A LITURGIA COMO FONTE DA
CATEQUESE
Pe.
Cristiano Marmelo Pinto
Mestre em Liturgia pela PUC-SP
1. INTRODUÇÃO
A constituição sobre a
liturgia do Concílio Vaticano II, afirma que “a liturgia é o cume para o qual tende toda a ação da Igreja e, ao mesmo
tempo, a fonte de que promana sua força” (SC 10). Desta afirmação conciliar
pode-se concluir a relação existente entre a catequese e a liturgia. Ao se
falar de catequese de iniciação à vida cristã, supõe-se que ela tenha como
objetivo iniciar os catequizandos nos mistérios da fé, que tem seu auge na sua
celebração. Portanto, a catequese como ação da Igreja, que busca iniciar os
cristãos nos mistérios da fé, tem seu fim último na liturgia.
O Concílio tem claro que a
liturgia não é a única ação da Igreja ao dizer que: “antes de ter acesso à liturgia é preciso ser conduzido à fé e se
converter” (SC 9). Isto nos faz compreender o processo catequético como um
caminho pedagógico que conduzindo à fé e a conversão, objetiva a experiência
dessa fé na ação litúrgica.
Por outro lado, a liturgia também
é fonte da catequese. Isto porque, tendo a Palavra de Deus como sua fonte
primária, é na celebração litúrgica que a Palavra terá um destaque especial.
Como afirma Julián L. Martín: “a
liturgia é lugar privilegiado em que a Palavra de Deus ressoa com eficácia
particular e em que é constantemente proclamada, escutada, interiorizada e
comentada”[1].
Porém, a relação entre
liturgia e catequese nem sempre foi tão clara e, ainda hoje continua um tanto
confusa para muitos, embora haja um esforço para reestabelecer esta relação. É
comum ouvir de catequistas que as crianças só participam da celebração da
eucaristia, ao longo do processo catequético, forçadamente. O mesmo acontece na
catequese da crisma. E o que se vê, na maioria das vezes, é um parcial ou total
abandono da comunidade após ter recebido o sacramento.
Tudo isto nos faz questionar o
processo catequético, que por certo, mesmo que haja esforço, não está
conseguindo iniciar adequadamente os catequizandos, tanto na vivência
comunitária da fé como na sua celebração litúrgica. É neste intento que no
Brasil nos últimos anos, dando continuidade no processo da catequese renovada[2], ou
a renovação da catequese, a Igreja tem buscado fomentar uma catequese de
inspiração catecumenal[3], que
leve a uma verdadeira iniciação à vida cristã. A catequese segundo D. Sartore:
“Preocupada com o anúncio e com a sua
tradução para a vida concreta, parece por vezes menos sensível ao momento
celebrativo, que se situa como ápice do anúncio e como fonte da existência
cristã”[4].
2. A RELAÇÃO ENTRE
LITURGIA E CATEQUESE
São João Paulo II, na
Exortação Apostólica “Catechesi Tradentae”[5]
afirma que: “A catequese está
intrinsecamente ligada com a ação litúrgica e sacramental, porque é nos
sacramentos, e sobretudo na eucaristia, que Cristo Jesus age em plenitude para
a transformação dos homens” (nº 23). O Concílio Vaticano II ao considerar a
liturgia como celebração do mistério pascal de Cristo, vê a necessidade de uma
iniciação adequada dos que dela participam, para melhor celebrar e desse modo,
penetrar no mistério de Deus que se atualiza na ação litúrgica. Se por um lado,
na liturgia tomou-se consciência da necessidade de favorecer o ato de fé, por
outro, a catequese abriu-se a experiência simbólico-ritual e à celebração.
