sexta-feira, 27 de julho de 2012

Assembléia Litúrgica
participação de um povo sacerdotal na liturgia
a partir da Constituição Sacrosanctum Concilium



Pe. Cristiano Marmelo Pinto


“Desde o próprio dia de Pentecostes, a Igreja nunca deixou de reunir-se para celebrar o mistério pascal:
lendo tudo o que se refere a ele em toda a Escritura (Lc 24,27), celebrando a Eucaristia, na qual voltam
a fazer-se presentes a vitória e o triunfo de sua morte e, ao mesmo tempo, agradecendo a Deus
pelo dom inefável (2Cor 9,15) em Cristo Jesus, para louvar sua glória (Ef 1,12) pela força do Espírito Santo” (SC 6).



1. Introdução

A questão da assembleia é fundamental no que diz respeito à participação litúrgica. Compreender o papel da assembleia na ação litúrgica, sua sacramentalidade e finalidade são imprescindíveis para que a liturgia, renovada pelo Concílio Vaticano II, possa atingir a tão desejada participação de todo o povo de Deus na liturgia. Toda a renovação promovida pelo Concílio e promulgada no documento conciliar sobre a liturgia Sacrosanctum Concilium visa resgatar esta participação de todos na celebração litúrgica.

A celebração litúrgica não é uma reunião qualquer, muito menos um aglomerado de massa ou grupo de indivíduos sem algo comum, mas possui uma finalidade específica e atinge um grupo característico. A assembleia litúrgica difere-se de outros tipos de assembleia, porque é formada pelo povo de Deus, povo de sacerdotes, que participa do Sacerdócio único de Cristo (cf. LG 10; 11).

Toda celebração requer a participação de um grupo, ou seja, é preciso que um grupo de pessoas se reúna para celebrar. “Não existe culto plenamente litúrgico a não ser que seja celebrado para e por um povo reunido” (GELINEAU, 1973, p. 40). De fato, como afirma a constituição Sacrosanctum Concilium “a Igreja nunca deixou de reunir-se para celebrar o mistério pascal” (SC 6). Mas esta reunião não é um simples encontro de pessoas. É preciso formar um corpo, uma assembleia. Esta assembleia que se reúne para celebrar o mistério pascal de Cristo é o que chamamos de assembleia litúrgica.

Na celebração dos 50 anos do Concílio Vaticano II e mais especificamente da Constituição sobre a liturgia Sacrosanctum Concilium, queremos refletir sobre a assembleia litúrgica como participação de um povo sacerdotal na celebração a partir deste documento que é o marco de toda uma mudança de atitude e mentalidade e, que visa principalmente o resgate participação do povo de Deus de modo ativo na liturgia. Queremos compreender o sujeito da celebração e suas vertentes no contexto celebrativo.

2. Mas o que é uma assembleia litúrgica?

Levando em conta a conotação profana do termo, assembleia indica um grupo qualquer de pessoas que se reúnem para um determinado objetivo. Considerando o contexto religioso “a assembleia litúrgica é um grupo humano que se reúne e, no âmbito dessa categoria, um grupo orientado para uma atividade religiosa” (SPERA; RUSSO, 2005, p. 111). Este grupo humano que se reúne em assembleia para uma atividade religiosa é o povo de Deus, e no nosso caso, o povo cristão, comunidade de fiéis unidos pela fé e pelo batismo que nos constitui povo de Deus.

A primeira vista, quando falamos de reunião, vem-nos a mente de que para reunir-se é preciso estar disperso. No entendimento de Argárate “reunião é voltar a unir-se. E se é voltar a unir-se, previamente é necessário uma certa des-união ou dispersão. Por sua vez, a partícula ‘re’ implica que antes da des-união havia uma sólida união. Desse modo, re-união leva-nos a voltar a uma unidade primeira” (ARGÁRATE, 1997, p. 57).

A comunidade-Igreja reúne-se para um fazer especial, marcadamente comunitário. Até podemos dizer que essa comunidade existe para esse fazer. A essência da comunidade é o reunir-se para o fazer litúrgico. A comunidade-Igreja ordena-se principalmente para o fazer da liturgia. A Igreja é a comunidade da liturgia, do fazer celebrativo do mistério do Senhor (ARGÁRATE, 1997, p. 58).

Desde cedo, usou-se o termo ekklesía para expressar a reunião dos cristãos. “A significação literal imediata do termo seria chamado, reunião, comunidade, igreja” (BERNAL, 2000, p. 111). Ekklesía transliterado para o latim Eclésia são versões da palavra hebraica qahal, que “designa a convocação para uma assembleia e o ato de reunir-se. A melhor maneira de traduzi-la seria por chamado” (COENEN, apud BERNAL, 2000, p. 111). Na sua concepção mais antiga e originária, ekklesía fazia referência à comunidade do povo de Deus convocada e reunida para celebrar a liturgia. Segundo Spera (2005, p. 112), “os autores mais antigos que descrevem a liturgia mais primitiva indicam como sua principal característica e seu começo o fato de reunir-se, de deslocar-se e de chegar a um mesmo lugar para encontrar-se e ficarem todos juntos”. Porém, a assembleia litúrgica não se reúne espontaneamente, mas sim, por um chamado, uma convocação que tem sua origem em Deus. “Assembleia, em compensação, é a reunião da Igreja, do povo de Deus, convocado pela Palavra do Senhor, em um lugar concreto e num momento preciso para celebrar os mistérios do culto” (BERNAL, 2000, p. 111). É por esse motivo que no início da celebração, após a saudação do presidente, a comunidade responde: Bendito seja Deus que nos reuniu no amor de Cristo. É Deus quem nos convoca e reúne no amor de seu Filho Jesus. A comunidade dispersa, ao ouvir o chamado de Deus atende sua convocação e se reúne.

Os que se sentem unidos por diversos vínculos de conhecimentos, afeto, parentesco, amizade, relação profunda, mais que, na vida ordinária, se acham dispersos, separados, re-unen-se, isto é, voltam a unir-se, a exprimir a sua vinculação unitiva, de modo sensível, por meio de uma presença física de reciprocidade (MALDONADO, 1990, p. 163).

Para nós cristãos, o vínculo que nos faz reunir-se para celebrar é a fé em Jesus Cristo e o nosso batismo, que nos torna, todos, povo de Deus. Deste modo, manifesta-se a Igreja reunida para celebrar o mistério pascal de Cristo. “Essa Igreja mostra-se, assim, como a grande força unificante no mundo, o lugar onde todos os homens são um. E essa unidade se alcança não suprimindo as diferenças, mas conservando-as” (ARGÁRATE, 1997, p. 58). A liturgia manifesta a verdadeira natureza da Igreja (cf. SC 2).

Conforme Beckhäuser (2012, p. 17): A liturgia constitui a maior epifania ou manifestação da Igreja. Ela mostra a Igreja aos que estão fora dela, como estandarte erguido diante das nações, a fim de que se estabeleça a verdadeira união entre os cristãos e todos sejam congregados até que haja um só rebanho e um só pastor.

Cada membro da Igreja participa da assembleia litúrgica de modo diferente, segundo a diversidade de ministérios e funções (cf. SC 26; LG 11).

3. Assembleia litúrgica e participação de um povo sacerdotal

A celebração litúrgica é obra de Cristo sacerdote e de seu corpo, a Igreja, ou seja, do “Christus Totus” (Cristo total, cabeça e membros). Não encontramos nos Evangelhos nenhuma referência ao sacerdócio. No Novo Testamento, e mais precisamente em Paulo na Carta aos Hebreus, há somente um único sacerdócio, um único sacerdote e mediador: Jesus Cristo (cf. Hb 4,14.8,1. 10,19-21). É na Primeira Carta de Pedro que irá aparecer à participação do cristão no sacerdócio de Cristo (cf. 1Pd 2,4-5.9).

Sobre a presença e atuação de Cristo na liturgia, a constituição Sacrosanctum Concilium dedicou um artigo inteiro (cf. SC 7). Nele afirma-se que Cristo está sempre presente à sua Igreja, de modo especial nas ações litúrgicas. Cristo age unido à Igreja e por isso, a liturgia é o exercício do sacerdócio de Cristo. “Toda celebração litúrgica, pois, como obra de Cristo sacerdote e de seu corpo, a Igreja, é ação sagrada num sentido único” (SC 7). É toda a comunidade que, unida a Cristo, celebra a liturgia. “A assembleia reunida para celebrar a liturgia se apresenta como comunidade sacerdotal. Ela exerce e atualiza o sacerdócio eterno e único de Jesus Cristo” (BERNAL, 2000, p. 122). É neste sentido que a constituição irá afirmar que: “as ações litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da Igreja, sacramento da unidade” (SC 26). Assim sendo, as ações litúrgicas já não são mais privativas dos ministérios ordenados, mas atos de toda a Igreja, e por isso deve-se preferir, na medida do possível, a celebração comunitária em que cada um deve desempenhar aquilo que lhe cabe (cf. SC 26; 27; 28).

A Igreja é uma comunidade de caráter sacerdotal (cf. SC 7). “A liturgia, exercício do sacerdócio de Cristo, torna-se visível na Igreja e por meio da Igreja” (SPERA; RUSSO, 2005, p. 113). A mediação sacerdotal de Cristo é visibilizada, prolongada e manifestada por meio da comunidade dos batizados. Como afirma a constituição Lumen Gentium: “os batizados consagram-se para serem edifício espiritual e sacerdócio santo, a fim de, por meio de toda a sua atividade cristã, oferecerem sacrifícios espirituais e proclamarem as grandezas daquele que das trevas nos chamou para a sua luz maravilhosa” (LG 10). O Concílio procurou recuperar a função sacerdotal de todo o povo de Deus na assembleia litúrgica.

O Concílio faz então uma distinção entre, de um lado, o sacerdócio comum ou sacerdócio dos batizados e, de outro lado, o sacerdócio ministerial dos bispos e presbíteros. Não se trata de dois sacerdócios. Ambos são expressão e participação do mesmo e único sacerdócio, o de Jesus Cristo. O sacerdócio comum não deriva ou não está abaixo do sacerdócio ministerial (BUYST, 2012, p. 38).

