quarta-feira, 29 de junho de 2011


OS SÍMBOLOS NA LITURGIA


Pe. Cristiano Marmelo Pinto


1. Compreensão de sinal e símbolo

A celebração litúrgica constitui um conjunto de sinais, símbolos, gestos, palavras, objetos, tempo, lugares, etc. Toda a liturgia tem um caráter simbólico, ou seja, toda a liturgia é simbólica. Nela prevalece a linguagem dos símbolos, mais intuitiva e afetiva do que conceitual. José ALDAZÁBAL afirma que “é a linguagem simbólica que nos permite entrar em contato com o inacessível: o mistério da ação de Deus e da presença de Cristo” . A liturgia é ação, é comunicação, é gestos, movimentos, etc. Através dos sinais e símbolos a liturgia nos permite experimentar, entrar em comunicação e em comunhão com o mistério de Deus em Jesus Cristo. Para Julián L. Martín, “os sinais litúrgicos estão, antes de tudo, a serviço da presença e da realização de uma salvação que está destinada aos homens em suas circunstâncias históricas e existenciais” . Este estudo sobre os símbolos na liturgia pretende buscar, mais do que um elenco de sinais e símbolos na liturgia, quer compreender sua função no contexto da ação litúrgica para sua valorização e melhor participação no mistério de Cristo celebrado.

2. Noções sobre sinal e símbolo

Antes de uma reflexão mais profunda a respeito dos símbolos na liturgia, é necessário compreender o seu significado, sua origem. A filosofia grega, os Padres da Igreja e a própria liturgia utiliza o termo símbolo no seu sentido originário. Ele não é sinônimo de aparente ou irreal. Trata-se, como afirma Alberto Beckhäuser, da “mesma realidade em outro modo de ser” . Porém, é necessário fazer uma distinção entre sinal e símbolo. Um não é o outro. Nem todo sinal é símbolo, mas todo símbolo é sinal.

Sinal leva ao conhecimento de algo que lhe é diferente em si mesma. O sinal por si aponta para algo exterior a ele. “O sinal não é o que significa, mas sim o que nos orienta, de um modo mais ou menos informativo, para a coisa significada” . Ele é uma realidade ponte entre algo conhecido e o conhecimento de outra coisa. O elemento conhecido denomina-se significante enquanto que o que está além é denominado significado. O sinal é um meio de expressão e de comunicação. No sinal podemos verificar as seguintes condições:

a) Ser distinto do significado;
b) Depender de alguma maneira do significado, ou seja, ser menos perfeito do que ele;
c) Guardar alguma relação de semelhança com o significado;
d) Ser mais conhecido que o significado.

A palavra símbolo é de origem grega e significa reunir, por juntas as partes de uma mesma coisa, que se achavam separadas. “O símbolo estabelece uma identidade afetiva entre a pessoa e uma realidade profunda que não se chega a alcançar de outra maneira” . O símbolo reúne em si as realidades, contendo um pouco de cada uma delas. Podemos falar de símbolo, como afirma J. L. Martín, “quando se tem diante de si um significante que remete não a um significado preciso, como no caso do sinal, mas a outro significante que de certo modo se faz presente” . Por este motivo, o símbolo possui uma função representativa, ao tornar presente o significado e ao mesmo tempo participar dele.

Deve-se perceber nos símbolos os seguintes elementos:

a) Uma realidade sensível (um ser, um objeto, uma palavra);
b) Uma correspondência ou relação de significado, com a qual se entre em contato por meio do elemento significante;
c) A realidade significada com a qual se entra em contato está de tal maneira presente e unida ao significante que sem ele não poderia exercer sua influência;

3. O simbolismo na Sagrada Escritura

Assim como as demais religiões, também a Sagrada Escritura está perpassada por sinais e símbolos. O cristianismo não por menos, baseia todo o seu simbolismo na Sagrada Escritura. A Constituição Conciliar sobre a Liturgia Sacrosanctm Concilium afirma que “na celebração litúrgica é máxima a importância da Sagrada Escritura. Pois dela são tiradas as leituras, os salmos que são cantados as preces, orações e hinos (...) e é dela também que recebem seu significado as ações e sinais” (SC 24). Da Sagrada Escritura a liturgia cristã acolhe os gestos e ações simbólicas dos que precederam na fé a partir de Abraão (cf. Rm 4,16-17). Dela também, a liturgia reproduz os símbolos da economia da salvação nas várias etapas da história da salvação.