O Concílio Vaticano II, na
Declaração “Gravissimum Educationis”,
sobre a educação cristã, diz que: “A
formação catequética, que ilumina e fortalece a fé, nutre a vida segundo o
espírito de Cristo, leva a uma participação consciente e ativa no mistério
litúrgico e desperta para a vida apostólica” (GE 4). Segundo J. L. Martín:
“A catequese conduz à liturgia e
desemboca nela, não somente porque é ‘ápice e fonte’, mas pela mesma dinâmica
do processo de evangelização e da catequese”[6]. Se
a liturgia é o cume para o qual se direciona toda a ação da Igreja (cf. SC 10),
inclusive a catequese, vale dar atenção a Instrução “Inter Oecumenici” ao recomendar que:
Deve-se dar cuidadosa atenção
para que todas as atividades pastorais estejam em correta conexão com a sagrada
liturgia e, ao mesmo tempo, para que a pastoral litúrgica não se desenvolva de
modo separado e independente, mas em íntima união com as outras atividades
pastorais. Particularmente necessário é um estreito vínculo entre a liturgia e
a catequese (n. 7).
O Diretório Nacional de
Catequese diz que entre a fé, a celebração e a vida há uma íntima relação.
Segundo o Diretório: “O mistério de
Cristo anunciado na catequese é o mesmo que é celebrado na liturgia para ser
vivido”[7]. É
neste sentido que o Documento 43 da CNBB no número 92 irá dizer que: “Pelos sacramentos a liturgia leva a fé e a
celebração da fé a se inserirem nas situações concretas da vida”[8]. Deste
modo, pode-se dizer, conforme o Diretório Geral para a Catequese, da
Congregação para o Clero que:
A catequese, além de favorecer
o conhecimento do significado da liturgia e dos sacramentos, deve educar os
discípulos de Jesus Cristo à oração, à gratidão, à penitência, à solicitação
confiante, ao sentido comunitário, à linguagem simbólica, uma vez que tudo isso
é necessário, a fim de que exista uma verdadeira vida litúrgica[9].
Embora seja claro que entre a
catequese e a liturgia haja uma íntima relação, nem sempre foi assim. Se nos
primórdios da Igreja esta relação era natural, ao longo do tempo vão se
distanciando, ao ponto de ser necessário uma retomada dessa relação. Vejamos
como se deu esse processo.
3. A RELAÇÃO ENTRE LITURGIA E CATEQUESE
AO
LONGO DA HISTÓRIA
3.1. Catequese e liturgia nos tempos de Jesus e na Patrística
Ao voltar para junto do Pai,
Jesus ordenou a seus discípulos: “Ide,
portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quando
vos ordenei” (Mt 28,19). Comentando esta passagem, G. Lutz diz que: “alguém se torna discípulo de Jesus na Igreja
através da ação litúrgica do batismo e através da catequese”[10]. Percebe-se
já nesta ordem de Jesus a ligação que há entre liturgia e catequese. Igualmente
podemos encontrar esta ligação entre liturgia e catequese no relato da última
ceia de Jesus com seus discípulos (cf. Mt 26, 17-29). Provavelmente Jesus agiu
com seus discípulos conforme o costume judaico para a ocasião, quando o mais
novo do grupo perguntava ao que presidia o motivo da reunião. O pai da família
contava então toda a história da salvação e depois repartia o pão, o cálice e
comiam. E Jesus disse: “Fazei isto em
memória de mim” (Lc 22,19).
Os primeiros cristãos fizeram
conforme Jesus havia mandado. Pregaram e batizaram (cf. At 2,14-41), se
reuniram para partir o pão (cf. At 20,7s). Eles se mostravam assíduos ao
ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações
(cf. At 2,42).
A relação entre liturgia e
catequese era uma realidade desde o início da Igreja. Porém, verifica-se que no
Novo Testamento a palavra catequese (katechein)
geralmente é usada quando se trata de uma instrução que não se dá dentro da
celebração litúrgica (cf. Lc 1,4; At 18,25; 21,21; Rm 2,18). Como afirma G.
Lutz: “A palavra catequese ficou
reservada para a instrução na fé fora da celebração do sacramento e, de modo
particular, para a instrução dos catecúmenos”[11].
O catecumenato era um tempo de
catequese de pessoas adultas que se preparavam para receber os sacramentos da
iniciação cristã. Ele tinha íntima relação com a celebração litúrgica que
marcava as etapas de introdução na vida da comunidade, até chegar a celebração
dos sacramentos. Este processo prosseguia depois da páscoa com o tempo chamado
de mistagogia. Durante todo este tempo, o catecúmeno era acompanhado pelos
catequistas.
