vaticano II. Como afirma G. Flórez,

a aproximação às fontes bíblicas, patrísticas e litúrgicas, a tradução dos textos litúrgicos para as línguas vernáculas, a participação ativa da comunidade cristã nas celebrações, a valorização e utilização da Palavra de Deus para alimentar a fé no significado dos sacramentos e em geral nos aspectos teológicos da ação litúrgica são passos importantes para o desenvolvimento do sentido litúrgico dos fiéis[6].


A reforma do Ritual do Matrimônio o enriqueceu grandemente. Deu unidade à ação litúrgica, fazendo com que a celebração do matrimônio seja composta com todos os elementos litúrgicos que têm significado importante na tradição litúrgica e na realidade antropológica e sacramental do matrimônio, podendo adotar elementos culturais que valorizem a própria celebração.

A celebração do matrimônio, tal como é ordenada no novo Ritual do Matrimônio põe em relevo dois elementos que ao longo da história da celebração do matrimônio tiveram importância diferente: o primeiro é o consentimento dos esposos, elemento imprescindível da celebração, e o segundo é a bênção nupcial, que é o mais firme elo da tradição litúrgica do matrimônio.

É evidente que a celebração litúrgica do matrimônio, tal como é disposta no novo ritual, exige uma boa preparação de todas as partes e, principalmente, dos noivos. “A preparação da celebração do sacramento deve ser feita com cuidado, enquanto possível, com a presença dos noivos”[7]. O pároco deve analisar as condições para propor a melhor forma de celebração, se dentro ou fora da missa; juntamente com os noivos, caso seja possível, escolher bem as leituras, que serão comentadas na homilia; a maneira dos noivos exprimirem o consentimento; a fórmula da bênção das alianças; a bênção nupcial, as preces e os cantos e até mesmo o modo da ornamentação (Cf. RM 29-31).

3. Características da liturgia do matrimônio

A celebração dos sacramentos, em particular a eucaristia, constituem a expressão máxima da oração da Igreja. Conforme afirma o Concílio Vaticano II: “A liturgia é o cume para o qual tende a ação da Igreja, e, ao mesmo tempo, é a fonte donde emana toda a sua força” (SC 10). Por meio dos sacramentos, Cristo se une à Igreja para realizar nela sua obra de salvação. Sendo pois, oração de Cristo e da Igreja, os sacramentos expressão e comunicam por meio de palavras e símbolos e com uma ação litúrgica, o que a graça de Cristo quer realizar na Igreja e em seus membros.

Para comunicar o mistério da graça de Deus, a liturgia sacramental busca, nos textos da Sagrada Escritura, sua fonte primordial, pois é nela que contém por excelência a revelação de Deus, mas também, recorre a tudo o que pode contribuir para expressar de maneira clara e objetiva o mistério celebrado.

No que diz respeito à celebração litúrgica do matrimônio, a liturgia da Igreja recorre em primeiro lugar aos textos bíblicos em que se revela o projeto de Deus a respeito do matrimônio. Mas a liturgia sacramental não se limita apenas aos textos específicos, vai além, buscando em outros textos da Sagrada Escritura tudo o que pode ser útil para promover uma plena e frutuosa celebração do sacramento.

Além dos textos bíblicos, a liturgia sacramental também fundamenta-se nos sinais, pois eles são meios para expressar, representar e comunicar as realidades significadas pelos sacramentos. G. Flórez afirma que:

o sinal entra pelos sentidos até o interior do espírito humano e tem uma força de projeção comunitária que a palavra nem sempre pode alcançar por si só. O sinal tem uma capacidade especial para fazer chegar à comunidade uma mesma mensagem, para significar, representar e comunicar a unidade e a universalidade da graça de Jesus. Porém, tem também suas limitações próprias. Precisa do concurso da palavra para poder expressar com clareza e luminosidade o que quer significar e comunicar[8].


Na celebração do matrimônio cristão se encontra uma variedade de ritos, que procederam das mais diferentes culturas e tradições. Eles ajudam a sua celebração, porém, o mais essencial é a decisão dos noivos de se unirem. A identidade teológica do matrimônio está na decisão dos noivos de contraírem matrimônio perante Deus e a Igreja.

As palavras do consentimento matrimonial exercem a função de sinal no sacramento do matrimônio. Diferentemente de outros sacramentos, não se trata, nesse caso, de um elemento material, que se toma como meio de representação do que o sacramento significa e realiza, mas de um compromisso que os noivos contraem livremente e que os transforma em esposos[9].


Embora a celebração do matrimônio tenha elementos da tradição bíblica e de diferentes culturas, a liturgia do matrimônio não é simplesmente um aglomerado de elementos ou ritos tirados dessas culturas e tradições, mas possui uma estrutura própria, que faz parte do culto da Igreja. Por meio da liturgia sacramental, a Igreja exerce sua missão de santificar os fiéis e de oferecer a Deus um culto agradável e verdadeiro.

Através da liturgia cristã do matrimônio, o Pai manifesta seu amor aos esposos, membros do corpo de Cristo, e a Igreja oferece ao Pai aquilo que mais lhe agrada, o amor de seu Filho, que se revela e manifesta no amor que os novos esposos sentem entre si[10].

Deste modo, a união dos esposos se torna um sinal da união de Cristo com sua Igreja e como obra do Espírito Santo para enriquecer a Igreja com seus dons.






4. O lugar da celebração do matrimônio


A Introdução Geral do Ritual do Matrimônio, bem como a Constituição Conciliar sobre a Liturgia Sacrosanctum Concilium, afirmam que o lugar normalmente do matrimônio é dentro da celebração da eucaristia. Porém, por motivos pastorais, há a possibilidade de ser celebrado fora da missa .


Mas a celebração do matrimônio hoje esbarra em grandes dificuldades que devem nos questionar em relação ao modo de preparação para a sua celebração. Vê-se que os noivos, que procuram a Igreja para a celebração do matrimônio, encontram-se despreparados com uma fraca iniciação cristã, em alguns caso praticamente ausente. Como afirmo no meu recente livro, outro problema que encontramos quando casais de noivos procuram a Igreja para pedir o sacramento do matrimônio é a falta de fé. Este constitui um dos mais graves problemas por revelar que o processo de iniciação cristã tem se mostrado ineficiente, não despertando em nossos jovens uma fé madura e responsável .


Enquanto o processo de iniciação cristã não levar os jovens à maturidade da fé, parece que a melhor forma para a celebração do matrimônio é fora da missa. É inadmissível a celebração do matrimônio na missa em que os noivos não possam participar plenamente, inclusive da mesa eucarística.

O Ritual do Matrimônio apresenta três possibilidades para a sua celebração: celebração do matrimônio dentro da missa; celebração do matrimônio fora da missa; e celebração do matrimônio entre uma pessoa católica e outra catecúmena ou não-cristã.





[1] CLEMENTE, José Carlos Isnard, “Apresentação”. In: Ritual do Matrimônio. São Paulo: Paulus, 1993.


[2] Catecismo da Igreja Católica, n. 1621.


[3] PAREDES, José Cristo Rey García. O que Deus uniu... p. 412.


[4] FLÓREZ, Gonzalo. Matrimônio e família... p. 289.


[5] RM, n. 25; CIC, cânon 1112.


[6] FLÓREZ, Gonzalo. Matrimônio e família... p. 291.


[7] RM, n. 29.


[8] FLÓREZ, Gonzalo. Matrimônio e família... p. 277.


[9] Ibidem, p. 277.


[10] Ibidem, p. 278-279.


Nenhum comentário: