sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019


O AMOR TUDO SUPORTA, EXCETO UMA COISA...
Pe. Cristiano Marmelo Pinto

Há uma espécie rara de amor
que somente poucos alcançam,
embora todos possam alcançar.
Essa espécie de amor tudo suporta,
exceto uma coisa:
ficar longe de quem se ama.

Não é simplesmente um não ter o outro,
mas um amor que não conhece ponto final,
que mesmo a eternidade põe fim.
Poucos alcança a graça de amar assim.
Já vi pessoas que não aguentaram a ausência
do outro-amado e foi atrás na eternidade.
É um amor-eternidade.

O amor-eternidade
é um amor absoluto,
capaz de transpor barreiras
e caminhar por vales e montanhas,
na esperança de alcançar o outro-amado
e dizer-lhe: vamos juntos.
Não quer ficar para trás,
mas também não deseja que o outro vá sozinho.
Este amor parece raro, mais está por aí,
naqueles que se entregam no mais absoluto amor
que deságua da eternidade do ser.

CONSTRUIR MOINHOS DE VENTO

Pe. Cristiano Marmelo Pinto

Uma das coisas mais difíceis em nossa vida são as mudanças. Não sabemos lidar com o fato de que nossa vida muda, tudo muda. Mudar significa deixar para trás e assumir algo novo, outras coisas, outras posturas, um outro modo de ser, uma nova vida. John Kennedy dizia que: “aqueles que apenas olham para o passado ou para o presente irão com certeza perder o futuro”. Quem se apega ao passado, vive se lamentando das coisas ou pessoas que se foram, não se abre para o futuro. Quem fica lamentando ou buscando razões para manter-se no passado, perde a oportunidade de crescer. Nada e ninguém é permanente. Tudo passa e todos mudamos. Segundo Dan Millman: “toda mudança é positiva”. Quando nos permitimos mudar damos um salto para um degrau mais alto na evolução pessoal. Porém, toda mudança vem acompanhada de um certo desconforto, de adaptações e porque não de desistências.

Desistir faz parte do processo de mudança. Desistir do apego ao passado, desistir de coisas e/ou pessoas, de situações e de tantas outras coisas, é necessário para tornar-se livre para caminhar na direção de um futuro completamente novo. Como diz uma certa autora: “há desistências que nos salvam”. O que não se pode é apegar-se ao que já passou e não voltará nunca mais. Na vida temos que aprender a ter duas posturas, embora sejam difíceis: deixar para trás e deixar ir. Quantas pessoas passaram em nossa vida e se foram? Muitas nunca mais voltarão. E o tempo vai nos ensinando a lidar com as ausências, com a saudade. Todos devemos seguir nossos rumos e haverá sempre um momento em que chegaremos em encruzilhadas, onde cada um irá seguir em caminhos diferentes.

Érico Veríssimo fala dos ventos de mudança. Ele diz que: “quando os ventos de mudança sopram, umas pessoas levantam barreiras, outras constroem moinhos de vento”. De fato, quantos levantam barreiras para as mudanças não acontecerem, não se permitindo ao espetáculo da transformação pessoal. Esses não se abrem para o futuro porque preferem a zona de conforto do passado. Lamentam, tornam-se melancólicos, sempre com uma justificativa para não mudar. Mas, há também, aqueles que constroem moinhos de vento. É preciso aproveitar os “ventos de mudanças” para construir moinhos de vento, para construir novas perspectivas, novas possibilidades e fazer um novo caminho. Quando mudamos temos sempre a oportunidade de sermos melhores, mais amadurecidos.

É preciso construir moinhos de ventos, abraçando a possibilidade de um futuro melhor, de uma nova vida. Certamente, algumas coisas e algumas pessoas irão conosco, atravessarão a porta que separa o passado do futuro, para integrar-se conosco nessa nova vida, na nova etapa. Outras deverão permanecer do outro lado, no lado do passado, ficando para trás. Sem esse passo na vida, permaneceremos estáticos e nunca avançaremos no crescimento e amadurecimento enquanto pessoa. Como diz Martha Medeiros: “toda e qualquer mudança é um avanço, um passo à frente, uma ousadia que nos concedemos, nós que tememos tanto o desconhecido”. Quem quer crescer deve mudar. E só muda quem aprende a aproveitar os “ventos de mudanças” para construir moinhos de vento.


A MORTE COMO CONDIÇÃO PARA VIVER
Para que a páscoa aconteça, a morte deve ser completa.”