Em toda a extensão do tempo de
catecumenato, a liturgia e a catequese estavam intimamente ligadas entre si. Alguns
exemplos encontramos na Tradição
Apostólica[12]
de Santo Hipólito, nas Catequeses
pré-batismais e mistagógicas[13]
de São Cirilo de Jerusalém e nos Tratados
sobre os sacramentos e os mistérios[14]
de Santo Ambrósio.
3.2. Da Idade Média ao nosso tempo
Quando as conversões de
adultos já não eram tão frequentes e aumentou o número de batizados de
crianças, o catecumenato conforme era exercido no início da Igreja, foi
perdendo o sentido. A medida em que as crianças já nasciam de famílias cristãs,
ela deveria receber a formação cristã inicial dentro da própria família. Na
Igreja, mais tarde, era dada a catequese em vista da preparação para a
confissão, a eucaristia e a crisma. A catequese já não era mais uma introdução
na vida cristã, mas, uma preparação para a celebração dos sacramentos. Embora a
catequese não estivesse desligada da liturgia, não havia mais aquela íntima
relação que se observa nas origens.
Mais tarde, quando a
frequência nas escolas torna-se obrigatória, o desligamento entre catequese e
liturgia progride, visto que a catequese passa a ser dada na própria escola.
Embora fosse possível uma catequese para os sacramentos também na comunidade,
muitas vezes estes eram celebrados também nas escolas, fora da comunidade. Com
o passar dos tempos, a catequese, já desligada da liturgia e da vida da
comunidade, passa a receber outros nomes, tais como: “aula de religião” ou “cultura
religiosa”. Com o tempo a catequese deixa também de atingir a pessoa na sua
totalidade, e passa a visar a pessoa em partes, em particular a vida moral.
Hoje, observa-se uma volta as
fontes originárias da catequese, principalmente no seu relacionamento com a
liturgia. Ela procura atingir a pessoa humana como um todo, volta a ser
realizada dentro da comunidade eclesial, com a participação da comunidade, pelo
menos em alguns momentos. A partir do Concílio Vaticano II, procura-se
novamente ligar catequese e liturgia, num esforço de destacar tanto a dimensão
litúrgica da catequese, como também a dimensão catequética da liturgia. É neste
sentido que o Decreto conciliar sobre a educação cristã “Gravissimum Educationis” irá dizer a respeito da formação catequética
que ela “ilumina e fortifica a fé, nutre
a vida segundo o espírito de Cristo, leva a uma participação consciente e ativa
do mistério litúrgico” (GE 4). Por outro lado, a Constituição sobre a
liturgia “Sacrosanctum Concilium” diz
que: “embora vise principalmente ao culto
da divina majestade, a liturgia contém muitos elementos de instrução para o
povo” (SC 33).
4. A DIMENSÃO
LITÚRGICA DA CATEQUESE
E A DIMENSÃO CATEQUÉTICA DA LITURGIA
4.1. A dimensão litúrgica da catequese
Todo encontro catequético
deveria possuir momentos celebrativos. Existe por aí catequese que não se
celebra nada. É o caso de catequistas que falam, falam, e nunca celebram em
seus encontros. Celebração não é somente a Missa. Nem tão somente os demais
sacramentos. Pode-se criar outras formas de celebrar como por exemplo:
celebração da Palavra, novenas, etc.. Estes encontros celebrativos tem como
objetivo fazer com que as crianças vão aprendendo liturgia e a celebrar. Para
isso é necessário duas coisas: em primeiro lugar que as catequistas sejam
interessadas pela liturgia, caso contrário não haverá motivação alguma. Em
segundo lugar, para que os catequizandos possam aprender celebrar e se
interessar devemos proporcionar com que eles possam preparar uma celebração,
sob a orientação do catequistas: ambientação, escolha dos textos bíblicos,
ornamentação, símbolos a serem usados, cânticos, etc.. Por este motivo, o
catequista deve ter o mínimo de formação litúrgica. Precisa de uma formação
litúrgica adequada.