O termo símbolo é pouco usado na Sagrada Escritura. Utiliza-se com mais freqüência o termo sinal. Porém, o simbolismo é algo natural no mundo semítico e esta linguagem se encontra na Sagrada Escritura. Nela, vemos que a pedagogia dos sinais é constantemente utilizada nas relações de Deus com o povo. Momentos culminantes desta linguagem podemos encontrar na revelação de Deus no monte Sinai. Nos escritos proféticos, nos salmos e nos livros sapienciais. Muitos relatos e narrações possuem um significado simbólico.

Os sinais no Antigo Testamento podem ser classificados em quatro grupos:

a) Sinais da criação: culminando com a criação do homem “imagem e semelhança” de Deus;
b) Sinais acontecimentos: constituem os grandes momentos da história da salvação, cujo momento alto é o êxodo;
c) Sinais rituais: constituem todas as instituições litúrgicas e festivas de Israel (santuário, sábado, sacrifícios, etc.);
d) Sinais figuras: colocam em relevo a missão de alguns determinados personagens (patriarcas, Moisés, etc.), ou determinadas funções (pastor, profetas, sacerdotes, etc.).

A principal característica do simbolismo bíblico é seu pano de fundo histórico-salvífico. Eles expressam a continuidade da presença salvadora de Deus e possuem um caráter prefigurativo e memorial. Os sinais que possuem um caráter litúrgico são prefigurações dos sacramentos da Igreja.

No Novo Testamento, os sinais do Antigo Testamento são aplicados em relação a Jesus Cristo e a comunidade cristã. Em Jesus todo símbolo, toda figura que aparecem na história da salvação estão concentrado nele. Ele não somente se serviu dos sinais do Antigo Testamento, mas deu a eles seu pleno cumprimento.

Jesus não somente se serviu dos sinais da criação para dar a conhecer o Reino de Deus, mas deu cumprimento a quanto anunciavam os sinais-acontecimentos e os sinais-rituais, concentrando-os em sua pessoa e realizando curas por meio de gestos simbólicos que manifestavam seu poder salvador .

O culto inaugurado por Jesus Cristo não estava ligado a nenhum lugar, mas ao “templo do corpo” e a ação do Espírito Santo. Porém, ele perpetuou sua ação salvadora através de sinais e ações simbólicas, confiadas a Igreja. Entre estas ações merecem destaque o batismo e a eucaristia . Destes dois sacramentos renasce e se edifica continuamente a Igreja.

Jesus também empregou a si mesmo sinais do Antigo Testamento, definindo-se a si mesmo como o Novo Moisés (cf. Hb 3,2-3), o Bom Pastor (cf. Mt 15,24), etc.

Alguns sinais e símbolos do Antigo Testamento também foram empregados à Igreja em relação a si mesma e a Cristo. A Igreja esposa, corpo místico de Cristo, etc.

4. O simbolismo na liturgia

A comunidade cristã se serve inicialmente dos sinais e símbolos que ela recebeu do Senhor e de muitos outros. Temos num momento inicial, por exemplo: a imposição das mãos, a concessão de ministérios, a unção com óleo, etc. Como afirma J. Lopéz Martín:

Todas ações significativas às quais progressivamente se foram unindo outros sinais e símbolos procedentes da matriz bíblica e numa constante referência à doutrina e ao exemplo do próprio Cristo que se serviu do simbolismo para expressar e realizar a salvação .

O simbolismo na liturgia é fruto tanto da herança bíblica como também da influência de outras culturas e de modo concreto da cultura helênica. Da junção dos diversos elementos das mais variadas culturas onde o cristianismo se fazia presente, a liturgia cristã foi criando uma nova síntese simbólica dos sinais, imagens, símbolos, dando origem a uma característica totalmente original e cristã. A liturgia cristã não abole estes elementos, sinais e símbolos, proveniente de outras culturas, mas os purifica, dando uma nova significação.

Os sinais e símbolos na liturgia são sinais da fé. Não só são sinais como também alimenta a fé. A Constituição Sacrosanctum Concilium ao tratar dos sacramentos diz que “como sinais, visam também à instrução. Requerem a fé, mas também a alimentam, sustentam e exprimem, com palavras e coisas, merecendo, por isso, ser chamados sacramentos da fé” (SC 59). Todo sinal e símbolo litúrgico remetem para os fatos e palavras do próprio Cristo e de toda a história da salvação. São sinais das “realidades invisíveis presentes, a graça santificante e o culto a Deus” .

5. Sinais e símbolos na liturgia

A liturgia possui um leque enorme de sinais e símbolos. Existem muitas categorias de sinais e símbolos litúrgicos. Existem sinais e símbolos vinculados a pessoas e ao corpo humano, outros relacionados com coisas materiais, de modo que a liturgia se serve de uma série de sinais e símbolos expressivos para manifestar toda a sua beleza e mistério, de modo que precisamos valorizá-los, ao invés de introduzirmos elementos estranhos a própria natureza da liturgia. Passaremos agora a relacionar um breve elenco de sinais e símbolos na liturgia sem a pretensão de esgotá-los.