Falar da morte como condição para viver soa um tanto estranho, visto que, nossa cultura não possui dimensão para a morte. Queremos viver sem perdas. Mas elas fazem parte da vida e são condições para que a vida flua melhor. Quando se diz: “deixa morrer” geralmente se estranha, pois, morte não cheira bem. Ainda mais quando se diz: “sinto cheiro de morte” parece algo aterrorador.

Freud dizia que: “Se quiseres poder suportar a vida, fica pronto para aceitar a morte.” Somos habituados a pensar na morte somente no campo biológico quando fisicamente deixamos de existir. Mas a morte é um processo em nossa vida. A morte leva, desfaz, extingue. E quantas coisas precisam extinguir em nós! Na vida não é possível levar tudo o que vamos adquirindo nessa jornada. Adquirimos experiências boas e ruins. Abre-se feridas que muitas vezes permanecem sangrando. E quem as carrega corre o risco de abraçar definitivamente a dor.

Além das perdas inevitáveis que a vida nos impõe, é necessário que abramos espaço para aquelas perdas que passam pela nossa decisão de deixar para trás. É preciso deixar morrer mágoas, ranços e tantas outras coisas e sentimentos para seguir em frente, não numa sobrevida, mas para viver plenamente. Por isso a morte é condição para viver. Morrer e deixar morrer é parte necessária desse processo. Como diz a música “Perdas necessárias” do Pe. Fábio de Melo: “Deixa partir o que não te pertence mais, deixa seguir o que não poderá voltar, deixa morrer o que a vida já despediu...”

A vida sempre vai além da morte. Morrer não é o fim e nem deixar morrer o que já deveria ter sido enterrado no passado significa que nossa vida acabou. Só pode ressurgir quem permite-se morrer, quem se torna capaz de deixar para traz coisas, situações, sentimentos e até mesmo pessoas. A ressurreição sempre trará coisas novas, uma vida nova que não será mais aquela de antes. Ter a coragem de permitir-se a esse processo é a arte de aprender viver. E só vive quem deixa morrer.

Paz no coração!
Pe. Cristiano Marmelo Pinto

domingo, 1 de janeiro de 2017


HOMILIA DA SOLENIDADE DA 
SANTA MÃE DE DEUS | ANO A
Quanto a Maria, guardava todos esses fatos 
e meditava sobre eles em seu coração” (Lc 2,19).

Estamos iniciando um novo ano, e como é bom que isso aconteça celebrando o centro de nossa fé, a eucaristia. E isto acontece em torno da solenidade daquela que com seu “Sim” tornou-se a Santa Mãe de Deus, Maria. Hoje também se celebra o dia mundial da paz. Como estamos precisando de paz! Mas não de uma paz que signifique apenas um cessar fogo, mas de uma paz que seja bênção para toda a humanidade. E a liturgia desta solenidade coloca já no primeiro texto proclamado, a chamada “bênção de Aarão”. Como é bom começar o ano novo com uma bênção. Melhor ainda é fazer do ano todo abençoado. Como já vimos, a liturgia de hoje, nos propõe três temas que se entrelaçam: a) a bênção, b) a paz, c) Maria.

a) A bênção

Começar o ano abençoado é bom demais. É interessante notar que Deus mandou Moisés transmitir para Aarão a bênção, e este deveria transmitir para os filhos de Israel (cf. Nm 6,23). Mas nota-se a iniciativa de Deus de abençoar. Deus quer nos abençoar. O que significa abençoar? Abençoar significa lançar bênção, desejar o bem, conceder prosperidade, proteção, amparo, ajuda. O sentido hebraico desta palavra é: “Conceder poder a alguém para alcançar prosperidade, longevidade, fecundidade, obter sucesso e muitos frutos”.

Temos um Deus abençoador, cheio de misericórdia, graça e justiça. Um Deus que deseja nos abençoar e quer que façamos o mesmo com os outros. Quer que transmitamos sua bênção. As bênçãos de Deus devem ser multiplicadas. É importante recuperarmos o costume de pais abençoar os filhos, de padrinhos e madrinhas abençoarem os afilhados, de se benzer ao passar na frente da igreja, etc. São gestos de passar a bênção de Deus para frente. Uma vida abençoada é uma vida com a graça. Porém, uma vida carente de bênção, nos torna vulneráveis ao mal. Precisamos ser abençoados e abençoar. Sentir-se abençoado e guardado por Deus é sentir-se protegido, amparado, seguro o ano todo. Quem assim se sente, age com segurança e firmeza, e mesmo que encontre dificuldades ao longo do ano novo, nunca irá desistir.