4.2. A dimensão catequética da liturgia
A catequese é o melhor momento
formativo para se aprender celebrar celebrando. A liturgia e a catequese deve
andar juntas pois, “toda ação celebrativa
tem elementos catequéticos em seu desenvolvimento e toda ação catequética
deveria ter elementos celebrativos em seu processo pedagógico”[15]. A celebração litúrgica não é um
momento para a formação catequética propriamente dita. Não é um momento de
explicação. É sim, um momento de celebrar. Porém em todas as ações celebrativas
existem elementos catequéticos, como por exemplo: gestos, símbolos,
comentários, homilia, músicas, etc.. Estes elementos falam por si mesmo, tem a
força de expressão própria. Eles não precisam de serem explicados. Levando em
consideração todos estes elementos, a liturgia torna-se uma forte aliada no
processo catequético de nossas crianças, jovens e adultos.
5. A RELAÇÃO
LITURGIA E CATEQUESE
NOS DOCUMENTOS DA IGREJA
Embora já tendo citado ao
longo de nossa reflexão alguns documentos da Igreja que estabelecem a relação entre
liturgia e catequese, queremos aqui apresentar de forma sintética e sistemática
os principais documentos onde esta relação aparece de maneira clara e objetiva.
5.1. Constituição “Sacrosanctum
Concilium”
A Constituição conciliar sobre
a liturgia “Sacrosanctum Concilium”
afirma que “a liturgia é o cume para o
qual tende toda a ação da Igreja” (SC 10). A mesma constituição, ao
reconhecer a liturgia como cume, também diz que “ela não esgota toda a ação da Igreja” (SC 9), pois ela não é a
única ação da Igreja. É evidente que entre tantas outras ações da Igreja,
inclui-se a ação catequética.
No que diz respeito à
participação consciente e ativa na ação litúrgica, a Constituição orienta para
que “mediante instrução devida, deve com
empenho ser buscada pelos pastores de almas em toda ação pastoral” (SC 14).
Para isso é necessário uma boa formação e vivência da própria liturgia.
Para a melhor participação
consciente e ativa na ação celebrativa, o Concílio recomendou a reforma e
ampliação de todos os rituais que, segundo D. Sartore: “além de introduzir formas celebrativas que tornam mais fáceis a
compreensão e a participação dos fiéis, insistem muito na catequese
preparatória”[16]. O próprio Concílio dirá para que:
Seja também inculcada, por
todos os modos, a catequese mais diretamente litúrgica; e nas próprias
cerimônias sejam previstos, se necessário for, breves esclarecimentos, a serem
proferidos pelo sacerdote ou pelo ministro competente, em momentos oportunos,
com termos prefixados por escrito ou semelhantes (SC 35,3).
5.2. A Instrução “Inter
Oecumenici”
A Instrução “Inter Oecumenici” deixa ainda mais claro
a relação entre catequese e liturgia ao afirmar que todas as atividades
pastorais devem estar em conexão com a liturgia e, ao mesmo tempo, que a pastoral
litúrgica não se desenvolva isoladamente das demais, mas em íntima relação,
principalmente entre catequese e liturgia (cf. n. 7).
5.3. O Diretório Catequético Geral de 1971
Este Diretório Catequético ao
apresentar as diversas formas e tarefas da catequese, afirma que ela deve
promover a participação na liturgia, ao dizer que:
A catequese deve promover uma
participação ativa, consciente, autêntica na liturgia da Igreja, não só
explicando o significado dos ritos, mas educando os fiéis para a oração, a ação
de graças, a penitência, a súplica confiante, o sentido comunitário, a
linguagem simbólica, todas estas coisas necessárias para uma verdadeira vida
litúrgica (n. 25).
Ele ainda recorda que a
catequese deve levar os fiéis ao conhecimento dos mistérios de Deus, através de
uma catequese dos sinais (cf. n. 57), e que seu conteúdo deve ser celebrado na
liturgia (cf. n. 45).