O fundamento do sacerdócio é o batismo (cf. LG 14; 31, AA 3). Porém, Cristo está representado na Igreja, como cabeça de seu corpo, por meio do sacerdócio ministerial. Embora diferente do sacerdócio batismal de todos os fiéis em essência e grau, ordena-se para este. “O sacerdócio ministerial e o sacerdócio comum dos fiéis, ambos expressão de uma Igreja povo sacerdotal, precisam um do outro e se completam reciprocamente para realizar o culto verdadeiro (MARTÍN, 1996, p. 207).

O sujeito integral da liturgia é sempre a Igreja, mas seu sujeito último e transcendente é Jesus Cristo, que fez da Igreja seu corpo sacerdotal. A assembleia litúrgica é portanto, a reunião da Igreja, povo sacerdotal de Cristo, para celebrar pelo vínculo da fé e do batismo, o mistério pascal de Cristo. Assim, como define Catecismo da Igreja, “na celebração dos sacramentos, a assembleia inteira é o litúrgo, cada um segundo a sua função, mas na unidade do Espírito, que age em todos” (CIC, 1144).
4. Características da assembleia litúrgica

O centro de toda assembleia litúrgica é a presença do Cristo ressuscitado no meio dela. De fato, foi o próprio Jesus Cristo quem prometeu que “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles” (Mt 18,20). A essa presença de Jesus corresponde a fé confessada da comunidade reunida. A assembleia litúrgica é então, a reunião motivada pela fé em Jesus Cristo ressuscitado. “A assembleia litúrgica parte da fé, sendo ela própria uma confissão de fé no Senhor ressuscitado” (SPERA; RUSSO, 2005, p. 115).

A assembleia litúrgica, reunida na presença de Cristo, possui suas características. Vejamos algumas dessas características.

1ª) A assembleia litúrgica é um grupo ao mesmo tempo unitário e diversoa assembleia deve ser um fator de unidade de todos os que dela fazem parte. Ela deve ser um espaço de acolhida cordial de todos que chegam para celebrar o mistério do Senhor. A assembleia é composta de pessoas que possuem muito em comum, mas que também, tem suas diferenças. Por isso, mesmo que seja um ato eclesial, ninguém perde sua identidade particular.

A assembleia litúrgica deve ser aberta e, portanto, plural, heterogênea, matizada, sinal da universalidade do amor do Pai, da catolicidade do seu desígnio salvífico, da solidariedade ilimitada suscitada pela liberalidade da sua vontade libertadora. O único requisito para ser admitido a ela é a fé (MALDONADO, 1990, p. 167).

2ª) A assembleia litúrgica é carismática e hierárquica : significa que a assembleia litúrgica não é um amontoado de indivíduos anônimos, mas uma comunidade de fiéis que possui carismas e dons e é estruturada de maneira hierárquica. Essa característica é traduzida no plano prático através dos diversos ministérios e funções exercidas na celebração. Esses ministérios e funções devem ser desempenhados para o bem de todos.

Há, no entanto, na assembleia, um princípio de distinção entre as pessoas, que não deriva da consideração mundana, mas de sua natureza orgânica e de seu próprio mistério: sua estrutura hierárquica. Todavia, não deve essa estrutura abafar os carismas de seus membros.

Essa estrutura é somo que bipolar: de um lado, a presidência, sinal pessoal do Senhor, servo e sacerdote; do outro, o povo, sinal da Igreja, a exercer seu sacerdócio batismal. Em torno desses dois pólos, desenvolve-se certo número de serviços. Ao pólo da presidência estão antes ligados os serviços da Palavra, da oração e da mesa; ao lado do povo, os da acolhida, das ofertas e do canto (GELINEAU, 1973, p. 65).

3ª) A assembleia litúrgica é uma comunidade que supera as tensões: a assembleia litúrgica, por ser a reunião de indivíduos e grupos, possui suas tensões. Mas essas tensões devem ser superadas. “Há uma contínua tensão entre o indivíduo que vem à assembleia e a ação simbólica que lhe é proposta pela liturgia” (GELINEAU, 1973, p. 66-67). O fato de serem todos crentes não significa que concordam imediatamente com a celebração. Há dois aspectos nessa tensão: por um lado, refere-se à própria realidade da ação proposta, ou seja, deixar-se julgar e converter ela Palavra; morrer e ressuscitar com Cristo; comungar com Deus e com os irmãos. É o que Paulo fala a respeito da necessidade de revestir-se do homem novo (cf. Ef 4,24). Por outro lado, refere-se aos sinais nos quais esse mistério é proposto, ou seja, linguagem parcialmente desconhecida, pessoas com quem celebro, que não escolhi, que não são todas conhecidas, cantos e textos que não são minha escolha, mas propostos pela liturgia.

A assembleia é uma comunidade que supera as tensões entre o indivíduo e o grupo, entre o subjetivo e o objetivo, entre o particular e o que é patrimônio comum, entre o que é somente local e o que é universal, etc. A assembleia não anula, integra; e isso não só no nível do eu e do tu no nós – abertura e encontro interpessoal, mas também no nível histórico e contingente com o transcendente e eterno, ou seja, com o mistério de salvação e a graça de Cristo, que autentica o encontro das pessoas nesse horizonte comunitário (MARTÍN, 1996, p. 209).

4ª) A assembleia litúrgica é polarizante: dizer que a assembleia litúrgica polariza significa que ela oferece um canal de expressão e de comunicação aos sentimentos dos que estão presentes na celebração. Significa dizer que a assembleia além de centrar os sentimentos de cada pessoa em torno de um determinado valor religioso, ela também concentra nele os sentimentos da comunidade inteira que partilha a mesma experiência de fé e de oração.

A assembleia polariza e proporciona meios de expressão e de comunicação aos sentimentos dos presentes, por mais contrastantes que possam mostrar-se (SPERA; RUSSO, 2005, p. 116).

5. A participação da assembleia na celebração litúrgica

O grande anseio da renovação litúrgica promovida pelo Concílio Vaticano II é resgatar principalmente a participação de toda a comunidade na celebração. Para isso empenhou-se em tornar o rito litúrgico mais claro, simples, sóbrio, conforme as características da liturgia celebrada no início da Igreja. Compreender o papel da assembleia litúrgica na celebração é fundamental para resgatar a sua participação e evitar certos equívocos ou até mesmo atitudes “populistas” de quem considera promover a participação da assembleia, confundindo os papéis de cada ministério e função na celebração. O documento conciliar diz que a Igreja procura fazer com que os fiéis estejam presentes na liturgia, não como estranhos espectadores, mas como participantes conscientes e ativos (cf. SC 48).

Há todo um jogo na expressão dos gestos e na linguagem da celebração litúrgica para indicar, por exemplo, que algumas vezes é a assembleia toda que atua, ou os membros individualmente, ou aquele que preside, fazendo o que lhe cabe em nome de todo o povo santo, ou dialogando com os fiéis (MARTÍN, 1996, p. 209).

Qual o significado da palavra “participar”? Participar vem do latim tardio (partem-capere, participare, participatio) e significa intervir, assistir, aderir, ter parte. Participare – participatio indicam, na linguagem litúrgica, uma relação com, ter algo em comum com, estar em comunhão. Participação expressa portanto, relação, comunicação, identificação, unidade. Esses termos são usados para referir-se à participação no mistério celebrado. Participação na liturgia significa ter parte na ação litúrgica, na vida liturgia. Não como “espectadores mudos” (SC 48), mas de modo consciente, ativo e frutuoso (cf. SC 11; 48; 114). “Participar da ação litúrgica significa ter parte no mistério que está sendo celebrado” (BUYST, 2002, p. 103).

A participação na liturgia envolve três aspectos:

1) A ação de participar, mediante atos humanos (gestos, ritos) e atitudes internas, suscetíveis a variar de intensidade ou de modalidade;

2) O objeto da participação, ou seja, aquilo de que se participa, que não é somente um ato, ritual e simbólico, mas também o conteúdo misterioso que se celebra ou se atualiza (o acontecimento salvífico);

3) As pessoas que tomam parte na celebração, isto é, ministros e fiéis, cada um segundo o grau próprio de sua função na liturgia.

Antes de qualquer tentativa de compreender como se dá a participação na liturgia, é preciso ter em mente que é toda a assembleia o sujeito da liturgia e não apenas os ministros ordenados (cf. SC 48). Sendo, pois, sujeito da celebração, todos dela devem participar. Significa que a participação da assembleia é parte integrante da ação litúrgica que tem sua origem e fundamento no sacerdócio batismal de todo cristão (cf. SC 14; LG 10-11). A participação na liturgia é um direito e um dever de todos. Ela não é algo privativo, de apenas alguns, mas de todos. É o que diz o Concílio quando afirma que: “as ações litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da Igreja, que é o sacramento da unidade, isto é, o povo santo, unido e ordenado sob a direção dos bispos” (SC 26). Por isso é preciso promover a participação de todos na liturgia.

A Igreja deseja ardentemente que todos os fiéis participem das celebrações de maneira consciente e ativa, de acordo com as exigências da própria liturgia e por direito e dever do povo cristão, em virtude do batismo, como “raça eleita, sacerdócio régio, nação santa e povo adquirido”. Procure-se, por todos os meios, restabelecer e favorecer a participação plena e ativa de todo o povo na liturgia. Ela é a fonte primeira e indispensável do espírito cristão (SC 14).

A Constituição Sacrosanctum Concilium apresenta o ideal da participação na liturgia. Vejamos:

a) Participação plena, consciente, ativa e proveitosa (SC 11; 14);

b) Participação interna e externa (SC 19; 110);

c) Participação em ato (SC 26);

d) Participação própria dos fiéis e comunitária (SC 114);

e) Participação em assembleia (SC 121);

f) Participação ordenada e harmoniosa (SC 18; 19).