A bênção de Aarão termina dizendo: “O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz” (Nm 6,26). E quem não precisa de paz? Num mundo tão violento e desgastante, precisamos encontrar a paz. E aí entramos no segundo ponto:

b) A paz!

O profeta Isaías diz que: “A paz é fruto da justiça” (Is 32,17). Hoje celebramos o dia mundial da paz. Na sua mensagem anual, o Papa Francisco nos convida para uma atitude de “não violência” como forma de propagar a paz. Diz ele: “Desejo deter-me na não violência como estilo duma política de paz, e peço a Deus que nos ajude, a todos nós, a inspirar na não violência às profundezas dos nossos sentimentos e valores pessoais”. É preciso criar uma “cultura da paz”, promovida através de atitudes que testemunhem a paz que tanto desejamos. Toda guerra é injusta. Os mais fracos e vulneráveis são os que sempre pagam mais caro as consequências das guerras. E o mundo de hoje precisa de justiça. Nós precisamos ser mais justos.

c) Maria, a Mãe de Deus

O evangelho diz que ouvindo o que os pastores contaram sobre o que fora dito sobre o menino, “Maria, guardava todos esses fatos e meditava sobre eles em seu coração” (Lc 2,19). Pode parecer que Maria tinha ema atitude passiva diante de tudo aquilo, mas na verdade é o contrário. Centrada, como sempre, ela meditava sobre a grandeza da ação de Deus, meditar significa ir ao centro. Toda meditação é feita para que haja uma transformação em quem medita. Assim foi com Maria, assim deve ser conosco. Diante da realidade em que vivemos, somos convidados para, assim como Maria, meditarmos sobre os fatos, para haver uma transformação dentro de nós, e só depois, podermos transformar a realidade.

Todos nós queremos que este novo ano seja melhor para todos nós. Isto só será possível se formos capazes de, meditando sobre os fatos, nos transformarmos em promotores da paz e da justiça. Isto faremos se, seguindo o desejo de Deus, abençoarmos uns aos outros, levando adiante a bênção de Deus. Façamos o propósito de nos comportarmos como verdadeiros filhos e filhas de Deus, herdeiros de seu reino, como afirma a segunda leitura (Gl 4,4-7). Só assim, poderemos de coração sincero, elevar a Deus nosso pedido dizendo: “Que Deus nos dê a sua graça e sua bênção” (Sl 66).

Pacem cordium! Dá paz ao coração!

Pe. Cristiano Marmelo Pinto

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016


A LITURGIA DO MATRIMÔNIO - I
Pe. Cristiano Marmelo Pinto
1. Introdução

A celebração litúrgica do matrimônio foi se desenvolvendo ao longo dos séculos na Igreja. Muitos de seus elementos foram absorvidos da celebração social do matrimônio nas culturas, principalmente da cultura greco-romana com alguns elementos do judaísmo, no que diz respeito ao caráter eucológico.


Tendo já abordado sobre o processo de desenvolvimento histórico da celebração do matrimônio, pretendemos agora refletir sobre as partes que constituem a celebração litúrgica do matrimônio na Igreja.


O Ritual do Matrimônio prevê duas situações para a celebração do matrimônio: a normal, que seria dentro da celebração da missa, e outra fora da missa. Iremos trabalhar a celebração dentro daquilo que seria sua normalidade, porém, não desconsiderando a possibilidade de sua realização fora da missa. Aliás, esta tem se tornado a maneira mais comum em nossas igrejas. Evidente que, no acompanhamento dos noivos, o sacerdote deve julgar sobre a conveniência de realizar uma ou outra forma do matrimônio.

2. O Ritual do Matrimônio (segunda edição típica)

A segunda edição típica do Ritual do Matrimônio apresenta uma introdução geral bem elaborada. Nesta introdução geral, também chamada de praenotanda, estão consignadas as orientações doutrinais e pastorais acerca do matrimônio e sua celebração. Nesta introdução, a parte doutrinal aparece bem mais desenvolvida e enriquecida.

De forma bem concisa e vibrante, faz-se uma apresentação do matrimônio, à luz da história da salvação, expondo os diversos aspectos antropológicos, bíblicos, teológicos, morais e espirituais do matrimônio (n. 1-11). Destacam-se nela as alusões à aliança de Cristo com a Igreja e à ação do Espírito Santo, fonte da caridade, da qual brotam o amor indiviso e a mútua doação dos esposos[1].