5.4. A Exortação Apostólica “Evangelii
Nunciandi” de Paulo VI
O beato papa Paulo VI, na
Exortação “Evangelii Nunciandi” de
1975, mostra que a finalidade da catequese litúrgica está no horizonte da
evangelização. O documento ressalta a importância de uma sólida catequese
sacramental ao afirmar:
A evangelização revela toda a
sua riqueza quando realiza o vínculo íntimo, e, melhor ainda, uma
intercomunicação ininterrupta entre a Palavra e os sacramentos. Em certo
sentido, está errado opor, como por vezes se faz, a evangelização à
sacramentalização. É verdade que certo modo de conferir os sacramentos, sem
sólido apoio da catequese sobre estes mesmos sacramentos e de uma catequese
global, acabaria por privá-los em grande parte de sua eficácia. A tarefa da
evangelização é precisamente a de educar na fé de modo tal que ela conduza cada
cristão a viver os sacramentos como verdadeiros sacramentos da fé, e não a
recebê-los passivamente, ou a simplesmente suportá-los (n. 47).
5.5. Exortação Apostólica “Catechesi
Tradendae” de João Paulo II
São João Paulo II na Exortação
“Catechesi Tradendae” faz eco a
relação entre liturgia e catequese ao dizer que: “A catequese está intrinsecamente ligada com toda a ação litúrgica e
sacramental, porque é nos sacramentos, e sobretudo na eucaristia, que Cristo
Jesus age em plenitude para a transformação dos homens” (n. 23). E observa
esta relação ao afirmar que a catequese tem sempre uma referência aos
sacramentos, e ao mesmo tempo, leva a eles.
A catequese conserva sempre
uma referência aos sacramentos, e toda a catequese leva necessariamente aos
sacramentos da fé. Por outro lado, uma autêntica prática dos sacramentos tem
forçosamente um aspecto catequético. Por outras palavras, a vida sacramental se
empobrece e bem depressa se torna um ritualismo oco, se ela não estiver fundada
num conhecimento sério do que significam os sacramentos. E a catequese intelectualiza-se,
se não for haurir vida numa prática sacramental (n. 23).
Ainda a respeito dos
diferentes lugares e momentos da vida cristã, tais como: peregrinações,
missões, círculos bíblicos, comunidades de base, agrupamento de jovens, onde se
pode haver uma catequese, a Exortação chama a atenção para três dimensões: palavra, memória e testemunho, que no
âmbito catequético se apresenta como doutrina,
celebração e compromisso (cf. n. 47).
Segundo o documento, estas
observações tornam-se ainda mais válidas quando a catequese é realizada dentro
do contexto litúrgico, em particular na assembleia eucarística. Ao referir-se a
homilia, o documento afirma que: “a
homilia retoma o itinerário de fé proposto pela catequese” (n. 48) e por
este motivo a pedagogia da fé tem sua fonte e complemento na eucaristia. Ainda
segundo o documento: “a pregação,
centrada nos textos bíblicos, deverá então, à sua maneira, dar ocasião a que os
fiéis se familiarizem com o conjunto dos mistérios da fé e das normas da vida
cristã” (n. 48).
Em todos estes documentos
podemos destacar três dimensões da relação entre liturgia e catequese:
1ª) A
catequese como iniciação à vida litúrgica;
2ª) A
liturgia como catequese em ação;
3ª) A
liturgia como fonte da catequese.
6. A LITURGIA COMO
FONTE DA CATEQUESE
É importante lembrar que a
catequese tem como fonte a Palavra de Deus. O Diretório Nacional de Catequese
afirma que: “a fonte na qual a catequese
busca a sua mensagem é a Palavra de Deus”[17]. Já
a Exortação “Catechesi Tradendae” diz
que: “a catequese há de haurir sempre o
seu conteúdo na fonte viva da Palavra de Deus” (n. 27). A Palavra de Deus é
compreendida e vivida pelo senso de fé, celebrada na liturgia e vivida pelo
cristão no seu dia-a-dia. O Diretório Geral para a Catequese estabelece
fortemente o nexo entre Palavra de Deus e liturgia, que reconhece a própria
liturgia como fonte da catequese, pois na liturgia, ela é proclamada, ouvida,
interiorizada e comentada (cf. n. 95). Para André Philippe, a liturgia é
colocada como centro da catequese, e até ousa dizer que a Bíblia é mais Palavra
de Deus na liturgia, pois nela, a Palavra de Deus é proclamada na assembleia e
realizada no mistério litúrgico[18].