A participação na liturgia é algo interno e externo (cf. SC 11), algo que envolve toda a pessoa, de forma que as atitudes interiores coincidam com o gesto ou a ação exterior. Deve ser consciente (cf. SC 14), além de ativa e plena. Quanto aos elementos da participação na liturgia exposto pelo Concilio Vaticano II, vejamos alguns deles.

a) Participação ativa: participar da celebração de forma ativa sugere ação de todos. Significa em primeiro lugar “querer encontrar-se com o Senhor, responder a seu convite” (BUYST, 2002, p. 104). Significa querer encontrar-se com os irmãos na fé, povo sacerdotal. Em segundo lugar significa participar ativamente de todas as ações litúrgicas, cada qual exercendo a sua função;

b) Participação interna e externa: a participação na liturgia tem dois aspectos, um interno e outro externo. O que realizamos externamente (gestos, palavras, canto, movimentos...) devem ter repercussão interior, ou seja, deve atingir nossa interioridade, nosso coração. É deixar-se mergulhar, através dos gestos e sinais, no mistério do Senhor;

c) Participação consciente: significa que nossa mente deve acompanhar nossas palavras e gestos. Como dizia São Bento: “que nossa mente concorde com o coração”. Participar conscientemente trata-se de que precisamos compreender cada gesto, palavra, símbolos da liturgia. É uma compreensão que vai além do puro raciocínio, é deixar-se tocar pelo mistério do Senhor, e poder ver em tudo que se realiza na liturgia a expressão desse mistério;

d) Participação plena: trata-se de participar de maneira integral, ou seja, se entregar por inteiro no que está sendo celebrado. Identificar-se com o mistério celebrado e deixar-se tomar por ele e se transformar. É o que diz São Paulo: “Já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim. E esta vida que agora vivo, eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20);

e) Participação frutuosa: significa que a participação na celebração litúrgica deve produzir frutos na vida de quem dela participa. Ela deve ser traduzida em ações, em compromisso no dia-a-dia das pessoas. Em outras palavras, significa dizer que a liturgia deve produzir frutos de conversão e transformação em nossa vida, ter continuidade fora do momento celebrativo.

Em vista de uma melhor participação na liturgia, o Concílio procurou concretizar os meios possíveis para que a participação da assembleia aconteça. Para isso é necessário:

a) Formação litúrgica (SC 14-19);

b) Catequese litúrgica e de admoestações oportunas no desenvolver dos ritos (SC 35,3);

c) Ritos simplificados (SC 34);

d) Fomento dos cantos e das respostas, dos gestos e das posturas corporais, assim como do silêncio na celebração (SC 30);

e) Introdução da língua vernácula (SC 36,2);

f) Inculturação da liturgia (SC 37-40);

g) Ampliação das leituras da Palavra de Deus na liturgia (Sc 24);

h) Homilia (Sc 35,2);

i) Revisão dos testos e dos livros litúrgicos (SC 21; 25).

7. Concluindo...

A liturgia é a celebração de todo o povo de Deus, Corpo de Cristo (Cabeça e membros). A assembleia que celebra a liturgia é manifestação da Igreja e sujeito da liturgia. Na liturgia, a Igreja se manifesta como povo sacerdotal, que celebra o mistério da fé. Esse povo sacerdotal é constituído pelo batismo, que nos faz todos participantes do único sacerdócio de Jesus Cristo. Embora diferentes em grau e essência, o sacerdócio batismal e o sacerdócio ministerial está um ordenado para o outro.

A assembleia litúrgica é a reunião da Igreja, povo sacerdotal de Cristo, para celebrar pelo vínculo da fé e do batismo, o mistério pascal de Cristo. Desse modo, podemos concluir que a participação da assembleia na liturgia consiste em, deixar-se tomar pelo mistério celebrado e dele participar de modo ativo e consciente. Se compreendermos bem o papel da assembleia na liturgia, seus ministérios e funções, poderemos promover então o que deseja o Concílio Vaticano II, na Constituição sobre a liturgia Sacrosanctum Concilium: uma participação ativa, interior e exterior, consciente, piedosa, plena e frutuosa.

Ainda nos falta muito por fazer. Precisamos arregaçar as mangas e ajudar o nosso povo a celebrar cada vez melhor. A promoção da participação da assembleia na liturgia cabe tanto aos pastores (bispos e presbíteros), como também aos membros da pastoral litúrgica. Então, mãos a obra!


Referências bibliográficas:


CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a sagrada liturgia. (Coleção: A voz do papa 26). São Paulo: Paulinas, 2002.

ARGÁRATE, Pablo. A Igreja celebra Jesus Cristo: introdução à celebração litúrgica. São Paulo: Paulinas, 1997.

BERNAL, José Manuel. Celebrar, un reto apasionante: bases para una comprensión de la liturgia. Salamenca/Madrid: San Esteban/Edibesa, 2000.

BUYST, Ione. Participar da liturgia. São Paulo: Paulinas, 2012.

BUYST, Ione; SILVA, José Ariovaldo da. O mistério celebrado: memória e compromisso I. Valencia: Siquem, 2002.

GELINEAU, Joseph. Em vossas assembleias 1: teologia pastoral da missa. São Paulo: Paulinas, 1973.

MALDONADO, Luis. A celebração litúrgica: fenomenologia e teologia da celebração. In: BOROGIO, Dionísio (org.). A celebração na Igreja 1: liturgia e sacramentologia fundamental. São Paulo: Loyola, 1990, p. 161-175.
MARTÍN, Julián López. No espírito e na verdade: introdução teológica à liturgia. Petrópolis: Vozes, 1996.

SPERA, Juan Carlos; RUSSO, Roberto. A assembleia celebrante. In: CELAM. Manual de liturgia: a celebração do mistério pascal – fundamentos teológicos e elementos constitutivos. São Paulo: Paulus, 2005, p. 111-141.









segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012


O termo liturgia

O termo "liturgia", hoje utilizado quase que exclusivamente para descrever o ato de culto, não nasceu em ambiente religioso e nem mesmo é oriundo do mundo do Antigo Testamento, mas vai aparecer por primeiro na Grécia antiga, pertencendo pois à língua grega clássica, como palavra composta por duas raízes: leit (de laós = povo) e érgon (= ação, empresa, obra). A palavra assim composta significava naquele ambiente em que nasceu: “ação, obra, empresa para o povo ou pública”. Por «Liturgia» se entendia um serviço público feito para o povo por alguém de posses. Este realizava tal serviço ou de forma livre ou porque se sentia como que obrigado a fazê-lo, por ocupar elevada posição social e econômica. Neste sentido eram "Liturgias" a promoção de festas populares, dos jogos olímpicos ou o custeio de um destacamento militar ou de uma nave de guerra em momentos de conflitos.

Na época helênica a palavra conhece uma evolução no seu sentido e começa a designar seja um trabalho obrigatório realizado por um determinado grupo, como castigo por alguma desobediência ou como reconhecimento por honras recebidas, seja o serviço do servo para com seu senhor ou o favorzinho de um amigo para com o outro. E aqui vemos o termo perder aquele caráter de serviço público, para a coletividade, que é, como vimos, um seu componente essencial.

Todavia, nesta mesma época helênica, começamos a ver o termo "Liturgia" sendo usado ao mesmo tempo e cada vez mais em sentido religioso-cultual, para indicar o serviço que algumas pessoas previamente escolhidas prestavam aos deuses. E é precisamente neste sentido que ele vai entrar no Antigo Testamento e, tempos mais tarde, será acolhido no mundo cristão.

De fato, no texto da Bíblia traduzida para o grego e chamada tradução dos LXX, «Liturgia» aparece cerca de 170 vezes, designando sempre o culto prestado a Javé, não por qualquer pessoa, mas apenas pelos Sacerdotes e pelos Levitas no Templo. Já quando os textos se referem ao culto prestado a Javé pelo povo, a palavra utilizada pelos LXX não é jamais "Liturgia", mas latría ou doulía. Isso por si só já nos indica que os tradutores dos LXX fizeram uma escolha consciente deste termo «Liturgia», dando-lhe um sentido técnico preciso para indicar de forma absoluta o culto oficial hebraico devido a Javé e realizado por uma categoria toda particular de pessoas especialmente destinadas a isso.

No Novo Testamento o termo vai aparecer apenas 15 vezes, mas uma só vez em sentido de culto ritual cristão (cf. At 13,2). E a razão de um tal desprezo dele pelo NT parece dever-se exatamente ao fato de «Liturgia» recordar de maneira muito clara e direta os sacrifícios realizados no Templo e que foram tantas vezes e de tantos modos duramente criticados pelos profetas de Israel, por não serem verdadeira expressão de amor e agradecimento a Deus pelos benefícios recebidos ou sinal de conversão dos pecados. Nestes sacrifícios, em geral, não aparecia o coração do homem; e este tipo de culto Deus não pode aceitar (cf. Sl 39,7-9; 49,14.23; 50,18-19; 68,31-32; 140,2; Is 1,10-20; Jr 7,3-11; Os 6,6; 8,11-13; Am 5,21-25).

No cristianismo primitivo o termo também resiste a aparecer. Os cristãos da origem adotando o «espiritualismo cultual», isto é, aquele tipo de culto realizado em “espírito e verdade”, não mais ligado às instituições do sacerdócio ou do templo, seja o de Jerusalém ou de Garizim (Jo 4,19-26), não sentem a necessidade de utilizar uma palavra que havia servido para identificar explicitamente um culto oficial, feito segundo regras precisas, tal qual era o sacrifício hebraico, vazio de espírito e rico de exterioridade. Mas já na Igreja pós-apostólica, "Liturgia" vai perdendo parte de seu aspecto negativo e começa a distinguir os ritos do culto cristão, como se vê em documentos como a Didaché (+- 80-90) e na I Carta de Clemente romano aos Coríntios (+- 96).

No Oriente grego, o termo esteve sempre em uso para designar a ação ritual, muito embora hoje em dia indique sobretudo a celebração da Eucaristia segundo um determinado rito, como por exemplo, a “Liturgia de são João Crisóstomo”, a “Liturgia de são Tiago” etc. No ocidente latino, porém, o termo «Liturgia» será completamente ignorado e só vai aparecer no séc. XVI, por causa dos contatos criados entre o Renascimento e as antigas fontes gregas. Mas devemos aguardar a primeira metade do séc. XIX para vê-lo utilizado no linguajar eclesiástico oficial latino com Gregório XVI, o que continua com Pio IX e sobretudo com Pio X. Por ocasião do Movimento Litúrgico do início deste século este termo será usado com grande força, sendo que o Concílio Vaticano II o consagrará nos seus diversos documentos, em especial na Constituição sobre a Liturgia Sacrosanctum Concilium, entendendo sempre por «Liturgia» “o exercício do sacerdócio de Jesus Cristo” (SC 7), ou o “cume em direção ao qual se dirige toda a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte da qual sai toda a sua força” (SC 10).