Ela dá uma devida atenção aos aspectos práticos, relacionados com a preparação e celebração do matrimônio. No tocante às orientações para a preparação da celebração, a introdução fala que deve ser cuidadosa a celebração litúrgica e criteriosa a modalidade a ser utilizada, conforme a realidade pastoral (Cf. RM 29-31).

O Ritual do Matrimônio situa a sua celebração no contexto da celebração da eucaristia, atendendo a solicitação do próprio Concílio Vaticano II, que afirma na constituição Sacrosanctum Concilium que “habitualmente, celebre-se o matrimônio dentro da missa, após a leitura do Evangelho e homilia, antes da oração dos fiéis” (SC 78).

No rito latino, a celebração do matrimônio entre dois fiéis católicos normalmente ocorre dentro da santa missa, em vista do vínculo de todos os sacramentos com o mistério pascal de Cristo. Na eucaristia se realiza o memorial da nova aliança, na qual Cristo se uniu para sempre à Igreja, sua esposa bem-amada pela qual se entregou. Portanto, é conveniente que os esposos selem seu consentimento de entregar-se um ao outro pela oferenda de suas próprias vidas, unindo-o à oferenda de Cristo por sua Igreja, que se torna presente no sacrifício eucarístico[2].


Deste modo, o Ritual do Matrimônio põe em relevo a relação entre a celebração da eucaristia, memorial da nova aliança, onde Cristo se une a Igreja, sua esposa, e a mútua entrega dos esposos por meio do consentimento mútuo.


O novo ritual dá igual relevo à liturgia da Palavra. Ele é enriquecido com diversas opções de leituras, aplicando a prescrição conciliar de ampliar as leituras dos lecionários. A constituição SC diz: “Nas celebrações litúrgicas restaure-se a leitura da Sagrada Escritura mais abundante, variada e apropriada” (n. 35). O Ritual do Matrimônio é acompanhado de um lecionário (ver capítulo V do ritual), no qual são reunidas diversas leituras tanto do Antigo como do Novo Testamento, bem como salmos e versículos para a aclamação.


O novo Ritual do Matrimônio procura revisar os ritos próprios da celebração do matrimônio. O ato mais importante é o consentimento dos esposos. O ritual destaca o papel dos contraentes, afirmando que está acima da função de quem preside a celebração. O rito do consentimento é precedido de um breve interrogatório acerca dos requisitos básicos para a validade do consentimento.

Os esposos celebram a sua aliança com Deus e entre eles. Manifestam o seu consentimento absolutamente livre, o seu amor em todas as circunstâncias, o seu desejo de fecundidade e o seu compromisso como pais e educadores; comprometem-se a partilhar todos os bens e a formar uma comunidade que tenha um só coração, uma só alma, tudo em comum, e a ser um só corpo[3].


No número 35, a Introdução Geral do Ritual do Matrimônio destaca os principais elementos da celebração do matrimônio. São eles: a liturgia da Palavra; o consentimento; a bênção sobre os esposos e finalmente a comunhão eucarística.

Entre os elementos principais da celebração do matrimônio está a benção dos esposos (bênção nupcial), na qual se invoca a bênção de Deus sobre os esposos[4]. Esta bênção é o elemento mais antigo e original da liturgia do matrimônio cristão. Tem raiz na tradição oriental e a liturgia ocidental a incorporou à missa nupcial, depois do Pai-nosso. Sobre a bênção nupcial falaremos mais adiante.

Quando uma das partes não é católica, porém batizada, a introdução indica o rito do matrimônio sem missa (nn. 79-117). Quando uma das partes é um catecúmeno, ou seja, alguém que está se preparando para ser batizado, ou então entre uma parte não cristã, o rito a ser usado é o da celebração do matrimônio entre uma pessoa católica e outra catecúmena ou não cristã (nn. 152-178).

Outra peculiaridade do novo Ritual do Matrimônio é a possibilidade do matrimônio ser assistido por uma testemunha leiga, na falta do presbítero ou do diácono.

Onde faltam sacerdotes e diáconos, o bispo diocesano, com a prévia aprovação favorável da Conferência dos Bispos e obtida a licença da Santa Sé, pode delegar leigos para assistirem aos matrimônios. Escolha-se um leigo idôneo, que seja capaz de formar os noivos e de realizar convenientemente a liturgia do matrimônio[5].