Para Gregório Lutz: “Além de ser
proclamado pelas leituras o mistério de Cristo se torna presente pela
celebração ritual e sacramental. Neste duplo sentido, como lugar de leitura da
Bíblia e como lugar de comemoração ritual, a liturgia é fonte de catequese”[19].
A liturgia é o lugar
privilegiado de educação de fé. Na liturgia a proclamação da Palavra torna-se a
primeira e fundamental escola da fé[20]. A
Palavra de Deus na liturgia possui um caráter sacramental, pois, na sua
proclamação, Cristo se torna presente (cf. SC 7). A liturgia da Palavra não é
vista mais como uma preparação, mais sim, como o próprio Deus que fala para seu
povo. Na liturgia a Palavra de Deus não é apresentada algo a aprender, mas como
revelação a ser acolhida.
Podemos dizer que a relação
entre liturgia e catequese tem um fundamento bíblico. É preciso que a Palavra
proclamada na liturgia, comente e esclareça os sinais litúrgicos. Disso,
pode-se concluir que há uma relação orgânica entre liturgia e catequese, pois
no centro a ação litúrgica há lugar para uma catequese bíblica.
Por outro lado, a liturgia em
todas as suas dimensões e recursos, torna-se fonte constante e inesgotável para
a catequese. Por certo, uma catequese que não se impregne de oração e não
desemboque na celebração litúrgica, afasta-se de sua autêntica fonte, e corre o
risco de se reduzir a mera transmissão intelectual. E uma liturgia que não
valoriza sua dimensão catequética, pode cair no ritualismo[21].
A liturgia é uma fonte
inesgotável de elementos simbólicos que introduzem cada um dos aspectos do
mistério de Cristo e da Igreja. Com efeito, encontramos no Estudo 42 da CNBB a
afirmação de que: “a catequese deve
tender para liturgias vivas em que a fé se nutra da Palavra de Deus
convenientemente proclamada e comentada; da prece da Igreja; de cantos
apropriados; num conjunto de ritos e gestos desempenhados com veracidade e
beleza”[22].
A liturgia deve ser fonte de
catequese, capaz de nutrir a fé e chamar à conversão e propor um caminho de
compromisso eclesial e social. A liturgia é fonte onde a catequese pode buscar
material como ponto de referência para relacionar a vida ao mistério de Cristo
e da Igreja. D. Sartore sugere que não existe nenhum símbolo, palavra e ação na
liturgia, dos quais a catequese não possa beneficiar-se para alimentar a fé e
convidar a conversão e a construção da comunidade cristã[23]. Os
textos litúrgicos, os ritos, os gestos, os símbolos, o ano litúrgico e todos os
demais sinais da liturgia possuem um grande valor para a catequese. A catequese
deve introduzir no significado e na participação ativa, interna, externa,
consciente, plena e frutuosa dos mistérios de Cristo na liturgia.
7. CONCLUSÃO
Chegando ao final de nossa
reflexão, podemos apontar alguns pontos que merecem nossa atenção, tanto da
parte dos agentes da liturgia como de catequistas, para que possamos
reaproximar estas duas dimensões tão importantes da caminhada da Igreja, que
são a liturgia e a catequese. Como diz Vanildo de Paiva: “É um grande desafio, para todos nós, resgatar a relação de
interdependência entre a catequese e a liturgia”[24].
Por isso é tão urgente desenvolver um processo de integração, colaboração e
diálogo entre catequistas e agentes da pastoral litúrgica. A relação catequese
e liturgia não é algo opcional, mas essencial no processo de iniciação à vida
cristã. Por isso é de suma importância repensar algumas práticas e posturas.
Apontamos pois, apenas alguns elementos para colaborar nesta revisão.