Pe. JOSÉ RAIMUNDO DE MELO
doutor em liturgia


sábado, 21 de janeiro de 2012

Missa não é opereta

Pe. Zezinho, scj


Opera é um teatro todo cantado. Opereta, um teatro declamado, falado e cantado. Pode haver danças no meio. É mais ou menos isso! Os detalhes eu deixo para os especialistas em artes cênicas. Missa é culto católico, com séculos de história, que não depende de lugar para acontecer, mas, em geral, acontece num templo. Não é nem nunca foi ópera ou opereta. Quem dela participa não é ator e nem o presidente da assembléia nem os cantores podem ser sua principal atração.

Mas são! E o são por conta de um fato: a maioria não estudou ou não respeita as orientações dos especialistas de uma ciência chamada "liturgia". Liturgia deve ser o que impede que o altar vire palco, e o lado direito ou esquerdo dele vire coxia! Regula o culto de maneira que transpareça a catequese e a teologia daquele momento. Na hora em que o presidente daquele culto, ofuscado pelas luzes e pela fama local ou nacional, e algum cantor ou cantora deslumbrado com a sua chance de mostrar seu talento roubam a cena, temos mais uma exibição de opereta, num templo católico. Gestos, corridinhas, roupas lindas, música que estoura os ouvidos, o padre onipresente, inserções aqui e ali no script do que tratam como peça de arte, vinte músicas para uma missa, as canções duram 50 minutos e as palavras da missa 12 ou 15, o sermão do padre 25... E o povo que não pagou para assistir, é convidado a deixar sua contribuição no ofertório. Na semana que vem haverá outra exibição... Isto, nos cultos em que o altar vira palco e o celebrante que poderia, sim, ser alegre, comunicativo, acolhedor, resolve se o ator principal com alguns coadjuvantes chamados banda católica.

Nos outros cultos chamados de eucaristia e tratados como eucaristia a coisa é bem outra! Tem decoro, tem lógica, obedece-se ao conteúdo e aos textos daquele dia, as canções são verdadeiramente litúrgicas, os leitores sabem ler e não engasgam, os microfones não estouram, ninguém toca nem fala para ensurdecer, músicos não entram em competição, nenhum solista canta demais, cantores apenas lideram o povo, ninguém fica dedilhando cançõezinhas durante a consagração, como fundo para Jesus que faz o seu debut, as canções são ensaiadas e escolhidas de acordo com o tema da missa daquele dia, não se canta na hora da saudação de paz porque ninguém diz bom dia, ou como vai cantando...Tais coisas só acontecem nas operetas...

Nas missas sérias e com unção ninguém fica passando à frente ou atrás do altar, ministro não fica mexendo no altar enquanto o padre prega, padre não exagera nas vestes, não berra, não grita, não dá show de presença, tudo é feito com muita seriedade e decoro. O padre até se destaca pela seriedade. Celebra-se, dentro das nuances permitidas, o mesmo ato teológico com implicações sociais que se celebra no mundo inteiro. Todos aparecem e ninguém se destaca.

Mas receio ser inútil escrever sobre estas coisas, porque pouquíssimas bandas e pouquíssimos sacerdotes admitem que isso acontece com eles...E ai de quem disser que acontece! Mandam consultar o ibope sobre as novas missas transformadas em operetas, nas quais se privilegia mais canção do que os textos do dia. Perguntem se, depois daquele "somzão" e daquelas inserções com exorcismo, oração em línguas e outros adendos não aumentou a freqüência aos templos! É! Pois é!



www.padrezezinhoscj.com

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Sobre a Missa Tridentina


Bento XVI teve um gesto ousado ao lançar uma ponte de amizade para os católicos tradicionalistas. Ao abrir, oficialmente, a possibilidade de celebrar a missa no rito de João XXIII (que foi uma adaptação do rito tridentino para 1962), o intento foi diminuir a distância entre esses tradicionalistas e a Igreja de Roma. Uma vez que esse rito litúrgico foi aberto para todos os católicos, resta-nos buscar – através do bom senso – as regras mínimas de uma sadia adesão a essa possibilidade celebrativa.

Antes de tudo, para quem quiser legitimamente, fazer uso desse rito agora facultado, deve aceitar o valor do Concílio Vaticano II. Os Bispos Católicos, estiveram reunidos nesse magno congraçamento, para analisar a situação da Igreja, e dar as orientações pastorais para os novos tempos. Isso equivale a dizer que, além da missa tridentina, se reconhece a autenticidade da Missa do rito de Paulo VI, oriundo desse Concílio.

Quem quiser fazer uso da celebração eucarística no rito tridentino, deve reconhecer que o rito normal da Liturgia deve ser aquele proposto pelo Concílio, e aprovado por Paulo VI. Esse rito teve uma evolução longa, a partir do início do século XX, através do Movimento Litúrgico. O Vaticano II incorporou suas reflexões, e tornou oficial uma Liturgia que respeitou todos os séculos da história eclesiástica, e a adaptou para os tempos modernos. Portanto, durante o uso normal dessa liturgia não se devem impor os costumes e símbolos vinculados com o rito de 1962. Devem vigorar os costumes relacionados ao rito de Paulo VI.

É desnecessário dizer que o Papa manda mais do que o Bispo Diocesano. Mas os interessados no rito antigo devem reconhecer que o Bispo Diocesano é o grande liturgo de sua Diocese. Portanto, devem ser evitados os confrontos inúteis com a autoridade diocesana, e trabalhar em união com ele. O rito tridentino não é nenhuma atividade clandestina, mas também deve estar em sintonia fina com o Bispo da Diocese.

Dom Aloísio Roque Oppermann scj
Arcebispo de Uberaba, MG.

Fonte:
http://www.cnbb.org.br/site/articulistas/dom-aloisio-roque-oppermann/8334-ainda-sobre-a-missa-tridentina

terça-feira, 8 de novembro de 2011

A melhor catequese: uma liturgia bem celebrada
Elementos para reflexão pessoal e em grupos

Frei José Ariovaldo da Silva, OFM


 
Sendo a liturgia uma preciosa “fonte da Catequese”, um “lugar privilegiado de educação da fé”, como proclama o Diretório Nacional de Catequese” , ou ainda, sendo ela “a santa mistagogia permanente da Igreja”, como a define o teólogo liturgista Tommaso Federici , isso deve aparecer na própria maneira como é celebrada. Caso contrário, é como se os canais ficassem entupidos e a fonte estagnada. A beleza encantadora e contagiante do mistério escondido nos ritos e nos símbolos deve poder expressar-se com toda a sua pujança, naturalmente educadora, na maneira como os ritos e símbolos são trabalhados .

A harmonia dos ritos, das vestes litúrgicas, da decoração e do espaço litúrgico, tudo isso educa para o sentido do mistério e sua repercussão para a vida concreta. Igualmente importante “é a atenção a todas as formas de linguagem previstas pela liturgia: palavra e canto, gestos e silêncios, movimento do corpo, cores litúrgicas dos paramentos. Com efeito, a liturgia, por sua natureza, possui tal variedade de níveis de comunicação que lhe permitem cativar o ser humano na sua totalidade” .

O Diretório Nacional de Catequese fala da necessidade de “liturgias vivas e dinâmicas” : Vivas, porque expressam a vida de Jesus mergulhada nos acontecimentos de nossa vida, e vice-versa; dinâmicas, porque celebradas na força (dynamis) do Espírito, isto é, com espiritualidade.

Espaço litúrgico

O próprio espaço litúrgico , quando, pela beleza de sua forma arquitetônica, pela harmonia de sua disposição interna (altar, mesa da Palavra, espaço da assembléia, cadeira da presidência, fonte batismal etc.) e sua iconografia, tudo em “nobre simplicidade” (cf. SC 34), quando assim se cria o ambiente próprio para os fiéis se sentirem de fato “igreja”, assembléia celebrante, pedras vivas do templo (cf. 1Pd 2,5), e poderem participar ativamente da celebração dos mistérios da fé, especialmente a Eucaristia, então o espaço goza de significativa força catequética: o espaço educa a uma fé que se traduz em espiritualidade comunitária. Para tanto, como orientam as Diretrizes Gerais para a ação Evangelizadora no Brasil (2008-1010), da CNBB, “o espaço (litúrgico) deve ser funcional, favorecer o encontro entre as pessoas e o encontro com Deus, e ser sinal do mistério que ali se celebra”. Sua arte, arquitetura, disposição e ornamentação a serviço da liturgia “contribuem para que a Igreja celebre e se manifeste como povo sacerdotal, ministerial, congregado e convocado pelo Senhor Jesus. A beleza, a dignidade e simplicidade do espaço devem estar em sintonia com a beleza do Mistério pascal de Cristo” . Se há um “lugar” profundamente modelador de todo um imaginário, uma identidade, uma interioridade e postura cristãs de uma comunidade é o espaço em que ela freqüenta. Dependendo do espaço litúrgico, assim vai ser em grande parte a fé e espiritualidade da comunidade: mais ou menos comprometida com o projeto de Deus, mais ou menos alienada dele; mais ou menos unida neste projeto, mais ou menos dividida por interesses egoístas.

Música litúrgica

O mesmo vale para o canto e música, criteriosamente escolhidos, correspondendo ao sentido do mistério celebrado, às várias partes do rito e aos diferentes tempos litúrgicos . Como parte integrante e significativa da ação ritual, “ela tem a especial capacidade de atingir os corações e, como rito, grande eficácia pedagógica para levá-los a penetrar no mistério celebrado. Para isso, ela precisa estar intimamente vinculada ao rito, ou seja, ao momento celebrativo e ao tempo litúrgico. Vale dizer, sua função ritual deve estar organicamente inserida no contexto da grande tradição bíblico-litúrgica da Igreja, bem como da vida e da cultura da comunidade celebrante” . Assim, expressando em vibrações sonoras o mistério que a liturgia celebra, a música verdadeiramente litúrgica leva o coração da comunidade a bater no compasso do coração amoroso de Deus e, assim, faz com que todos(as) se juntem e se unam no grande mutirão cristão em favor da verdade e da vida, da santidade e da graça, do amor e da paz .