A reforma do Ritual do Matrimônio, aplicando os princípios e determinações do Concílio Vaticano II, deu passos importantes e positivos para a celebração do matrimônio. Deu uma concepção geral da liturgia sacramental, tendo em conta os frutos obtidos anteriormente ao Vaticano II. Como afirma G. Flórez,

a aproximação às fontes bíblicas, patrísticas e litúrgicas, a tradução dos textos litúrgicos para as línguas vernáculas, a participação ativa da comunidade cristã nas celebrações, a valorização e utilização da Palavra de Deus para alimentar a fé no significado dos sacramentos e em geral nos aspectos teológicos da ação litúrgica são passos importantes para o desenvolvimento do sentido litúrgico dos fiéis[6].


A reforma do Ritual do Matrimônio o enriqueceu grandemente. Deu unidade à ação litúrgica, fazendo com que a celebração do matrimônio seja composta com todos os elementos litúrgicos que têm significado importante na tradição litúrgica e na realidade antropológica e sacramental do matrimônio, podendo adotar elementos culturais que valorizem a própria celebração.

A celebração do matrimônio, tal como é ordenada no novo Ritual do Matrimônio põe em relevo dois elementos que ao longo da história da celebração do matrimônio tiveram importância diferente: o primeiro é o consentimento dos esposos, elemento imprescindível da celebração, e o segundo é a bênção nupcial, que é o mais firme elo da tradição litúrgica do matrimônio.

É evidente que a celebração litúrgica do matrimônio, tal como é disposta no novo ritual, exige uma boa preparação de todas as partes e, principalmente, dos noivos. “A preparação da celebração do sacramento deve ser feita com cuidado, enquanto possível, com a presença dos noivos”[7]. O pároco deve analisar as condições para propor a melhor forma de celebração, se dentro ou fora da missa; juntamente com os noivos, caso seja possível, escolher bem as leituras, que serão comentadas na homilia; a maneira dos noivos exprimirem o consentimento; a fórmula da bênção das alianças; a bênção nupcial, as preces e os cantos e até mesmo o modo da ornamentação (Cf. RM 29-31).

3. Características da liturgia do matrimônio

A celebração dos sacramentos, em particular a eucaristia, constituem a expressão máxima da oração da Igreja. Conforme afirma o Concílio Vaticano II: “A liturgia é o cume para o qual tende a ação da Igreja, e, ao mesmo tempo, é a fonte donde emana toda a sua força” (SC 10). Por meio dos sacramentos, Cristo se une à Igreja para realizar nela sua obra de salvação. Sendo pois, oração de Cristo e da Igreja, os sacramentos expressão e comunicam por meio de palavras e símbolos e com uma ação litúrgica, o que a graça de Cristo quer realizar na Igreja e em seus membros.

Para comunicar o mistério da graça de Deus, a liturgia sacramental busca, nos textos da Sagrada Escritura, sua fonte primordial, pois é nela que contém por excelência a revelação de Deus, mas também, recorre a tudo o que pode contribuir para expressar de maneira clara e objetiva o mistério celebrado.

No que diz respeito à celebração litúrgica do matrimônio, a liturgia da Igreja recorre em primeiro lugar aos textos bíblicos em que se revela o projeto de Deus a respeito do matrimônio. Mas a liturgia sacramental não se limita apenas aos textos específicos, vai além, buscando em outros textos da Sagrada Escritura tudo o que pode ser útil para promover uma plena e frutuosa celebração do sacramento.

Além dos textos bíblicos, a liturgia sacramental também fundamenta-se nos sinais, pois eles são meios para expressar, representar e comunicar as realidades significadas pelos sacramentos. G. Flórez afirma que:

o sinal entra pelos sentidos até o interior do espírito humano e tem uma força de projeção comunitária que a palavra nem sempre pode alcançar por si só. O sinal tem uma capacidade especial para fazer chegar à comunidade uma mesma mensagem, para significar, representar e comunicar a unidade e a universalidade da graça de Jesus. Porém, tem também suas limitações próprias. Precisa do concurso da palavra para poder expressar com clareza e luminosidade o que quer significar e comunicar[8].


Na celebração do matrimônio cristão se encontra uma variedade de ritos, que procederam das mais diferentes culturas e tradições. Eles ajudam a sua celebração, porém, o mais essencial é a decisão dos noivos de se unirem. A identidade teológica do matrimônio está na decisão dos noivos de contraírem matrimônio perante Deus e a Igreja.

As palavras do consentimento matrimonial exercem a função de sinal no sacramento do matrimônio. Diferentemente de outros sacramentos, não se trata, nesse caso, de um elemento material, que se toma como meio de representação do que o sacramento significa e realiza, mas de um compromisso que os noivos contraem livremente e que os transforma em esposos[9].