6. Elenco de sinais

a) Pessoas:
- a assembléia litúrgica,
- os ministros ordenados (bispos, presbíteros e diáconos).

b) Atitudes corporais:
- de pé (significa ação, expectação, oração comum);
- sentados (significa escutar, atender e meditar, oração pessoal);
- de joelhos (significa rebaixamento, adoração, oração pessoal);
- genuflexão
- prostração (significa aniquilamento, morte, ressurreição para um estado de vida, oração
pessoal);
- inclinação (significa rebaixamento, súplica, veneração); etc.

c) Gestos de todos os fiéis:
- fazer o sinal da cruz (significa invocação trinitária, memória do mistério pascal, identificação
com Cristo crucificado);
- dar-se a paz (expressa comunhão no espírito);
- bater no peito (significa conversão, penitencia);
- caminhar, ir em procissão, levar o pão e o vinho ao altar, dançar, beijar a cruz, etc.

d) Gestos dos ministros:
- levantar os olhos (significa oração e súplica);
- estender as mãos (significa oração a Cristo na cruz);
- impor as mãos (significa exorcismo, doação do Espírito Santo, cura, reconciliação, transmissão
de carisma, etc.)
- partir o pão (significa autodoação, compartilhar, eucaristia);
- soprar (significa comunicação do Espírito Santo);
- assinalar (significa marcar e selar com o sinal de Cristo);
- outros gestos: lavar os pés, elevar, mostrar, beijar, saudar, ungir, crismar, tocar, acompanhar,
acolher, impor uma veste, etc.

e) Ações:
- ablução e imersão (significa renascer, ressuscitar);
- aspersão (recordação do batismo);
- oração, jejum, silêncio (significa penitência, oração, fome espiritual, participação no mistério
pascal de Cristo);
- outras ações: imposição das mãos, bênção, beijo da paz, sepultar, abrir e fechar, etc.

f) Elementos naturais: água, pão, vinho, óleo, sal, leite e mel, luz, trevas, fogo, círio pascal, incenso, flores, ramos, etc.

g) Objetos: cruz, imagens, lâmpadas, livros litúrgicos, Evangeliário, vestes litúrgicas, cores litúrgicas, insígnias (anel, báculo, pálio), vasos, sino, toalhas, corporais, pala, sacrário, etc.

h) Tempos: dia, noite, horas, vigília, semana, ano, domingo, festas, oitavas, quaresma, cinquentena, ano jubilar, etc.

i) Lugares: igreja, nave, presbitério, cátedra, sede, ambão, altar, batistério, fonte batismal, confessionário, porta, cemitério, etc.

7. O rito litúrgico como expressão simbólica

A liturgia cristã é um conjunto de ritos. A ritualidade é um elemento essencial de toda celebração litúrgica. Conforme a interpretação sociológica, o rito é a expressão, o gesto simbólico destinado à função identificadora de promover a coesão do grupo que celebra, formando uma assembléia. O rito é um mecanismo de orientação que oferece um quadro seguro e fixo para uma experiência determinada. O rito é expressão simbólica, é memorial.

A repetição é uma característica essencial do rito, visto que, por definição, o rito é uma ação representativa dos fatos da história da salvação, fatos que são sempre os mesmos. Pelo rito entramos em contato com os gestos de Cristo. A repetição ritual nos permite entrar, nos aproximar de Cristo e de seus gestos e palavras e nos integra a eles.

A ritualidade litúrgica gira em torno da eucaristia e dos demais sacramentos, que constituem a Igreja e manifestam e comunicam o mistério de Cristo a todos os fiéis.

8. Conclusão

Como vimos, o símbolo faz parte da própria experiência humana. Na liturgia ele se reveste de uma nova e mais profunda significação, remetendo a experiência do mistério pascal de Cristo e de toda a história da salvação. A liturgia cristã é uma constelação de sinais e símbolos que precisam ser valorizados e alguns recuperados. Muitas vezes em nome da “criatividade” acabamos por reduzir os símbolos litúrgicos, ou em alguns casos, introduzindo no contexto celebrativo elementos estranhos a própria natureza da liturgia. A simbologia e a ritualidade litúrgica não exclui a criatividade. Mas é preciso que, no uso da criatividade, façamos uma re-leitura de toda a simbologia litúrgica, para descobrir nela novos aspectos dentro de sua profundidade.




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