Proclamação da Palavra de Deus

A proclamação da Palavra de Deus na liturgia , quando feita por leitores bem preparados e com a consciência de que, “quando na igreja se lê a Sagrada Escritura, é o próprio Deus que fala ao seu povo, é Cristo presente na sua palavra que anuncia o seu Evangelho” , tal proclamação tem um imenso poder educativo da fé, pois faz com que a assembléia, ao ouvir a Palavra, viva uma profunda experiência do mistério de Deus. A maneira de proclamar a Palavra é o que mais move e convence. Como ensina a Igreja: “O que mais contribui para uma adequada comunicação da palavra de Deus à assembléia por meio das leituras é a própria maneira de proclamar dos leitores, que devem fazê-lo em voz alta e clara, tendo conhecimento do que lêem” . Por quê? Porque, assim, fazemos a experiência de ouvir não mais um texto apenas, mas Alguém em pessoa, um Amigo que nos fala, nos confia seu segredo .

Homilia

O mesmo vale, com certeza, para a homilia como parte integrante a liturgia . Na homilia, sobretudo na maneira espiritual e orante com que é proferida, explicando a palavra de Deus e atualizando-a para o nosso agora (na celebração e na vida), o povo tem o direito e dever de sentir a voz do próprio Deus ecoando em seus ouvidos e corações. Por isso, Bento XVI faz este apelo aos homiliastas: “de modo particular, peço aos ministros para fazerem com que a homilia coloque a Palavra de Deus proclamada em estreita relação com a celebração sacramental e com a vida da comunidade, de tal modo que a Palavra de Deus seja realmente apoio e vida da Igreja. Tenha-se presente, portanto, a finalidade catequética e exortativa da homilia” . “Finalidade catequética e exortativa”, entendido no contexto da função catequética da própria liturgia enquanto celebração. Pois a homilia é uma ação litúrgica, uma forma de celebrar a liturgia.

Gestos, símbolos, ações simbólicas

Todos os gestos, símbolos e ações simbólicas na celebração litúrgica quando ‘trabalhados’ e realizados conscientemente, com autenticidade, de forma verdadeira, com amor, com espiritualidade e bom gosto , gozam de alto poder comunicativo com o mistério celebrado e, por isso mesmo, contribuem para uma viva experiência do mistério: educam a fé. Assim, cada gesto, cada movimento, cada ação, tudo pode contribuir para a educação e crescimento na fé. Da boa ou má qualidade das celebrações litúrgicas depende em grande parte a boa ou má qualidade da vivência da fé cristã.

Presidência litúrgica

Enfim, uma das mais significativas forças mistagógicas da arte de celebrar pode residir no exercício da presidência da liturgia, sobretudo a Eucaristia . Presidir a liturgia significa estar diante da assembléia como sinal, ou, como dizem nossos irmãos orientais, como “ícone” do Cristo bom Pastor. Bom Pastor que congrega e une a todos num só corpo em torno da mesa da Palavra e da Eucaristia; bom Pastor que comunica não “palavras” mas a Palavra (Cristo vivo): proclamando o Evangelho, distribuindo o Pão da vida; bom Pastor que, unido à assembléia e em nome dela se comunica com o Pai na comunhão do Espírito: louvando, agradecendo, intercedendo, ofertando. Valendo também para os demais sacramentos e sacramentais, isso aparece quando a presidência é exercida de maneira simples, serena e alegre (mas sem espalhafatos), de maneira convicta e orante (mas sem ser piegas), de forma verdadeira. No modo de o(a) presidente proclamar o Evangelho e fazer a homilia (como quem, de fato, anuncia uma boa notícia); no modo de distribuir o Pão da vida (como quem, de fato, junto também se entrega à pessoa que recebe); no modo de proclamar as orações (como quem, de fato, se dirige a Deus em nome de todos); no modo de saudar a assembléia (como quem de fato faz a ponte entre Deus e seu povo); no modo de impor as mãos, ungir, abençoar, derramar água etc. (como quem de fato se coloca como instrumento de Deus), a assembléia pode experimentar uma profunda comunhão com o mistério pascal e, assim, ter a chance de crescer enormemente na fé. O tom de voz, o olhar, o jeito de andar, a postura do corpo, os gestos das mãos e dos braços – ao se dirigir à assembléia e ao se dirigir a Deus -, podem expressar bem a qualidade espiritual e a força catequética da arte de presidir a liturgia. O formalismo frio, a rotina cansativa, a autoritarismo opressor e, no outro extremo, o estilo show man, prestam um triste desserviço à educação da fé pelo rito, pois bloqueiam ou desviam nossa atenção do essencial, que é a presença do mistério de Cristo.

Concluindo

Para terminar, podemos dizer: Não é à toa que Bento XVI, fazendo-se porta-voz do Sínodo sobre a Eucaristia, afirma categoricamente que “a melhor catequese sobre a Eucaristia é a própria Eucaristia bem celebrada”; o que vale, com certeza, também para os outros sacramentos e toda a vida litúrgica. Se assim se proceder nas nossas comunidades eclesiais, então a liturgia contribuirá enormemente para a formação da personalidade cristã e, consequentemente, para a construção de uma sociedade justa e fraterna.

Enfim, vão aqui algumas perguntas para reflexão pessoal e em grupos: O que é uma liturgia bem celebrada? Em que sentido uma liturgia bem celebrada é a melhor catequese? As celebrações litúrgicas de sua comunidade contribuem eficazmente para a educação da fé? Se sim, por quê? Se não, por quê? O que está precisado melhorar nas celebrações litúrgicas de sua comunidade para serem de fato lugar privilegiado de educação da fé? Por quê?


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Cf. CNBB. Diretório Nacional de Catequese (= Documentos da CNBB 84). São Paulo, Paulinas, 2006, n. 115-122, p. 109-116,
FEDERICI Tommaso. La santa mistagogia permanente de la Iglesia. In: Phase, Barcelona, n. 193, 1993, p. 9-34.
Cf. BENTO XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Catitatis” (= A Voz do Papa 190). São Paulo, Paulinas, 2007, n. 38-65, p. 64-65; ALDAZÁBAL José. Gestos e símbolos. São Paulo, Loyola, 2005; PARÉS Xavier. Ars celebrandi. La mejor catequesis, una buena celebración. In: Phase, Barcelona, n. 274, 2006, p. 411-418; BIANCHI Enzo. Ars celebrandi. L’eucaristia, fonte di spiritualità del presbítero. In: La Rivista del clero italiano n. 5, 2007, p. 325-339. Resumo: In: La Maison-Dieu, Paris, n. 253, 2008/1, p. 116-117.
BENTO XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”, n. 40.
Diretório Nacional de Catequese, n. 302c.
Cf. BENTO XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”, n. 41.; SILVA José Ariovaldo da. Os elementos fundamentais do espaço litúrgico para a celebração da missa: sentido teológico; orientações pastorais (= Celebrar a fé e a vida, 9). São Paulo: Paulus, 2006; Cf. ALDAZÁBAL José. El espacio de la iglesia y su pedagogia mistagógica. In: Phase, Barcelona, n. 193, 1993, p. 53-68; ID. O edifício da Igreja. In: Gestos e símbolos. Op. cit., p. 283-290; CARPANEDO Penha. Mistagogia do espaço litúrgico. In: Revista de Liturgia, São Paulo, n. 205, 2008, p. 4-7.
CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (2008-2010) (= Documentos da CNBB 87). São Paulo, Paulinas, 2008, n. 77, p. 66. Daí resulta ser de fundamental importância “dar especial atenção à formação na área da arte sacra e do espaço litúrgico, tanto nos seminários quanto entre os profissionais das artes e construção civil, para que os espaços correspondam à dimensão simbólica e funcional da liturgia. É urgente, também, nos regionais e nas dioceses a implementação das comissões de espaço litúrgico, compostas, preferencialmente, por especialistas nas diferentes áreas (artistas, arquitetos, engenheiros, liturgistas)” (ibid.).
Cf. BENTO XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”, n. 42; FONSECA Joaquim (Org.). Princípios teológicos, litúrgicos, pastorais e estéticos. In: Revista de Liturgia, São Paulo, n. 194, p. 21-23.
CNBB. Diretrizes... Op. cit., n. 76. Daí ser “urgente atentar para a qualidade de nosso cantar litúrgico, para a importância dos vários ministérios litúrgico-musicais e, mais que urgente, para a formação e capacitação de todos, especialmente das pessoas e equipes que os exercem” (ibid.).
Cf. Prefácio da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo.
Cf. DEISS Lucien. A Palavra de Deus celebrada. Petrópolis, Vozes, 1998; FERNANDES Veronice. O diálogo entre os parceiros da Aliança. A palavra de Deus a partir da Sacrosanctum Concilium. In: Revista de Liturgia, São Paulo, n. 179, 2003, p. 4-9; GONZÁLEZ GOUGIL Ramiro. La proclamación litúrgica de la Escritura. Sus principios teológicos. In: Phase, Barcelona, 2008/2, p. 125-142.
Cf. BENTO XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”, n. 45, citando Instrução Geral sobre o Missal Romano, n. 29.
Introdução Geral ao Elenco das Leituras da Missa (Lecionário), n. 14.
Cf. COFFY Robert. La celebración, lugar de la educación de la fe. In: Phase, Barcelona, n. 118, 1980, p. 273-274.
Cf. DEISS Lucien. A homilia. In: A Palavra de Deus celebrada. Op. cit., p. 75-108; BECKHÄUSER Alberto. A homilia á luz da Sagrada Liturgia. In: HACKMANN Pe. Geraldo L. B. (Org.). Sub umbris fideliter. Festschrift em homenagem a Frei Boaventura Kloppenburg. Porto Alegre, EDIPUCRS, 1999, p. 11-39; SILVA José A. Sentir Deus falando. Um direito do povo, um desafio para o homiliasta. In: Mundo e Missão, São Paulo, n. 83, 2004, p. 34-35; ALDAZÁBAL Jose. La homilia, educadora de la fe. In: Phase, Barcelona, n.126, 1981, p. 447-459.
BENTO XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”, n. 46.
Como: acolher quem chega, reunir-se em assembléia, andar, caminhar em procissão, dirigir-se ao altar, voltar-se à assembléia, tocar um instrumento (violão, teclado, órgão, acordeão, violino, atabaque etc.), olhar, saudar a assembléia, cantar salmos e cânticos espirituais, proclamar uma leitura, proclamar uma oração, ouvir, falar, silenciar, abençoar, ungir, impor as mãos, abençoar, mergulhar na água, derramar água, o gesto de “tocar”, lavar as mãos, lavar os pés, acolher as ofertas, dar o abraço da paz, partir o pão da vida, distribuir a comunhão, receber a comunhão na mão, comer e beber juntos, o beijo, o sinal-da-cruz, a linguagem das mãos, os gestos de humildade (bater no peito, inclinações, genuflexão, rezar de joelhos, prostração, o gesto e a atitude interior), o óleo, a água, a luz, as vestes, as imagens, as cores, as flores, o fogo, o incenso, a água, as cinzas, o jejum, os sinos, o pão e vinho na Eucaristia, a água e o vinho no cálice, as posturas do corpo etc....
ALDAZÁBAL José. Elogio da estética. In: Gestos e símbolos. Op. cit., p. 292-300.
Cf. SMOLARSKI Dennis C. Como no decir la misa (= Dossiers CPL 41), Centre de Pastoral Litúrgica, Barcelona 1989; SORRENTINO Antonio. Las oraciones presidenciales. In: Actualidad Litúrgica, México, n. 148, 1999, p. 7-11; ID. L’arte de presiedere le celebrazioni liturgiche. Suggerimenti ai sacerdoti, San Paolo, Cinisello Balsamo (Milão) 1997; BECKHÄUSER Alberto. Comunicação litúrgica. Presidência, homilia, meios eletrônicos. Petrópolis, Vozes, 2003; ALDAZÁBAL José. A postura e os gestos do presidente. In. Gestos e símbolos. Op. cit., p. 279-82; DE PEDRO Aquilino de. El arte de presidir y animar la celebración In: Phase 172 (1989), p. 317-320; INIESTA Alberto. El arte de presidir la asamblea. In: VV.AA., Presidir la Eucaristia (= Cuadernos Phase 19), Barcelona, Centre de Pastoral Litúrgica, 1990, p. 57-74; BUYST Ione. Presidir a celebração do dia do Senhor (Coleção Rede Celebra 6). São Paulo, Paulinas, 2004, p. 11-32;
Nas saudações, na proclamação da Palavra, na homilia, na distribuição da comunhão, nas monições etc.
Nas orações, sobretudo na oração eucarística e outras orações de bênção.
BENTO XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”, n. 64.
ALDAZÁBAL José. La liturgia construye la persoalidad cristiana. In: Phase, Barcelona, n. 209, 199, p. 411-417.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O SACERDÓCIO COMUM E O
SACERDÓCIO MINISTERIAL