Embora a celebração do matrimônio tenha elementos da tradição bíblica e de diferentes culturas, a liturgia do matrimônio não é simplesmente um aglomerado de elementos ou ritos tirados dessas culturas e tradições, mas possui uma estrutura própria, que faz parte do culto da Igreja. Por meio da liturgia sacramental, a Igreja exerce sua missão de santificar os fiéis e de oferecer a Deus um culto agradável e verdadeiro.

Através da liturgia cristã do matrimônio, o Pai manifesta seu amor aos esposos, membros do corpo de Cristo, e a Igreja oferece ao Pai aquilo que mais lhe agrada, o amor de seu Filho, que se revela e manifesta no amor que os novos esposos sentem entre si[10].

Deste modo, a união dos esposos se torna um sinal da união de Cristo com sua Igreja e como obra do Espírito Santo para enriquecer a Igreja com seus dons.






4. O lugar da celebração do matrimônio


A Introdução Geral do Ritual do Matrimônio, bem como a Constituição Conciliar sobre a Liturgia Sacrosanctum Concilium, afirmam que o lugar normalmente do matrimônio é dentro da celebração da eucaristia. Porém, por motivos pastorais, há a possibilidade de ser celebrado fora da missa .


Mas a celebração do matrimônio hoje esbarra em grandes dificuldades que devem nos questionar em relação ao modo de preparação para a sua celebração. Vê-se que os noivos, que procuram a Igreja para a celebração do matrimônio, encontram-se despreparados com uma fraca iniciação cristã, em alguns caso praticamente ausente. Como afirmo no meu recente livro, outro problema que encontramos quando casais de noivos procuram a Igreja para pedir o sacramento do matrimônio é a falta de fé. Este constitui um dos mais graves problemas por revelar que o processo de iniciação cristã tem se mostrado ineficiente, não despertando em nossos jovens uma fé madura e responsável .


Enquanto o processo de iniciação cristã não levar os jovens à maturidade da fé, parece que a melhor forma para a celebração do matrimônio é fora da missa. É inadmissível a celebração do matrimônio na missa em que os noivos não possam participar plenamente, inclusive da mesa eucarística.

O Ritual do Matrimônio apresenta três possibilidades para a sua celebração: celebração do matrimônio dentro da missa; celebração do matrimônio fora da missa; e celebração do matrimônio entre uma pessoa católica e outra catecúmena ou não-cristã.





[1] CLEMENTE, José Carlos Isnard, “Apresentação”. In: Ritual do Matrimônio. São Paulo: Paulus, 1993.


[2] Catecismo da Igreja Católica, n. 1621.


[3] PAREDES, José Cristo Rey García. O que Deus uniu... p. 412.


[4] FLÓREZ, Gonzalo. Matrimônio e família... p. 289.


[5] RM, n. 25; CIC, cânon 1112.


[6] FLÓREZ, Gonzalo. Matrimônio e família... p. 291.


[7] RM, n. 29.


[8] FLÓREZ, Gonzalo. Matrimônio e família... p. 277.


[9] Ibidem, p. 277.


[10] Ibidem, p. 278-279.



HIPOCRISIA:
uma praga na vida de comunidade!



Busquei no Dicionário o significado, embora o saibamos, da palavra hipocrisia. Assim diz:
"Hipocrisia - 1. Vício que consiste em se aparentar uma virtude, um sentimento que não se tem. - 2. Fingimento, falsidade. - 3. Falsa devoção; beatice (Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa). O papa Francisco faz duras críticas sobre os cristãos hipócritas e com razão. Impedem a graça de atuar na vida das pessoas e da comunidade. Fingem um compromisso com o bem estar de todos, quando no fundo se preocupam unicamente consigo mesmo. Segundo o papa, “muitos cristãos estão anestesiados por preguiça e hipocrisia”. E isso tem suas consequências na vida da comunidade como um todo. É como um membro do corpo doente que faz perecer todo o resto. O hipócrita exige do outro aquilo que ele mesmo não vive. Isso é falsidade! Levantam certas “bandeiras” que eles mesmos não vivem. Como afirma o papa Francisco: “Cristãos hipócritas a quem interessam somente as formalidades. Fecham as portas à graça de Deus. Temos muitos assim na Igreja, e isto é outro pecado! Os que pecaram de preguiça não são capazes de ir adiante com zelo apostólico porque decidiram parar em si mesmos, em suas tristezas e ressentimentos. Estes não conseguem chegar à salvação porque fecham as portas a ela!”.