- A liturgia e a catequese são duas
dimensões que apontam para o mesmo mistério: o mistério pascal de Cristo;
- A liturgia não se reduz à catequese, e
nem muito menos a catequese se reduz à liturgia, porém, uma se encaminha
para a outra;
- É necessário buscar uma metodologia que
facilite essa integração entre liturgia e catequese. Uma metodologia
possível e que tem se buscado com constância é o estilo catecumenal;
- É importante resgatar na catequese a
vivência do ano litúrgico como meio pedagógico que nos faz entrar no
mistério celebrado. Ele oferece um excelente conteúdo para o
aprofundamento da fé;
- É preciso resgatar o sentido originário
dos sacramentos de iniciação cristã, para superar celebrações
desconectadas com a vivência comunitária da fé. Repensar as celebrações de
primeira eucaristia, de crisma e até mesmo do batismo;
- A catequese precisa integrar em sua
prática as devoções populares, tais como: terços, romarias, novenas, bênçãos,
etc. Elas exercem um importante papel na sustentação da fé de muitos;
- Tanto os catequistas como os agentes da
pastoral litúrgica devem aprofundar sempre mais o conhecimento da liturgia
e de seus ritos e símbolos, buscando uma vivência mais profunda dos
mesmos, para poder iniciar os catequizandos nos mesmos mistérios. Não se
inicia se antes não estiver iniciado os conduzem;
- O catequista é visto como um mistagogo.
Por isso, ou o catequista conduzirá o para dentro do mistério, ou
simplesmente continuará transmitindo doutrinas e conhecimentos
desconectados da vivência comunitária da fé, não ressoando no coração dos
catequizandos o desejo de fazer parte da comunidade cristã, muito menos de
suas celebrações;
- É importante proporcionar aos
catequizandos uma experiência constante da vivência simbólica, a fim de
desenvolver neles uma sensibilidade para esta dimensão da liturgia;
- Tanto os agentes da liturgia como da
catequese precisam se libertar do formalismo e da rigidez em relação do
ritual e ao simbólico. O rito deve estar a serviço da experiência de Deus
e deve levar a uma fé comprometida com o mistério celebrado, integrando fé
e vida;
- É importante ter cuidado com a imagem de
Deus que é passada aos catequizandos, que muitas vezes não coincide com o
Deus revelado por Jesus Cristo, que é Amor. Há entre catequistas muitas
concepções negativas de Deus como: policial, quebra-galho, vingativo,
justiceiro, etc.;
- É preciso revisar as concepções de
pecado e como ele vem sendo apresentado para os catequizandos. Visões distorcidas
podem levar a neuroses e experiências distorcidas de Deus;
- A catequese deve ser criativa e
possibilitar momentos e celebrações penitenciais ao longo do processo,
para acostumar o catequizando a fazer silêncio, examinar a consciência, a
pedir perdão e viver esse compromisso no dia-a-dia;
- Deve-se tomar cuidado para não fazer
“terrorismo” com os catequizandos, inculcando neles o que o catequista
considera pecado ou não, e forçando eles a decorar fórmulas extensas e
pouco compreensivas;
- É importante que o catequista tenha uma
vivência positiva do sacramento da penitência, para não levar os
catequizandos a uma prática obrigatória, mas prazerosa da misericórdia de
Deus;
E para finalizar, gostaria de
apontar alguns elementos da formação litúrgica na catequese, para que, no
processo de revisão, possam eles, ser levados em conta.
- Recuperar a centralidade do mistério
pascal de Cristo na catequese e na vida dos catequizandos;
- Recuperar a liturgia como momento
celebrativo da história da salvação;
- Recuperar a liturgia como exercício do
sacerdócio de Cristo e nosso;
- Recuperar a dimensão celebrativa da
liturgia, como ação ritual e simbólica;
- Recuperar a dimensão comunitária da
liturgia;
- Recuperar a participação dominical na
eucaristia como coração da vida cristã;
- Aprofundar o conhecimento da Palavra de
Deus na catequese;
- Recuperar a espiritualidade pascal ao
longo do ano litúrgico, como caminho pedagógico para o mistério celebrado;
- Recuperar a espiritualidade penitencial
por meio de celebrações dentro do processo catequético;
- Recuperar o sentido originário dos
sacramentos de iniciação à vida cristã, que leve de fato a uma vivência
comunitária da fé;
- Aprofundar a presença de Maria no
mistério de Cristo, da Igreja, na liturgia e na vida dos cristãos.
REFERÊNCIAS
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