Prof. Ms. Pe. Cristiano Marmelo Pinto


Introdução

O cristão recebe do batismo uma condição sacramental que o torna membro da Igreja, povo sacerdotal. O Sacerdócio a que todo cristão é inserido pelo batismo nós o chamamos de sacerdócio batismal ou comum, que o faz participar do sacerdócio único de Cristo. Sua participação no sacerdócio de Cristo é exercida de modo preeminente através dos sacramentos e em especial da Eucaristia. A Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja afirma que

pela regeneração e pela unção do Espírito Santo, os batizados consagram-se para serem edifício espiritual e sacerdócio santo, a fim de, por meio de toda a sua atividade cristã, oferecerem sacrifícios espirituais e proclamarem as grandezas daquele que das trevas os chamou para a sua luz maravilhosa (LG 10ª).
O sacerdócio ministerial está ordenado para o sacerdócio batismal de todo cristão. A própria Constituição Dogmática Lumen Gentium deixa isso claro que, embora diferirem entre si na essência e não apenas em grau, um está ordenado para o outro, participando cada um a seu modo do único sacerdócio de Cristo (cf. LG 10b).

Nesta unidade de nosso curso queremos refletir sobre estas duas realidades do povo de Deus que se complementam e ordenam uma para a outra.

Cristo, o único Sacerdote

Em sua Carta aos Hebreus, Paulo explica claramente que Cristo é o grande sacerdote do Novo Testamento (cf. Hb 4,14-7,28). A Carta aos Hebreus afirma que nós cristãos temos um sacerdote, ou seja, um Sumo Sacerdote que é Jesus Cristo (cf. Hb 4,14). Em nenhum outro escrito do Novo Testamento encontramos esta qualificação de Jesus como Sumo Sacerdote. A primeira vista, a sua pessoa nada tem haver com o sacerdócio, segundo a concepção do Antigo Testamento e da prática judaica de seu tempo. Pelo contrário, sua missão mostra um caráter acentuadamente profético.

Com a doação de sua vida, oferecendo-se em sacrifício, Jesus torna-se ao mesmo tempo vítima e sacerdote. É o que encontramos em alguns textos do Novo Testamento onde é atestado o caráter sacrificial do ato de Cristo (cf. Mt 26-28; Mc 14,24; Jo 10,14-36; 1Cor 10,14-22). Porém, uma teologia do sacerdócio de Cristo só encontramos na Carta aos Hebreus. Nela os acontecimentos da vida de Cristo são relidos em chave sacrificial, cultual e sacramental. Na Carta aos Hebreus o sacerdócio de Cristo é apresentado numa nova perspectiva, que o torna diferente dos demais sacerdotes de sua época: a solidariedade do sumo e único sacerdote com os homens. Cristo, o Sumo Sacerdote torna-se deste modo solidário aos homens em tudo. É o que lemos na Carta: “Convinha, por isso, que em tudo se tornasse semelhante aos irmãos, para ser, em relação a Deus, sumo sacerdote misericordioso e fiel, para expiar assim os pecados do povo” (Hb 2,17). Com isto, Jesus afasta-se da visão sacerdotal do Antigo Testamento que estava ligado ao poder político (cf. Mc 4,7-8.24). O caminho seguido por Jesus é um itinerário de fé vivido no sofrimento da morte na cruz, único caminho para se chegar a verdadeira glória (cf. Hb 2,9). Em solidariedade com o destino dos homens, Jesus realiza a missão principal de seu sacerdócio: ser mediação entre Deus e o homem. O sacrifício oferecido por Cristo é único e definitivo (cf. Hb 7,27).

Podemos considerar algumas características do sacerdócio de Cristo segundo a Carta aos Hebreus.

a) Misericórdia (cf. Hb 2,17). Ao se tornar solidário com todos os homens em seu destino. Jesus assume e põe em prática uma atitude plena de misericórdia que quer salvar o pecador mediante o sacrifício de si;
b) O Sumo Sacerdote é fiel nas coisas que se referem a Deus. Jesus é fiel a Deus e possui uma relação de confiança com o Pai, tornando-se capaz de merecer a confiança de Deus a ponto de ser exaltado à sua direita (Hb 1,13; Sl 110);
c) O sacerdócio de Cristo tem caráter messiânico e universalista (cf. Hb 7; Sl 110). Jesus é sacerdote segundo a ordem de Melquisedec (cf. Hb 6,20). Isto mostra a superioridade do sacerdócio de Jesus sobre o sacerdócio levítico de Israel.

O Sacerdócio batismal dos cristãos

Na história da Igreja, o Concílio Vaticano II foi o primeiro a tratar da questão do sacerdócio batismal ou comum dos cristãos. Na Constituição Dogmática Lumen Gentium temos uma profunda teologia da incorporação à Igreja por meio do batismo por meio do qual o cristão participa do sacerdócio de Cristo (cf. LG 10). Esta vinculação é exercida pelos sacramentos em especial batismo-confirmação-eucaristia (cf. LG 11). Mas o cristão vive seu sacerdócio em todos os demais sacramentos.

Encontramos no Antigo Testamento a afirmação de que Deus disse ao povo de Israel: “Vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa” (Ex 19,6). Jesus realizando esta vocação do povo de Deus constituiu o novo povo sacerdotal, fundado através de seu ato redentor (cf. Ap 1,6; 5,9-10). O fundamento deste sacerdócio é o batismo (cf. LG 31a, 14; AA 3; UR 3) é descrito pelo Concílio Vaticano II em suas quatro funções: a) o batizado é incorporado a Cristo e sua missão; b) é constituído fiel cristão, membro da Igreja, povo de Deus; c) é feito testemunha de Cristo no mundo e d) é destinado para a salvação definitiva por sua condição.

Pelo batismo o cristão é inserido na tríplice missão de Cristo: sacerdotal, profética e régia. Toda ação ministerial da e na Igreja se estrutura em torno desta tríplice missão de Jesus Cristo. Vejamos:

a) Função sacerdotal (cf. LG 34). O leigo participa desta função de acordo com o que é expresso em LG 10 sobre o sacerdócio batismal. A este sacerdócio está ordenado o ministerial. Enquanto que o sacerdócio batismal comporta uma vida entendida como “oferta essencial”, o sacerdócio ministerial comporta a representação sacramental da mediação de Cristo cabeça;
b) Função profética (cf. LG 35). O caráter profético da vida do cristão está inserido na necessidade de professar a fé na vida cotidiana e secular, dando ênfase a vida matrimonial e familiar;
c) Função régia (cf. LG 36). Esta função insere o cristão na missão régia de Cristo. O caráter real da vida cristã não se trata de dominação, mas de “serviço régio”, para difundir o Reino de Deus entre todas as criaturas. Aqui se trata da função dos cristãos transformar as realidades do mundo implantando o Reino de Deus entre os homens, ou seja, modificar as estruturas.

Segundo Cardeal Martins “o caráter batismal tem, antes de mais, uma dimensão sacerdotal, porquanto, ao inserir vitalmente em Cristo e na Igreja, torna partícipe do sacerdócio daquele e desta” (MARTINS, 2002, p. 90). Este caráter faz do cristão um povo sacerdotal. A primeira Carta de Pedro sublinha o fato de os cristãos representarem um sacerdócio real (cf. 1Pd 2,4-10). Também João atribui aos cristãos a dignidade sacerdotal por terem sidos redimidos por Cristo (cf. Ap 1,6). Para Paulo a dignidade sacerdotal do cristão está no fato de ser templo de Deus (cf. 1Cor 3,16-17).