É interessante que as pessoas hipócritas não se envolvem com nada e, ao mesmo tempo, querem parecer envolvidos com tudo. Dão opiniões, fazem críticas, querem impor suas visões e posições a comunidade. E no fundo, não são aquilo que aparentam ser. Poderíamos dar um número enorme de exemplos, mas vou dar um que acho o mais espinhoso. É comum vermos em nossas comunidades pessoas dizendo que Igreja não deve se misturar com política. Quanta hipocrisia! Em tempos de eleições, a maioria desses são os primeiros a levantarem bandeiras desse ou daquele candidato. Acham que eu não sei que ficam espalhando panfletos políticos dentro da igreja e em suas imediações. Criticam os políticos de nunca aparecerem em nossas igrejas, e criticam também até aqueles que aparecem e que, a seu modo, colaboram com nossas comunidades. Mas, o hipócrita não faz nada mais além de criticar e criticar... Diz para eles fazerem alguma coisa em prol da comunidade?! Eles não fazem. E ainda ficam espalhando veneno para as outras pessoas.
Política é a arte de governar. Ela pode ser exercida de vários modos: políticas públicas, privadas, organizacional, etc. Sendo assim, a Igreja como organização também é política. E enquanto parte de uma sociedade em vista do bem comum (público), a Igreja também se insere no contexto das políticas públicas. E é no mínimo ingênuo dizer que se faz políticas públicas sem os partidos políticos. O que a Igreja não deve, e nenhum cristão de verdade, é envolver-se com a corrupção na política. Mas, isso é outra história.
É lógico que a Igreja não deve direcionar sua ação na direção de partidarismo. Mas, dizer que não precisa daqueles que estão à frente das políticas públicas não é verdade. Pois, estaremos sempre na dependência dos que estão à frente dos poderes executivos e legislativos. Quero ver de “camarote” esse pessoal, na período eleitoral defendendo seus políticos e candidatos, e depois, virem com seus “sermões moralistas” para com a Igreja.

Os hipócritas são como os fariseus que viviam se escandalizando com Jesus, por ele andar com os pecadores (prostitutas, cobradores de impostos, pescadores, entre tantos outros). Eram moralistas, consideravam-se perfeitos demais, viviam cheios de si, orgulhosos, ambiciosos e vaidosos, porém, andavam distante da graça. Novamente o papa Francisco diz que: “Jesus aconselha: não olhar para as aparências, ir propriamente à verdade (…) mas se você é um vaidoso, um carreirista, um ambicioso, uma pessoa que sempre se orgulha de si mesmo ou gosta de se gabar porque se acha perfeito, dá um pouco de esmola e isto curará a tua hipocrisia. Eis o caminho do Senhor: é adorar Deus, amar Deus sobre todas as coisas e amar o próximo. É tão simples, mas tão difícil! Somente isto se pode fazer com a graça. Peçamos a graça”. E ainda diz que: “são católicos, mas sem entusiasmo, inclusive amargurados! Cada um em sua casa, tranquilos… E se alguém ousa, é reprovado.”

Creio que uma das coisas que entristece o coração de um pastor é ver entre alguns do seu rebanho os tentáculos da hipocrisia. E cabe-nos denunciá-la, senão, não seremos autênticas testemunhas de Jesus Cristo. Cabe a todos nós cristãos comprometidos. A hipocrisia é uma desgraça para a vida da comunidade. Ela impede a atuação da graça de Deus. Ela rouba o brilho da fé e leva a recusa de se envolver com a construção do Reino de Deus e de uma nova sociedade. Hipocrisia, to fora!

 

Paz!

Pe. Cristiano Marmelo Pinto

Fariseus de ontem e de hoje...

 por Pe. Cristiano Marmelo Pinto

  

A Igreja vive um novo tempo. Conduzida pelo Espírito Santo de Deus, a Igreja vem demonstrando, em práticas concretas, a necessidade de acompanhar os rumos dos novos tempos em que vive a humanidade. Certamente a maior surpresa do Espírito Santo foi à eleição do papa Frâncico. E o Espírito sempre nos surpreende! Não se trata de um tempo de “reforma” da Igreja, pois, reformar, significa recuperar velhas estruturas, dar novas cores, porém, manter o que já está aí. A Igreja vive um tempo de renovação. Renovar é muito mais profundo que reformar. Atinge as estruturas mais profundas, recuperando seus fundamentos, sua originalidade. É o que tem feito o papa Francisco e o papa emérito Bento XVI, nos convidando para voltar à essência do cristianismo, a essência da fé.