Na patrística encontramos testemunhos de alguns Padres da Igreja que atestam o caráter sacerdotal do povo cristão. Para Santo Irineu o cristão tem a dignidade sacerdotal. Segundo Origines toda a Igreja e, portanto, todo o povo cristão é conferido sacerdote. São João Crisóstomo exalta a dignidade sacerdotal dos cristãos. Para Santo Ambrósio todos os membros da Igreja são sacerdotes.

Na Idade Média encontramos o testemunho de Pedro Damião que diz que, mediante a graça de Cristo, cada cristão torna-se sacerdote. Porém, foi Santo Tomás de Aquino que deu um grande impulso à doutrina do sacerdócio batismal, com suas afirmações sobre o caráter sacramental. Com a Reforma Protestante, Lutero deu preferência ao sacerdócio batismal dos cristãos em detrimento ao sacerdócio ministerial. Com isso, após o Concílio de Trento, foi reforçado o pensamento e doutrina da Igreja a respeito do sacerdócio ministerial ou hierárquico, relegando ao sacerdócio batismal um segundo plano e no decorrer do tempo, este caiu quase no esquecimento, voltando a tona com o Concílio Vaticano II.

O sacerdócio ministerial

A Constituição Dogmática sobre a Igreja Lumen Gentium, n. 10b afirma que há uma diferença entre o sacerdócio batismal e o sacerdócio ministerial, não apenas em grau, mas também em essência. Porém eles ordenam-se um para o outro e o primeiro é fundamento para o segundo. Este documento é o primeiro do Concílio Vaticano II que se pronuncia a respeito do sacerdócio batismal relacionando-o ao sacerdócio ministerial.

Enquanto o sacerdócio comum dos fiéis se realiza no desenvolvimento da graça batismal, na vida de fé, de esperança e de caridade, segundo o Espírito, o sacerdócio ministerial ou ordenado está a serviço do sacerdócio comum, referindo-se ao desenvolvimento da graça do batismo de todos os cristãos (GOEDERT, 2006, p. 27).

O sacerdócio ministerial define-se em relação a Cristo cabeça e o seu corpo, a Igreja. O sacerdócio ministerial age in persona Christi capitis, ou seja, na pessoa de Cristo Cabeça. Isto o permite agir não somente em nome de Jesus Cristo, mas também em nome da Igreja. Porém jamais substitui Cristo. O ministério ordenado torna visível a presença de Cristo enquanto Cabeça da Igreja.

O sacerdócio ministerial é conferido pelo sacramento da ordem, porém, tem seu fundamento no sacramento do batismo, condição insubstituível para o sacerdócio ministerial. O sacerdócio batismal é permanente e não é substituído pelo sacerdócio ministerial, pelo contrário, este último está ordenado em função do primeiro e só pode existir por causa do sacerdócio batismal de todo cristão. Conforme Dionísio Borobio “o ministério ordenado não é somente uma função, é um sacramento da Igreja, que significa e expressa a consagração e a destinação de um membro capacitado e eleito pela Igreja para presidir a comunidade cristã e a Eucaristia” (BOROBIO, 2009, p. 406).

Para concluir: o exercício do sacerdócio comum...

O cristão exerce o sacerdócio batismal de muitos modos. Exerce-o participando ativamente da celebração da Eucaristia, que constitui o centro da vida cristã. Esta participação é real. É uma participação ativa, consciente e frutuosa. Exerce-o na Igreja, povo sacerdotal, como membro do Corpo de Cristo. A Eucaristia é a celebração do Christus Totus (Cristo total): Cabeça e membros. Em segundo lugar, o cristão exerce o sacerdócio batismal recebendo os demais sacramentos e vivendo uma vida cristã na busca da santidade. A vida cristã tem sua continuidade na vida cotidiana que deve ser uma entrega constante ao Pai. A Constituição Dogmática Lumen Gentium diz que: “os fiéis, incorporados na Igreja pelo batismo, recebem o caráter que os delega para o culto cristão, e, renascidos como filhos de Deus, são obrigados a professar diante dos homens a fé que pela Igreja receberam de Deus” (LG 11).



Referência Bibliográfica

VANHOYE, Albert. Sacerdotes antigos e sacerdote novo: segundo o Novo Testamento. São Paulo: Academia Cristã, 2007, pp. 377-480.

PIE-NINOT, Salvador. Introdução à eclesiologia. São Paulo: Loyola, 1998, pp. 59-73.

CONGAR, Yves M.-J. Os leigos na Igreja: escalões para uma teologia do laicato. São Paulo: Herder, 1966, pp. 161-329.

LEMAIRE, André. Os ministérios na Igreja. São Paulo: Paulinas, 1977, pp. 96-99.

BEDIM, José. O sacerdócio cristão: estudo histórico - teológico – pastoral. São Paulo: O Recado, 1992.

MARTINS, Cardeal José Saraiva. Baptismo e crisma. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2002.

BOROBIO, Dionísio. Celebrar para viver: liturgia e sacramentos da Igreja. São Paulo: Loyola, 2009.

GOEDERT, Valter Maurício. Ordem e ministérios: a serviço da comunhão. São Paulo: Paulinas, 2006




Pe. Cristiano Marmelo Pinto
Presbítero da Diocese de Santo André - SP, pároco na Paróquia Menino Jesus em São Bernardo do Campo - SP, Mestre em Teologia Sistemárica com Especialização em Liturgia pela PUC-SP, Especialista em Música Sacra pela Uni-FAI - São Paulo. Professor de Liturgia e Teologia dos Ministérios no Instituto de Teologia de Santo André.

TEOLOGIA DOS MINISTÉRIOS

Pe. Cristiano Marmelo Pinto

Por que uma teologia dos ministérios?

Até a algum tempo atrás, falar de ministérios era abordar praticamente o sacramento da ordem em seus graus (episcopado, presbiterado, diaconado). Graças a renovação da Igreja ocorrida principalmente no Concílio Vaticano II, passou-se a abordar a diversidade dos ministérios eclesiais e não somente os ministérios ordenados. Isto porque na Igreja não existe apenas os ministérios ordenados, mas uma diversidade de ministérios leigos de igual modo importantes para a evangelização. Dentre tantos encontramos os ministérios de leitores, acólitos, catequistas, os ministérios extraordinários, etc.

O resgate do protagonismo dos leigos na Igreja certamente foi fundamental para que fosse revisto o conceito de ministérios que perdurou por longos séculos na Igreja, resgatando a teologia do sacerdócio batismal (comum) e redimensionando o sacerdócio ministerial (bispos e padres), bem como recuperando a riqueza do diaconado permanente e sua missão no contexto eclesial.

A teologia dos ministérios eclesiais se desenvolveu principalmente depois do Concílio Vaticano II com uma nova abordagem da eclesiologia, agora não mais centrada na estrutura hierárquica e piramidal da Igreja, mas sim, tendo a Igreja como Povo de Deus, onde todos, dentro da sua especificidade, colaboram com a missão da Igreja de levar a salvação a todos os homens e mulheres desta terra.

Os ministérios são um problema eclesiológico e não apenas uma questão funcional. É um problema de estrutura e manifestação da Igreja. Tem haver com a sua própria identidade. Neles estão implicados o ser e o aparecer da Igreja no cumprimento de sua missão no mundo. Deste modo, podemos dizer que a imagem que se tem da Igreja influirá na concepção dos ministérios e por outro lado, a configuração dos ministérios eclesiais depende do modelo de Igreja que se segue.

Por trás de uma concepção dos ministérios há sempre uma concepção de Igreja. Se se tiver uma concepção de Igreja mais “hierárquica-institucional”, que acentue o poder e a autoridade hierarquicamente diante da participação e da diversidade de carismas, vir-se-á a ter uma concepção de ministério mais centralizada, em que o clero é o que sabe, ordena e decide, ficando os ministérios leigos relegados à simples colaboração executiva .

Para uma verdadeira e fiel teologia dos ministérios é necessário seguir outra vertente, proposta pelo Concílio Vaticano II, numa linha de Igreja como “comunhão e participação”, onde os leigos assumem seu protagonismo na evangelização. Deste modo é possível falar de co-responsabilidade, de co-participação e consequentemente de diversidade de ministérios assumidos pelos leigos e leigas na ação eclesial.

Evidentemente que esta concepção de Igreja não desmerece a importância e a necessidade dos ministérios ordenados, mas forma uma complementaridade onde ministros ordenados e ministros leigos caminham juntos, se ajudam na construção do Reino de Deus.

Por este motivo, conceber uma teologia dos ministérios é assumir a diversidade dos ministérios no interior da Igreja e não mais utilizar o singular, mas o plural. Não mais apenas ter como verdadeiros ministérios os ordenados, mas também os não-ordenados, assumidos por leigos e leigas na obra da evangelização.

Os ministérios na missão da Igreja

Falar de ministérios é falar da própria missão da Igreja, pois, todos os ministros estão a serviço da missão que a Igreja recebeu de Jesus Cristo.

Jesus cumpriu a missão que recebeu do Pai, levando ao pleno cumprimento em sua paixão, morte e ressurreição. Porém, ele sabia que esta obra, que sua missão deveria chegar a todos os homens e mulheres deste mundo até a parusia. Por isso, ele constituiu os doze confiando a eles a continuidade de sua missão. Esta continuação da missão de Jesus Cristo é assegurada com o envio do Espírito Santo, fazendo com que a Igreja nascente se manifestasse ao mundo e levasse a todos a boa notícia do Reino.

A missão de Cristo é fundante e originante, enquanto que a missão da Igreja é continuadora da missão de Cristo. Podemos dizer que a missão da Igreja é:

a) Continuadora – porque prolonga na história o que o próprio Jesus Cristo realizou;

b) Referente – porque tem seu sentido e referência em Jesus;

c) Realizante – porque a Igreja deve atualizar e promover a salvação que Jesus Cristo nos trouxe;

d) Impulsionante – porque deve promover o Reino de Deus até o fim dos tempos.

A missão da Igreja tem as mesmas dimensões e características da missão de Jesus Cristo:

a) Dimensão profética ou da palavra (martyría);

b) Dimensão sacerdotal ou da liturgia (leitourgía);

c) Dimensão da caridade e da justiça (diakonia);

d) Dimensão da comunhão e da unidade (koinonía).

Da missão de Jesus Cristo nascem e fundamentam-se as diversas dimensões da missão que concentram em torno de si a diversidade de ministérios. Em torno da missão de Cristo a diversidade de ministérios encontra sua unidade. O Concílio Vaticano II afirma que: “existe na Igreja diversidade de ministérios, mas unidade de missão” . Esta unidade está no cumprimento da missão herdade de Jesus.

A missão de Jesus compromete a todos os membros da Igreja, todo o povo de Deus. Como afirmam os padres conciliares: “não existe assim membro que não tenha parte na missão de todo o Corpo” . Nela todos participam sejam os ministros ordenados e os não-ordenados (cf. AA 2).

Os ministérios afetam toda a Igreja como constitutivo de seu próprio ser e missão, ou seja, a Igreja não apenas possui ministérios, mas ela é toda ministerial, deve estar constantemente a serviço do Reino de Deus. Embora haja diferentes ministérios na Igreja, isso não significa que sejam exclusivos, pois os ministérios estão na Igreja para o cumprimento de sua ministerialidade.

Podemos concluir que por serem constitutivos da essência da Igreja, os ministérios não são exclusividades, mesmo os ordenador. Isto nos faz concluir igualmente que os ministérios na Igreja não são meras funções secundárias na sua missão, mas essenciais à Igreja. Eles não são acidentais a Igreja, mas fazem parte da sua estrutura.

Para realizar sua missão, a Igreja precisa dos ministérios e isto acontece do seguinte modo:

1) Relação acontecimento salvífico: continuidade histórica: em sua missão a Igreja dá continuidade à missão salvífica de Jesus Cristo. Ela é a mediação fundamental e cumpre esta missão através dos ministérios;
2) Relação missão – dimensões da missão: a diversidade de dimensões da missão de Jesus Cristo exige de igual modo a diversidade de ministérios;
3) Relação Espírito Santo – dons e carismas do Espírito: o Espírito Santo é a alma da missão da Igreja. Ele é princípio de unidade e ao mesmo tempo de diversidade. Todo ministério nasce de um carisma e supõe um carisma que nem sempre é idêntico;
4) Relação “alguns” – “todos”: desde cedo no Novo Testamento aparece “alguns” que receberam uma missão específica em relação a “todos”, mas não significa exclusividade, pelo contrário, pressupõe a diversidade ministerial;

Ao dizermos que os ministérios são um elemento constitutivo da Igreja, significa que também deve ser para a comunidade de forma concreta. Os ministérios devem ser entendidos não por cima da Igreja, mas no seu interior. A comunidade existe ministerialmente. Os ministérios não são um fim em si mesmos, mas um meio que deve concretizar-se a partir das necessidades da comunidade. Portanto, é preciso sempre partir das necessidades reais da comunidade para o surgimento dos ministérios em seu interior, e quem os suscita é o Espírito Santo.

Mas afinal, o que é ministério?

A palavra ministério vem do latim “ministerium” e significa o “ofício próprio do servo”, uma função de serviço. Devemos entender os ministérios a partir do sentido de servisalidade. Quem é o servo? É aquele que presta serviço ao seu senhor sem nada ter de direito.

Há duas outras palavras relacionadas ao conceito de ministérios. São elas, diaconia (diakonia) e liturgia (leiton-ergon). O diácono é aquele que serve a mesa. No Novo Testamento foi instituído para servir as viúvas e aos órfãos. A palavra liturgia significa: serviço prestado ao povo. Na sua origem é todo serviço público prestado em favor do povo. Somente mais tarde é que passou a ter um significado puramente religioso como serviço do culto prestado em favor do povo. Podemos ver claramente nestes dois termos a presença do conceito de serviço.

A Sagrada Escritura também nos fornece uma definição precisa de ministério. Em termos bíblicos, significa serviço prestado a Deus ou às pessoas, e a Bíblia o emprega para designar um
serviço assumido em caráter permanente e oficial. O Concílio Vaticano II reafirma o conceito de ministério como serviço prestado .

Tipologia dos ministérios na Igreja

Podemos distinguir diferentes grupos de ministérios na Igreja. Sabemos que os ministérios são suscitados pelo Espírito Santo para o bem do Corpo de Cristo que é a Igreja. E para que os ministérios possam estar a serviço de todos e para todos, há uma diversidade, de modo que a cada um é confiado um serviço específico. Na variedade de ministérios temos os seguintes grupos:

a) Ministérios reconhecidos: quando ligados a um serviço significativo para a comunidade, mas considerado não permanente, podendo vir a desaparecer, quando variarem as circunstâncias (ministérios litúrgicos entre outros);

b) Ministérios confiados: quando são conferidos ao seu portador por algum gesto litúrgico simples ou alguma forma canônica (ministérios extraordinários);

c) Ministérios instituídos: quando a função é conferida pela Igreja através de um rito litúrgico chamado “instituição” (leitorado e acolitado);

d) Ministérios ordenados: também chamados de ministérios apostólicos ou pastorais. Estes ministérios são conferidos através do sacramento da ordem, pelo rito litúrgico da ordenação (episcopado, presbiterado e diaconado).

Os ministérios derivados do Sacramento da Ordem

Os ministérios que derivam do sacramento da Ordem encontram-se na Igreja em primeiro lugar. Pela Ordem, Jesus Cristo continua a conferir aos pastores da Igreja (epíscopos, presbíteros e diáconos) a missão dos apóstolos. Constitui um verdadeiro serviço ministerial. Por meio do rito sacramental o portador destes ministérios recebem a autoridade e o poder sagrado para servirem a Igreja, agindo “in persona Christi Capitis”, ou seja, na pessoa de Cristo Cabeça. Estes ministérios ordenados antes de serem para aqueles que os recebem, são uma graça para a vida e missão da Igreja.

Embora o sacramento da Ordem possua três graus:

1. Primeiro grau – diaconado;
2. Segundo grau – presbiterado;
3. Terceiro grau – episcopado.

O sacerdócio ministerial possui apenas dois graus: o episcopado e o presbiterado. O diaconado não faz parte dos graus do sacerdócio ministerial. O sacerdócio ministerial está ordenado para o sacerdócio batismal de todo cristão.

Ministérios, ofícios e funções dos leigos

Por força e graça do batismo, os leigos participam, a seu modo, do múnus sacerdotal, profético e real de Jesus Cristo. Os ministérios, ofícios e funções que os leigos exercem na Igreja têm seu fundamento sacramental no Batismo e na Confirmação. Estes ministérios surgem conforme as necessidades da comunidade cristã e devem ser reconhecidos pelas autoridades da Igreja.

O Código de Direito ao tratar dos ministérios assumidos por leigos diz que "onde as necessidades da Igreja o aconselharem, por falta de ministros, os leigos, mesmo que não sejam leitores ou acólitos, podem suprir alguns ofícios, como os de exercer o ministério da Palavra, presidir às orações litúrgicas, conferir o Batismo e distribuir a Sagrada Comunhão, segundo as prescrições do direito" (CIC, cân. 230,3).

Diversidade dos ministérios leigos

O Concílio Vaticano II reconheceu uma pluralidade dos ministérios eclesiais de uma forma um pouco tímida. Somente depois é que se desenvolveu uma teologia dos ministérios mais globalizante de modo que não tratasse unicamente dos ministérios ordenados, mas abrangendo todos os ministérios, inclusive os assumidos pelos leigos.

Não basta apenas reconhecer os diversos ministérios exercidos pelos leigos, mas devem ser valorizados na sua diversidade. Não há uma vocação leiga única. Conforme admoestação de Pedro, na Igreja todos somos responsáveis uns pelos outros e pela evangelização. Todos são chamados a colocar seus dons (carismas) a serviço dos outros. “Todos vós, conforme o dom que cada um recebeu, consagrai-vos ao serviço uns dos outros” (Pd 4,10).

Podemos agrupar a diversidade dos ministérios leigos da seguinte maneira:

a) Ministério de Administração (conselho administrativo, pastoral do dízimo, comissão de eventos e promoções, etc.);

b) Ministério de Animação (animadores de comunidades, de grupos, etc.);

c) Ministério de Caridade (pastoral da caridade, vicentinos, pastoral da saúde, pastoral dos moradores de rua, etc.);

d) Ministério de Coordenação (coordenadores de pastorais, grupos, etc.);

e) Ministérios Litúrgicos (leitores, animadores, cantores, equipe de liturgia, salmistas, etc.);

f) Ministério da Palavra (catequistas, pregadores, educadores, animadores de grupos de rua, etc.);

g) Ministérios Pastorais (pastoral familiar, pastoral da juventude, etc.);

h) Ministérios dos Sacramentos (ministros extraordinários do batismo, ministros extraordinários da Sagrada Comunhão, da Bênção, da Palavra, etc.).

Concluindo

Fazer teologia dos ministérios é contemplar a diversidade dos ministérios eclesiais, onde todos se complementam. Não deve haver isolamento ou exclusividade, mas co-responsabilidade e complementariedade. O fundamento de todo ministério na Igreja é o próprio ministério de Jesus Cristo. Nosso serviço nada mais é do que levar adiante a obra por ele começada. Deste modo, desde cedo na Igreja houve uma grande variedade de ministérios e funções sempre voltados para o bem comum de toda a comunidade cristã. Queremos com nosso curso de teologia dos ministérios sistematizar e compreender a ministerialidade da Igreja e nossa missão em seu interior.


Pe. Cristiano Marmelo Pinto
Presbítero da Diocese de Santo André - SP, pároco na Paróquia Menino Jesus em São Bernardo do Campo - SP, Mestre em Teologia Sistemárica com Especialização em Liturgia pela PUC-SP, Especialista em Música Sacra pela Uni-FAI - São Paulo. Professor de Liturgia e Teologia dos Ministérios no Instituto de Teologia de Santo André.