Nem sempre as estruturas e seus aparatos favorecem um cristianismo autêntico e coerente com o espírito evangélico. Principalmente se aqueles que estão a frente dessas estruturas se deixam conduzir por suas paixões e interesses. Isto ficou bem claro como motivo da renúncia do papa emérito Bento XVI. Vê-se uma tensão entre os “piseudos-conservadores” e “progressistas”. E o Espírito Santo foi escolher alguém além dessas características para conduzir a Igreja. Com o papa Francisco renasce a esperança de uma Igreja mais fiel ao evangelho de Jesus Cristo, que procura oferecer à humanidade aquilo que ela tem de mais precioso: o amor de Deus pelas pessoas, e reaproximar as pessoas de um Deus que é amor e misericórdia. Papa Francisco nos estimula a resgatar a alegria de sermos cristãos e de anunciar o Evangelho como boa notícia.

Mas é evidente que, esse processo de renovação provoca reações adversas. E nesse universo de reações contrarias, surgem os “pseudos-fariseus”, que rogando para si a defesa da tradição, se opõem a tudo que o Espírito Santo suscita de novidade no seio da Igreja. Esse levante farisaico já se observa a tempos na Igreja a partir do Concílio Vaticano II, quando a Igreja inteira decide abrir-se para o mundo e estabelecer um diálogo sincero e verdadeiro com os novos tempos, permitindo que novos ares possam entrar pelas suas janelas. Numa interpretação no mínimo errônea das posturas do papa emérito Bento XVI com a autorização da missa tridentina como forma extraordinária, pipocaram-se em todos os cantos, vozes muitas delas ferozes, em críticas e condenações. Algumas veladas, outras abertamente se opõem ao próprio Concílio Vaticano II e sua abertura ao mundo. Alguns se apoiam as regras, normas e leis eclesiásticas para justificarem suas posições, numa atitude obsessiva e inflexível aos novos ares que nos supra o Espírito Santo. Preferem um cristianismo de sacristia a um cristianismo que vai a periferia do mundo, ao encontro dos preferidos de Deus: os pobres e excluídos. Se fecham no “rubricismo” alegando que, tudo fora das normas eclesiásticas é contra a tradição. Se julgam no direito e até no dever de apontar os frutos do Concílio Vaticano II como traição a Igreja, a Tradição e ao Magistério. Nota-se porém, pouca referência ao Evangelho. E nem poderia, pois teriam que trair a própria posição deles.

Se por um lado nos deparamos com milhares de pessoas em todas as partes dóceis ao Espírito do Senhor, por outro, um fechamento a liberdade do Espírito em soprar onde e como quer. Colocam-se numa postura farisaica, considerando-se os certos, e os demais errados.

O termo “fariseu” significa os separados. Era um grupo formado por pessoas devotas, que na obsessão pela observância da Lei, foram se separando dos demais, criando dois grupos distintos em Israel: os “justos” (os que observavam escrupulosamente a Lei), e os “pecadores” (os que não observavam a Lei). Assim consideravam os fariseus. Consideravam que pela observância minuciosa da Lei seriam salvos. Era um grupo apegado às tradições, as regras, aos costumes, eram inflexíveis e profundamente fechados. Porém, nem sempre conseguiam, tanto que sofrem severas críticas. Jesus irá dizer: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que, por fora, se mostram belos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda imundícia! Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas, por dentro, estais cheios de hipocrisia e de iniquidade.” (Mt 23, 27-28). Foram responsáveis, juntamente com os saduceus, pela perseguição a Jesus Cristo e a tudo que ele realizava.

Ainda hoje há os fariseus de plantão. Pessoas “religiosas” que creem observantes das normas da Igreja, separando-se dos outros. Na obsessão pela observância das normas, tornam-se orgulhosos e auto-suficientes. Cria-se um individualismo religioso sem compromisso com a transformação social do povo. Condenam tudo que na Igreja nos remete a essa transformação social, de nodo particular a Teologia da Libertação. Por certo, devem repreender igualmente a prática libertadora de Jesus Cristo. Criticam e condenam as minorias que elevam suas vozes calando por libertação e direitos iguais. Não é por menos que muitas vezes tais atitudes caem numa hipocrisia moralista.
A verdadeira atitude cristã, de discípulos de Jesus Cristo, deve ser de abertura e docilidade ao Espírito Santo. Permitir que ele faça novas todas as coisas na Igreja e no mundo. Nosso papel deve ser de facilitadores da ação de Deus no mundo. E não de algemá-lo nas correntes de uma “observância farisaica” das normas, pois, o Espírito sopra onde ele quer (cf. Jo 3,8).